Constitucional (resumo livro Daniel Sarmento) Flashcards
O que se entende por atividade legislativa heterônoma?
Se dá quando o Poder Judiciário assume postura legislativa. Essa criação judicial do direito pode gerar diversas espécies de decisões:
- sentença interpretativa de rechaço: a Corte adota a interpretação que se adequa à CF, repudiando qualquer outra que contrarie o texto constitucional.
- sentença interpretativa de aceitação: a Corte anula decisão tomada pela magistratura comum, que adotou interpretações ofensivas à CF.
- sentença manipuladora: a Corte não se limita a declarar a inconstitucionalidade das normas, mas, agindo como legislador positivo, modifica (manipula) diretamente o ordenamento jurídico, a pretexto de adequá-lo à CF. Essas sentenças manipuladoras são divididas em sentenças aditivas (a Corte diz que a norma é inconstitucional em razão do que ela omite, como no caso das decisões que permitem o aborto de feto anencéfalo, direito de greve dos servidores públicos, etc.) e sentenças substitutivas.
Quem são os principais autores responsáveis pela distinção entre princípios e regras?
Muitos autores atribuem a Alexy a originalidade da distinção entre regras e princípios. Entretanto, não se pode esquecer de importante ensaio publicado por Ronald Dworkin, em meados de 1967, sendo depois republicado como capítulo da obra “Levando os direitos a sério”, em 2002.
Os princípios passaram a ser vistos como um conceito de norma jurídica, passando essa a ser formada agora por duas espécies distintas: regras jurídicas e princípios jurídicos.
Por que se diz que os princípios, como espécies de normas jurídicas, também têm conteúdo deôntico?
Porque passaram a expressar um dever, estabelecendo obrigações, permissões ou proibições de conduta.
Canotilho, recorrendo a uma gama de autores (Larenz, Esses, Alexy, Dworkin, entre outros), apresenta uma síntese sobre os principais critérios diferenciadores entre as regras e os princípios. Quais são eles?
1) GRAU DE ABSTRAÇÃO: enquanto os princípios possuem grau de abstração elevado, as regras possuem abstração reduzida;
2) GRAU DE DETERMINABILIDADE NO CASO CONCRETO: os princípios, por serem vagos e imprecisos, carecem de mediações concretizadoras (do legislador ao juiz), enquanto que as regras são suscetíveis de aplicação direta;
3) CARÁTER DA FUNDAMENTABILIDADE: os princípios são normas de natureza estruturante e de papel fundamental no ordenamento jurídico (exemplo: princípio do estado de direito);
4) proximidade da ideia de direito: os princípios são ‘standarts’ juridicamente vinculantes radicados na exigência de justiça (segundo Dworkin); já as regras podem ser normas vinculativas com conteúdo meramente funcional;
5) natureza normogenética: os princípios são os fundamentos das regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando por isso uma função normogenética fundamentante.
Quais são as teses fraca e forte para distinguir princípios das regras?
Alexy afirma que a distinção com base no grau de generalidade e abstração (em que os princípios seriam normas de um grau de generalidade e abstração mais alto que as regras), é uma tese fraca, eis que a distinção é meramente quantitativa, ou seja, de grau de abstração de cada espécie normativa.
Para Alexy, a tese forte da separação entre regras e princípios, também chamada de tese qualitativa, é aquela que toma o modo de aplicação de cada espécie de norma como critério distintivo suficiente da separação – ou seja, o modo como o conflito é resolvido. Assim, para a tese forte, a generalidade não é um critério adequado para distinguirmos as regras dos princípios, sendo incapaz de proporcionar uma diferenciação essencial. A distinção deve ocorrer pelo MODO DE APLICAÇÃO de cada espécie normativa, bem como na forma de proceder em caso de um conflito normativo.
Uma das diferenças entre regras e princípios é que as regras são aplicáveis na maneira do “tudo-ou-nada” (all-or-nothing)?
SIM. Assim, se a regra é válida, ela deve ser aplicada da maneira como preceitua, nem mais nem menos, conforme um procedimento de subsunção silogístico. Diante de um conflito de regras, Alexy afirma que apenas uma delas deve ser considerada válida, enquanto que a outra não somente não será considerada pela decisão, como deverá ser retirada do ordenamento jurídico, por ser considerada inválida, salvo se se tratar de cláusula de exceção.
Já os princípios não são razões determinantes para uma decisão, ou seja, não são mandamentos definitivos. Os princípios apresentam obrigações prima facie, na medida em que podem ser superadas em razão de outros princípios, ou seja, não são obrigações absolutas como as regras. Há uma diferença entre aquilo que é garantido (ou imposto) prima facie e aquilo que é garantido definitivamente. Pode-se dizer que há um longo caminho entre um e outro.
É por isso que Alexy afirma que, nos casos de colisões entre princípios, há uma DIMENSÃO DE PESO, exigindo para sua aplicação um mecanismo de proporcionalidade. Assim, os princípios seriam normas que obrigam que algo seja realizado na maior medida do possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto. Assim, Alexy afirma que os princípios apresentam a natureza de mandamentos de otimização.
Qual a diferença entre princípios e postulados?
Para Ávila, os postulados não seriam normas, mas sim metanormas, “situam-se num segundo grau e estabelecem a estrutura de aplicação de outras normas, princípios e regras”, ou seja, os postulados não impõem a promoção de um fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicação do dever de promover um fim, além disso, não prescrevem comportamentos, mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos. São exemplos de postulados a ponderação, a concordância prática e a proibição de excesso, bem como a igualdade, razoabilidade e proporcionalidade.
O que é a ideia de derrotabilidade das regras?
Atualmente muitos autores, entre eles Humberto Ávila, começam a reconhecer a ideia da derrotabilidade das regras (defeasibility), superando o modelo do ‘tudo ou nada’, defendido por Dworkin. Essa ideia de derrogabilidade vem sendo atribuída a Hart, em que o julgador insere uma exceção no interior da regra.
O termo “derrotabilidade” consiste na ideia segundo a qual a consequência da norma jurídica pode ser afastada, não aplicada, em razão da existência de um fato, interpretação ou circunstância com ela incompatível.
Ou seja, a derrotabilidade (ou superabilidade) de uma regra implica a não incidência de uma norma existente, válida e eficaz, ou seja, embora tenha percorrido todos os degraus da escada ponteana, não se sagra vitoriosa no caso que normatizou. Nisso se distingue do controle de constitucionalidade, afinal, enquanto a sindicância de constitucionalidade aquilata a validade das normas, a derrotabilidade trabalha com uma norma válida, mas episodicamente afastada em nome do que é (ou parece ser) justo.
Cada vez mais cortes nacionais e internacionais têm realizado comparações judiciais ao decidirem casos submetidos às suas respectivas jurisdições. Há três doutrinas que tratam a respeito do tema. Quais são elas?
1) invocação obrigatória de fonte estrangeira – os tribunais nacionais estão obrigados a usar o direito internacional ou estrangeiro no momento em que eles decidirem alguns tipos de casos.
2) invocação aconselhável de fonte estrangeira – não há nenhuma obrigação de o tribunal recorrer a fontes não domésticas, mas há certo consenso, recomendação ou indicação para a consulta a fontes externas como sendo o correto modo de um juiz ou tribunal proceder.
3) invocação voluntária de fonte estrangeira - mesmo não havendo no sistema jurídico interno qualquer norma obrigando ou recomendado a consulta a fontes estrangeiras ou internacionais, os tribunais, ainda assim, recorrem a elas, mesmo àquelas nas quais não houve qualquer inspiração por parte do legislativo ou constituinte nacional.
Quais são os argumentos contrários ao uso da comparação judicial entre fontes estrangeiras?
O relativismo cultural enfatiza que as normas constitucionais, especialmente as definidoras de direitos fundamentais, devem ser interpretadas de acordo com as circunstâncias nacionais particulares e com a história constitucional nacional de cada país, bem como com a cultura jurídica e com a história da nação. Assim, para o particularismo, a jurisprudência comparativa não oferece qualquer ajuda, precisamente por que ela vem de fora de um determinado sistema jurídico. Seu uso seria uma forma de imperialismo jurídico.
Tais ideias são frequentemente associadas a um tipo particular de NACIONALISMO JURÍDICO. Segundo os particularistas, as constituições representam a auto-constituição e a auto-expressão de comunidades particulares. Vistas desta maneira, as constituições representam um papel “expressivista”, revestindo a nação de identidade própria e auto-compreensão.
Um particularista de renome foi o juiz Antonin Scalia, segundo o qual “nós não devemos esquecer que é uma Constituição para os Estados Unidos da América que estamos julgando”.
Argumentos baseados na SOBERANIA POPULAR e na DEMOCRACIA também são invocados em nome de uma postura de resistência.
Há duas críticas quase universais à invocação voluntária do direito estrangeiro por tribunais e juízes nacionais:
1. a primeira delas diz respeito à ausência de metodologia ou de critérios a serem empregados - os tribunais e juízes escolhem os precedentes estrangeiros e internacionais mais adequados para apoiarem seus próprios pontos de vistas.
- a segunda crítica é a de que, mesmo nos casos em que os juízes e tribunais se esforçam em selecionar e invocam de boa-fé fontes estrangeiras em suas decisões, eles falham em identificar quais materiais comparativos são apropriados. Isso se dá devido ao fato de eles não compreenderem satisfatoriamente os contextos sociais e os sistemas jurídicos dos países dos quais os materiais comparativos são invocados, o que pode acarretar disfunções de alguma ordem no sistema doméstico.
Quais são os princípios de interpretação constitucional?
Ao lado dos métodos de interpretação, a doutrina estabelece alguns princípios específicos de interpretação e que podem ser assim esquematizados:
- princípio da unidade da constituição;
- princípio do efeito integrador;
- princípio da máxima efetividade;
- princípio da justeza ou da conformidade;
- princípio da harmonização ou da concordância prática;
- princípio da força normativa da constituição.
- princípio da interpretação conforme a constituição.
O que é o princípio da justeza ou da conformidade?
O STF, ao concretizar a norma constitucional, não poderá alterar a repartição das funções constitucionalmente estabelecidas pelo poder constituinte originário, chegando a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido. Exemplo: o Poder Judiciário não pode atuar como legislador positivo.
O que é o princípio da harmonização ou da concordância prática?
O aplicador das normas constitucionais, ao se deparar com situações de concorrência entre bens constitucionalmente protegidos (normalmente direitos fundamentais), deve adotar a solução que otimize a realização de todos eles, mas, ao mesmo tempo, não acarrete a negação de nenhum. Essa avaliação nunca é feita a priori, mas apenas no momento da aplicação do texto, quando se pode coordenar, ponderar e, ao final, conciliar os bens e valores constitucionais em conflito. A concordância prática há de ser encontrada em cada caso concreto, segundo os parâmetros oferecidos pelo princípio da proporcionalidade, buscando sempre que a medida de sacrifício de um dos bens em colisão, para a solução justa e proporcional do caso concreto, não exceda o estritamente necessário.
O que é o princípio da força normativa da Constituição?
Idealizado por Konrad Hesse, a constituição tem força ativa para alterar a realidade. Como decorrência dessa teoria, surge o princípio da força normativa da CF, para o qual, a partir dos valores sociais, o intérprete deve extrair a aplicabilidade e eficácia de todas as normas da CF, conferindo-lhes sentido prático.
O que é o princípio do efeito integrador?
A resolução dos problemas constitucionais deve dar prevalência aos pontos de vista que favoreçam a integração política e social.
O que é o princípio da máxima efetividade?
Também chamado de princípio da eficiência ou da interpretação efetiva, deve ser entendido no sentido de que à norma constitucional deve ser atribuído o sentido que lhe confira maior eficácia, maior aptidão para produzir os efeitos que lhe são próprios. Embora se trate de um princípio aplicável a toda norma constitucional, tem espaço de maior realce no campo das normas programáticas e dos direitos fundamentais (art. 5º, §1º da CF).
O que é o princípio da unidade da constituição?
O intérprete deve considerar a CF em sua globalidade e procurar harmonizar os espaços de tensão entre as normas constitucionais a concretizar.
Dessa forma, as normas constitucionais devem ser vistas não como normas isoladas, mas como preceitos integrados num sistema unitário de regras e princípios, que é instituído na e pela própria Constituição. Não se pode separar uma norma constitucional do conjunto em que ela se integra. Eros Grau: “não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços”.
Uma das principais utilidades do princípio da unidade da Constituição é afastar a tese da hierarquia entre normas da CF (teoria das normas constitucionais inconstitucionais), o qual sugeria a existência de normas superiores e inferiores dentro do texto constitucional originário.
O que é o princípio da interpretação conforme a constituição?
Diante de normas plurissignificativas, deve-se preferir a exegese que mais se aproxime da Constituição, e, portanto, não seja contrária ao texto constitucional.
Só se admite a interpretação conforme a constituição se existir um espaço de decisão, e dentre as várias a que se chegar, deverá ser aplicada em conformidade com a CF. Por fim, não se aceita a interpretação conforme a CF quando, pelo processo de hermenêutica, se obtiver uma nova regra distinta daquela objetivada pelo legislador (o intérprete não pode atuar como legislador positivo).
Ademais, modernamente se tem dito que esse princípio consubstancia um mandado de otimização do querer constitucional, significando que, entre diversas exegeses igualmente compatíveis com a Constituição de uma mesma norma, deve-se escolher a que mais se orienta para a Constituição ou a que melhor corresponde às decisões do constituinte.
O âmbito de aplicação desse princípio é, frequentemente, o da interpretação das leis, mas também pode ser aplicado à interpretação de Emendas Constitucionais (também passíveis de controle de constitucionalidade)
Na República, o cidadão tem apenas direitos?
NÃO, além de direitos, têm deveres em relação à comunidade política. No republicanismo, o sistema de governo conta com cidadãos engajados que participam do governo junto com os políticos. Enfatiza-se a importância da esfera pública como local de troca de razões.
O republicanismo tem em comum com o comunitarismo a crítica à visão atomizada e individualista de sociedade própria ao liberalismo?
SIM. Porém, enquanto o foco do comunitarismo está no respeito às tradições e valores compartilhados, no republicanismo o foco está na participação do cidadão na coisa pública.
Cite uma das maiores bandeiras do republianismo moderno.
O republicanismo moderno dá grande ênfase à igualdade. Perante a res publica, todos devem ser tratados com igual respeito. Nesse sentido, uma das maiores bandeiras republicanas é o combate ao privilégio conferido aos governantes ou à elite.
A diferenciação entre procedimentalistas e substancialistas pode ser usada para discutir o papel da Constituição na sociedade, bem como para debater o espaço adequado da jurisdição constitucional?
SIM. Em relação ao papel da Constituição na sociedade, as teorias procedimentais sustentam que o papel da Constituição é definir as regras do jogo político, assegurando a sua natureza democrática. Isso inclui também a defesa de determinados direitos, que são tidos como pressupostos para o funcionamento da democracia, como as liberdades de expressão e de associação política.
O procedimentalismo defende que as decisões sobre temas controvertidos no campo moral, econômico, político etc., não devem estar contidas na Constituição, cabendo ao povo em cada momento deliberar sobre esses temas.
O principal fundamento desta posição é o princípio democrático, pois parte da premissa de que a constitucionalização de uma decisão, por importar na supressão do espaço de deliberação das maiorias políticas futuras, deve ser vista com muita cautela.
Já o substancialismo adota posição inversa, sustentando a legitimidade da adoção de decisões substantivas pelas constituições, sobretudo no que concerne aos direitos fundamentais. O neoconstitucionalismo e a teoria da constituição dirigente se situam claramente no campo do substancialismo, por conceberem papéis bastante ambiciosos para as constituições.
No campo da jurisdição constitucional, os procedimentalistas defendem um papel mais modesto do Judiciário, sustentando que ele deve adotar uma postura de autocontenção, a não ser quando esteja em jogo a defesa dos pressupostos de funcionamento da própria democracia. Já os substancialistas advogam um papel mais ativo para a jurisdição constitucional mesmo em casos que não envolvam os pressupostos da democracia.
Os dois principais autores do procedimentalismo na teoria constitucional são jurista norte-americano John Hart Ely e o filósofo alemão Jurgen Habermas.
Ely justifica uma atuação judicial mais enérgica apenas em duas situações:
(i) para manter abertos os “canais de participação política” e
(ii) para proteger minorias estigmatizadas, que são as eternas perdedoras no processo político majoritário. Atuando dessa forma, a jurisdição constitucional fortaleceria a democracia.
Como pode ser entendida a concepção procedimental formulada por Habermas?
Mais densa e sofisticada é a concepção procedimental formulada por Jürgen Habermas, que parte de pressupostos filosóficos complexos. Habermas busca conciliar, em sua filosofia política, as duas principais tradições do iluminismo: a tradição constitucionalista liberal inspirada em Kant, preocupada com a defesa das liberdades individuais e da autonomia privada do cidadão; e a tradição democrática, inspirada em Rousseau, voltada para a defesa da soberania popular e autonomia pública do cidadão. O seu projeto é o de construir um sistema em que autonomia pública e privada se complementem, sendo concebidas como “co-originárias”.
A justificação dos direitos fundamentais, pela teoria de Habermas, é PROCEDIMENTAL, e não metafísica. Os direitos fundamentais passam a ser compreendidos como CONDIÇÕES VIABILIZADORAS DA PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS NA FORMAÇÃO DO CONSENSO DEMOCRÁTICO.
Como Habermas identifica a democracia?
Na perspectiva habermasiana, a democracia não se identifica com o governo das maiorias. Ela não representa apenas uma forma de agregação de interesses individuais conflitantes, que permita a prevalência das posições que favoreçam ao maior número de pessoas. A democracia é deliberativa, baseada no diálogo social e nas interações travadas pelos cidadãos no espaço público.
O que racionaliza o processo decisório democrático de acordo com Habermas?
É o embate entre os argumentos e contra-argumentos no espaço público que racionaliza o processo decisório democrático. Na deliberação, os participantes podem expor os seus pontos de vista e criticar os argumentos alheios com liberdade e igualdade. Para um contexto propício a essa troca de argumentos, é preciso que sejam garantidas as a liberdade e a igualdade entre os sujeitos.
Qual o conceito de direitos fundamentais pela teoria procedimentalista?
A teoria procedimental formula o conceito de direitos fundamentais com base em argumentos centrados na própria noção de democracia: os direitos fundamentais são condições da democracia e devem, por isso, ser mantidos dentro de uma esfera de intangibilidade, a ser protegida pelo Poder Judiciário contra os abusos das maiorias eventuais.
Habermas, nessa linha, critica a visão da Constituição como “ordem de valores”, adotada pelo Tribunal Constitucional alemão, e aponta o caráter antidemocrático e paternalista da concepção daquele tribunal, que se compreende como guardião daqueles valores. Para Habermas, somente as condições processuais da gênese democrática das leis asseguram a legitimidade do direito.
Em que pese a grande sofisticação dessa linha da filosofia constitucional, ela se sujeita a algumas importantes objeções. Em primeiro lugar, o procedimentalismo não parece suficiente para assegurar garantia robusta aos direitos fundamentais extremamente importantes, que não sejam diretamente ligados à deliberação democrática, como a privacidade ou direito à saúde. Esses direitos, apesar de importantes, ficariam expostos à vontade das maiorias de ocasião.
O que é o pragmatismo na teoria constitucional?
Para os autores que defendem o pragmatismo, o principal critério para a correção de uma decisão judicial diz respeito às suas consequências. Isso não significa que o direito positivo seja irrelevante, até porque a estabilidade e a preservação das expectativas dos indivíduos e agentes econômicos importam. Deve-se fazer um cálculo de utilidade social, devendo o juiz se voltar muito mais para o futuro do que para o passado.
Inclusive, as consequências advindas da decisão judicial não são apenas aquelas do caso analisado, mas também as sistêmicas. Por isso, se justifica que em determinadas áreas do Direito se mantenha o formalismo, pois se fosse permitido, em determinados domínios mais sensíveis, que os juízes decidissem cada caso de acordo com as suas avaliações consequencialistas de resultado, sem maior atenção às regras em vigor, os resultados gerais para a sociedade seriam danosos, em razão do aumento da insegurança.
Pode-se dizer que o pragmatismo jurídico é empirista, pois tende a atribuir mais importância aos dados da realidade do que às construções teóricas. Por isso, se aproxima mais das ciências empíricas, como Economia e Sociologia.
O pragmatismo rejeita as especulações filosóficas muito abstratas e desvinculadas da realidade concreta, como as da metafísica. Tem como características o antifundacionalismo, o contextualismo e o consequencialismo.
O antifundacionalismo é a rejeição da busca de qualquer fundamento último para as teorias e argumentos. O contextualismo enfatiza a importância do contexto histórico e das experiências humanas de cada sujeito nas investigações científicas ou discussões teóricas. Nesse sentido, o contextualismo se aproxima do relativismo. Já o consequencialismo preconiza que se priorizem sempre as soluções que produzam melhores resultados práticos.
O que são normas de segundo grau?
São postulados normativos que instituem critérios para aplicação de outras normas - metanormas.
Desde o surgimento das constituições escritas até o século XX, quais eram os métodos de interpretação da constituição?
Os mesmos do direito civil (método hermenêutico clássico) - partia-se da premissa que a Constituição, por ser uma espécie de lei, deveria ser interpretada por meio dos mesmos elementos tradicionais desenvolvidos por Savigny para a interpretação das leis em geral, quais sejam os elementos gramatical, sistemático, lógico e histórico.
Somente com o reconhecimento definitivo da normatividade das constituições após o fim da 2ª Guerra Mundial e a constatação da insuficiência dos métodos tradicionais para a resolução de questões complexas envolvendo a Constituição é que a doutrina alemã desenvolveu métodos específicos.
Peter Häberle sustenta a COMPARAÇÃO CONSTITUCIONAL como um quinto método de interpretação constitucional, além dos quatro desenvolvidos por Savigny. Para ele, a interpretação dos institutos se dá mediante comparação dos vários ordenamentos jurídicos, de modo a promover a abertura da sociedade para fora.
“Estado Constitucional Cooperativo é o Estado que justamente encontra a sua identidade também no Direito Internacional, no entrelaçamento das relações internacionais e supranacionais, na percepção da cooperação e responsabilidade internacional, assim como no campo da solidariedade. Ele corresponde, com isso, à necessidade internacional de políticas de paz” (HÄBERLE, 2007, p. 4).
O que é o método científico-espiritual de interpretação constitucional?
O método científico-espiritual, também conhecido como método valorativo ou sociológico, parte da premissa que a interpretação constitucional deve considerar o sistema de valores subjacentes à Constituição (método valorativo), assim como a importância desta no processo de integração comunitária (método integrativo).
A Constituição deve ser interpretada como um todo (“visão sistêmica”), sendo levados em consideração fatores extraconstitucionais, tais como a REALIDADE SOCIAL CAPTADA A PARTIR DO ESPÍRITO REINANTE NAQUELE MOMENTO (método sociológico).
Esse método entende a Constituição como um SISTEMA CULTURAL e de VALORES DE UM POVO (espírito do povo), cabendo à interpretação aproximar-se desses valores. Assim, a constituição adquire mais uma feição política do que jurídica. O texto não é um limite intransponível para o intérprete, pois a Constituição e a Sociedade (ou a realidade social) devem interagir, de maneira que os seus espíritos (ou valores) se mantenham compatíveis. A Constituição é um instrumento de integração política, social e econômica da sociedade.
O que é o método da tópica (tópico-problemático)?
Por meio desse método, parte-se de um problema concreto para a norma. Para a tópica “pura”, o sistema é apenas mais um topos a ser levado em conta na busca da decisão para o caso concreto. Toma a CF como um conjunto aberto de regras e princípios, dos quais o aplicador deve escolher aquele que seja mais adequado para a promoção de uma solução justa ao caso concreto que analisa. O foco, para o método, é o problema. O intérprete busca resolver o problema constitucional a partir do próprio problema, após a identificação ou o estabelecimento de certos pontos de partida. É um método aberto, fragmentário ou indeterminado, que dá preferência à discussão do problema em virtude da abertura textual das normas constitucionais.
O método tem como ponto de partida o problema e como ponto de apoio o consenso ou o senso comum, os quais são revelados, e.g., pela doutrina dominante ou pela jurisprudência pacífica. O compromisso central do intérprete passa a ser, portanto, o de encontrar a melhor solução para o “problema” apresentado.
A partir das topoi, que são pontos de vistas admitidos de forma generalizada, o intérprete deve dar uma solução justa ao caso concreto e, posteriormente, buscar a norma constitucional que melhor se adeque àquela solução encontrada.
O método tópico se contrapõe ao sistemático, pois tem a proposta de resgatar um raciocínio dirigido ao problema, e não à norma ou ao sistema.
É criticado, porém, por correr o risco de conduzir a um casuísmo ilimitado.
O que é o método hermêneutico-concretizador?
Segundo este método, elaborado por Konrad Hesse, o método tópico-problemático exagera ao desvencilhar a solução hermenêutica da norma jurídica. Esse método, diferentemente do tópico-problemático, parte da Constituição para o problema.
O caso concreto, o problema a ser desvendado, também é importante para o método hermenêutico-concretizador, mas, diferentemente do método da tópica, o primado não é do problema, mas do texto constitucional.
O intérprete parte, na verdade, da pré-compreensão da norma para o problema, embora o próprio problema também influencie a compreensão sobre a norma, em um verdadeiro círculo hermenêutico.
O método hermenêutico-concretizador parte do pressuposto que a interpretação constitucional é concretização, entendida como uma norma preexistente na qual o caso concreto é individualizado.
Os pressupostos interpretativos são:
1) pressuposto subjetivo (o intérprete parte de suas pré-compreensões sobre o tema para obter o sentido da norma);
2) pressupostos objetivos (o intérprete atua como mediador entre a norma e a situação concreta, tendo como ‘pano de fundo’ a realidade social);
3) círculo hermenêutico (é o movimento de ‘ir e vir’ do subjetivo para o objetivo, até que o intérprete chegue a compreensão da norma).
O que é o método normativo-estruturante?
Idealizado por Friedrich MÜLLER, parte da premissa de que direito e realidade não subsistem autonomamente, por ser impossível isolar a norma da realidade, deve-se falar em concretização, e não em interpretação. Esta é apenas um dos elementos, ainda que dos mais importantes, do processo de concretização.
Segundo esse método, o texto normativo é só a ponta do iceberg normativo, pois o intérprete deve levar em consideração inúmeros outros fatores além do texto constitucional no momento de interpretar.
MÜLLER faz uma distinção entre a norma e o texto normativo: a norma não se confunde com o seu texto, pois tem a sua estrutura composta também pela realidade social em que incide, sendo esse elemento indispensável para a extração do significado da norma. Não é o teor literal da norma (seu texto) que efetivamente regulamenta um caso concreto, mas sim o órgão legislativo, o órgão governamental, o funcionário da administração pública, os juízes e todos aqueles que elaboram, decidem e fundamentam a decisão reguladora do caso concreto.
A norma jurídica não se identifica com seu texto (expresso), pois ela é o resultado de um processo de concretização. O texto da norma não possui normatividade, mas sim apenas VALIDADE.
Segundo esse método, é possível o raciocínio orientado para o problema, desde que não ultrapasse o texto da norma. Nesse método, há influência da jurisprudência, doutrina, história, cultura e das decisões políticas.
O que se entende pela teoria da argumentação jurídica?
O que normalmente se entende hoje por teoria da argumentação jurídica tem sua origem numa série de obras dos anos 50 (século XX), e as três mais relevantes como precursoras das atuais teorias da argumentação jurídica são: a tópica de Viehweg; a nova retórica de Perelman e a lógica informal de Toulmin.
A) A tópica de VIEHWEG: Na linha de Aristóteles e Cícero, Viehweg entende por tópica um processo especial por tratamento de problemas, que se caracteriza pelo emprego de certos pontos de vista, questões e argumentos gerais, considerados pertinentes (os tópicos). Os tópicos são pontos de vista, com validade geral, que servem para ponderação dos prós e dos contras das opiniões e podem conduzir-nos ao que é verdadeiro. Sua tese é a forma de pensar tópico-problemática da jurisprudência romana, que construía sua justiça a partir de decisões concretas e daí extraia princípios que lhe servissem de fundamento de validade. Sistema é a contraposição da tópica. Viehweg caracteriza a tópica por três elementos: (i) é uma técnica do pensamento problemático; (ii) opera com a noção de topos (pontos de vista aceitáveis em toda parte); (iii) sua atividade é a busca e exame de premissas.
B) A nova retórica de PERELMAN: Perelman pretendia demonstrar a aptidão da razão para lidar também com valores, organizar preferências e fundamentar, com razoabilidade, nossas decisões. Para ele as deliberações humanas ou preferências razoáveis deixam de ser arbitrárias à medida que se apresentam por meio de justificativas. Perelman apresenta como fórmula de justiça o tratamento igual para aqueles considerados iguais, segundo critérios estabelecidos de acordo com os valores que venham a informar o que ele chama de “justiça concreta.” Para Perelman, raciocinar não é somente deduzir e calcular, mas é também deliberar e argumentar. Essa argumentação será qualificada de racional quando se achar que ela é válida para um auditório universal, constituído pelo conjunto das mentes razoáveis. Perelman verifica que onde há controvérsia prevalecem, em vez da lógica, as técnicas da argumentação, que se apresentam como via propícia ao acordo.
C) A lógica informal de TOULMIN: parte da mesma constatação de Viehweg e Perelman, a saber, a insuficiência da lógica formal dedutiva para dar conta da maioria dos raciocínios; mas, a sua concepção se diferencia porque sua crítica consiste em se opor a uma tradição que parte de Aristóteles que pretende fazer da lógica uma ciência formal comparável a geometria. Toulmin, ao contrário, propõe deslocar o centro de atenção da teoria lógica para à prática lógica. A Toulmin não interessa uma “lógica idealizada”, e sim uma lógica eficaz ou aplicada; e, para produzir essa eficácia ele escolhe como modelo não a geometria, mas a jurisprudência. A lógica, podemos dizer, é jurisprudência generalizada. Segundo Toulmin o modelo de análise tradicional da lógica é excessivamente simples. Enquanto a lógica só distingue entre premissas e conclusão, para Toulmin parece essencial introduzir proposições para dar conta dos argumentos substanciais e não formais. Estabelecendo critérios sobre a correção material dos argumentos, Toulmin pretende se aproximar mais das argumentações que ocorrem na realidade, do que os esquemas habituais da lógica formal.
O que se entende por teoria padrão da argumentação jurídica?
As teorias desenvolvidas por Cormick e Alexy constituem o que se poderia chamar de teoria padrão da argumentação jurídica. Nesta teoria, a perspectiva de análise das argumentações jurídicas se situa num conceito de justificação dos argumentos. Haveria aqui uma justificação formal dos argumentos (argumentos formalmente corretos) e uma justificação material (que se refere a aceitabilidade do argumento).
Conceitue princípio da proporcionalidade.
Inicialmente, interessante registrar que parte da doutrina entende que o termo “princípio” não designa bem esse instrumento. A rigor, a proporcionalidade, tal qual é conhecido pelo Direito Alemão, não é um princípio, mas sim um POSTULADO NORMATIVO (“máxima da proporcionalidade” é o termo utilizado por Alexy). Não é princípio porque a proporcionalidade não é ponderada diante de outros princípios; trata-se na verdade de uma estrutura formal de pensamento. Ela não tem um conteúdo próprio, é apenas um modo de raciocínio da aplicação dos princípios.
A proporcionalidade envolve três regras: adequação, necessidade (princípio da menor ingerência possível) e proporcionalidade em sentido estrito. Quando vai se analisar se uma medida estatal é proporcional ou não, é preciso que ela passe pelo crivo dessas três regras. Assim, a medida deve ser adequada, necessária e proporcional em sentido estrito. Tal procedimento teórico é, na realidade, uma construção alcançada a partir de uma teoria da argumentação jurídica, que, se seguida, conduziria a decisões dotadas sempre de racionalidade, segundo dizeres de Alexy.
Esse caminho seria um verdadeiro critério racional da ponderação, onde a racionalidade da decisão se dá a partir de uma perspectiva formal, ou seja, se forem observadas as sub-regras (ou máximas) da proporcionalidade – que sempre são estruturadas de maneira a funcionarem sucessiva e subsidiariamente, mas nunca aleatoriamente. Por isso, nem sempre será necessária uma análise de todas as três sub-regras.
A ADEQUAÇÃO, também chamada de princípio da idoneidade ou da conformidade, envolve uma relação entre meio e fim. O meio utilizado pelo Estado tem que ser um meio APTO a atingir o fim almejado.
Há dois pontos envolvidos dentro dessa análise da adequação (e hoje alguns autores vêm tratando esses dois passos como requisitos distintos do princípio da proporcionalidade): o OBJETIVO LEGÍTIMO e o MEIO LEGÍTIMO.
Se o objetivo do Estado não for legítimo, o meio não pode ser considerado adequado, proporcional.
Além do objetivo legítimo, é necessário verificar se o meio empregado pelo Estado é legítimo. Exemplo: reduzir os custos da execução penal é um objetivo legítimo. Agora, utilizar como meio para isso a pena de morte, seria utilização de um meio ilegítimo, para atingir um fim legítimo.
O segundo ponto a ser analisado no princípio da proporcionalidade é a NECESSIDADE DA MEDIDA. Medida necessária ou exigível significa que existindo mais de um meio similarmente eficaz, deve-se optar pelo menos oneroso/gravoso possível. Como esses meios vão implicar na restrição de outros direitos fundamentais, é preciso que se escolha a opção que menos restrinja-os.
Um ato que limita um direito fundamental só será considerado necessário se para realizar seu objetivo pretendido não houver outra medida ou ato que limite em menos intensidade (menos gravidade) o direito fundamental a ser atingido.
Obs.: enquanto a adequação exige um exame absoluto do ato, a necessidade demanda um exame comparativo do ato.
O terceiro passo é a PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO, que corresponde à ponderação, e apenas acontecerá depois de verificado que o ato é adequado e necessário.
Ao analisar a proporcionalidade em sentido estrito deve-se verificar o grau de restrição e de promoção causado por aquela medida. Robert Alexy utiliza o que ele chama de “lei material de sopesamento” - quando você tem uma medida que restringe um direito fundamental, é necessário que a promoção do outro direito fundamental que ela visa seja maior que essa restrição, caso contrário essa medida não será proporcional em sentido estrito. Aí que entra a ponderação entre as duas medidas.
Há aqui um raciocínio baseado na relação custo-benefício da norma avaliada, isto é, o ônus imposto pela norma deve ser inferior ao benefício (bônus) que pretender gerar.
Robert Alexy afirma que quando há uma dúvida fundada se a medida é proporcional ou não, entra-se na “margem de ação do legislador”, não cabendo ao Poder Judiciário dizer qual a medida mais adequada.
Quais são os cinco níveis de aferição do princípio da proporcionalidade?
Segundo o autor alemão Matias Klatt, os outros dois níveis, além da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, são: objetivo lícito (o Estado não pode buscar objetivos ilícitos) e meio lícito (o Estado para alcançar seus desideratos deve agir por meios lícitos), sendo o objeto lícito e o meio lícito, a decisão estatal deve ser adequada, necessária e ponderada!
Há diferença entre proporcionalidade e razoabilidade?
Como se sabe, alguns autores tratam ‘proporcionalidade’ e ‘razoabilidade’ da mesma forma. É a posição de Barroso e Gilmar Mendes. Contudo, alguns esforços vêm sendo empreendidos para dotar a razoabilidade de algum conteúdo indeterminado e separado do tema ‘proporcionalidade’, ambos teriam conteúdo diferente, como Daniel Sarmento, Humberto Ávila e Virgílio Afonso da Silva.
Algumas tentativas de dar algum conteúdo para razoabilidade:
1) Virgílio entende que a razoabilidade é aquilo que viola o sentido do que é justo. Na verdade, diferencia, mas não avança no sentido de atribuir conteúdo menos vago;
2) Humberto Ávila avança nessa direção e dá três diferentes acepções de razoabilidade (elas não se excluem):
i) de razoabilidade como EQUIDADE – a razoabilidade dá percepção que há situações muito singulares que, embora se subsumam à norma legal, não podem ser aplicadas porque iam gerar injustiça. Exemplo: ambulância que fura semáforo não pode ser multada quando estiver em situação de emergência, pois violaria a razoabilidade;
ii) razoabilidade como CORRESPONDÊNCIA – as normas jurídicas e decisões do estado devem corresponder ao que ordinariamente ocorre, não podem estar em contrariedade à natureza das coisas.
iii) razoabilidade como EQUIVALÊNCIA – a ideia é de não atribuir consequências excessivas a um determinado ato ou comportamento. Exemplo: uma pena alta diante da gravidade do comportamento.
Sem excluir essas três possibilidades, Daniel Sarmento traz outras para o uso da razoabilidade. Uma delas diz respeito à exigência interna no Direito. Ou seja, é a ideia da razoabilidade como coerência.
Outra ideia tem relação com ‘razões públicas’. Ou seja, a razoabilidade é usada como reciprocidade, quando o argumento pode ser usado pelo outro. As razões invocadas pelo estado devem ser razões que possam ser aceitas pelo povo sem que isso envolva uma violência. Não é que elas sejam aceitas, mas precisam ser aceitáveis (aceitabilidade racional das medidas tomadas pelo governo).
Finalmente, há a divisão entre:
- razoabilidade interna: existiria quando não houvesse uma conexão lógica entre a situação em si (o problema que deve ser resolvido), a medida adotada e os efeitos que se espera obter com aquela medida.
- razoabilidade externa: é a compatibilidade externa seria a incompatibilidade entre a medida adotada e a dimensão social sobre o que é justo e adequado.
Qual a diferença entre interpretação autêntica da interpretação não autêntica?
KELSEN distingue a interpretação das normas jurídicas em duas espécies:
- autêntica, aquela é interpretada pelo órgão com competência para aplicá-la e
- não autêntica, interpretação realizada por pessoas estranhas ao órgão jurídico, quais sejam as pessoas em geral e a ciência jurídica.
Gustavo Binenbojm afirma que o termo “estado democrático de direito” é a síntese de dois princípios, até certo ponto, antagônicos. Por que?
Porque democracia equivale à soberania do povo ou à regra da maioria; já estado de direito equivale à juridicização do poder e respeito aos direitos fundamentais. Assim, o irrestrito poder da maioria poderia subverter as regras jurídicas e vulnerar o conteúdo essencial daqueles direitos, enquanto que a cristalização de determinados princípios jurídicos, pelo estado de direito, poderia acarretar uma indesejável asfixia da vontade popular.
O papel do constitucionalismo é harmonizar esse ideal até um ponto de equilíbrio institucional e desenvolvimento da sociedade política.
Assumindo a democracia como um jogo, a constituição seria o manual de regras e os jogadores os agentes políticos representantes do povo. A jurisdição constitucional assume o papel de árbitro do jogo democrático.
O que seria o risco democrático proveniente das decisões proferidas pelas cortes constitucionais?
Se trata da questão da legitimidade democrática das cortes constitucionais, que não decorrem da vontade popular.
Além disso, na visão de Gustavo Binenbojm, esse “risco democrático” é ensejado ainda pela inexistência de qualquer controle de legitimidade a posteriori das decisões da corte constitucional.
Assim, a questão da legitimidade democrática da jurisdição constitucional poderia ser equacionada em dois pontos básicos:
- o fato de as cortes constitucionais serem compostas de juízes não eleitos, que não se submetem aos controles periódicos de aferição da legitimidade de sua atuação.
- as decisões da corte não são submetidas, em regra, a qualquer controle democrático, salvo por meio de emendas constitucionais que venham a corrigir a jurisprudência do tribunal. Ainda assim, essa solução também não é satisfatória, porque também as emendas podem ser objeto de declaração de inconstitucionalidade pela corte.
A doutrina constitucional clássica justifica a jurisdição constitucional argumentando que:
- o reconhecimento dos direitos fundamentais independe de previsão legal e deveriam ser assegurados pela jurisdição constitucional em face das maiorias ocasionais;
- há distinção entre poder constituinte e poder constituído;
- a constituição é norma jurídica superior, que condiciona qualquer ato produzido no âmbito do estado.
O que são normas constitucionais inconstitucionais?
A tese é defendida por Otto Bachof, segundo o qual o direito positivo constitucional está submisso a certas normas de direito natural (direito supralegal).
Assim, utilizando-se como parâmetro normas de direito supralegal, seria possível realizar o controle de constitucionalidade mesmo em relação às normas originais de uma constituição, até para se reputar inconstitucional uma norma fraca da constituição quando em antinomia com outra norma forte da constituição, advinda de um preceito supralegal.
O que é a inconstitucionalidade circunstancial?
Situações singulares e excepcionais, como desastres naturais, tsunami, terremoto, pandemia, guerra podem provocar esse fenômeno: uma lei pode ser inconstitucional em razão de sua incompatibilidade com a realidade vivida em determinado momento, o que faz com que ela não se amolde ou passe a não mais se amoldar às exigências constitucionais, ainda que momentaneamente.
Superada a situação, a norma poderá retomar sua compatibilidade com a Constituição.
O fenômeno da inconstitucionalidade circunstancial enfatiza não só ideia de que a Constituição está em vigor, mas também a de que ela está atenta às circunstâncias em seu entorno. Uma vez unidas essas duas ideias, é possível afirmar que a Constituição não é só transformada de acordo com as necessidades de seu tempo, mas também pela situação excepcional vivida por seus destinatários. É em razão dessa relevante plasticidade temporal e circunstancial que podemos falar de uma genuína “Constituição viva”.
Foi exatamente em razão de inúmeros desafios reais e dificuldades concretas e circunstanciais que vários tribunais ao redor do mundo se propuseram a agir pragmaticamente e passaram a proferir decisões ou sentenças intermediárias.
Com o passar do tempo, essas verdadeiras técnicas de decisão empregadas por tribunais de grande reputação tornaram obsoleta a lógica binária segundo a qual esses órgãos só poderia declarar a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de uma norma. E, para o nosso bem, nenhuma dessas técnicas é desconhecida do Supremo Tribunal Federal, que as aplica rotineiramente em suas decisões.
Segundo Daniel Sarmento, a supremacia constitucional se impõe por meio de dois institutos jurídicos importantes. Quais são eles?
- a rigidez da constituição - que demanda um procedimento mais difícil para a alteração dos preceitos constitucionais do que o resto da legislação infraconstitucional.
- o controle de constitucionalidade dos atos normativos - que permite a invalidação daqueles que contrariem a constituição.
Mas a supremacia da constituição depende ainda de outro elemento, de natureza sociológica, que os textos normativos não têm como impor: a existência de uma CULTURA CONSTITUCIONAL, caracterizada pela generalizada adesão do povo à Constituição estatal.
A constituição sempre foi entendida como norma jurídica?
NÃO. Segundo explica Sarmento, descontada a exceção norte-americana, a ideia que prevalecia no mundo constitucional até meados do século XX era de que as constituições não eram normas jurídicas, mas PROCLAMAÇÕES POLÍTICAS, que se destinavam a INSPIRAR A ATUAÇÃO DO LEGISLADOR.
Elas não incidiam diretamente sobre as relações sociais, não geravam direitos subjetivos para os cidadãos, nem podiam ser aplicadas pelos juízes na resolução de casos concretos. Só as leis editadas pelos parlamentos obrigavam e vinculavam; não as solenes e abstratas provisões contidas nos textos constitucionais. O paradigma jurídico vigente era o legalista.
A partir de quando a constituição passou a ser vista como norma jurídica e não mais somente como inspiração para a atuação do legislador?
Esse cenário começou a mudar depois do final da II Guerra Mundial, diante da descrença em relação aos poderes políticos majoritários, surgido após a derrota do nazismo.
A realidade histórica revelou a necessidade de criação de mecanismos para a contenção dos abusos do legislador e das maiorias políticas. As constituições do pós-guerra, neste sentido, incorporaram direitos fundamentais, que passaram a ser considerados diretamente aplicáveis, independentemente da vontade do legislador.
No Brasil, essa mudança é mais recente, tendo ocorrido após a promulgação da Constituição de 1988, quando a sociedade começou a enxergar a constituição como autêntica norma jurídica.
Por que e até que ponto pode uma geração adotar decisões vinculativas para as outras que a sucederão? Não seria uma fórmula de governo dos mortos sobre os vivos?
O artigo 28 da Constituição francesa continha uma resposta firme para esta indagação: “um povo tem sempre o direito de rever, de reformar e de mudar a sua constituição. Uma geração não pode sujeitar as suas leis às gerações futuras”.
O problema se agrava quando consideramos a presença, no texto constitucional, das chamadas “cláusulas pétreas”.
Mas, se é correto que as constituições limitam o conteúdo de deliberações futuras, não é menos correto que elas também definem AS REGRAS DO JOGO QUE VIABILIZAM ESTAS DELIBERAÇÕES. Com efeito, se a cada nova questão surgida no cenário político fosse necessário definir questões como o “quem” decide (competência), e o “como” se decide (procedimento), seria muito difícil deliberar sobre qualquer tema.
As constituições, ademais, protegem instituições e direitos que são pressupostos para o funcionamento democrático da política — como o direito de voto ou a liberdade de expressão, que permitem que a minoria de hoje possa aspirar converter-se na maioria do futuro.
Da supremacia constitucional resulta a invalidade dos atos normativos contrários à Constituição.
CORRETO
Sarmento
O controle de constitucionalidade deve ser efetuado por todos os poderes do estado.
CORRETO. É o que explica Daniel Sarmento - o controle realizado pela Administração e pelo Legislativo é denominado de controle político, em oposição ao controle judicial.
Em qual país a associação entre a supremacia da constituição e o controle de constitucionalidade foi feita de forma precursora?
Nos Estados Unidos. Embora o texto da constituição norte-americana não preveja o controle judicial de constitucionalidade das leis, a Suprema corte do país, em decisão redigida pelo seu então Presidente John Marshall, o inferiu da supremacia constitucional, no conhecido precedente Marbury x Madison, 1803.
Controle difuso é aquele que pode ser exercido por todo e qualquer órgão do poder judiciário?
SIM (definição de Sarmento).
Controle concreto de constitucionalidade é aquele que só pode ocorrer no julgamento de algum litígio intersubjetivo?
CORRETO (definição de Sarmento).
Como funciona o controle de constitucionalidade pensado por Hans Kelsen?
Hans Kelsen não defendia a atribuição do controle de constitucionalidade a todos os juízes, como no modelo norte-americano. Para ele, os juízes não estariam bem aparelhados para o exercício desta função. Daí por que Hans Kelsen preconizou que este poder fosse concedido com exclusividade a uma Corte Constitucional especializada, composta por juízes investidos em seus cargos por mandatos fixos, indicados pelos órgãos políticos representativos. A Corte atuaria não em casos concretos, mas de forma abstrata, como uma espécie de legislador negativo.
A associação direta entre a supremacia da Constituição e o controle judicial de constitucionalidade — chamada por alguns de “lógica de Marshall”— não é isenta de críticas. É possível afirmar-se numa ordem jurídica a superioridade da Constituição em face da legislação, mas, ainda assim, não se acolher a possibilidade de controle jurisdicional de constitucionalidade.
CORRETO - conforme explica Daniel Sarmento, confia-se a prevalência da constituição por outros meios, como a separação dos poderes ou a força da opinião pública.
Aliás, até o final da II Guerra Mundial, a maioria dos países que contavam com constituições rígidas, tidas como superiores, não adotava o controle jurisdicional de constitucionalidade das leis. Portanto, a instituição do controle jurisdicional de constitucionalidade não é consequência lógica inexorável da atribuição de supremacia à Constituição.
O Brasil conta com a possibilidade de controle jurisdicional de constitucionalidade das leis desde o advento da República.
CORRETO. No começo, por influência de Ruy Barbosa, se adotou o modelo norte-americano em sua pureza, em que todos os juízes poderiam realizar o controle de constitucionalidade de forma concreta.
A partir da Emenda Constitucional nº 16/65, o modelo se tornou mais complexo, com a introdução do controle abstrato e concentrado de constitucionalidade, inspirado na matriz kelseniana, que passou a conviver lado a lado com o controle concreto e difuso, num sistema misto.
O controle abstrato, todavia, não desempenhava papel relevante no sistema até a Constituição de 88, porque só podia ser deflagrado por iniciativa do Procurador-Geral da República, que, àquela época, era agente público livremente nomeado pelo Presidente da República e a ele politicamente subordinado.
A legitimidade democrática da jurisdição constitucional tem sido questionada em razão da apontada dificuldade contramajoritária do Poder Judiciário, que decorre do fato de juízes, apesar de não serem eleitos, poderem invalidar as decisões adotadas pelo legislador escolhido pelo povo.
CORRETO (Daniel Sarmento). No Brasil, se discute sobre a maneira e a intensidade com que juízes e, em geral, o STF, devem empregar o controle de constitucionalidade - de maneira mais modesta e deferente em relação às opções realizadas pelos poderes políticos ou de outra forma.
A dificuldade contramajoritária está no reconhecimento de que, diante da vagueza e abertura de boa parte das normas constitucionais, quem as interpreta e aplica acaba por participar do seu processo de criação.