Informativo 728 - 14.03.2022 Flashcards
O acordo de não persecução cível pode ser celebrado caso a ação de improbidade administrativa já esteja em fase de recurso?
É possível a homologação judicial de acordo de não persecução cível no âmbito da ação de improbidade administrativa em fase recursal.
STJ. 1ª Seção. EAREsp 102585-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 09/03/2022 (Info 728).
João tinha um terreno vazio e contratou uma construtora para edificar uma casa no local. O contrato celebrado foi do tipo “empreitada global”, ou seja, a empresa foi contratada para construir a casa fornecendo todo o material necessário. A casa foi entregue, mas João deixou de pagar as últimas parcelas do contrato. Diante disso, a empresa ajuizou execução contra o devedor e o juiz determinou a penhora da casa, mesmo sendo bem de família. Inconformado, o réu sustentou que o imóvel é bemd e família e, assim impenhorável. O que o STJ disse? É possível penhorar bem de família para saldar o débito originado de contrato de empreitada global celebrado para promover a construção do próprio imóvel?
A penhora é permitida com base na inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90: “a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (…) II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato”.
O intuito do legislador ao prever a exceção legal ora tratada foi o de evitar que aquele que contribuiu para a aquisição ou construção do imóvel ficasse impossibilitado de receber o seu crédito. Nesse cenário, é nítida a preocupação do legislador no sentido de impedir a deturpação do benefício legal, vindo a ser utilizado como artifício para viabilizar a aquisição, melhoramento, uso, gozo e/ou disposição do bem de família sem nenhuma contrapartida, à custa de terceiros.
STJ. 3ª Turma. REsp 1976743-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/03/2022 (Info 728).
A cláusula contratual que confere à gravadora a propriedade dos masters de obra musical é legal?
Caso adaptado: na década de 1960, o grande cantor João Gilberto celebrou contratos com a gravadora EMI para a gravação de discos de vinil (Long Plays – LPs). O contrato chegou ao fim e, em 2013, o cantor ajuizou ação contra a gravadora pedindo a devolução das fitas masters dos LP´s gravados. O pedido foi acolhido ou rejeitado?
O pedido foi rejeitado. A fita master (também chamada apenas de master) é o resultado final do processo de criação. O master pode ser copiado em vinil, CD ou fita magnética e constitui um fonograma, para os fins do art. 5º, IX, da Lei nº 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais).
O direito autoral distingue o corpus misticum do corpus mechanicum:
a) corpus misticum: é a criação autoral propriamente dita, ou seja, é a obra imaterial fruto do espírito criativo humano;
b) corpus mechanicum: é o meio físico no qual essa criação autoral se encontra materializada.
O master, assim como as cópias que dela podem ser extraídas, são classificadas como bens corpóreos (corpus mechanicum) e, nessa condição, podem ser alienados. Isso significa que a gravadora comprou esses bens corpóreos (fitas masters), sendo plenamente válida essa aquisição. Quem adquire um livro ou um vinil passa a ser o proprietário desse objeto, desse corpus mechanicum. Se o compositor/intérprete de uma canção não pode reivindicar a posse/propriedade de um vinil já comercializado com fundamento em uma suposta transmutação operada pelo seu direito moral de autor, tampouco pode fazê-lo em relação aos masters, uma vez que estes são apenas uma forma diferenciada de apresentação do mesmo fonograma.
Não se vislumbra, por essa razão, nenhuma ilegalidade flagrante na cláusula contratual que conferiu a propriedade dos masters à gravadora.
STJ. 3ª Turma. REsp 1727950-RJ, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 08/03/2022 (Info 728).
O plano de saúde é obrigado a custear o parto caso o plano da mãe não inclua serviços de obstetrícia?
A operadora de plano de saúde tem o dever de cobrir parto de urgência, por complicações no processo gestacional, ainda que o plano tenha sido contratado na segmentação hospitalar sem obstetrícia.
STJ. 3ª Turma. REsp 1947757-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/03/2022 (Info 728).
O limite de desconto do empréstimo consignado é aplicável, por analogia, aos contratos de mútuo bancário em que o cliente autoriza o débito das prestações em conta-corrente?
São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei nº 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento.
STJ. 2ª Seção. REsp 1863973-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 09/03/2022 (Recurso Repetitivo – Tema 1085) (Info 728).
A juntada nos autos de manifestação da União informando o envio de ofício, antes de despacho determinando a sua citação para responder a ação, configura comparecimento espontâneo apto a suprir a falta de citação?
Caso concreto: a autora ajuizou ação contra a União, o Estado-membro e o Município pleiteando o fornecimento de suplementação alimentar necessária para tratamento de uma doença. O Juiz Federal deferiu o pedido de tutela provisória de urgência (“deferiu a liminar”), determinando primeiramente, a intimação dos réus para o cumprimento da decisão e, em seguida, a citação. O magistrado determinou, ainda, a intimação da autora para juntar aos autos três orçamentos do suplemento nutricional pedido na ação. A Secretaria expediu os mandados de intimação, mas não expediu mandado de citação. A União foi intimada da liminar e, alguns dias depois, peticionou ao juízo informando que foi enviado ofício ao Ministério da Saúde para fins de cumprimento da decisão antecipatória.
A autora juntou aos autos o orçamento do suplemento. O Juiz proferiu novo despacho determinando o prosseguimento do feito com a citação dos réus. Ocorre que esse comando não foi cumprido pela Secretaria. O Estado e o Município apresentaram contestação, mas a União, não o fez. O Juiz proferiu sentença julgando procedente o pedido. O caso chegou ao STJ, com a União sustentando que não houve sua citação. O que o STJ disse?
O STJ considerou que não houve citação válida da União. De igual modo, não se pode dizer que tenha havido comparecimento espontaneamente aos autos, apto a suprir a falta de citação, nos termos do art. 239, § 1º, do CPC.
Houve quebra de legítima expectativa da União de que seria citada para oferta da contestação. Isso porque depois de a União ter informado sobre a expedição do ofício, o magistrado determinou a expedição de mandado de citação, o que não aconteceu.
STJ. 2ª Turma. REsp 1904530-PE, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 08/03/2022 (Info 728).
A competência para julgar mandado de segurança contra ato do ato do Controlador-Geral do Distrito Federal é do juízo de 1ª instância ou do Tribunal de Justiça do Distrito Federal?
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios não tem competência para processar e julgar mandado de segurança impetrado contra ato do Controlador-Geral do Distrito Federal. Compete ao TJDFT julgar mandado de segurança contra atos dos Secretários de Governo do Distrito Federal e dos Territórios. Ocorre que o Controlador-Geral do Distrito Federal não é considerado Secretário de Governo, para fins de competência do TJDFT.
STJ. 2ª Turma. RMS 57943-DF, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 08/03/2022 (Info 728).
Em regra, se houver conflito entre sentenças transitadas em julgado deve valer a coisa julgada formada por último, enquanto não invalidada por ação rescisória (STJ. Corte Especial. EAREsp 600811/SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 04/12/2019). Em 2022, contudo, surgiu o seguinte questionamento: e se o título da primeira coisa julgada já tiver sido executado, ou ao menos houver se iniciado sua execução, tal regra continua válida? A execução deve parar em obediência à segunda coisa julgada? O que o STJ disse?
Exceção: nos casos em que já executado o título formado na primeira coisa julgada, ou se iniciada sua execução, deve prevalecer a primeira coisa julgada em detrimento daquela formada em momento posterior. Assim, no presente caso, como já houve a execução do título formado na primeira ação, deve prevalecer a primeira coisa julgada formada, razão pela qual se mostra indevida a execução do título formado em momento posterior, ainda que se trate de período diverso, sobre o qual foi reconhecida a prescrição na primeira execução.
Mas essa exceção foi criada agora? NÃO. Essa exceção já havia constado na ementa e no voto condutor do EAREsp 600.811/SP. Na lição de Pontes de Miranda, após a rescindibilidade da sentença, “vale a segunda, e não a primeira, salvo se a primeira já se executou, ou começou de executar-se” (Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. , t. 6. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 214). (…)
STJ. 2ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1930955-ES, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 08/03/2022 (Info 728).
A qualificadora prevista no art. 129, § 2º, IV, do Código Penal (deformidade permanente) abrange somente lesões corporais que resultam em danos físicos? A “alteração permanente da personalidade” pode ser enquadrada em tal categoria?
Quando o art. 129, § 2º, IV, do CP fala em “deformidade permanente” ele está se referindo a lesões estéticas de grande monta, capazes de causar desconforto a quem a vê ou ao seu portador. Logo, o art. 129, § 2º, IV, do CP abrange apenas lesões corporais que resultam em danos físicos.
- Para ficar claro: a lesão que caracteriza a lesão corporal não precisa ser física: basta haver um dano à integridade física ou à saúde de alguém, e neste último se inclui, evidentemente, a saúde mental. Todavia, para caracterizar a qualificadora citada, é necessário um dano físico (estético) de grande monta.*
- STJ. 6ª Turma. HC 689921-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 08/03/2022 (Info 728).*
A quem compete julgar o crime de estelionato praticado por meio de saque de cheque fraudado?
O crime de estelionato praticado por meio de saque de cheque fraudado compete ao Juízo do local da agência bancária da vítima.
- Trata-se de uma diferenciação da novidade trazida pela Lei 14.155/2021, a qual disse que “Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção”. O que o STJ disse que é o caso acima (cheque fraudado – o estelionatário tenta compensar um cheque de fulano, mas fulano nunca emitiu tal cheque) é diferente daquele tratado pela nova lei, e ele continua sendo regido pelo entendimento anterior: a competência se dá no juízo do eventual prejuízo.*
- STJ. 3ª Seção. CC 182977-PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 09/03/2022 (Info 728).*
Imagine um réu que, aproveitando-se de sua condição de médico, praticou crimes sexuais. Sua prisão preventiva pode ser decretada, ou ela deve ser substituída por proibição do exercício da medicina e suspensão da inscrição médica?
Não se justifica a prisão preventiva se, considerando o modus operandi dos delitos, a imposição da cautelar de proibição do exercício da medicina e de suspensão da inscrição médica, e outras que o Juízo de origem entender necessárias, forem suficientes para prevenção da reiteração criminosa e preservação da ordem pública.
STJ. 5ª Turma. HC 699362-PA, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 08/03/2022 (Info 728).
É possível aplicar a decisão do STF no HC 143641/SP ou o art. 318-A do CPP (substituição da prisão preventiva de gestante ou mãe por domiciliar) para os casos de cumprimento definitivo da pena em que a acusada foi condenada aos regimes fechado ou semiaberto? Em outras palavras, é possível a concessão de prisão domiciliar para condenada gestante ou que seja mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, mesmo quando já houver sentença condenatória transitada em julgado e ela não preencher os requisitos do art. 117 da LEP?
A jurisprudência está dividida:
• STF: não. Não é possível a concessão de prisão domiciliar para condenada gestante ou que seja mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência se já houver sentença condenatória transitada em julgado e ela não preencher os requisitos do art. 117 da LEP [a LEP trata de hipótese distinta daquela tratada no citado HC e no art. 318-A do CPP: não é a substituição da prisão preventiva, mas a substituição da prisão em regime aberto]. Em caso de execução definitiva da pena, a prisão domiciliar deve observar o que dispõe o art. 117 da LEP. Não se aplica o que o STF decidiu no HC 143.641/SP nem tampouco o art. 318-A do CPP, que se referem exclusivamente a prisão cautelar.
STF. 1ª Turma. HC 177164/PA, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 18/2/2020 (Info 967). STF. 1ª Turma. HC 185404 AgR, Rel. Rosa Weber, julgado em 23/11/2020.
• STJ: sim, em casos excepcionais. Excepcionalmente, admite-se a concessão da prisão domiciliar às presas dos regimes fechado ou semiaberto quando verificado pelo juízo da execução penal, no caso concreto, a proporcionalidade, adequação e necessidade da medida, e que a presença da mãe seja imprescindível para os cuidados da criança ou pessoa com deficiência, não sendo caso de crimes praticados por ela mediante violência ou grave ameaça contra seus descendentes.
OBSERVAÇÃO IMPORTRANTE SOBRE O ENTENDIMENTO DO STJ: A relativização feita pelo STJ vale para as demais hipóteses do art. 117 da LEP. Ex: homem condenado ao regime fechado e que sofra com doença grave pode, em casos excepcionais, ter direito à prisão domiciliar, mesmo que o caput do art. 117 fale em regime fechado. É a hipótese, por exemplo, em que não existe tratamento médico adequado no presídio:
STJ. 3ª Seção. RHC 145931-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 09/03/2022 (Info 728).
O incentivo fiscal outorgado por Estado-membro por meio de desoneração relativa ao ICMS integra a base de cálculo do IRPJ e CSLL?
Não
A Constituição da República atribuiu aos Estados-membros e ao Distrito Federal a competência para instituir o ICMS (art. 155, XII, “g”). Se eles têm a competência para instituir, significa que possuem também, por via de consequência, a competência para outorgar isenções, benefícios e incentivos fiscais, atendidos os pressupostos previstos na lei complementar. A concessão de incentivo por ente federado, observados os requisitos legais, configura instrumento legítimo de política fiscal para materialização da autonomia consagrada pelo modelo federativo.
Embora represente renúncia à parcela da arrecadação, a concessão de incentivos fiscais tem por objetivo estimular a promoção de interesses estratégicos para aquela unidade federativa atendendo a prioridades e necessidades locais coletivas. A tributação, pela União, dos valores correspondentes aos incentivos fiscais estimula uma competição indireta com o Estado-membro, em desapreço à cooperação e à igualdade.
A desoneração do ICMS possui um caráter extrafiscal, consistindo a medida em instrumento tributário para o atingimento de finalidade não arrecadatória, mas, sim, incentivadora de comportamento, com vista à realização de valores constitucionalmente contemplados. Se o propósito do incentivo era o de “aliviar” determinado segmento empresarial, é inegável que o ressurgimento do encargo, ainda que sob outro figurino (cobrado pela União), resultará no repasse dos custos adicionais às mercadorias, frustrando os objetivos buscados.
STJ. 1ª Turma. REsp 1222547-RS, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 08/03/2022 (Info 728).