Informativo 733 - 25.04.2022 Flashcards
O Estado pode ser responsabilizado por condutas omissivas? Ele pode ser responsabilizado, por exemplo, pela morte de alguém em rodovia, sob a alegação de que não cuidou adequadamente da conservação da via? Ainda no mesmo contexto: os danos materiais resultantes da morte do marido e pai podem ser presumidos, ou precisam ser efetivamente demonstrados?
- Caso concreto: Walter dirigia seu veículo durante uma noite chuvosa e passou por uma cratera na pista, cheia de água, com aproximadamente 10 metros de largura e 15 metros de profundidade, ocasionada pela erosão. O carro de Walter caiu no buraco e foi sugado pela correnteza, ocasionando o seu falecimento.*
- Constatou-se que o desabamento da pista ocorreu algumas horas antes do acidente e que o Departamento Estadual de Estradas de Rodagem de Sergipe (DER/SE), mesmo sabendo do fato, não promoveu qualquer sinalização indicando a obstrução da estrada, que se mostrava imprópria para o tráfego. O Departamento Estadual de Estradas de Rodagem de Sergipe (DER/SE) é uma entidade da Administração Pública que tem como finalidade principal fiscalizar as estradas estaduais. Lucas (criança de 5 anos) e Regina, filho e esposa de Walter, ajuizaram ação de indenização por danos morais e materiais contra a DER/SE. Em contestação, o DER/SE alegou a culpa exclusiva da vítima por imprudência e a configuração de caso fortuito.*
- O juiz julgou improcedente a ação, pois entendeu que deveria ser aplicada a teoria da responsabilidade objetiva apenas para os casos de comportamento comissivo e a teoria da responsabilidade subjetiva para os casos de comportamento omissivo do Estado. Além disso, concluiu que o período de 5h entre a formação da cratera e o acidente não era suficiente para configurar omissão do Estado. Acolheu a tese do DER/SE sobre a configuração de caso fortuito. O caso chegou ao STJ.*
Caso concreto: ação de indenização ajuizada contra o Departamento de Estradas e Rodagens de Sergipe (DER/SE), em face da morte do pai e companheiro dos autores, decorrente de acidente de veículo em rodovia estadual, ocasionado por buraco não sinalizado.
Segundo o entendimento do STJ, a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, a comprovação da conduta omissiva e culposa (negligência na atuação estatal - má prestação do serviço), o dano e o nexo causal entre ambos.
No caso, restou incontroverso que o acidente com evento morte ocorreu em rodovia estadual, mediante a queda de caminhão em buraco de 15 metros de profundidade, decorrente da ausência de manutenção e fiscalização estatal da via pública, não havendo quaisquer indícios de culpa exclusiva da vítima.
Desse modo, é possível concluir pela existência de omissão culposa por parte do ente público, consubstanciada na inobservância ao dever de fiscalização e sinalização da via pública, bem como pelo nexo causal entre a referida conduta estatal e o evento danoso, que resultou na morte do pai e marido dos recorrentes, causando-lhes, evidentemente, prejuízos materiais e morais, os quais devem ser indenizados.
Presentes os elementos necessários para responsabilização do Estado pelo evento morte, deve-se reconhecer devida a indenização por danos materiais, visto que a dependência econômica dos cônjuges e filhos menores do de cujus é presumida, dispensando a demonstração por qualquer outro meio de prova.
STJ. 1ª Turma.REsp 1709727-SE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 05/04/2022 (Info 733).
Nos contratos administrativos, a cláusula que prevê renúncia do direito aos honorários de sucumbência por parte de advogado contratado é válida, ou tal disposição encontra óbice no Estatuto da OAB?
Não contrariando a lei nem sendo abusivo, o contrato administrativo pode tratar de renúncia a direito do contratado. Esta renúncia será eficaz e produzirá seus regulares efeitos na hipótese em que houver expressa concordância do contratado.
Especificamente com relação aos advogados, o Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) dispõe serem do advogado os honorários de sucumbência. Havia previsão expressa a respeito da impossibilidade de retirar-lhes esse direito. Estava no art. 24, § 3º. Contudo, em 2009, o STF declarou a inconstitucionalidade da regra, uma vez que se trata de direito disponível e, por isso, negociável com o constituinte do mandato (ADI 1194, Relatora p/ Acórdão Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 20/05/2009).
Nessa linha, não se pode concluir pela abusividade ou ilegalidade da cláusula contratual que prevê a renúncia do direito aos honorários de sucumbência, notadamente quando a parte contratada, por livre e espontânea vontade, manifesta sua concordância e procede ao patrocínio das causas de seu cliente mediante a remuneração acertada no contrato.
No caso em análise, a parte autora manifestou, de forma expressa e consciente, a renúncia e só procurou discutir a cláusula após o fim do contrato.
STJ. 1ª Turma. AREsp 1825800-SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 05/04/2022 (Info 733).
O período em que o Militar foi aluno em Curso Preparatório de Oficiais da Reserva é computado como dia de trabalho apenas quando houver 8 horas de instrução no mesmo dia?
O período em que o Militar foi aluno em Curso Preparatório de Oficiais da Reserva é computado em 1 dia de trabalho a cada 8 horas de instrução.
- O STJ rejeitou a tese do Exército (que ia no sentido da pergunta), interpretando a lei como o dever de computar um dia de trabalho a cada 8 horas de instrução, pouco importando se essas 8 horas ocorreram no mesmo dia, ou em vários.*
- STJ. 2ª Turma.REsp 1876297-SC, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 05/04/2022 (Info 733).*
Fundo de investimento (que não possui personalidade jurídica) pode sofrer os efeitos da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica?
O fato de ser o Fundo de Investimento em participação (FIP) constituído sob a forma de condomínio e de não possuir personalidade jurídica não é capaz de impedir, por si só, a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica em caso de comprovado abuso de direito por desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
O patrimônio gerido pelo Fundo de Investimento em Participações pertence, em condomínio, a todos os investidores (cotistas), a impedir a responsabilização do fundo por dívida de um único cotista, de modo que, em tese, não poderia a constrição judicial recair sobre todo o patrimônio comum do fundo de investimento por dívidas de um só cotista, ressalvada a penhora da sua cota-parte.
As cotas dos fundos de investimento podem ser objeto de penhora em processo de execução por dívidas pessoais dos próprios cotistas, mas não podem ser penhoradas por dívidas do fundo, tampouco de outros cotistas que não tenham nenhuma relação com o verdadeiro devedor.
A impossibilidade de responsabilização do fundo por dívidas de um único cotista, de obrigatória observância em circunstâncias normais, deve ceder diante da comprovação inequívoca de que a própria constituição do fundo de investimento se deu de forma fraudulenta, como forma de encobrir ilegalidades e ocultar o patrimônio de empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico.
Comprovado o abuso de direito, caracterizado pelo desvio de finalidade (ato intencional dos sócios com intuito de fraudar terceiros), e/ou confusão patrimonial, é possível desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa para atingir o patrimônio de outras pertencentes ao mesmo grupo econômico.
STJ. 3ª Turma. REsp 1965982-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 05/04/2022 (Info 733).
Situação adaptada: Campari é uma marca de bebida alcóolica surgida há muitos anos na Itália. Na década de 1970, a Campari celebrou contrato de distribuição com uma empresa brasileira (DSB), que seria a responsável pela produção, distribuição e comercialização da bebida no Brasil. Após muitos anos de contrato, a Campari decidiu não mais renovar o contrato e constituiu uma empresa própria para fazer as atividades que eram desenvolvidas pela contratada. A DSB ajuizou ação de indenização contra a Campari do Brasil Ltda alegando que a ré, de forma ilícita, apropriou-se de toda a estrutura de vendas e distribuição montado pela DSB, com vistas a criar sua própria organização de distribuição e venda do produto Campari. Requereu indenização pela apropriação indevida de todo o seu know-how relativo à sua estrutura de vendas e distribuição de produtos, de sua clientela, em resumo, de todo esse patrimônio incorpóreo desenvolvido por décadas.
O caso chegou ao STJ. O que ele disse?
Para o STJ, a autora não tem direito à indenização. Nos contratos de distribuição é normal que o produtor seja amplamente informado e participe das técnicas mercadológicas usuais de venda desenvolvidas pela distribuidora e de seu campo de atuação. Essas informações não configuram expertise singular indenizável, ou seja, não é cabível, em regra, indenização pelo simples fato de o produtor utilizar essas informações para continuar vendendo o produto no futuro sem a participação da empresa distribuidora.
Para que a Campari fosse condenada a indenizar seria necessário se provar que ela se utilizou de know-how secreto e original da distribuidora, o que não é o caso.
Sem essa demonstração, o que se conclui é que a Campari utilizou-se dos conhecimentos e informações que adquiriu ao longo de todos esses anos de contrato em função do exercício legítimo do seu poder de controle na qualidade de fornecedor sobre o seu distribuidor exclusivo.
Vale ressaltar que, por força do próprio contrato, a empresa distribuidora deveria fornecer à Campari as informações sobre estratégias de vendas, marketing, base de consumidores etc. Assim, aquilo que a autora afirma que a ré se apropriou são informações que, pelo contrato, já deveriam ser fornecidas. Isso afasta o caráter original e/ou secreto desses dados.
Ademais, a formação de clientela está normalmente associada às estratégias de marketing utilizadas pelo fabricante, à qualidade do produto e à notoriedade da marca, e não ao esforço e à dedicação do distribuidor.
Dessa feita, no caso, não se identifica nenhum elemento ou técnica distintiva original ou protegida por sigilo, legal ou contratualmente, a indicar apropriação indevida de know-how, sendo certo que a organização de lista de clientes ou a dinâmica de vendas transferida contratualmente não tem o condão de embasar pedido indenizatório de danos emergentes ou de lucros cessantes.
STJ. 3ª Turma. REsp 1727824-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 05/04/2022 (Info 733).
A prisão civil do devedor de alimentos pode ser afastada sob o argumento de que não é a mais adequada/eficaz para obrigá-lo a cumprir suas obrigações?
No caso concreto, o STJ decidiu afastar a prisão civil com base nas seguintes particularidades: (i) o credor é maior de idade, com formação superior e inscrito no respectivo conselho de classe; (ii) o devedor de alimentos está com a saúde física e psicológica fragilizada, razão pela qual não consegue manter regularidade no exercício de atividade laborativa; e (iii) a dívida se prolongou no tempo e se tornou gravoso exigir todo seu montante para afastar o decreto de prisão.
De acordo com o quadro fático delineado, a medida extrema da prisão civil, no caso, não vai conseguir compelir o devedor a cumprir a obrigação alimentar na medida em que, pelo menos desde 2017, nada foi pago ao credor, mesmo com a ameaça concreta de sua constrição, com a expedição do mandado de prisão civil em 2019, que só não foi efetivada em virtude da pandemia causada pelo Covid-19.
A medida coativa extrema, no caso concreto, revela-se desnecessária e ineficaz, pois o risco alimentar e a própria sobrevivência do credor, não se mostram iminentes e insuperáveis, podendo ele, por si só, como vem fazendo, afastar a hipótese pelo próprio esforço.
STJ. 3ª Turma. RHC 160368-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 05/04/2022 (Info 733).
O médico pode ser civilmente responsabilizado por mera falha no dever de informação acerca dos riscos de morte em cirurgia?
Caso concreto**: Roberto consultou-se com um médico em busca de solução para o seu problema de ronco. Após os exames, o médico diagnosticou que Roberto tinha apneia do sono, que pode gerar, inclusive, morte súbita. Para correção da síndrome, o médico indicou a realização de uma cirurgia. Na consulta, foi dito ao paciente que a cirurgia seria rápida e a laser. Infelizmente, durante a cirurgia houve um choque anafilático e o paciente faleceu. O laudo pericial da necropsia concluiu que as condições anátomo-funcionais do paciente foram decisivas para o evento que desencadeou o óbito **em razão da dificuldade de intubação**. Os familiares da vítima ajuizaram ação de indenização por danos morais contra o cirurgião e o anestesiologista. A causa de pedir dessa ação não foi eventual erro médico, mas sim a ausência de esclarecimentos, por parte dos médicos, a respeito dos riscos do procedimento cirúrgico, notadamente em razão de suas condições físicas (obeso e com hipertrofia de base de língua), as quais poderiam dificultar bastante uma eventual intubação do paciente, o que, de fato, acabou ocorrendo. Segundo as provas produzidas, não houve consentimento informado ao paciente. **Para o STJ, os médicos têm responsabilidade civil neste caso?
Todo paciente possui, como expressão do princípio da autonomia da vontade (autodeterminação), o direito de saber dos possíveis riscos, benefícios e alternativas de um determinado procedimento médico, possibilitando, assim, manifestar, de forma livre e consciente, o seu interesse ou não na realização da terapêutica envolvida, por meio do consentimento informado. Esse dever de informação decorre do art. 22 do Código de Ética Médica e dos arts. 6º, III, e 14 do CDC. Além disso, o Código Civil também disciplinou sobre o assunto no art. 15.
Justamente por isso, é indispensável o consentimento informado do paciente acerca dos riscos inerentes ao procedimento cirúrgico. O médico que deixa de informar o paciente acerca dos riscos da cirurgia incorre em negligência, e responde civilmente pelos danos resultantes da operação. Vale ressaltar, ainda, que a informação prestada pelo médico ao paciente, acerca dos riscos, benefícios e alternativas ao procedimento indicado, deve ser clara e precisa, não bastando que o profissional de saúde informe, de maneira genérica ou com termos técnicos, as eventuais repercussões no tratamento, o que comprometeria o consentimento informado do paciente, considerando a deficiência no dever de informação.
Com efeito, não se admite o chamado “blanket consent”, isto é, o consentimento genérico, em que não há individualização das informações prestadas ao paciente, dificultando, assim, o exercício de seu direito fundamental à autodeterminação.
STJ. 3ª Turma. REsp 1848862-RN, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 05/04/2022 (Info 733).
A sociedade empresária que comercializa ingressos no sistema on-line responde civilmente pela falha na prestação do serviço para o qual vendeu ingressos?
A venda de ingresso para um determinado espetáculo cultural é parte típica do negócio. Logo, trata-se de um risco da própria atividade empresarial que visa ao lucro e que integra o investimento do fornecedor, compondo, portanto, o custo básico embutido no preço.
Desse modo, as sociedades empresárias que atuaram na organização e na administração da festividade e da estrutura do local integram a mesma cadeia de fornecimento e, portanto, são solidariamente responsáveis pelos danos, em virtude da falha na prestação do serviço, ao não prestar informação adequada, prévia e eficaz acerca do cancelamento/adiamento do evento.
Os integrantes da cadeia de consumo, em ação indenizatória consumerista, também são responsáveis pelos danos gerados ao consumidor, não cabendo a alegação de que o dano foi gerado por culpa exclusiva de um dos seus integrantes.
Caso concreto: ação de indenização proposta pelos consumidores em razão dos custos advindos da compra de ingresso para o evento Pretty Little Weekend, a ser sediado na cidade do Rio de Janeiro-RJ, cancelado, contudo, sem qualquer satisfação aos consumidores. A sociedade empresária que comercializou os ingressos no sistema on-line possui responsabilidade pela falha na prestação do serviço, a ensejar a reparação por danos materiais e a compensação dos danos morais.
STJ. 3ª Turma. REsp 1985198-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/04/2022 (Info 733).
A sociedade empresária que comercializa ingressos no sistema on-line responde civilmente pela falha na prestação do serviço para o qual vendeu ingressos?
A venda de ingresso para um determinado espetáculo cultural é parte típica do negócio. Logo, trata-se de um risco da própria atividade empresarial que visa ao lucro e que integra o investimento do fornecedor, compondo, portanto, o custo básico embutido no preço.
Desse modo, as sociedades empresárias que atuaram na organização e na administração da festividade e da estrutura do local integram a mesma cadeia de fornecimento e, portanto, são solidariamente responsáveis pelos danos, em virtude da falha na prestação do serviço, ao não prestar informação adequada, prévia e eficaz acerca do cancelamento/adiamento do evento.
Os integrantes da cadeia de consumo, em ação indenizatória consumerista, também são responsáveis pelos danos gerados ao consumidor, não cabendo a alegação de que o dano foi gerado por culpa exclusiva de um dos seus integrantes.
Caso concreto: ação de indenização proposta pelos consumidores em razão dos custos advindos da compra de ingresso para o evento Pretty Little Weekend, a ser sediado na cidade do Rio de Janeiro-RJ, cancelado, contudo, sem qualquer satisfação aos consumidores. A sociedade empresária que comercializou os ingressos no sistema on-line possui responsabilidade pela falha na prestação do serviço, a ensejar a reparação por danos materiais e a compensação dos danos morais.
STJ. 3ª Turma. REsp 1985198-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/04/2022 (Info 733).
João celebrou tomou empréstimo com o banco. Um tempo depois, o consumidor percebeu que foram embutidos no contrato algumas tarifas indevidas, e ajuizou ação questionando-as. Na petição inicial, João pediu para que o banco fosse condenado a “restituir, em dobro, o valor das tarifas indevidamente exigidas, corrigidas monetariamente mais juros legais a partir da data do efetivo prejuízo”. O juiz julgou o pedido procedente e houve o trânsito em julgado. Três anos depois, o autor ingressou com nova ação contra o banco, dessa vez pedindo a declaração da ilegalidade da cobrança dos juros contratuais incidentes sobre as tarifas declaradas nulas na primeira ação.
Em contestação, o banco réu arguiu a coisa julgada, sob o argumento de que o pedido formulado agora já estaria englobado na primeira ação. A questão chegou até o STJ. O Tribunal acolheu a argumentação do banco?
A declaração de ilegalidade de tarifas bancárias, com a consequente devolução dos valores cobrados indevidamente, em ação ajuizada anteriormente, faz coisa julgada em relação ao pedido de repetição de indébito dos juros remuneratórios incidentes sobre as tarifas
Na primeira ação é possível concluir que o pleito abarcou também os encargos incidentes sobre as respectivas tarifas. Se a parte eventualmente esqueceu de deduzir, de forma expressa, a pretensão de ressarcimento dos juros remuneratórios que incidiram sobre as tarifas declaradas nulas na primeira ação, não poderá propor nova demanda com essa finalidade, sob pena de violação à coisa julgada.
O acessório (juros remuneratórios incidentes sobre a tarifa) segue o principal (valor correspondente à própria tarifa), razão pela qual o pedido de devolução de todos os valores pagos referentes à tarifa nula abrange, por dedução lógica, a restituição também dos respectivos encargos, sendo incabível, portanto, nova ação para rediscutir essa matéria.
Desse modo, a declaração de ilegalidade de tarifas bancárias, com a consequente devolução dos valores cobrados indevidamente, em ação ajuizada anteriormente com pedido de forma ampla, faz coisa julgada em relação ao pedido de repetição de indébito dos juros remuneratórios incidentes sobre as referidas tarifas.
STJ. 3ª Turma. REsp 1899115-PB, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 05/04/2022 (Info 733).
A remuneração do interventor de Cartório de Registro de Imóveis submete-se ao teto previsto no art. 37, XI, da Constituição?
Os §§ 2º e 3º do art. 36 da Lei nº 8.935/94 deixam claro que ao interventor caberá depositar em conta bancária especial metade da renda líquida da serventia, sendo certo que esse montante, em caso de condenação do cartorário titular, caberá ao próprio interventor, que terá indiscutível direito ao seu levantamento.
No caso, não há controvérsia quanto a ter o titular da serventia sido condenado administrativamente, com o que perdeu a delegação. Assim, nos expressos termos da legislação vigente, aquela metade arrecadada durante o afastamento do titular deverá ser paga ao interventor.
Vale ressaltar que o STF decidiu que: “Os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada não se equiparam aos titulares de serventias extrajudiciais, visto não atenderem aos requisitos estabelecidos nos arts. 37, inciso II; e 236, § 3º, da Constituição Federal para o provimento originário da função, inserindo-se na categoria dos agentes estatais, razão pela qual se aplica a eles o teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da Carta da República.” (STF. Plenário. RE 808202 RS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 24/08/2020. Repercussão Geral – Tema 779).
Ocorre que a hipótese dos autos diz respeito a interventor e é distinta, em princípio, da situação que envolve “substitutos ou interinos”. Ademais, ainda que se aplique o precedente referido, o STF – na apreciação dos declaratórios – modulou os efeitos do aludido acórdão “a partir da data em que foi encerrada a sessão de julgamento virtual (21/8/20)”, sendo certo que a questão em julgamento é de período anterior.
STJ. 1ª Turma. RMS 67503-MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 19/04/2022 (Info 733).
O crédito constituído anteriormente à incorporação de empresa a grupo empresarial em recuperação judicial deve se submeter ao juízo universal?
No caso, o crédito foi constituído até a data do pedido da recuperação judicial, no entanto, a incorporação da empresa pelo conglomerado de empresas em recuperação se deu posteriormente.
Mesmo que a empresa não estivesse no conglomerado de empresas que tiveram o pedido de recuperação judicial deferido, deve prevalecer o princípio da preservação da empresa, razão pela qual o juízo universal deve ser o único a gerir os atos de constrição e alienação dos bens do grupo de empresas em recuperação.
Sendo assim, o juízo universal deve exercer o controle sobre os atos constritivos sobre o patrimônio do grupo em recuperação judicial, adequando a essencialidade do bem à atividade empresarial, independente da data em que a empresa foi incorporada à outra, já em plano de recuperação judicial.
Nessa esteira, mesmo que a incorporação tenha ocorrido após a constituição do crédito e ao pedido de recuperação judicial, deve se operar a força atrativa do juízo universal como forma de manter a higidez do fluxo de caixa das empresas e, assim, gerenciar de forma exclusiva o plano de recuperação.
STJ. 3ª Turma. REsp 1972038-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 29/03/2022 (Info 733).
Imagine uma ação em rito ordinário na qual o autor recorre da sentença e, depois, apresenta recurso especial em face do acórdão. O recurso especial foi inadmitido pelo Presidente do Tribunal de Justiça, sob o fundamento de que a pretensão do recorrente importava em reexame de provas. Ainda inconformado, ele interpôs o agravo em recurso especial, mas o Ministro Relator no STJ não conheceu do agravo em razão da sua intempestividade.
João interpôs, então, agravo interno alegando que houve um erro material do sistema PROJUD, que indicou erroneamente o dia 26/11/2020 como sendo último dia de prazo. Ocorre que, na realidade, o último dia do prazo era 25/11/2020. Como ele confiou na informação do sistema, acabou interpondo o recurso fora do prazo. Logo, pediu o reconhecimento de justa causa e que, diante disso, o recurso fosse considerado tempestivo. João juntou um print da tela como forma de comprovar que houve esse erro do sistema. O pedido do recorrente foi aceito pelo STJ?
Não. De um lado, a Corte Especial do STJ firmou o entendimento de que o equívoco na indicação do término do prazo recursal contido no sistema eletrônico mantido exclusivamente pelo Tribunal não pode ser imputado ao recorrente (EREsp 1805589/MT, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Corte Especial, DJe de 25/11/2020). Em outro julgado, chegou inclusive a afirmar que a divulgação do andamento processual pelos Tribunais por meio da internet passou a representar a principal fonte de informação dos advogados em relação aos trâmites do feito. Assim, a jurisprudência deve acompanhar a realidade em que se insere, sendo impensável punir a parte que confiou nos dados assim fornecidos pelo próprio Judiciário.
O problema não foi, portanto, no argumento jurídico, mas no meio de prova.
Também conforme o entendimento deste Tribunal Superior, para a prorrogação do prazo é necessária a configuração da justa causa, que deve ser demonstrada de maneira efetiva. O STJ também já reconheceu que apenas o “print” do sistema não serve para efetivamente demonstrar justa causa (AgInt no AREsp 1.640.644/MT, Rel. Ministro Gurgel de faria, Primeira Turma, julgado em 31/08/2020).
Diante desse cenário, tem-se exigido que a parte recorrente demonstre, de maneira efetiva, a justa causa para obter o excepcional afastamento da intempestividade recursal.
STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp 1837057/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 29/3/2022 (Info 733).
A jurisprudência do STJ tem entendido, de maneira ampla, que o desvio de verbas do SUS atrai a competência da Justiça Federal, tendo em vista o dever de fiscalização e supervisão do governo federal. Imagine, em tal contexto, que antes de reconhecida a incompetência, o juízo estadual tenha deferido medidas cautelares no curso de inquérito policial. A teoria do juízo aparente é aplicável para ratificar medidas cautelares no curso do inquérito policial quando autorizadas por juízo aparentemente competente?
Deve-se reconhecer a incompetência do Juízo estadual. No entanto, os atos processuais devem ser avaliados pelo Juízo competente, para que decida se valida ou não os atos até então praticados.
É pacífica a aplicabilidade da teoria do juízo aparente para ratificar medidas cautelares no curso do inquérito policial quando autorizadas por juízo aparentemente competente. As provas colhidas ou autorizadas por juízo aparentemente competente à época da autorização ou produção podem ser ratificadas a posteriori, mesmo que venha aquele a ser considerado incompetente, ante a aplicação no processo investigativo da teoria do juízo aparente.
STJ. 5ª Turma. AgRg no RHC 156413-GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 05/04/2022 (Info 733).
A apreensão de grande quantidade e variedade de drogas é suficiente para impedir a concessão da prisão domiciliar à mãe de filho menor de 12 anos?
O afastamento da prisão domiciliar para mulher gestante ou mãe de criança menor de 12 anos exige fundamentação idônea e casuística, independentemente de comprovação de indispensabilidade da sua presença para prestar cuidados ao filho, sob pena de infringência ao art. 318, V, do CPP.
O art. 318-A, do CPP, com a redação dada pela Lei nº 13.769/2018, dispõe que a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: I) não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa e que II) não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.
No caso, sendo a ré mãe de criança de 6 anos de idade, deve ser aplicada a regra geral de proteção da primeira infância, considerando que o juízo não apresentou fundamentação idônea para a mitigação da referida garantia constitucional.
O fato de se ter apreendido grande quantidade e variedade de entorpecentes não impede a concessão da prisão domiciliar se não demonstrados outros motivos que evidenciam que a conduta praticada representa risco à ordem pública, como indícios de comércio ilícito no local em que a agente cria os menores.
STJ. 6ª Turma.AgRg no HC 712258-SP, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), julgado em 29/03/2022 (Info 733).