TEMAS AVANÇADOS - Novos paradigmas de dano na responsabilidade civil Flashcards
O que é a responsabilidade civil? Qual é a frase de José Aguar Dias que o professor Stolze gosta tanto, em se tratando do assunto “responsabilidade”?
“Toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade” (José de Aguiar Dias). Em linhas gerais, temos que a responsabilidade civil deriva da transgressão de uma norma jurídica preexistente, com a consequente imposição ao infrator do dever jurídico de indenizar.
Quando é que o dano é indenizável?
Não é todo e qualquer tipo de dano que é indenizável. Um dano é indenizável quando há violação a um interesse jurídico e, além disso, quando ele é certo (não se indeniza um dano hipotético ou abstrato.
A dor de um fim de namoro, no exemplo da aula, não é indenizável, por mais que doa para caramba, porque não há um interesse jurídico envolvido (já houve ação nesse sentido, acredite, no TJRS).
O dano material se desdobra em duas categorias diferentes de dano. Quais?
O dano material se abre em: dano emergente (o prejuízo efetivo) e lucro cessante.
Art. 402 do CC: Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.
O lucro cessante pode ser presumido a partir dos elementos do caso concreto, ou precisa ser efetivamente demonstrado?
O lucro cessante não se presume, o prejudicado terá que provar ao juiz o que ele razoavelmente deixou de lucrar. Não adianta ele alegar “olha, naquele mês que eu fiquei parado, eu deixei de ganhar R$ 10.000,00”. Tem que demonstrar.
Quais são as três espécies “notórias” de dano, no âmbito da responsabilidade civil?
Danos material, moral e estético
O que é o dano moral, segundo o professor Stolze?
Dano moral é a lesão a direito da personalidade.
Pessoa jurídica pode sofrer dano moral?
O STJ já sumulou (Súmula 227) que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral. E isso é compatível com a definição acima de dano moral, pois o artigo 52 do CC diz que “aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”.
Há, contudo, gente gabaritada que defende que não poderia. Há autores e posições preferindo dizer que uma pessoa jurídica sofre um dano extrapatrimonial, em lugar da expressão dano moral. Ao se enxergar o dano moral como uma lesão a direito da personalidade, cria-se uma dificuldade para atribuí-los a pessoas jurídicas, até porque toda construção em torno do direito da personalidade sempre foi muito antropocêntrica, e por uma razão até natural. Os direitos da personalidade são direitos inatos ao ser humano. Mas a própria lei, o próprio CC estabelece que aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade (como, por exemplo, o direito à imagem).
Qual a linha evolutiva, as três fases pelas quais passou o dano moral no Brasil?
Fase 1: IRREPARABILIDADE. Imoralidade de compensar a dor com dinheiro.
Fase 2: Ao longo do século XX, a tese da reparação do dano moral, aos poucos, começa a ganhar força. Segundo Agostinho Alvim, os juízes que começariam a ser mais sensíveis seriam os que ingressaram na magistratura mais tarde, como Pedro Lessa. Todavia, em geral, o dano moral somente era reconhecido como consequência de um dano material sofrido, ou seja, havia dificuldade no reconhecimento de sua autonomia. Um detalhe: o CC/1916 não vedava a sua reparação
Fase 3: Foi somente a partir da CF/1988 que o dano moral passou a ter reconhecida a sua autonomia e reparabilidade própria (art. 5º, V e X).
O dano estético pode ser cumulado com dano moral?
Pode
É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral (Súm. 387, STJ)
O que é o chamado “dano social”? Ele é um dano coletivo?
O dano social não é propriamente um dano coletivo. Quando você fala em dano coletivo, expressão que se usa muito no campo, por exemplo, do direito do consumidor, o dano coletivo é uma lesão a uma comunidade ou um círculo de valores voltados a uma comunidade, sobretudo o dano moral coletivo. O dano social é mais do que o dano moral coletivo, porque o dano social não está voltado para células de coletividade, ele não está voltado a grupos de coletivos. O dano social é mais abrangente, porque é um dano que atinge a sociedade como um todo.
O dano social traduz uma lesão que diminui ou rebaixa o nível ou a qualidade de vida de uma sociedade (decorre de uma “conduta socialmente reprovável”). Por exemplo, há quem defenda que as balas perdidas causam dano social (TARTUCE).
O que é o chamado “dano existencial”?
A jurisprudência e até mesmo a doutrina ainda são reticentes em diferenciá-lo do dano moral. Para quem diferencia, o DANO EXISTENCIAL é aquele que atinge o ser humano em sua esfera de existência, em sua esfera de existência deteriorando a sua qualidade de vida. Enquanto o dano social deteriora a qualidade de vida da sociedade como um todo, o dano existencial deteriora qualidade de vida do indivíduo.
Cite um caso paradigmático de dano existencial, tirado da jurisprudência italiana.
Caso relatado por PATRIZIA ZIVIZ em seu famoso ensaio de 1994: uma mulher, em 1974, foi ao hospital fazer uma cistoscopia. Por erro médico, o seu útero foi extirpado. A vítima exigiu sua reparação judicial. Todavia, seu marido também ingressou em juízo, alegando que aquele evento repercutiu em sua esfera, impossibilitando-o de manter relações sexuais normais com a sua esposa.
A Corte de Cassação Italiana reconheceu o seu direito. Todavia, os juízes não estavam seguros acerca de que tipo de dano se tratava. Afinal, não era propriamente um dano psicológico, um constrangimento, um dano moral suportado pelo marido. Esse é um dos primeiros exemplos na jurisprudência do chamado dano existencial.
Além do exemplo da jurisprudência italiana, o professor Stolze cita três exemplos gerais, mas atuais, de dano existencial. Quais?
OUTRO EXEMPLO: O bullying. As humilhações em si caracterizam um evidente dano moral. Mas em decorrência delas, o adolescente não vai mais para as festas da sala, ele não frequenta mais o shopping da cidade, ele não anda com seus amigos mais, ou seja, ele está tendo a sua qualidade de vida deteriorada, ou seja, ele está sofrendo também um dano existencial.
OUTRO EXEMPLO: O abandono afetivo. Quem sofre abandono afetivo, sofre, para além de um dano moral, um dano existencial. Mas, na prática, é difícil você encontrar na jurisprudência julgados com esse cuidado, esse cuidado na diagnose diferencial.
OUTRO EXEMPLO: O desvio produtivo do consumidor decorrente da usurpação indevida do tempo, do tempo livre, tese do grande Marcos Dessaune.
A doutrina brasileira aceita que a indenização possa ter um caráter pedagógico, ou melhor, que a intenção pedagógica possa ser ponderada no arbitramento do quantum, do valor da indenização? Todo e qualquer dano pode ser arbitrado com tal escopo?
A doutrina percebeu que uma indenização pode ter um aspecto compensatório e punitivo, mas não é em toda e qualquer situação que o juiz vai majorar a indenização para punir o réu. Não há um sistema na lei que diga quando o juiz fará isso. Para o professor Stolze, o juiz deve aplicar a teoria do desestímulo, ou quando a conduta do réu for revestida de acentuada gravidade ou quando a conduta do réu for uma conduta ilícita reiterada.
Então, o barema, a bússola que se deve utilizar para aplicar a teoria do desestímulo, para majorar uma indenização na perspectiva punitiva ou pedagógica, deve levar em conta a gravidade da conduta do ofensor e/ou a reiteração daquela prática ilícita.
Qual o grande ponto de diferenciação, que torna mais difícil importar a ideia dos punitive damages para o Brasil?
O grande ponto é que diferente dos Estados Unidos em que lá quando o juiz fixa uma indenização, ele fixa os compensatory damages e os punitive damages, aqui no Brasil não há isso. Quando um juiz aplica a teoria do desestímulo para majorar a indenização, essa verba majorada não vai para um fundo (na tutela individual, claro). Essa verba majorada que é aplicada para punir o réu não vai para um fundo na tutela individual, não vai para um hospital de combate ao câncer na tutela individual. Quando o juiz majora a indenização, estou falando aqui eu repito da tutela individual, quando o juiz majora à luz da teoria do desestímulo, o valor todo integral, in totum, vai para a vítima, e aí gera o problema: o enriquecimento sem causa.