TEMAS AVANÇADOS - Tutela externa do crédito e adimplemento substancial Flashcards
O que é tutela externa do crédito? O que é teoria do terceiro cúmplice?
Para entender tutela externa do crédito, é muito importante que compreender que a boa-fé objetiva se projeta na relação obrigacional. Por isso, uma relação obrigacional se projeta para além dela mesma. O contrato para além do contrato. Traduzindo, uma relação obrigacional não apenas vincula as partes, mas impõe um dever de respeito para impedir que terceiros, violando a boa-fé, indevidamente interfiram na execução contratual.
Essa perspectiva protetiva de toda e qualquer relação obrigacional, no sentido de impedir que terceiros indevidamente interfiram na relação obrigacional que está em curso é chamada pelo professor Antônio Junqueira de tutela externa do crédito: na perspectiva da função social e da boa-fé objetiva, *embora a relação obrigacional (contratual) vincule as próprias partes, terceiros não podem interferir indevidamente na execução do contrato alheio, sob pena de responsabilidade civil*. Outra expressão utilizada que traduz a mesma ideia é ateoria do terceiro cúmplice**.
Qual caso foi o percursor do que hoje se chamada de teoria do adimplemento substancial?
Alguns doutrinadores, alguns atribuem a origem da teoria do adimplemento substancial a um precedente ocorrido no final do Século XVIII, há muitos e muitos e muitos anos, do passado isso. Um precedente inglês. Um cidadão chamado Powell, contratou um marinheiro chamado Cutter, para levar uma carga do Porto da Jamaica até Liverpool, lá na Inglaterra. Quando a embarcação foi chegando perto das águas britânicas, o pobre do Cutter, que foi contratado para levar a mercadoria, morreu no navio. O Powell chegou, pegou a mercadoria e disse: “eu não vou pagar nada ao Cutter, porque ele morreu. A ele eu não pago nada”.
A viúva do Cutter apareceu lá no escritório do Powell, dizendo: “Eu sei que ele não cumpriu a obrigação de forma perfeita, mas ele trouxe a mercadoria quase no porto britânico. Ele morreu chegando aqui. Não é justo, senhor Powell, que o senhor considere a obrigação resolvida, o contrato resolvido, uma vez que o meu marido falecido cumpriu substancialmente a obrigação.”
O que é a teoria do adimplemento substancial?
Esta teoria sustenta que não se deve considerar resolvida a obrigação quando a atividade do devedor, posto não haja sido perfeita ou atingido plenamente o fim proposto, aproxima-se consideravelmente do resultado final.
Em outras palavras, não há que se falar em resolução contratual quando o descumprimento obrigacional for ínfimo ou insignificante.
Qual o grande problema, qual é o grande dilema da teoria do adimplemento substancial?
Estabelecer qual adimplemento é substancial
Por isso mesmo, a aplicação da teoria deve ocorrer de forma cautelosa
O grande desafio é estabelecer, quantificar a partir de quando (ou melhor, de quanto) o adimplemento passa a ser considerado substancial. Não há, na lei, um tarifamento legal, um tabelamento. A análise depende do caso concreto. Por isso que o STJ, embora admita a teoria do adimplemento substancial, também tem visto com certa cautela a aplicação dessa teoria. O STJ tem aplicado a teoria do adimplemento substancial de forma cautelosa.
Por que a teoria do adimplemento substancial deve ser aplicada de forma cautelosa?
Não existe, na lei um tabelamento, uma norma dizendo qual é o critério matemático que você vai utilizar para efeito de se aplicar ou não a teoria do adimplemento substancial. Com isso, então, se não houver cautela, pode ser que a teoria se torne uma balbúrdia, uma justificativa para o calote. Então, a teoria do adimplemento substancial deve ser aplicada de forma parcimoniosa, muito cautelosa.
A jurisprudência do STJ, embora adote a teoria do adimplemento substancial, expressamente consignou que em certos contextos ela não pode ser aplicada. Quais são os dois casos mais emblemáticos nos quais a Corte Superior de Justiça afastou a possibilidade de aplicação da citada teoria?
Alienação fiduciária e família
O STJ tem reiterado o entendimento no sentido de que não se aplica a teoria do adimplemento substancial na alienação fiduciária. No mesmo sentido, ele tem rechaçado a possibilidade de sua aplicação no âmbito do direito de família, notadamente nas ações de alimentos.
No contrato de alienação fiduciária, é possível purgar a mora em caso de pequenos atrasos no curso do financiamento, ou qualquer atraso gera o dever de pagar antecipadamente todas as parcelas vindouras?
Vencimento antecipado
O STJ até admitia caso houvesse passado mais de 40% do contrato, mas após a lei 10.931/2004, passou a entender o oposto
Existem decisões do STJ no sentido de que após a Lei 10.931/2004, na alienação fiduciária não há mais espaço para purga da mora. O devedor financiou o carro em 48 parcelas, pagou 30. Não pagou a 31 e 32. Se o banco ajuíza a busca e apreensão, o banco tem o direito de cobrar tudo: as vencidas e as vincendas.
Durante a janela pandêmica da COVID-19, o art. 15 da Lei da Pandemia, Lei 14.010 de 2020, estabeleceu que o decreto de prisão civil decorrente de débito de alimentos, até 30 de outubro de 2020 era cumprido em regime domiciliar. Alguns juízes, contudo, adotaram uma linha de ação diferente. Qual?
Suspensão de executoriedade até 30/10/2020
De acordo com a Lei da Pandemia (art. 15), se o juiz decreta prisão civil de João para cumprimento imediato, até 30 de outubro de 2020, o regime seria domiciliar. Só que muitos juízes adotaram uma outra linha de pensamento possível - tecnicamente possível. Em vez de decretarem a prisão civil para cumprimento imediato em regime domiciliar até 30/10, muitos juízes decretaram a prisão civil e suspendiam a sua executoriedade até 30 de outubro de 2020.
O que é a teoria do inadimplemento eficiente ou teoria do efficient breach?
No Brasil, professora Krueger
A teoria surgiu da análise do caso Zeca Pagodinho. A pergunta é: poderia o cantor, deliberadamente, descumprir o contrato com a Nova Schin mediante o simples pagamento da multa, sem nenhuma outra consequência ou responsabilidade civil? Em outras palavras, ele poderia atuar licitamente mediante um intencional inadimplemento eficiente, pagando a multa e se liberando?
A teoria do inadimplemento eficiente diz que sim. Que cumprindo escorreitamente a cláusula penal, a pessoa é livre para inadimplir o contrato, mesmo que dolosamente. Todavia, não há uma resposta definitiva aqui. Se vai ou não aplicar tal teoria, depende da linha filosófica seguida.
Em uma linha voltada para o sistema da common law, para análise econômica do direito, é aceitável a teoria do inadimplemento eficiente. O devedor pode simplesmente pagar multa e se liberar sem nenhum tipo de responsabilidade civil. Nesse sentido Richard Posner (Let’s Never Blame a Contract Breaker).
A professora Krueger defende que essa não é a solução que se deve aplicar no Brasil. Por esse ponto de vista, “na perspectiva da civil law, entendemos que o inadimplemento eficiente enfraquece a força obrigatória do contrato. Ademais, o interesse do credor é a prestação, e não a multa. Podemos, ainda, acrescentar, como óbice à liberação do devedor pelo simples pagamento da multa, o fato de a cláusula penal ser uma alternativa conferida pelo Código Civil ao credor, e não ao devedor (art. 410)! O credor pode escolher entre exigir a prestação ou o pagamento da multa (e não o devedor escolher entre cumprir a prestação ou pagar a multa). Por fim, a própria cláusula geral de boa-fé objetiva pode, em tese, ser invocada em contraponto ao “inadimplemento eficiente”.
Qual a ideia do duty to mitigate the loss? O que o professor Emílio Betti, da Universidade de Roma, escreveu que se aplica a tal teoria?
À luz da boa-fé objetiva, deve o próprio titular do direito (o credor) atuar, na medida do possível, para mitigar o próprio prejuízo. Repetindo, conceito do duty to mitigate the loss: à luz da boa-fé objetiva, deve o próprio titular do direito (o credor) atuar, na medida do possível, para mitigar o próprio prejuízo.
Emílio Betti, professor da Universidade de Roma. Na sua grande obra Teoria Geral das Obrigações, ele começa o livro fazendo uma análise dos relacionamentos sociais. Ele começa dizendo que todo relacionamento humano traz em si alguma forma de solidariedade, de cooperatividade. Logo em seguida, ele faz uma reflexão e uma profecia. Ele diz que as relações obrigacionais no mundo sofrem de uma espécie de crise cooperativa. E ele convida, ele exorta para que o direito obrigacional seja repensado, porque essa crise cooperativa na relação obrigacional tem que ser minimizada, à luz da boa-fé objetiva, à luz de teorias como a tutela externa do crédito, à luz de institutos como o duty to mitigate the loss.
O duty to mitigate the loss se ampara em dois pilares: no princípio da confiança e no princípio da boa-fé objetiva.
Qual o conceito do duty to mitigate the loss?
À luz da boa-fé objetiva, o próprio titular do direito (credor) deve atuar, na medida do possível, para mitigar o próprio prejuízo.
Pegando um exemplo do professor: “Eu peguei autos de um processo digital, peguei os autos do processo. Ele já havia sido iniciado antes de eu assumir a unidade como magistrado. Já tinha um tempo esse processo, e o magistrado anterior - olha o caso, olha a aplicação prática para uma questão de concurso - havia deferido uma liminar impondo ao réu uma obrigação de fazer ou de dar, não me lembro agora. Liminar foi concedida, isso há tempos, há dois anos ou três, antes de eu assumir a unidade. Muito bem, eu assumi a unidade como magistrado, esse processo teve o andamento dele, a instrução. Antes de eu proferir a sentença, prestem atenção, o advogado do autor atravessou uma petição dizendo: “Doutor Pablo, eu queria requerer que Vossa Excelência condenasse o réu a pagar uma multa - um valor alto - por descumprimento da liminar.” Quando eu fui ver, o valor da multa, as astreintes, era um valor já gigantesco. Aí eu fui ver o caso. A liminar havia sido deferida pelo juiz anterior a mim, há dois ou três anos e só agora o credor veio comunicar ao juiz que a liminar foi descumprida, pedindo multa de mil novecentos e bolinha até hoje”.
Qual instituto do direito civil permitiria reduzir o valor dessas astreintes?
Duty to mitigate the loss
Decorrente, em última análise, da boa-fé objetiva
Qual é o artigo do Código Civil (CC) que fundamenta a aplicação do duty to mitigate the loss?”
Por efeito direto e imediato
De acordo com Daniel Novais Dias: Segundo o artigo 403 do CC, o devedor só responde pelos prejuízos efetivos e lucros cessantes “por efeito direto e imediato” de sua conduta, donde se extrai que o devedor inadimplente não responde pelo dano que o credor poderia ter evitado.
O que é a pós-eficácia objetiva da obrigação?
A pós-eficácia objetiva da obrigação traduz a ideia de que uma obrigação - um contrato, que geralmente é a causa da obrigação - gera efeitos na perspectiva da boa-fé objetiva, mesmo após o prazo de vigência do contrato. Mesmo quando uma obrigação, aparentemente, está consumada, ela pode, ainda assim, gerar efeitos. É a chamada pós-eficácia objetiva.
Um exemplo no direito empresarial: Você é sócio de uma sociedade empresária, foi sócio por cinco anos. Você, contratualmente, se retirou da sociedade e constituiu uma nova sociedade, com um terceiro, para atuar no mesmo ramo da primeira empresa da qual fazia parte. Você está usando agora segredos da primeira para prejudicá-la.
Não pode! Está violando a boa-fé objetiva pós-contratual. Mesmo você tendo saído daquele contrato de sociedade, existe uma pós-eficácia objetiva que te impede de assim proceder.
A lei da pandemia (Lei nº 14.010 de 2020, também conhecida como Lei do RJET - Regime Jurídico Emergencial e Transitório) trouxe algum dispositivo concedendo, no campo do direito obrigacional, algum tipo de sistema de moratória para os devedores?
Não
A lei da pandemia, Lei nº 14.010/2020, não traz, ela não consagrou um sistema de moratória legal para os devedores. Não há na lei uma previsão, por exemplo, de suspensão de exigibilidade de crédito, não há na lei a imposição de prazo de moratória aos devedores, não há. Não há parcelamento obrigatório, suspensão da exigibilidade de créditos.