Constitucional (resumo livro Daniel Sarmento) Flashcards
O que se entende por atividade legislativa heterônoma?
Se dá quando o Poder Judiciário assume postura legislativa. Essa criação judicial do direito pode gerar diversas espécies de decisões:
- sentença interpretativa de rechaço: a Corte adota a interpretação que se adequa à CF, repudiando qualquer outra que contrarie o texto constitucional.
- sentença interpretativa de aceitação: a Corte anula decisão tomada pela magistratura comum, que adotou interpretações ofensivas à CF.
- sentença manipuladora: a Corte não se limita a declarar a inconstitucionalidade das normas, mas, agindo como legislador positivo, modifica (manipula) diretamente o ordenamento jurídico, a pretexto de adequá-lo à CF. Essas sentenças manipuladoras são divididas em sentenças aditivas (a Corte diz que a norma é inconstitucional em razão do que ela omite, como no caso das decisões que permitem o aborto de feto anencéfalo, direito de greve dos servidores públicos, etc.) e sentenças substitutivas.
Quem são os principais autores responsáveis pela distinção entre princípios e regras?
Muitos autores atribuem a Alexy a originalidade da distinção entre regras e princípios. Entretanto, não se pode esquecer de importante ensaio publicado por Ronald Dworkin, em meados de 1967, sendo depois republicado como capítulo da obra “Levando os direitos a sério”, em 2002.
Os princípios passaram a ser vistos como um conceito de norma jurídica, passando essa a ser formada agora por duas espécies distintas: regras jurídicas e princípios jurídicos.
Por que se diz que os princípios, como espécies de normas jurídicas, também têm conteúdo deôntico?
Porque passaram a expressar um dever, estabelecendo obrigações, permissões ou proibições de conduta.
Canotilho, recorrendo a uma gama de autores (Larenz, Esses, Alexy, Dworkin, entre outros), apresenta uma síntese sobre os principais critérios diferenciadores entre as regras e os princípios. Quais são eles?
1) GRAU DE ABSTRAÇÃO: enquanto os princípios possuem grau de abstração elevado, as regras possuem abstração reduzida;
2) GRAU DE DETERMINABILIDADE NO CASO CONCRETO: os princípios, por serem vagos e imprecisos, carecem de mediações concretizadoras (do legislador ao juiz), enquanto que as regras são suscetíveis de aplicação direta;
3) CARÁTER DA FUNDAMENTABILIDADE: os princípios são normas de natureza estruturante e de papel fundamental no ordenamento jurídico (exemplo: princípio do estado de direito);
4) proximidade da ideia de direito: os princípios são ‘standarts’ juridicamente vinculantes radicados na exigência de justiça (segundo Dworkin); já as regras podem ser normas vinculativas com conteúdo meramente funcional;
5) natureza normogenética: os princípios são os fundamentos das regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando por isso uma função normogenética fundamentante.
Quais são as teses fraca e forte para distinguir princípios das regras?
Alexy afirma que a distinção com base no grau de generalidade e abstração (em que os princípios seriam normas de um grau de generalidade e abstração mais alto que as regras), é uma tese fraca, eis que a distinção é meramente quantitativa, ou seja, de grau de abstração de cada espécie normativa.
Para Alexy, a tese forte da separação entre regras e princípios, também chamada de tese qualitativa, é aquela que toma o modo de aplicação de cada espécie de norma como critério distintivo suficiente da separação – ou seja, o modo como o conflito é resolvido. Assim, para a tese forte, a generalidade não é um critério adequado para distinguirmos as regras dos princípios, sendo incapaz de proporcionar uma diferenciação essencial. A distinção deve ocorrer pelo MODO DE APLICAÇÃO de cada espécie normativa, bem como na forma de proceder em caso de um conflito normativo.
Uma das diferenças entre regras e princípios é que as regras são aplicáveis na maneira do “tudo-ou-nada” (all-or-nothing)?
SIM. Assim, se a regra é válida, ela deve ser aplicada da maneira como preceitua, nem mais nem menos, conforme um procedimento de subsunção silogístico. Diante de um conflito de regras, Alexy afirma que apenas uma delas deve ser considerada válida, enquanto que a outra não somente não será considerada pela decisão, como deverá ser retirada do ordenamento jurídico, por ser considerada inválida, salvo se se tratar de cláusula de exceção.
Já os princípios não são razões determinantes para uma decisão, ou seja, não são mandamentos definitivos. Os princípios apresentam obrigações prima facie, na medida em que podem ser superadas em razão de outros princípios, ou seja, não são obrigações absolutas como as regras. Há uma diferença entre aquilo que é garantido (ou imposto) prima facie e aquilo que é garantido definitivamente. Pode-se dizer que há um longo caminho entre um e outro.
É por isso que Alexy afirma que, nos casos de colisões entre princípios, há uma DIMENSÃO DE PESO, exigindo para sua aplicação um mecanismo de proporcionalidade. Assim, os princípios seriam normas que obrigam que algo seja realizado na maior medida do possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto. Assim, Alexy afirma que os princípios apresentam a natureza de mandamentos de otimização.
Qual a diferença entre princípios e postulados?
Para Ávila, os postulados não seriam normas, mas sim metanormas, “situam-se num segundo grau e estabelecem a estrutura de aplicação de outras normas, princípios e regras”, ou seja, os postulados não impõem a promoção de um fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicação do dever de promover um fim, além disso, não prescrevem comportamentos, mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos. São exemplos de postulados a ponderação, a concordância prática e a proibição de excesso, bem como a igualdade, razoabilidade e proporcionalidade.
O que é a ideia de derrotabilidade das regras?
Atualmente muitos autores, entre eles Humberto Ávila, começam a reconhecer a ideia da derrotabilidade das regras (defeasibility), superando o modelo do ‘tudo ou nada’, defendido por Dworkin. Essa ideia de derrogabilidade vem sendo atribuída a Hart, em que o julgador insere uma exceção no interior da regra.
O termo “derrotabilidade” consiste na ideia segundo a qual a consequência da norma jurídica pode ser afastada, não aplicada, em razão da existência de um fato, interpretação ou circunstância com ela incompatível.
Ou seja, a derrotabilidade (ou superabilidade) de uma regra implica a não incidência de uma norma existente, válida e eficaz, ou seja, embora tenha percorrido todos os degraus da escada ponteana, não se sagra vitoriosa no caso que normatizou. Nisso se distingue do controle de constitucionalidade, afinal, enquanto a sindicância de constitucionalidade aquilata a validade das normas, a derrotabilidade trabalha com uma norma válida, mas episodicamente afastada em nome do que é (ou parece ser) justo.
Cada vez mais cortes nacionais e internacionais têm realizado comparações judiciais ao decidirem casos submetidos às suas respectivas jurisdições. Há três doutrinas que tratam a respeito do tema. Quais são elas?
1) invocação obrigatória de fonte estrangeira – os tribunais nacionais estão obrigados a usar o direito internacional ou estrangeiro no momento em que eles decidirem alguns tipos de casos.
2) invocação aconselhável de fonte estrangeira – não há nenhuma obrigação de o tribunal recorrer a fontes não domésticas, mas há certo consenso, recomendação ou indicação para a consulta a fontes externas como sendo o correto modo de um juiz ou tribunal proceder.
3) invocação voluntária de fonte estrangeira - mesmo não havendo no sistema jurídico interno qualquer norma obrigando ou recomendado a consulta a fontes estrangeiras ou internacionais, os tribunais, ainda assim, recorrem a elas, mesmo àquelas nas quais não houve qualquer inspiração por parte do legislativo ou constituinte nacional.
Quais são os argumentos contrários ao uso da comparação judicial entre fontes estrangeiras?
O relativismo cultural enfatiza que as normas constitucionais, especialmente as definidoras de direitos fundamentais, devem ser interpretadas de acordo com as circunstâncias nacionais particulares e com a história constitucional nacional de cada país, bem como com a cultura jurídica e com a história da nação. Assim, para o particularismo, a jurisprudência comparativa não oferece qualquer ajuda, precisamente por que ela vem de fora de um determinado sistema jurídico. Seu uso seria uma forma de imperialismo jurídico.
Tais ideias são frequentemente associadas a um tipo particular de NACIONALISMO JURÍDICO. Segundo os particularistas, as constituições representam a auto-constituição e a auto-expressão de comunidades particulares. Vistas desta maneira, as constituições representam um papel “expressivista”, revestindo a nação de identidade própria e auto-compreensão.
Um particularista de renome foi o juiz Antonin Scalia, segundo o qual “nós não devemos esquecer que é uma Constituição para os Estados Unidos da América que estamos julgando”.
Argumentos baseados na SOBERANIA POPULAR e na DEMOCRACIA também são invocados em nome de uma postura de resistência.
Há duas críticas quase universais à invocação voluntária do direito estrangeiro por tribunais e juízes nacionais:
1. a primeira delas diz respeito à ausência de metodologia ou de critérios a serem empregados - os tribunais e juízes escolhem os precedentes estrangeiros e internacionais mais adequados para apoiarem seus próprios pontos de vistas.
- a segunda crítica é a de que, mesmo nos casos em que os juízes e tribunais se esforçam em selecionar e invocam de boa-fé fontes estrangeiras em suas decisões, eles falham em identificar quais materiais comparativos são apropriados. Isso se dá devido ao fato de eles não compreenderem satisfatoriamente os contextos sociais e os sistemas jurídicos dos países dos quais os materiais comparativos são invocados, o que pode acarretar disfunções de alguma ordem no sistema doméstico.
Quais são os princípios de interpretação constitucional?
Ao lado dos métodos de interpretação, a doutrina estabelece alguns princípios específicos de interpretação e que podem ser assim esquematizados:
- princípio da unidade da constituição;
- princípio do efeito integrador;
- princípio da máxima efetividade;
- princípio da justeza ou da conformidade;
- princípio da harmonização ou da concordância prática;
- princípio da força normativa da constituição.
- princípio da interpretação conforme a constituição.
O que é o princípio da justeza ou da conformidade?
O STF, ao concretizar a norma constitucional, não poderá alterar a repartição das funções constitucionalmente estabelecidas pelo poder constituinte originário, chegando a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido. Exemplo: o Poder Judiciário não pode atuar como legislador positivo.
O que é o princípio da harmonização ou da concordância prática?
O aplicador das normas constitucionais, ao se deparar com situações de concorrência entre bens constitucionalmente protegidos (normalmente direitos fundamentais), deve adotar a solução que otimize a realização de todos eles, mas, ao mesmo tempo, não acarrete a negação de nenhum. Essa avaliação nunca é feita a priori, mas apenas no momento da aplicação do texto, quando se pode coordenar, ponderar e, ao final, conciliar os bens e valores constitucionais em conflito. A concordância prática há de ser encontrada em cada caso concreto, segundo os parâmetros oferecidos pelo princípio da proporcionalidade, buscando sempre que a medida de sacrifício de um dos bens em colisão, para a solução justa e proporcional do caso concreto, não exceda o estritamente necessário.
O que é o princípio da força normativa da Constituição?
Idealizado por Konrad Hesse, a constituição tem força ativa para alterar a realidade. Como decorrência dessa teoria, surge o princípio da força normativa da CF, para o qual, a partir dos valores sociais, o intérprete deve extrair a aplicabilidade e eficácia de todas as normas da CF, conferindo-lhes sentido prático.
O que é o princípio do efeito integrador?
A resolução dos problemas constitucionais deve dar prevalência aos pontos de vista que favoreçam a integração política e social.
O que é o princípio da máxima efetividade?
Também chamado de princípio da eficiência ou da interpretação efetiva, deve ser entendido no sentido de que à norma constitucional deve ser atribuído o sentido que lhe confira maior eficácia, maior aptidão para produzir os efeitos que lhe são próprios. Embora se trate de um princípio aplicável a toda norma constitucional, tem espaço de maior realce no campo das normas programáticas e dos direitos fundamentais (art. 5º, §1º da CF).
O que é o princípio da unidade da constituição?
O intérprete deve considerar a CF em sua globalidade e procurar harmonizar os espaços de tensão entre as normas constitucionais a concretizar.
Dessa forma, as normas constitucionais devem ser vistas não como normas isoladas, mas como preceitos integrados num sistema unitário de regras e princípios, que é instituído na e pela própria Constituição. Não se pode separar uma norma constitucional do conjunto em que ela se integra. Eros Grau: “não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços”.
Uma das principais utilidades do princípio da unidade da Constituição é afastar a tese da hierarquia entre normas da CF (teoria das normas constitucionais inconstitucionais), o qual sugeria a existência de normas superiores e inferiores dentro do texto constitucional originário.
O que é o princípio da interpretação conforme a constituição?
Diante de normas plurissignificativas, deve-se preferir a exegese que mais se aproxime da Constituição, e, portanto, não seja contrária ao texto constitucional.
Só se admite a interpretação conforme a constituição se existir um espaço de decisão, e dentre as várias a que se chegar, deverá ser aplicada em conformidade com a CF. Por fim, não se aceita a interpretação conforme a CF quando, pelo processo de hermenêutica, se obtiver uma nova regra distinta daquela objetivada pelo legislador (o intérprete não pode atuar como legislador positivo).
Ademais, modernamente se tem dito que esse princípio consubstancia um mandado de otimização do querer constitucional, significando que, entre diversas exegeses igualmente compatíveis com a Constituição de uma mesma norma, deve-se escolher a que mais se orienta para a Constituição ou a que melhor corresponde às decisões do constituinte.
O âmbito de aplicação desse princípio é, frequentemente, o da interpretação das leis, mas também pode ser aplicado à interpretação de Emendas Constitucionais (também passíveis de controle de constitucionalidade)
Na República, o cidadão tem apenas direitos?
NÃO, além de direitos, têm deveres em relação à comunidade política. No republicanismo, o sistema de governo conta com cidadãos engajados que participam do governo junto com os políticos. Enfatiza-se a importância da esfera pública como local de troca de razões.
O republicanismo tem em comum com o comunitarismo a crítica à visão atomizada e individualista de sociedade própria ao liberalismo?
SIM. Porém, enquanto o foco do comunitarismo está no respeito às tradições e valores compartilhados, no republicanismo o foco está na participação do cidadão na coisa pública.
Cite uma das maiores bandeiras do republianismo moderno.
O republicanismo moderno dá grande ênfase à igualdade. Perante a res publica, todos devem ser tratados com igual respeito. Nesse sentido, uma das maiores bandeiras republicanas é o combate ao privilégio conferido aos governantes ou à elite.
A diferenciação entre procedimentalistas e substancialistas pode ser usada para discutir o papel da Constituição na sociedade, bem como para debater o espaço adequado da jurisdição constitucional?
SIM. Em relação ao papel da Constituição na sociedade, as teorias procedimentais sustentam que o papel da Constituição é definir as regras do jogo político, assegurando a sua natureza democrática. Isso inclui também a defesa de determinados direitos, que são tidos como pressupostos para o funcionamento da democracia, como as liberdades de expressão e de associação política.
O procedimentalismo defende que as decisões sobre temas controvertidos no campo moral, econômico, político etc., não devem estar contidas na Constituição, cabendo ao povo em cada momento deliberar sobre esses temas.
O principal fundamento desta posição é o princípio democrático, pois parte da premissa de que a constitucionalização de uma decisão, por importar na supressão do espaço de deliberação das maiorias políticas futuras, deve ser vista com muita cautela.
Já o substancialismo adota posição inversa, sustentando a legitimidade da adoção de decisões substantivas pelas constituições, sobretudo no que concerne aos direitos fundamentais. O neoconstitucionalismo e a teoria da constituição dirigente se situam claramente no campo do substancialismo, por conceberem papéis bastante ambiciosos para as constituições.
No campo da jurisdição constitucional, os procedimentalistas defendem um papel mais modesto do Judiciário, sustentando que ele deve adotar uma postura de autocontenção, a não ser quando esteja em jogo a defesa dos pressupostos de funcionamento da própria democracia. Já os substancialistas advogam um papel mais ativo para a jurisdição constitucional mesmo em casos que não envolvam os pressupostos da democracia.
Os dois principais autores do procedimentalismo na teoria constitucional são jurista norte-americano John Hart Ely e o filósofo alemão Jurgen Habermas.
Ely justifica uma atuação judicial mais enérgica apenas em duas situações:
(i) para manter abertos os “canais de participação política” e
(ii) para proteger minorias estigmatizadas, que são as eternas perdedoras no processo político majoritário. Atuando dessa forma, a jurisdição constitucional fortaleceria a democracia.
Como pode ser entendida a concepção procedimental formulada por Habermas?
Mais densa e sofisticada é a concepção procedimental formulada por Jürgen Habermas, que parte de pressupostos filosóficos complexos. Habermas busca conciliar, em sua filosofia política, as duas principais tradições do iluminismo: a tradição constitucionalista liberal inspirada em Kant, preocupada com a defesa das liberdades individuais e da autonomia privada do cidadão; e a tradição democrática, inspirada em Rousseau, voltada para a defesa da soberania popular e autonomia pública do cidadão. O seu projeto é o de construir um sistema em que autonomia pública e privada se complementem, sendo concebidas como “co-originárias”.
A justificação dos direitos fundamentais, pela teoria de Habermas, é PROCEDIMENTAL, e não metafísica. Os direitos fundamentais passam a ser compreendidos como CONDIÇÕES VIABILIZADORAS DA PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS NA FORMAÇÃO DO CONSENSO DEMOCRÁTICO.
Como Habermas identifica a democracia?
Na perspectiva habermasiana, a democracia não se identifica com o governo das maiorias. Ela não representa apenas uma forma de agregação de interesses individuais conflitantes, que permita a prevalência das posições que favoreçam ao maior número de pessoas. A democracia é deliberativa, baseada no diálogo social e nas interações travadas pelos cidadãos no espaço público.