TEMAS AVANÇADOS - Processo estrutural Flashcards
O que é problema estrutural, e qual a sua relação com os conceitos de processo estrutural e de decisão estrutural?
PROBLEMA ESTRUTURAL é o gênero no qual se inserem o processo e a decisão estruturais. É, portanto, o conceito-chave que articula os demais. Ele também é chamado de litígio estrutural ou de conflito estrutural. Caracteriza-se por ser uma situação de desconformidade estruturada, estabelecida: existe um estado de desconformidade permanente (desconformidade como gênero, no qual se inserem duas espécies, a saber, a ilicitude e o estado indesejado). O fundamental, contudo, é isso: o problema se estruturou, se estabilizou, se tornou permanente. É o caso, por exemplo, do chamado “estado de coisas inconstitucional”.
Uma outra forma de entender: problema estruturado se opõe ao *problema episódico.* A relevância de se identificaro problema estrutural é que ele exige uma resposta diferenciada**.
Qual é o caso paradigmático (americano) de problema estrutural?
Caso Brown vs. Board of Education. Nele, a Suprema Corte Americana constatou um problema: escolas sendo segregadas, enquanto não poderiam estar. É um exemplo de problema estruturado.
O “Caso Brown versus Board of Education”, o caso dos anos 50, nos Estados Unidos, é um caso que envolvia uma menina, que é Linda Brown, uma menina negra, que foi ao Judiciário dizer que queria estudar em escola para brancos. Àquela época, onde ela morava, as escolas eram segregadas racialmente, só que a escola para negros era uma escola muito distante de onde ela morava, o que gerava uma série de problemas. Então, ela disse, foi a Judiciário para dizer o seguinte: é muito longe, então, ela tinha que poder estudar na escola mais próxima da casa dela, que era escola para brancos. Um problema histórico. Isso chegou a Suprema Corte americana e a Suprema Corte determinou, portanto, que ela tinha esse direito e determinou que houvesse a desegregação das escolas americanas.
Veja, a Suprema Corte americana constatou um problema, que era: as escolas estavam segregadas e não podiam estar segregadas. Só que isso é uma coisa que se disseminava nos Estados americanos. Então, não era um problema episódico, era um problema estruturado.
Dê três exemplos comuns de problemas estruturais em nosso direito.
- O estado de insolvência do comerciante que dá causa à falência é um problema estrutural. A insolvência é a estruturação de uma desconformidade empresarial que gera a impossibilidade de um empresário pagar, fazer frente a suas dívidas.
- A crise econômica empresarial que leva à recuperação judicial
- O estado de indivisão dos bens, que é resolvido pelo inventário
O importante, aqui, é guardar que problema estrutural não é apenas o tipo de problema que envolve o Estado. As pessoas, às vezes, se equivocam com isso, pensam que problema estrutural sempre é um problema que tem a ver com o Estado, sempre tem a ver com política pública. Não! Problemas com políticas públicas podem ser problemas estruturais, mas há problemas estruturais que não são necessariamente ligados a políticas públicas.
Um problema estrutural pode ser, eventualmente, resolvido por um único ato?
Necessária a reestruturação
Esta é uma característica marcante do problema estrutural: ele necessariamente não pode ser resolvido por um único ato. Tal característica serve, inclusive, para identificar um problema estrutural. Se você que está me ouvindo me deve R$ 10.000,00, vamos imaginar isso, nós temos um problema aqui. Fredie é credor de R$10.000,00 e o devedor não paga, isso é um problema. Por que isso não é não problema estrutural? Porque basta que você me pague os R$10.000,00 que acabou, está resolvido o problema. O problema estrutural, necessariamente, não pode ser resolvido com um único ato. Necessariamente, ele dependerá de uma série de atos, que são atos que conduzam - percebam bem - a uma reestruturação.
O que é o processo estrutural?
É o processo que tem por objeto resolver um problema estrutural. Dessa forma, todo processo que tem por objeto um problema estrutural é necessariamente um processo estrutural. O processo de falência, de recuperação judicial e de inventário, portanto, são exemplos de processos estruturais.
O professor Didier destacou que o processo estrutural tem oito características, das quais 5 são essenciais e três são comuns (não essenciais). Quais são as cinco características essenciais?
- Seu objeto: um problema estrutural
- Seu objetivo: reconhecer a existência do problema estrutural e promover uma transição entre o estado de desconformidade e o estado ideal que se busca alcançar (processo de transição – modo, tempo e intensidade do processo de reestruturação).
- Duas fases distintas: verificação do problema e reestruturação.
- Flexibilidade
- Consensualidade
Qual é o objetivo de um processo estrutural? Essa é uma característica comum ou essencial?
Característica essencial, presente em todo processo estrutural: o processo estrutural é um processo que tem por objetivo reconhecer a existência de um problema estrutural e promover uma transição entre o estado de desconformidade que foi reconhecido e o estado ideal que se busca alcançar. Então, o problema estrutural é um processo de transição ou um processo para promover a transição. É um processo para promover a reestruturação. O processo é estrutural, na verdade, é um processo de reestruturação. Vamos reestruturar uma situação que está em desconformidade para uma situação em conformidade.
Qual artigo/regra da LINDB dialoga com o processo estrutural e seu objetivo (que é a reestruturação do problema estrutural)?
Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.
O que é uma decisão estrutural?
O processo estrutural tem duas fases muito nítidas. A primeira fase é a de verificação do problema estrutural. O problema estrutural é afirmado, vai ter contraditório, o juiz vai verificar se realmente é uma situação de desconformidade estruturada que merece uma reestruturação. Encerrada essa primeira fase, temos duas opções: ou o juiz conclui que não há problema estrutural, e aí o pedido é improcedente, ou o juiz conclui que há um problema estrutural, e aí, ao concluir que há um problema estrutural, o juiz vai proferir aquilo que a gente vai chamar de decisão estrutural.
A decisão estrutural é essa decisão em que o juiz reconhece a existência do problema estrutural e determina a meta a ser alcançada, determina o estado de coisas ideal a ser alcançado. RECONHECE O PROBLEMA, ESTABELECE A META e as REGRAS DE TRANSIÇÃO.
O que são as decisões em cascata, de acordo com Sérgio Cruz Arenhart, e qual sua relação com o processo estrutural?
A segunda é a fase da reestruturação, vamos chamar de fase da execução em sentido amplo, é uma fase em que se tomará uma série de decisões, se praticarão vários atos, para que se possa chegar à meta ao estado ideal determinado pelo juiz. Essa é a fase da reestruturação, a segunda fase.
Essa fase é a do processo estrutural propriamente dito, porque aqui nessa segunda fase é que a gente vê as grandes marcas do processo estrutural, porque é a fase que você vai ter de promover a reestruturação, aquela transição, aquela correção de um problema estrutural, para se eu chegar numa situação desejada, será feita nesse segundo momento, que é um momento que se caracteriza por, eu já falei do tempo, de vários atos a serem praticados, mas, se caracteriza, também, pela necessidade de o juiz ir proferindo diversas decisões sucessivas. Diversas decisões serão tomadas, decisões que vão resolver os pequenos problemas, as pequenas etapas para a solução do grande problema.
Então, serão tomadas várias decisões num fenômeno que o professor Sergio Cruz Arenhart chamou de DECISÕES EM CASCATA, porque são decisões que vão sendo tomadas sucessivamente, portanto, em cascata, para concretizar a meta
Por que se diz que o processo estrutural deve ser necessariamente dotado de flexibilidade?
Processo estrutural é necessariamente flexível, permitindo ajustes vastos ao longo dele, ajustes ao caso concreto. Flexibilidade tem a ver com a possibilidade de você ajustar o processo ao caso. Se a execução do processo estrutural é uma fase de execução em que são tomadas diversas medidas para se obter, para se chegar à meta, é fundamental que essa fase seja uma fase em que o juiz possa tomar variadas medidas executivas atípicas e de executivas não pensadas. Até porque, executar um plano para adequar a gestão de um asilo não é mesma coisa do que executar um plano para colocar, por exemplo, passeios para pessoas com deficiência, aquelas guias para pessoa com deficiência visual nas calçadas públicas.
As medidas para reestruturar o problema podem necessitar de ajustes, de correções e alterações ao longo do tempo, conforme se constata sua maior ou menor eficiência. Por isso, a flexibilidade como característica essencial.
O processo estrutural é necessariamente consensual?
Sim. Veja, se pode haver muita divergência na identificação sobre se o problema é estrutural ou não, primeira fase, uma vez definido pelo juiz que o problema é um que precisa ser corrigido, a correção dele pressupõe diálogo o tempo todo, pressupõe uma intensa interação entre os sujeitos para construção de modelos consensuais. É praticamente impossível conceber uma solução de um problema estrutural que não seja dialogada, não seja resultado de um diálogo. Pode ver o caso de Mariana é um exemplo disso.
O processo estrutural é necessariamente coletivo?
Característica comum, mas não essencial
Quase todo mundo no Brasil, quando estuda processo estrutural, relaciona processo estrutural com processo coletivo. Todo o processo estrutural é coletivo. Se o problema é estrutural, ele é um problema coletivo, porque o problema que envolve grupos. E a ação é uma ação coletiva.
De fato, há uma relação muito próxima entre o processo estrutural e o processo coletivo. Agora, não é necessário que todo o processo estrutural seja coletivo. Eu vou dar um exemplo, você imagina uma pessoa com deficiência motora que entre na justiça contra uma faculdade, porque a faculdade não tem acessibilidade para ela, não lhe dava os instrumentos de acessibilidade. E aí ela pede um elevador, ela é uma cadeirante e pede elevador. A falta de acessibilidade naquela faculdade é um problema estrutural, mas essa ação é individual, não é coletiva. É uma ação cujos benefícios serão coletivos**, porque uma vez instalado o elevador, está instalado para todo mundo, **mas é uma ação individual, quer dizer, não é necessariamente coletiva.
Um inventário pode ser um processo estrutural, como eu disse, ele não é um processo coletivo, necessariamente não é.
Uma das características comuns (não essenciais) do processo estrutural é a complexibilidade. O que ela significa, e porque é uma característica comum do processo estrutural?
Admite diversas soluções
Dizer que o processo é complexo significa que é um processo que admite diversas soluções. A complexidade, e aqui me valho da noção do professor Vitorelli, tem a ver com o número de soluções possíveis para um problema. O problema é tão mais complexo quanto maior for o número de possíveis soluções para ele. E de fato, os problemas estruturais tendem a ser problemas bem complexos.
Como eles dizem respeito a uma situação de desconformidade estruturada, e às vezes estruturada há muito tempo, e quando você estrutura um problema por muito tempo, você atinge várias pessoas e atinge várias perspectivas diferentes, a solução desse problema costuma ser uma solução que pode ser feita pelas mais variadas formas.
Não é por acaso que muita gente relaciona o assunto litigância complexa e processo estrutural. Se alguém lhe perguntar sobre litigância complexa ou sobre litigância em casos complexos, você pode dar como exemplo os processos estruturais. Normalmente, eles são complexos. Mas não necessariamente. O aluno deficiente de uma faculdade que pede a instalação de um elevador é exemplo de um processo estrutural, cuja solução é simples.
O que é a multipolaridade? Ela é uma característica essencial dos processos estruturais?
Quando a gente estuda o processo de uma maneira clássica, a gente estuda processo a partir de dois polos: autor e réu. É um processo bipolar. Dois centros de interesse, dois polos de interesse (ativo e passivo). Os processos multipolares são aqueles processos em que há vários centros de interesses, vários polos de interesses. Então, existe uma série de centros de interesse que gravitam em torno do problema. Isso é a multipolaridade. E a multipolaridade é um fenômeno que tem sido estudado bastante nos últimos anos, porque explodem casos de problemas multipolares levados ao judiciário, e aí a configuração clássica do processo - de autor e réu - é uma configuração que se revela insuficiente, precisa ser reconstruído.
É preciso permitir intervenções de terceiro não-convencionais, e aí se volta para aquela característica da flexibilidade do procedimento. Porque o procedimento é flexível e, muitas vezes, o processo é multipolar, você tem de permitir que terceiros intervenham em modalidade de intervenção que não se encaixam nos padrões tradicionais.
O processo estrutural normalmente é complexo, porque admite diversas soluções, e normalmente é multipolar, porque carrega múltiplos polos de interesses que deverão ser representados em juízo, com vários amicus Curiae,com audiências públicas, com vários legitimados para conduzir o processo. É preciso pensar tudo isso quando se vai falar em processo estrutural.