Informativo 685 - 22.02.2021 Flashcards
O artigo 148, §3º, do Código de Trânsito Brasileiro diz que “a Carteira Nacional de Habilitação será conferida ao condutor no término de um ano, desde que o mesmo não tenha cometido nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima ou seja reincidente em infração média”. Essa infração grave ou gravíssima é qualquer infração de trânsito? Há interpretação conforme ou declaração de inconstitucionalidade?
Segundo o STJ, não.
O texto da lei não deixa margem para exceções. O STJ, contudo, entende ser inconstitucional sua aplicação quando a infração decorra de ato de terceiro, atribuída ao condutor apenas por ele ser o proprietário do veículo (as penalidades meramente administrativas). Nos seus dizeres, “nos termos da firme orientação trilhada no STJ, a infração administrativa de trânsito, ou seja, aquela que não está relacionada à condução do veículo e à segurança no trânsito, mas sim à propriedade do veículo, ainda que seja de natureza grave, não obsta a concessão da habilitação definitiva”. Por fim, durante muito tempo o STJ entendeu que isso era uma simples interpretação conforme. O STF, contudo, recentemente disse que tal decisão importa em uma declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto.
AI no AREsp 641.185-RS, Rel. Min. Og Fernandes, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 11/02/2021.
A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, para os ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza? E o agente de trânsito que tem a carteirinha da OAB, pode representar a si mesmo em uma ação judicial?
Incompatível até mesmo para o agente de trânsito.
O exercício da advocacia, mesmo em causa própria, é incompatível com as atividades desempenhadas por servidor ocupante de cargo público de agente de trânsito, nos termos do art. 28, V, da Lei n. 8.906/1994.
A Lei n. 13.675/2018, que “disciplina a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, nos termos do § 7º do art. 144 da Constituição Federal”, instituiu, no seu art. 9º, o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), dispondo, no seu § 2º, inciso XV, que os agentes de trânsito são integrantes operacionais do aludido Sistema Único de Segurança Pública. Inconteste, assim, que os agentes de trânsito desempenham atividades incompatíveis com o exercício da advocacia, porquanto ocupam cargos “vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza”, tal como previsto no art. 28, V, da Lei n. 8.906/1994, exercendo funções que condicionam o uso, o gozo e a disposição da propriedade e restringem o exercício da liberdade dos administrados no interesse público, na forma do art. 78 do CTN, além de preservarem eles a “ordem pública e a incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas”, na fiscalização do trânsito, integrando os órgãos responsáveis pela segurança pública, previstos no art. 144 da CF/1988 (art. 144, § 10, da CF/1988 e art. 9º, § 2º, XV, da Lei n. 13.675/2018).
REsp. 1.815.461/AL, Rel. Min. Assusete Magalhães, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 10/02/2021. (Tema 1028)
O artigo 25, §4º, da Lei 9.605/1998 diz que “verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos [… sendo que] os instrumentos utilizados na prática da infração serão vendidos, garantida a sua descaracterização por meio da reciclagem”. Para a apreensão desse “instrumento utilizado na prática da infração”, é necessário demonstrar o isso específico e exclusivo para a empreitada infracional ambiental?
Por recente mudança do STJ, não mais.
O STJ recentemente revisitou o tema e mudou seu antigo posicionamento, entendendo ser desnecessário demonstrar que o instrumento utilizado na infração (no caso do julgado, um veículo) era usado específica e exclusivamente no desmatamento. Em suas palavras:
a efetividade da política de preservação do meio ambiente, especialmente no momento em que a comunidade internacional lança os olhos sobre o papel das autoridades públicas brasileiras no exercício de tal mister, atrai para o Judiciário o dever de interpretar a legislação à luz de tal realidade, recrudescendo a proteção ambiental e a correspondente atividade fiscalizatória; assim, merece ser superada a orientação jurisprudencial desta Corte Superior que condiciona a apreensão de veículos utilizados na prática de infração ambiental à comprovação de que os bens sejam específica e exclusivamente empregados na atividade ilícita.
Em conclusão, restou assentado que os arts. 25 e 72, IV, da Lei n. 9.605/1998 estabelecem como efeito imediato da infração a apreensão dos bens e instrumentos utilizados na prática do ilícito ambiental. Por isso, a exigência de requisito não expressamente previsto na legislação de regência para a aplicação dessas sanções compromete a eficácia dissuasória inerente à medida, consistindo em incentivo, sob a perspectiva da teoria econômica do crime, às condutas lesivas ao meio ambiente.
REsp 1.814.944-RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 10/02/2021 (Tema 1036)
De quem é a competência para examinar causas envolvendo matrícula de menores em creches ou escolas mantidas pelo poder público? Da Vara da Infância ou da Vara da Fazenda Pública?
Vara da Infância
A competência estabelecida pelo ECA é absoluta. Assim, a Justiça da Infância e da Juventude tem competência absoluta para processar e julgar causas envolvendo matrícula de menores em creches ou escolas, nos termos dos arts. 148, IV, e 209 da Lei n. 8.069/1990.
REsp. 1.846.781/MS, Rel. Min. Assusete Magalhães, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 10/02/2021 (Tema 1058)
A atividade de armazenamento de cargas em terminal portuário alfandegado está sujeita à incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN, ou pode ser considerada uma locação de espaço (circunstância que afastaria a incidência do ISSQN)?
Está sujeita ao ISSQN.
A dúvida poderia surgir porque o imposto citado não incide sobre locações. Algumas pessoas, portanto, defendiam que o armazenamento ode cargas em terminal portuário alfandegado equivalia a uma locação de espaço. O STJ, contudo, pacificou a questão, dizendo que:
Essa espécie de armazenamento não se confunde com instituto da locação para afastar a incidência do ISSQN, pois não há transferência da posse direta da área alfandegada ao importador/exportador, para que esse a utilize por sua conta e risco, sendo certo que a área alfandegada segregada para fins de armazenamento é de acesso restrito, o que impede a cessão de seu espaço físico, competindo exclusivamente ao terminal portuário o manejo dos contêineres recebidos. A distinção entre esses negócios jurídicos também se dá no campo da responsabilidade civil: na locação de espaço físico, ainda que cedido com instalações próprias para o uso almejado, eventuais danos em razão do exercício da posse direta devem ser suportados pelo próprio locatário que lhe deu causa; já no armazenamento em questão, salvo os casos de força maior, caberá à empresa que explora o terminal portuário o dever de indenizar os prejuízos causados aos proprietários por falha na prestação do serviço de armazenagem.
REsp 1.805.317/AM, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 09/02/2021, DJe 17/02/2021
A simples ausência do registro do contrato de compra e venda de imóvel desconstitui a garantia fiduciária?
Impede a própria constituição da garantia
No ordenamento jurídico brasileiro, coexiste um duplo regime jurídico da propriedade fiduciária: a) o regime jurídico geral do Código Civil, que disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, sendo o credor fiduciário qualquer pessoa natural ou jurídica; b) o regime jurídico especial, formado por um conjunto de normas extravagantes, dentre as quais a Lei n. 9.514/1997, que trata da propriedade fiduciária sobre bens imóveis. Quanto à propriedade fiduciária de bem imóvel, regida pela Lei n. 9.514/1997, verifica-se que a garantia somente se constitui com o registro do contrato que lhe serve de título no registro imobiliário do local onde o bem se situa. Dessa maneira, sem o registro do contrato no competente Registro de Imóveis, há simples crédito, situado no âmbito obrigacional, sem qualquer garantia real nem propriedade resolúvel transferida ao credor. Assim, na ausência de registro do contrato, não é exigível do adquirente que se submeta ao procedimento de venda extrajudicial do bem para só então receber eventuais diferenças do vendedor.
EAREsp 1.835.598-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 09/02/2021, DJe 17/02/2021
Os herdeiros podem exigir remuneração do companheiro sobrevivente pelo uso do imóvel?
Não.
O art. 1.414 do CC/2002 assegura ao detentor do direito real a prerrogativa de habitar a residência com sua família. Assim, para fins de aplicação dessa norma, a doutrina propõe seu alargamento, para incluir nesse conceito “membros de suas relações, desde que estes não satisfaçam algum pagamento pela hospedagem”. Para além disso, nesse aspecto em específico, relembre-se uma vez mais, que a mens legis é manter o companheiro - ou cônjuge - vinculado ao local que lhe serve de convívio familiar. É possível afirmar, então, que esse instituto também visa a evitar que, além da morte daquele com quem compartilhava a sua vida, o convivente supérstite também tenha de suportar a perda do lar. Como sabiamente a Terceira Turma acentuou no julgamento do REsp 1.582.178/RJ, “o objetivo da lei é permitir que o cônjuge sobrevivente permaneça no mesmo imóvel familiar que residia ao tempo da abertura da sucessão como forma, não apenas de concretizar o direito constitucional à moradia, mas também por razões de ordem humanitária e social, já que não se pode negar a existência de vínculo afetivo e psicológico estabelecido pelos cônjuges com o imóvel em que, no transcurso de sua convivência, constituíram não somente residência, mas um lar”. Sendo assim, não podem os herdeiros exigir remuneração da companheira sobrevivente, nem da filha que com ela reside no imóvel.
REsp 1.846.167-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/02/2021, DJe 11/02/2021
Os herdeiros podem exigir a extinção do condomínio e a alienação do bem imóvel comum mesmo quando houver direito real de habitação?
Não.
A doutrina civilista tem defendido a impossibilidade de os herdeiros postularem a extinção do condomínio e a alienação do bem comum. Esta Corte, da mesma forma, nas duas oportunidades em que foi instada a se manifestar sobre o assunto, denegou a pretensão dos herdeiros de extinguir o condomínio e alienar o imóvel indivisível. Nesse sentido a Quarta Turma destaca que “dada a reserva pelo acórdão do direito real vitalício de habitação, limitado, como não poderia deixar de ser, a venda à nua propriedade (50%), recebida em partilha, tênue se apresenta a ofensa à norma legal em apreço que, em princípio, não proíbe taxativamente o ato de disposição, com as ressalvas já declinadas, mas que, de qualquer forma, ainda que indiretamente pode deixar ao desabrigo o cônjuge, neste caso, contra a vontade da lei” (REsp 234.276/RJ, Rel. ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, julgado em 14/10/2003, DJ 17/11/2003).Tem-se, então, que a autorização de extinção do condomínio sobre o imóvel e venda do bem comum contraria a própria essência do direito real de habitação decorrente da sucessão.
REsp 1.846.167-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/02/2021, DJe 11/02/2021
Os recursos públicos recebidos do Programa de Capitalização por Cooperativas Agropecuárias podem ser objeto de penhora?
Não.
A penhora deve recair sobre o conjunto de bens do devedor suficientes para o pagamento do principal atualizado, juros, custas e honorários advocatícios (CPC/2015, art. 831). No entanto, por razões de cunho humanitário e de solidariedade social, voltados à proteção do executado e de sua família, estabeleceu o legislador a vedação de atos expropriatórios em relação a certos bens destinados a conferir um mínimo necessário a sobrevivência digna do devedor (CPC/2015, art. 832).Ademais, as medidas executivas previstas pela norma devem receber uma exegese à luz da Constituição, uma vez que almejam a realização de direitos fundamentais e porque, em sua realização, também podem atingir direitos fundamentais. Sob essa ótica, afigura-se mais adequada a interpretação teleológica das impenhorabilidades, diante da finalidade da norma e em conformação com os princípios da justiça e do bem comum, a fim de se evitar o sacrifício de um direito fundamental em relação a outro. O Diploma processual civil estabeleceu como absolutamente impenhoráveis os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social (649, IX, do CPC/1973; CPC/2015, art. 833, X). O legislador, em juízo ex ante de ponderação e numa perspectiva de sociabilidade, optou por prestigiar os recursos públicos com desígnios sociais em detrimento do pagamento de crédito ao exequente, salvaguardando o direito coletivo de sujeitos indeterminados favorecidos pelos financiamentos nas áreas de educação, saúde ou assistência social. No caso, os recursos recebidos pela Cooperativa agropecuária se enquadram na tipicidade do art. 649, IX, do CPC/1973 (art. 833, IX, CPC/2015), seja por se tratar de financiamento público, seja pelo evidente caráter assistencial da verba - programa de capitalização das cooperativas agropecuárias (PROCAP-AGRO) para fomento de atividade com interesse coletivo e para a recuperação das Cooperativas -, devendo ser tidos por absolutamente impenhoráveis.
REsp 1.691.882-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 09/02/2021
O crime de exercício arbitrário das próprias razões é formal ou material? Consuma-se com o emprego do meio arbitrário ou somente caso o agente consiga satisfazer sua pretensão?
Crime formal.
No caso em análise, pretende-se a desclassificação do crime de exercício arbitrário das próprias razões para a modalidade tentada. O delito de exercício arbitrário das próprias razões, previsto no Código Penal, está assim tipificado: “Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência. Parágrafo único - Se não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa. “Embora haja controvérsia doutrinária acerca da natureza formal ou material do delito, com abalizados autores defendendo cada uma das posições, filia-se à corrente que defende o primeiro entendimento. Pela interpretação da elementar “para satisfazer”, conclui-se ser suficiente, para a consumação do crime do art. 345 do Código Penal, que os atos que buscaram fazer justiça com as próprias mãos tenham visado obter a pretensão, mas não é necessário que o agente tenha conseguido efetivamente satisfazê-la, por meio da conduta arbitrária. A satisfação, se ocorrer, constitui mero exaurimento da conduta. Sendo assim, por se tratar de crime formal, uma vez praticados todos os atos executórios, consumou-se o delito, a despeito de o autor da conduta não ter logrado êxito em sua pretensão, que, no caso, era a de pegar o celular de propriedade da vítima, a fim de satisfazer dívida que esta possuía com ele.