TEMAS AVANÇADOS - Ilicitude Flashcards
O que é a tipicidade conglobante, defendida por Zaffaroni?
Zaffaroni pegou a tipicidade material e a ela acrescentou um elemento: a antinormatividade. Conglobar é englobar. Tipicidade conglobante é uma tipicidade, é um juízo de valor sobre a tipicidade que englobe todos os ramos do ordenamento jurídico, ou seja, que não fica adstrito ao Direito Penal.
E, aí, é que Zaffaroni vem diz o seguinte: olha, se a conduta considerada atípica pelo Direito Penal, no caso concreto, for considerada obrigatória ou for fomentada por outro ramo do ordenamento jurídico, então essa conduta será normativa e, portanto, não deve ser típica, porque, para o Direito Penal, só deve ser típica se a conduta for antinormativa: aquela conduta que não é considerada obrigatória ou fomentada por outro ramo do ordenamento jurídico.
O carrasco que, no cumprimento de seu trabalho, mata o condenado, pratica conduta típica?
Pela tipicidade conglobante, não
Pela tipicidade material, sim
Em nenhum dos sistemas ele vai ser punido. Apesar de materialmente típica, a conduta não é ilícita: o estrito cumprimento de um dever legal é uma excludente de ilicitude. Zaffaroni, contudo, defende que sequer deveria ser típica. Por isso, cunhou o conceito de antinormatividade: se a conduta é exigida pelo direito como um todo, não pode ser típica.
Por que essa teoria de Zaffaroni, da tipicidade conglobante, é rejeitada pela maioria da doutrina?
No Brasil, a doutrina de Zaffaroni tem uma repercussão imensa, mas, por exemplo, ninguém fala dela na Europa, e ela é muito pouco acolhida nos outros países da América do Sul. E até no Brasil não é acolhido pela maioria por quê?
O calcanhar de Aquiles da teoria de Zaffaroni é que ela esvazia totalmente o estrito cumprimento de um dever legal. Porque aquilo que seria estrito cumprimento de um dever legal passa, então, a ser a ideia de normatividade. Então, é como se Zaffaroni retirasse o estrito cumprimento de um dever legal, de lá da ilicitude e jogasse dentro da tipicidade com outro nome, e por isso essa teoria é tão criticada.
Ou seja, é como se ele tivesse falando de uma coisa antiga, dando o nome novo e deslocando da ilicitude para tipicidade.
Grande parte da doutrina entende a expressão antijuridicidade como sinônima de ilicitude. Há, contudo, que critique o uso daquela. Por que?
Por conta de um argumento que foi utilizado por alguns autores, exemplos de Bidim, lá na primeira metade do Séc. XX, que dizia que, na verdade, o crime não é antijurídico, crime é ilícito. Por que ele não é antijurídico? Porque o antijurídico é aquilo que é contrário ao direito e o crime não seria contrário ao direito. O crime seria, em verdade, uma construção do direito, o crime seria uma construção jurídica. Então, ele não poderia, para essa perspectiva, ser antijurídico; não pode ser antijurídico já que ele é, por essência, jurídico. O argumento seria esse.
O art. 23 do CP previu as excludentes de ilicitude. Ele utiliza a expressão ilicitude. Então quando você utiliza a expressão licitude, não há risco de você, de algum modo, cometer equívoco, porque é a expressão utilizada pela nossa doutrina, ou seja, você pode até encontrar pessoas que entendam que a expressão antijuridicidade não é adequada, mas não dá para dizer que a expressão ilicitude não é adequada diante do nosso ordenamento jurídico.
É comum falar que o crime é fato típico, ilícito e culpável. Utilizar os adjetivos “ilícito” e “culpável” no lugar dos substantivos “ilicitude” e “culpabilidade”. Todavia, é preciso tomar um cuidado ao fazê-lo, pois há quem critique o uso de tais adjetivos para qualificar o crime. Por que?
Culpável é característica do agente
E não da conduta (ao contrário da ilicitude e da tipicidade)
A tipicidade é um juízo de valor sobre o fato, então realmente é um fato típico. A ilicitude também é um juízo de valor sobre o fato, de modo que também eu falo em fato ilícito. Só que a culpabilidade é o juízo de valor sobre a pessoa. Então, na verdade, se a gente for bastante criterioso, o correto, tecnicamente, seria falarmos em fato típico e ilícito com agente culpável.
Cite dois sinônimos para a expressão “excludente de ilicitude” e outros dois para a expressão “excludente de culpabilidade”.
As EXCLUDENTES DE ILICITUDE são chamadas de justificantes ou causas de justificação. É interessante a gente conhecer essas expressões que são menos utilizadas, porque quando são utilizadas também pegam muita gente no contrapé.
As EXCLUDENTES DA CULPABILIDADE são chamadas de exculpantes ou dirimentes. Então, dirimentes é uma expressão para designar as excludentes de culpabilidade. Eu não posso falar, por exemplo, em dirimente de licitude. Da mesma forma que eu não posso falar em justificante da culpabilidade.
Dirimente é para exclusão da culpabilidade; justificante é excludente de ilicitude. Então, a gente tem que tomar cuidado com essas expressões.
As justificantes se dividem em justificantes gerais (genéricas) e especiais (específicas). Qual a diferença essencial entre elas?
As GERAIS são aquelas que vão se aplicar aos crimes de um modo geral e não apenas para um ou outro crime especificamente.
As justificantes ESPECIAIS são aquelas que dizem respeito a determinados crimes, especificamente. Então, são excludentes de ilicitude que não estão na Parte Geral do CP. São excludentes de ilicitude que podem vir ali em determinado tipo penal.
Então, imagine que alguém está no alto de um prédio, está ali uma balaustrada, na iminência de se atirar e se arrebentar no chão, quer acabar com a própria vida. E uma outra pessoa, percebendo aquela situação e na tentativa de salvar a vida daquele que quer, em um ato de desespero, acabar com a própria vida, esse alguém chega sorrateiramente por detrás do pretenso suicida, sem que o suicida perceba a sua presença. E esse alguém, então, puxa o suicida e retira-o do frontispício, da balaustrada, puxando-o para dentro, e esse suicida, ele cai no chão, se arrebenta, sofre algumas lesões. Ele cometeu o crime de constrangimento ilegal?
A rigor, o sujeito que puxou o suicida, em tese, ele poderia responder - se eu não tivesse uma previsão expressa na lei -, ele comete pelo menos o fato típico do constrangimento ilegal. Porque ele emprega violência para obrigar o sujeito a fazer aquilo que a lei não proibiu, já que não existe o crime de suicídio.
No entanto, claro que, mesmo que eu não tivesse uma previsão expressa no art. 146, também me parece bastante evidente que seria um caso de estado de necessidade, porque ele violenta a integridade física da vítima para impedir que aquela vítima sacrifique a própria vida. Só que, nesse caso, não é necessário recorrer à excludente geral do estado de necessidade, pois o próprio art. 146 do CP diz que não já crime de constrangimento ilegal em uma situação como essa, em que o sujeito intervém para salvar alguém da prática suicida. É uma excludente de ilicitude específica para o constrangimento ilegal.
Quais são as quatro excludentes legais da ilicitude?
O art. 23 do CP, no seu inciso I, nos traz o estado de necessidade; o mesmo art. 23, no inciso II, nos traz a legítima defesa; no inciso III, nós temos o estrito cumprimento de um dever legal e também o exercício regular de direito. As duas últimas excludentes estão no mesmo inciso, é inciso III.
O artigo 23 do CP diz que não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. O Código Penal define ou explicita o que é cada uma dessas hipóteses de exclusão de ilicitude?
O Código Penal define, nos dois artigos seguintes, o que é o estado de necessidade e a legítima defesa, mas não define o que são o estrito cumprimento de dever legal ou, ainda, o exercício regular de direito.
Quem define, quem delimita o âmbito de abrangência do estrito cumprimento de um dever legal e do exercício regular direito é a doutrina e a jurisprudência.
Além das justificantes gerais previstas no artigo 23 do CP, há uma causa supralegal de exclusão da ilicitude, admitida pacificamente pela doutrina e jurisprudência. Qual?
Consentimento do ofendido
Antigamente se falava não somente em ilicitude (como hoje), dividindo-se o conceito em ilicitude formal e material. O que era cada qual, e por que atualmente não se faz mais esta divisão?
ILICITUDE FORMAL é aquilo que a gente chama de ilicitude hoje: a contrariedade do fato típico à ordem legal. Isso é ilicitude que outrora era chamado de licitude no aspecto formal.
ILICITUDE MATERIAL (que hoje quase ninguém mais fala) era a danosidade social provocada com a conduta. O que acabava reverberando na violação do bem jurídico. É por isso que hoje não se falar mais nisso, porque desde que se desenvolveu a ideia da tipicidade material, aquilo que era ilicitude material ficou sem sentido. Porque o que é ilicitude material hoje é analisado na tipicidade material. É por isso que hoje a gente não fala mais nesse desdobramento da ilicitude, a gente fala na unicidade da ilicitude.
O que é o chamado excesso punível? Ele pode ser culposo, doloso ou ambos? Qual a consequência do excesso?
Muita gente, de forma equivocada, confunde a ideia de excesso com a legítima defesa. Todavia, é possível falar em excesso punível - a título de dolo ou de culpa - em qualquer excludente de ilicitude. O CP ao disciplinar o excesso punível, diz que “o agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo”.
Então, a gente já tem aqui uma questão bem interessante, questão bem interessante para a gente saber o seguinte: o excesso pode ser doloso ou culposo. Então, eu posso ter um excesso intencional ou um excesso não intencional.
O excesso faz com que você responda pelo resultado.
Existem algumas teorias para explicar o estado de necessidade. Teorias que vão dizer a que se destina o estado de necessidade, para que se compreenda como é que o estado de necessidade atua em relação à teoria do crime. Quais são as duas teorias mais importantes, o que diz cada uma delas e qual é a adotada pelo Código Penal?
Teoria unitária e diferenciadora (ou diferenciada)
O Código Penal adota a teoria unitária
Para TEORIA UNITÁRIA, o estado de necessidade é uma justificante, significando dizer que para a teoria unitária, o estado de necessidade exclui a ilicitude.
Já a TEORIA DIFERENCIADORA distingue duas situações, de modo que o estado de necessidade pode ser justificante, ou, a depender do caso, exculpante. Em outras palavras, pode ser excludente de ilicitude ou pode ser uma excludente de culpabilidade, a depender do caso.
Em se tratando do estado de necessidade, há duas grandes teorias, a saber, a teoria unitária e a diferenciadora. Esta última foi acolhida no Brasil?
Embora o Código Penal tenha adotado a teoria unitária (pela qual o estado de necessidade é sempre uma justificante, e jamais uma exculpante), a teoria diferenciadora foi adotada em nosso ordenamento, especificamente no tocante ao Processo Penal Militar.
Quanto ao estado de necessidade, as duas grandes teorias são a unitária (adotada pelo CP) e a diferenciadora (adotada pelo CPM). Há, contudo, outras teorias de menor importância, mas que é relevante ter ciência de sua existência, como a teoria da equidade e a teoria da escola positiva italiana. O que diz cada qual?
A TEORIA DA EQUIDADE é lastreada na obra de Kant (Kant morreu muito antes dela ser cunhada; ele, portanto, não seu autor: a teoria foi apenas inspirada pela obra de Kant). Para ela, quando você tem estado de necessidade, não se exclui nem a ilicitude e nem a culpabilidade, mas, por conta de uma questão de equidade, afastaríamos a punibilidade da conduta.
A TEORIA POSITIVA, que é fruto da escola positivista italiana, é inspirada no pensamento de Enrico Ferri. Os positivistas não acreditam no livre arbítrio, então, para eles o fundamento da punição não é a liberdade, mas a temibilidade (a periculosidade). Os positivistas têm um raciocínio parecido com a teoria da equidade, porque, para os eles, o estado de necessidade não exclui nem a ilicitude e nem a culpabilidade. Quando a pessoa está em estado de necessidade não demonstra temibilidade e, por isso, não deveria ser punida.
A duas teorias são parecidas no sentido de que para elas, esse instituto do estado de necessidade não exclui o crime. Então, a gente mantém os três elementos do crime: o fato típico, a ilicitude e a culpabilidade. Também, para as duas, nós não teríamos a punibilidade, que não integra o crime. A diferença é que para teoria da equidade, a gente não deveria punir aquele que está em estado de necessidade, por uma questão de equidade; para a teoria positivista, a gente não deveria punir quem age em estado de necessidade, porque ele não apresenta temibilidade - temibilidade é a ideia parecida de periculosidade.
É possível aplicar a justificante do estado de necessidade quando há violência ou grave ameaça?
A violência ou grave ameaça afasta a possibilidade de insignificância, mas não o estado de necessidade. No estado de necessidade, você pode matar para não morrer, quanto mais roubar para não morrer ou roubar para alimentar uma criança que está morrendo de fome.
O que diferencia o estado de necessidade da legítima defesa?
Art. 24 - Considera-se estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
O “salvar de perigo atual” é o que distingue o estado de necessidade da legítima defesa, porque no estado de necessidade nós vamos atuar para salvar o bem jurídico de uma situação de perigo, ao passo que na legítima defesa, nós vamos atuar para repelir uma agressão.
A agressão, que será repelida na legítima defesa, consiste em uma violação voluntária a um determinado bem jurídico: é uma conduta humana. Já quando na situação de perigo eu posso vislumbrar algumas possibilidades, e nenhuma dessas possibilidades vai amparar essa violação a que eu me referia, essa conduta humana voluntariamente dirigida à violação ao bem jurídico.
O CP estabelece, em seu artigo 24, que “considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato [fato típico] para salvar de perigo […]”. O examinador, contudo, adora perguntar qual qualificação desse perigo (que, de propósito, omiti na transcrição). É apenas o perigo atual, ou o perigo atual ou iminente? Por que essa confusão ocorre?
Perigo atual
A distinção é importante porque na agressão (que leva à justificante da legítima defesa), considera-se tanto a agressão atual, como a iminente. O perigo (que leva à justificante do estado de necessidade), apenas o perigo atual.
A doutrina concorda com tal dicção da lei. Para a doutrina majoritária, é perigo atual mesmo, não é perigo atual ou iminente. Isso porque perigo atual já significa iminência da violação ao bem jurídico. Um náufrago no meio do oceano com uma tábua de salvação, aquela situação de perigo é atual, e o perigo atual já é a iminência da violação ao bem jurídico “vida”. A iminência da violação do bem jurídico é ínsita ao conceito de “perigo”, de forma que falar em “perigo iminente” é pleonástico.
O CP estabelece, em seu artigo 24, que “considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato [fato típico] para salvar de perigo atual que não provocou por sua vontade […]”. O que significa essa última parte? Não provocar por sua vontade exclui a possibilidade de dolo, em todas as suas acepções, ou apenas algumas delas? Abarca também a culpa?
O “não provocou por sua vontade” significa que não provocou dolosamente. Quer dizer, o sujeito que está em estado de necessidade, ele não pode ter provocado a situação de perigo dolosamente. Antigamente havia uma grande discussão doutrinária para saber se essa expressão “não provocou por sua vontade” também abrangeria o perigo provocado culposamente (já que a conduta culposa é uma conduta voluntária: você não tem a vontade de produzir o resultado, mas você tem a vontade de praticar a conduta).
Hoje, essa discussão já está um tanto quanto superada, sendo pacífico o entendimento de que essa expressão “não provocou por sua vontade” abrange apenas a ideia de não ter sido provocado dolosamente.
Para caracterizar o estado de necessidade, basta que a prática do fato típico tenha como objetivo salvar de perigo atual que não provocou por sua vontade?
O CP estabelece, em seu artigo 24, que “considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato [fato típico] para salvar de perigo atual que não provocou por sua vontade nem podia de outro modo evitar (…)”.