Iter Criminis Flashcards
O que é o iter criminis?
O caminho do crime
O iter criminis é uma palavra em latim que expressa a ideia de caminho do crime. Quando trabalhamos o iter criminis, trabalhamos, na verdade, a tentativa, a existência de tentativa ou crime consumado e outros institutos relacionados à tentativa. Vamos lá!
Quais são os estágios possíveis do cometimento de um crime?
Cogitação, preparação, execução e consumação
e em alguns crimes, o exaurimento
- o primeiro deles é a cogitação: você pensa em cometer o crime;
- o segundo são os atos preparatórios: você sai dessa esfera interna do pensamento e já realiza algumas condutas (portanto, você exterioriza esse plano), mas ainda não inicia a execução do crime. Exemplo: você obtém informações na internet sobre a vítima. Isso são atos preparatórios;
- depois dos atos preparatórios vêm os atos de execução: são, realmente, já considerados o início de execução do crime, são, portanto, puníveis a título de tentativa;
- depois dos atos de execução, temos a consumação. Exemplo: em um homicídio, a vítima morre;
- é possível, ainda, enxergar, em alguns crimes, o chamado exaurimento.
Quais atos do iter criminis não são puníveis?
Cogitação e atos preparatórios
A cogitação e os atos preparatórios são impuníveis, não se pode punir alguém por pensar em cometer um crime; não se pode punir alguém por, licitamente, comprar uma arma para cometer esse crime. Se essa compra é lícita, não há crime ainda de tentativa de homicídio. Então, as duas primeiras etapas são impuníveis, só haverá possibilidade de punição a partir da terceira etapa.
Mas atenção! A Lei Antiterrorismo (Lei n° 13.260/2016) prevê a punição de atos preparatórios de terrorismo quando realizado com o propósito inequívoco de consumar o delito.
Qual é a natureza e a definição jurídica da tentativa?
Defeito no tipo objetivo
com preenchimento do tipo subjetivo
A tentativa é um defeito no tipo objetivo (de alguma forma, o resultado previsto no tipo não foi atingido), mas com o preenchimento do tipo subjetivo (a intenção, o dolo estão presentes).
Seus elementos são:
- início de execução (não bastam os atos preparatórios)
- não consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente
Quando há um início de execução, apto a caracterizar a tentativa?
Três teorias, uma delas não utilizada
TEORIA MATERIAL-OBJETIVA
Para a teoria material-objetiva, ato de execução é o que produz perigo para o bem jurídico. Não é adotada, pois é muito vaga e gera insegurança.
TEORIA FORMAL-OBJETIVA
Para a teoria formal-objetiva, haverá início de execução quando se inicia a realização do núcleo do tipo (início da execução típica). Em um homicídio, não basta apontar a arma para a cabeça da vítima, é preciso puxar o gatilho.
TEORIA SUBJETIVO-OBJETIVA
Para a teoria subjetivo-objetiva, haverá ato execução mesmo quando este não for típico, mas anteceder diretamente o ato típico e conduzir, segundo o plano do autor, ao exercício da ação típica. No mesmo exemplo, apontar a arma para a cabeça da vítima já é tentativa.
Por que se pune a tentativa?
Teorias objetiva, subjetiva e da imprecisão
- Teorias objetivas: o perigo próximo de consumação da realização típica. teoria adotada no Brasil.
- Teorias subjetivas: a vontade delituosa. crítica: por essa corrente, colocar agulhas num boneco-vodu do marido seria tentativa.
- Teorias da imprecisão: a afetação da confiança da comunidade na vigência do ordenamento, aferida segundo um juízo ex ante. não vai interessar aqui um real perigo ao bem jurídico constatado no caso concreto, o que vai ser importante vai ser a impressão de perigo gerada através daquela determinada conduta.
O estudo do tema é importante para compreender melhor as hipóteses de crime impossível.
Imagine alguém que chegue no trabalho, aponte uma arma para um colega, diga “eu vou te matar” e puxe o gatilho. A arma, contudo, estava descarregada, sem que ninguém (nem mesmo o agente) soubesse. Houve tentativa ou é hipótese de crime impossível?
Depende da teoria adotada.
A teoria subjetiva é pouco adotada (lembre-se do boneco de vodu).
Para a teoria objetiva, o crime é impossível, pois em nenhum momento houve perigo próximo de consumação da conduta (pois a arma estava descarregada).
Para a teoria da imprecisão, houve tentativa, pois houve a percepção de perigo para o bem jurídico por parte da comunidade.
Cabe tentativa em contravenções? Por que?
Não cabe tentativa
Porque existe um artigo expresso na Lei das Contravenções Penais (LCP) afastando a possibilidade de tentativa. A tentativa nas contravenções é atípica, não tem previsão legal.
Crimes de mera conduta admitem tentativa? Por que?
Sim, especialmente quando plurissubsistentes
Com certeza, sobretudo se eles forem plurissubsistentes. Se você tiver um crime de mera conduta que se realiza através de vários atos, e se você só tiver realizado uma parte deles, e for surpreendido, haverá tentativa de crime de mera conduta, não há problema nenhum quanto a isso.
Então, em uma violação de domicílio, se você for surpreendido entrando no domicilio, mas sem ainda ter entrado na casa - arrombando a porta, colocou o primeiro pé mas não entrou na casa ainda -, tentativa de violação de domicílio.
Crimes habituais admitem tentativa?
Depende do conceito de habitualidade criminal
Se você entende como a doutrina antiga, que o crime habitual exige reiteração de condutas, você vai dizer que não, ou as condutas são reiteradas, por exemplo, no mínimo três, e você tem crime consumado, ou você ainda tem atos preparatórios.
Essa visão está ultrapassada: habitualidade hoje, ela é vista como um elemento subjetivo especial que alguns crimes tem, é uma intenção de repetir. Então, se você realizar uma única conduta, patente a intenção de repetir, haverá crime habitual consumado; se você é surpreendido tentando realizar essa primeira conduta, patente a intenção de repetir, haverá crime habitual tentado.
EXEMPLO
Exercício irregular da medicina. Você monta um consultório em uma cidade pequena, faz propaganda, etc, você não é médico. Tem uma fila na porta para você atender, quando você incia o atendimento do primeiro paciente (mas ainda não atendeu), a polícia chega, você é preso. Tentativa do crime do art. 282. Se você já tivesse terminado o atendimento, você teria crime habitual consumado, a habitualidade é a intenção de repetir.
Crimes unissubsistentes admitem tentativa?
Se for material (conduta e resultado), sim
Crime unissubsistente é aquele que se realiza com um único ato: injúria oral, por exemplo. Esse crime unissubsistente, se ele for material (como o homicídio), de conduta e resultado, ele vai admitir tentativa.
Por quê? Porque eu aperto o botão, a bomba explode, a vítima não morre, então é possível. Então, nos crimes unissubsistentes materiais é possível a tentativa.
Mas se for um crime unissubsistente formal ou de mera conduta, ou seja, a conduta é composta de um único ato, e o crime se consuma com a conduta, fica muito difícil enxergar a tentativa nesse crime unissubsistente de mera conduta ou formal. EXEMPLO: injúria oral. Se você falou o palavrão, está consumado. Se você ainda não falou, não temos ainda ato de execução. Então fica difícil realmente identificar a tentativa nos crimes unissubsistentes.
O que são crimes de atentado? Eles admitem tentativa?
Não cabe tentativa de tentativa
Os crimes de atentado são aqueles que o próprio tipo penal equipara a tentativa e a consumação. Como exemplo, o artigo 352 do CP, que tipifica a conduta de “evadir-se ou tentar evadir-se o preso submetido a medida de segurança, mediante violência […]”. Em sua forma própria, portanto, é evidente que não cabe falar em tentativa de tentativa.
Os crimes omissivos admitem tentativa?
Os impróprios admitem tentativa
Os crimes omissivos próprios não admitem tentativa. Se você deixou de realizar a conduta que deveria, o crime já se consumou, não havendo espaço para tentativa.
Os crimes omissivos impróprios são aqueles praticados por um garante. Normalmente são crimes materiais, de conduta e resultado (como a mãe que não amamenta o filho e ele morre). Aqui, a tentativa é plenamente cabível. A dificuldade é estabelecer a partir de que momento há um ato de execução apto a caracterizar a tentativa, e não mais meros atos preparatórios.
- Para isso a doutrina faz uma distinção entre a espécie de perigo: se o perigo para o bem jurídico está próximo (exemplo, a criança está se afogando, vai morrer em um minuto e a mãe inerte), haverá tentativa quando o garantidor deixa perecer a primeira chance de salvamento. Então a mãe podia colocar a mão na água, levantar a criança, não fez: tentativa. Claro, sempre dolo né, só existe tentativa em crime doloso.*
- Se o perigo é remoto, por exemplo, a mãe deixa de amamentar o filho, a criança vai demorar uns dois dias para morrer. A partir de que momento há tentativa? Nos primeiros dez minutos em que ela resolveu fazer isso?*
- Não! Ou a gente tem que esperar que esse perigo fique próximo para dizer que há tentativa, então, a criança está sem comer há dois dias, está quase morrendo, a polícia chega lá, prende a mãe por tentativa de homicídio porque o perigo é próximo, ou, mesmo com esse perigo ainda distante, faltam dois dias para a criança morrer, haverá tentativa se o garantidor tira das suas mãos a possibilidade de exercer a ação salvadora (a mãe comprou uma passagem para o Japão e viajou, deixando a criança sozinha).*
Qual a pena para a tentativa?
Diminuição de um a dois terços
em relação ao crime consumado
Para escolher se vai ser um ou dois terços de redução, o juiz deve ponderar a proximidade da consumação.
Um grupo compra um imóvel ao lado de um banco, e começa a cavar um túnel, a partir do imóvel, até o cofre do banco. No meio das escavações, são pegas pela polícia. A ação é mero ato preparatório (e impunível, portanto), ou já é tentativa?
Segundo o STJ, tentativa.
Não houve violação do art. 14, II, do CP, pois os atos externados ultrapassaram meros atos e cogitação ou de preparação e expuseram perigo real para o bem jurídico protegido pela norma penal, inclusive com a execução qualificadora do furto. Os recorrentes, mediante complexa logística, escavaram por dois meses um túnel de 70,3 metros entre o prédio que adquiriram e o cofre da instituição bancária, cessando a empreitada, em decorrência de prisão em flagrante, quando estavam a 12,8 metros do ponto externo do banco, contexto que evidencia, de forma segura, a prática de atos executórios. (SRJ - REsp 125770/RS, julgado em 24.03.2015);
QUESTÃO DE CONCURSO
Verdadeiro ou falso?
Sobre o iter criminis, julgue o item:
A criminalização de atos preparatórios como crimes de perigo abstrato autônomos não é admita pela jurisprudência do STF, por violação do princípio da lesividade.
ERRADO.
O STF, ao contrário da assertiva contida neste item, admite a tipificação de conduta que, em tese, teria natureza de ato preparatório para a prática de outro crime. Não há ofensa à lesividade, desde que conte com previsão legal. A Lei Antiterrorismo, por exemplo, pune os atos preparatórios da figura típica do terrorismo (Lei n. 13.260/2016). Logo, por si só, não há lesividade.
QUESTÃO DE CONCURSO
Verdadeiro ou falso?
O acréscimo da pena em razão do crime continuado é fixado de acordo com o iter criminis percorrido pelo agente, porquanto na continuidade delitiva, os vários delitos que a integram são considerados como crime único.
A questão está errada.
O iter criminis é utilizado para a fixação do grau de redução do delito tentado. Para o crime continuado, utiliza-se a quantidade de infrações. No caso do crime continuado específico, além do número de crimes, o juiz também considera a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, conforme preconiza o parágrafo único do artigo 71 do Código Penal.
O que o Código Penal diz sobre a desistência voluntária?
“O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados”
Cite três diferentes correntes doutrinárias relativas à classificação do instituto da desistência voluntária.
Punibilidade, Tipicidade ou culpabilidade
A corrente doutrinária majoritária classifica a desistência voluntária como um problema relativo à punibilidade.
Há, contudo, outras duas correntes, minoritárias, que a situam como um problema relativo à atipicidade da conduta ou, ainda, à culpabilidade.
Situar a desistência voluntária como um problema de punibilidade significa inserí-la dentro ou fora da teoria do delito? E da teoria da pena? Quais as expressões mais comuns para se referir a ela, segundo tal teoria (que situa a desistência dentro da punibilidade)?
Fora da teoria do delito, dentro da teoria da pena
Essa é a teoria dominante. Colocar como um problema de punibilidade a situa fora da estrutura analítica do crime, que integra a teoria do delito (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade), inserindo-a dentro da teoria da pena, da coerção penal. Em outras palavras, é um prblema de política criminal e de escolha legislativa sobre a incidência ou não da pena para um fato tipificado como delito.
São comuns as seguintes expressões para a desistência voluntária, quando situada no âmbito da punibilidade:
- causa pessoa de isenção de pena
- causa especial de ausência de punibilidade
- exclusão de pena
- exclusão de punibilidade
O que significa a expressão “ponte de ouro”, e por qual razão ela está associada à desistência voluntária?
Atravessar o caminho da prática ilícita para a licitude
As pontes de ouro seriam o caminho possível de ser percorrido pelo agente que iniciou a prática de um ilícito penal voltando a corrigir o seu percurso, retornando à seara da licitude. A ponte de ouro está presente, entre nós, no art. 15 do CPB, nos institutos do arrependimento eficaz e desistência voluntária. Segundo ele, o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução (DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA) ou impede que o resultado se produza (ARREPENDIMENTO EFICAZ), só responde pelos atos já praticados.
A tese da “ponte de ouro” remonta a juristas antigos, como Franz von Liszt (expoente teórico do sistema clássico de fato punível e da teoria causalista da conduta) e Anselm von Feuerbach (importante jurista do iluminismo penal, famoso pelas suas construções acerca da teoria da coação psicológica no âmbito da fundamentação preventiva geral negativa dos fins da pena).
Qual o argumento utilizado por Nelson Hungria para justificar que a desistência voluntária situa-se no âmbito da punibilidade, e não no da tipicidade?
Tipicidade não pode ser retroativamente suprimida
O próprio Nelson Hungria (1978, p. 193), filiando-se à primeira vertente desse entendimento (afirmando, portanto, que a impunibilidade que decorre do art. 15 do CP é um problema de ausência pessoal de punibilidade), já afirmava que “a tentativa, uma vez acontecida, não pode ser suprimida retroativamente”. Em outras palavras, significa dizer que, uma vez que uma tentativa se mostrou perfeitamente típica (com a tipicidade estabelecida, portanto), uma circunstância posterior não é capaz de suprimir essa adequação do fato praticado com a norma penal. A desistência voluntária, portanto, deve ser situada fora do âmbito da tipicidade.
Qual o argumento utilizado por Claus Roxin para justificar que a desistência voluntária situa-se no âmbito da punibilidade, e não no da tipicidade?
A desnecessidade da pena
Uma outra variante da corrente de pensamento que situa o problema no âmbito da teoria da pena e não na teoria do delito é capitaneada por Claus Roxin e pelos discípulos do funcionalismo teleológico/racional/dualista/de política criminal, variante segundo a qual não há que se extrair o fundamento da impunibilidade da desistência voluntária (e mesmo do arrependimento eficaz) de qualquer espécie de “prêmio” outorgado ao agente que impede a consumação do fato, mas, em verdade, da inexistência de necessidade da pena.
Lembremos, nesse ponto, que, no contexto de suas formulações pós-finalistas, Roxin funcionaliza todas as categorias do fato punível por sua teoria preventiva da pena, estatuindo, por exemplo, que ao direito cabe somente a tutela subsidiária de bens jurídicos e que, portanto, toda imposição de pena a um sujeito concreto deve se mostrar absolutamente necessária, sob pena de ilegitimidade da criminalização, o que se mostra coerente com sua postura. Essa posição pode ser levada para as provas discursivas e/ou orais, nas quais o candidato tenha espaço para aprofundar o tema, demonstrar conhecimento e, assim, se destacar de outros concorrentes.
ATENÇÃO!
É preciso lembrar que Roxin situa a necessidade da pena ao lado da culpabilidade, como um dos integrantes da categoria que ele criou, da responsabilidade (ao lado da tipicidade e da antijuridicidade, ele não coloca a culpabilidade, mas a responsabilidade, conceito mais amplo integrado pela culpabilidade e pela necessidade da pena). Alguns autores dizem, assim, que como a culpabilidade permanece intocada, ao situar a desistência voluntária no âmbito da desnecessidade da pena, a teoria de Roxin a situaria como um problema de punibilidade. Outros dizem que, como está dentro da responsabilidade, que é uma espécie de “substituto” roxiniano para a culpabilidade, que tal teoria acaba por inserir a desistência como um problema de culpabilidade, mesmo.
Quais são as duas principais repercussões de situar o problema da desistência voluntária dentro da punibilidade?
Partícipes não se beneficiam
e não há desistência em casos de inimputabilidade
A PARTICIPAÇÃO, pela doutrina majoritária, rege-se pela teoria da acessoriedade limitada. Assim, a conduta acessória (participação) depende de uma conduta principal (autoria) que seja, no mínimo, típica e antijurídica (mas não necessariamente culpável). Assim, se você situa a desistência como excludente da tipicidade, isso irá excluir qualquer possibilidade de punir partícipes. Agora, situando como um problema de punibilidade, a conduta continua sendo típica e antijurídica, de forma que os partícipes não se beneficiam da desistência voluntária do autor.
O caso do INIMPUTÁVEL. Se é causa de exclusão da punibilidade, somente se aplica em casos nos quais há uma conduta típica, antijurídica e culpável. A desistência voluntária, portanto, não se aplica à conduta do inimputável, pois aqui inexiste culpabilidade. Isso não ocorreria caso a desistência se inserisse na tipicidade, pois o exame da tipicidade antecede o da culpabilidade.
Qual o argumento utilizado para quem situa a desistência voluntária como um problema de atipicidade?
A desistência impede a consumação do crime
e assim, exclui a própria tipicidade
É a postura de alguns juristas mais antigos, como Heleno Cláudio Fragoso, Basileu Garcia e Frederico Marques. Para esses professores, não haveria sentido em dizer que a tentativa já se havia perpetrado e, estando perfeita, não haveria efeito ex tunc da desistência voluntária. Essa postura atestará, em última análise, que se não ocorre a consumação por ato voluntário do agente, então os atos anteriores estão fora do alcance do tipo, sendo, portanto, atípicos. A desistência voluntária, portanto, atua no âmbito da tipicidade e não da punibilidade.
Há um precedente do STJ, de 2011, que acolhe essa teoria:
“1. A configuração da desistência voluntária afasta, inevitavelmente, o delito na sua forma tentada, respondendo o agente pelos atos já praticados. 2. Não há dúvida, entretanto, que na tentativa o resultado não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. No caso, há esgotamento de todos os atos executórios ou o agente é impedido de exauri-los. O dolo inicialmente pretendido, entretanto, remanesce. Já na desistência voluntária e no arrependimento eficaz, por opção/escolha do agente, o fim inicialmente pretendido pelo agente não se realiza. Ou seja, ao alterar o dolo inicialmente quisto, enseja a ocorrência da atipicidade, respondendo, entretanto, pelos atos já praticados”
(REsp 497.175/SC). (…) (HC nº 184.366/DF, rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 02.08.2011, DJe 29.08.2011).
Qual o argumento utilizado para quem situa a desistência voluntária como um problema de culpabilidade?
Cuida-se de uma postura à qual se pode chegar por dois critérios distintos:
- Para os adeptos do finalismo e da culpabilidade-reprovabilidade, será possível dizer que, como o autor voluntariamente impediu a consumação do resultado típico, sobre ele não mais incidirá um juízo pessoal de reprovação sobre o fato punível que inicialmente tencionava praticar, restando somente reprováveis os atos que já praticou. É, portanto, uma posição atribuída a autores cujo pensamento remonta ao sistema finalista de delito e à teoria normativa pura da culpabilidade, como Hans Welzel. Outra variante dessa postura, dirá Juarez Cirino dos Santos (2018, p. 422), se caracteriza pela posição de que “na verdade, a pena é suspensa porque o mérito da desistência compensa o injusto da tentativa e, assim, fundamenta a exculpação do autor”.
- Para os adeptos do funcionalismo teleológico/racional/moderado/dualista/de política criminal, haverá uma hipótese de desnecessidade da pena. Essa categoria, âmbito da funcionalização da culpabilidade pela teoria preventiva da pena em Claus Roxin, excluirá um dos elementos necessários do estrato da responsabilidade (a culpabilidade).
O que é a “fórmula de Frank” e como ela ajuda a diferenciar a desistência voluntária da tentativa? Qual a crítica feita a ela?
Quero mas não posso, posso mas não quero
Na TENTATIVA, o agente quer consumar o fato, porém não pode, em razão de circunstâncias alheias à sua vontade. A execução objetiva do fato punível ao qual dera início, então, resta inviabilizada por interrupção externa.
Na DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA, o agente pode consumar o fato, porém, voluntariamente, não o faz, embora lhe fosse possível. Dessa maneira, antes de finalizar os atos de execução que estavam à sua disposição para alcançar o resultado proibido, voluntariamente o agente aborda a empreitada delitiva, que resta inviabilizada por interrupção interna.
RESUMINDO:
Tentativa: Quero consumar o fato. Entretanto, não posso.
Desistência voluntária: Posso consumar o fato. Entretanto, não quero.
O problema dela é a dificuldade em averiguar o “não posso” e o “não quero” (exemplo do ladrão que desiste do roubo porque sente uma terrível dor de dente no momento da execução).
Qual a diferença entre a desistência voluntária e o arrependimento eficaz?
Momento do iter criminis
O núcleo distintivo reside no momento do iter criminis no qual se dá a desistência da tentativa – posto que tanto o arrependimento eficaz quanto a desistência voluntária são, em último grau de análise, desistências de tentativa.
A DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA é uma desistência de tentativa inacabada ou imperfeita. O agente abandona a empreitada ainda no curso dos atos executivos. O resultado não se consuma porque não foram praticados todos os atos de execução.
O ARREPENDIMENTO EFICAZ é uma desistência de tentativa acabada ou perfeita. O agente abandona a empreitada depois de esgotados os atos executivos. O resultado não se consuma porque, apesar de terem sido praticados todos os atos executivos, o agente inicia uma causalidade em sentido contrário e impede a produção dos efeitos.
Imaginemos, pois, a seguinte situação hipotética:
X, desejando o homicídio (art. 121, CP) de Y, seu desafeto, tem intenção de matá-lo mediante o desferimento de golpes de marreta contra sua cabeça. Calculando que seriam necessários apenas dois golpes, X inicia a execução da empreitada delitiva de acordo com o plano individual traçado e, após acertar o primeiro golpe (ou seja, após iniciados os atos executivos do iter criminis), entretanto antes do segundo, opta, voluntariamente, por não prosseguir na execução, evitando, assim, que se consume o resultado típico proibido inicialmente visado (a morte de Y).
Houve arrependimento eficaz ou desistência voluntária?
Desistência voluntária
Na desistência voluntária, o agente abandona a empreitada ainda no curso dos atos executivos. O resultado não se consuma porque não foram praticados todos os atos de execução.
No arrependimento eficaz, o agente abandona a empreitada depois de esgotados os atos executivos. O resultado não se consuma porque, apesar de terem sido praticados todos os atos executivos, o agente inicia uma causalidade em sentido contrário e impede a produção dos efeitos.
Imaginemos, pois, a seguinte situação hipotética:
X, desejando o homicídio (art. 121, CP) de Y, dirige contra ele dois disparos de arma de fogo, que acertam a parte frontal de sua cabeça. Após a execução, e percebendo que Y ainda se encontrava vivo, X, comovido pela imagem à sua frente, decide, voluntariamente, impedir a consumação do resultado típico (a morte de Y, com o qual estaria definitivamente perpetrado o homicídio) e o carrega imediatamente para o hospital mais próximo, no qual o médico responsável pelo plantão consegue lhe salvar a vida. X, no caso, em razão da norma do art. 15, responderá somente pelos atos que já praticou, ou seja, por lesões corporais.
Houve arrependimento eficaz ou desistência voluntária?
Arrependimento eficaz
Na desistência voluntária, o agente abandona a empreitada ainda no curso dos atos executivos. O resultado não se consuma porque não foram praticados todos os atos de execução.
No arrependimento eficaz, o agente abandona a empreitada depois de esgotados os atos executivos. O resultado não se consuma porque, apesar de terem sido praticados todos os atos executivos, o agente inicia uma causalidade em sentido contrário e impede a produção dos efeitos.
Quais são os dois requisitos da desistência voluntária? Faz diferença se a desistência é espontânea ou provocada? E a motivação da desistência?
Objetivo e subjetivo
São dois, de natureza subjetiva e de natureza objetiva:
- REQUISITO SUBJETIVO: é a voluntariedade na desistência de prosseguir na execução já iniciada e ainda não terminada. Há tempos, tanto doutrina quanto jurisprudência rechaçam distinções entre voluntariedade e espontaneidade. É irrelevante se a ideia da desistência da execução tenha partido do próprio agente ou de algum estímulo exterior, como sugestão de seu advogado, de um amigo, do membro do Ministério Público, da própria vítima ou de quem quer que seja. Basta, no caso, que não haja coação externa, ou seja, que o agente atue por livre e espontânea vontade. Nessa perspectiva, são irrelevantes, também, as características dos motivos que levam o agente a desistir. Motivos nobres ou egoísticos; um pedido da própria vítima; o medo súbito de sofrer a sanção penal… Nenhum deles possuirá relevância para que se consubstancie o cenário de aplicabilidade da primeira figura do art. 15 do CP.
- REQUISITO OBJETIVO. Não basta desistir mentalmente: é preciso haver a efetiva interrupção interna dos atos executórios planejados inicialmente pelo autor como suficientes para, na empreitada delitiva, atingir a consumação do resultado proibido. Em outras palavras, é a própria materialização do requisito subjetivo, ou seja, é a objetivação da desistência de prosseguir na execução já iniciada e ainda não terminada.
O que é a desistência momentânea? Ela é uma espécie de desistência voluntária?
Pode ocorrer que, no caso concreto, a desistência voluntária se dê não para abandonar completamente a empreitada delituosa, mas para levá-la a cabo ou terminá-la, se suspensa, em momento mais oportuno. Será preciso distinguir, aqui, o adiamento na execução da pausa na execução, e os exemplos nos ajudarão a compreender os exatos termos do problema, que terá consequências práticas distintas na responsabilização criminal do agente.
- Imaginemos que X, desejando o homicídio de Y, planeje alcançar o resultado típico proibido mediante o desferimento de dois golpes de marreta em sua cabeça, o que acredita ser suficiente para causar a morte do desafeto. Após desferido o primeiro golpe, e antes de desferido o segundo (caracterizando, portanto, o interregno compreendido entre os atos executórios), X voluntariamente desiste de prosseguir na empreitada delitiva imaginando que deva fazê-lo no dia seguinte, pois, em seu pensamento, as circunstâncias serão mais propícias e o fato terá melhores chances de sucesso. É de se indagar, assim, se será beneficiado pela norma da desistência voluntária (respondendo, dessa forma, somente pelos atos que efetivamente já praticou, nos termos do art. 15 do CP) ou se incidirá na forma tentada do homicídio (art. 121, CP, na forma do art. 14, II, CP).*
- Tendo em vista que, conforme já se salientou, a natureza, as características e as circunstâncias da motivação que levou o agente a desistir da execução são irrelevantes para que se configure o seu requisito subjetivo, a voluntariedade, parcela relevante da doutrina enxergará no adiamento da execução um fato irrelevante para fins de se analisar a desistência voluntária, devendo, necessariamente, se beneficiar o agente com o que disposto no art. 15 do CP. É a posição, por exemplo, de Nelson Hungria (1958, p. 98) um expoente dessa maneira de pensar, quando aduz que “mesmo no caso em que o agente desiste da atividade executiva com o desígnio de repeti-la em outra ocasião (desistência da consumação, sem abandono total do propósito criminoso), há desistência voluntária’’.*
- Em sentido diametralmente oposto, entretanto, Costa e Silva (1943, p. 192-193) são o expoente da posição segundo a qual não pode existir a desistência voluntária quando o agente suspende a execução pensando em continuá-la depois, em momento mais propício para alcançar seus objetivos.*
- Não se deve confundir, entretanto, o que se expôs com os casos de pausa na execução, cujo critério distintivo residirá na diluição da proximidade temporal entre o início e a continuidade da empreitada delitiva.*
- Imaginemos, por exemplo, que X, desejando o homicídio de Y, planeje alcançar o resultado proibido desferindo-lhe dois golpes de marreta na cabeça. Após o desferimento do primeiro golpe, Y cai desacordado, mas ainda vivo. X, então, pronto para desferir a segunda marretada, a que seria fatal e consumativa do resultado naturalístico morte, percebe que um policial passa pela rua na qual ambos se encontram, sem, entretanto, notar o desenrolar do fato criminoso. A fim de evitar problemas, X suspende momentaneamente a execução de sua empreitada e aguarda pacientemente que o policial deixe o local sem notá-los, retomando os atos executivos do delito em seguida e desferindo a segunda marretada.*
- Nesse exemplo, por óbvio, não haverá desistência voluntária; e se descoberto pelo policial nesse momento de pausa na execução, X responderá por tentativa de homicídio (art. 121, CP, na forma do art. 14, II, CP), tendo em vista que houve interrupção externa do curso natural planejado da execução do fato punível.*
Imagine um determinado agente que planeja empreender uma execução de fato punível de uma maneira determinada que considera infalível e suficientemente apta a produzir a consumação do fato. No momento de levar a cabo os atos executivos, entretanto, percebe-se que a metodologia potencialmente criminosa empregada não era, de fato, imune a falhas e mostra-se incapaz de consumar o delito pretendido. O agente, então, no caso concreto, poderia prosseguir de maneira diversa, retomando a execução, mas renuncia à continuidade dos atos executórios do fato punível. Houve desistência voluntária ou tentativa?
O tema encontra dissonância teórica
1) Uma primeira corrente dirá que se trata de tentativa falha, havendo punição. O agente se encontraria inserido na assim chamada teoria do ato isolado. Em outras palavras, cada ato parcial que, antes da execução, o agente tinha por suficiente para o atingimento do resultado típico proibido, serve para fundamentar uma tentativa acabada e falha, na hipótese em que não venha atingir seu intento.
2) Uma segunda corrente, entretanto, dirá que se trata de desistência voluntária, posto ser essa possibilidade mais compatível com os fins político-criminais do direito penal, de premiar aquele que, de qualquer forma, cesse o desenrolar da atividade executiva do delito.
ATENÇÃO!
Zaffaroni e Pierangeli adotam uma postura crítica face à tese pela qual se sustenta a punibilidade da conduta do agente nas hipóteses de execução retomada, como se demonstra a seguir:
Se, durante a execução, o autor se certificar de que a força é insuficiente e decidir pelo emprego de uma força maior do que aquela que, em princípio, pensava usar, nada fará mais do que seguir em frente com a mesma tentativa. Nenhuma importância terá o fato de o agente decidir matar com um único golpe e, comprovando não ser ele suficiente para produzir a morte, desferir-lhe mais cinco, com os quais consegue o seu objetivo, porquanto não haverá, em tal hipótese, um concurso de tentativa de homicídio com homicídio consumado. (…) Sendo assim, não vemos por que razão se há de considerar que a tentativa está fracassada quando o agente pode lograr o seu objetivo mediante uma variação não significativa do plano original, modificando a forma de execução do delito (ZAFFARONNI; PIERANGELI, 2000, p. 93-94).
A desistência de uma tentativa qualificada afasta a punibilidade todos os delitos envolvidos?
Apenas do delito-fim
Tem-se por tentativa qualificada o fenômeno através do qual o delito que se pretende cometer necessariamente abrange a consumação de outro. Falamos, assim, em delito-fim e delito-meio, e é preciso perquirir o que acontece com esses delitos-meio já tipificados e consumados na hipótese de haver desistência voluntária quanto ao delito-fim, que, por óbvio, ainda nem sequer exauriu todos os atos de execução possíveis.
A doutrina majoritária tende a responder à questão no sentido de que a desistência da tentativa prejudica somente a tentativa como tal. Em outras palavras, a tipicidade e a consumação dos delitos-meio não serão afastadas na hipótese de desistência do delito-fim, permanecendo estes a título subsidiário.
Além da tradicional fórmula de Frank (posso, mas não quero; quero, mas não posso), há outras duas propostas famosas para diferenciar a tentativa da desistência voluntária. Quais são elas?
FÓRMULA DE WESSELS. Ele sustenta que a desistência é voluntária quando o autor permanece senhor da sua resolução. Também aqui a gente não tem um critério muito seguro (permanece senhor da resolução?).
ZAFFARONI. Uma desistência só é voluntária quando ela não está fundada na representação de uma ação especial do sistema penal. Medo de ser preso, medo de alguma ação do sistema de persecução. Você vai ser preso, você vai ser processado, vão descobrir que foi você e aquilo terá consequências. Se você desiste em razão desse medo, essa desistência não é voluntária. (Por exemplo, o Damásio dá um exemplo interessante no livro dele, do cara que está dentro de uma casa para furtar e vem uma tempestade. Com essa tempestade, os galhos batem no vidro da casa. Ele acha que é alguém se aproximando e foge. Essa desistência não é voluntária)
se o sujeito inicia a execução de um estupro em relação a uma mulher, depois vê uma outra mais bonita, larga aquela, vai para a outra. Essa desistência é voluntária?
Sim
É uma desistência voluntária, ainda que bizarra, pois a doutrina defende que, para sua configuração, é desnecessário que a desistência tenha como fundamento um motivo ético, moral ou nobre. A desistência, ainda, tampouco precisa ser espontânea (não é necessário um “arrependimento”).
O que é uma tentativa falha? Ela é uma espécie de desistência voluntária?
Não há desistência voluntária em tentativas falhas
TENTATIVA FALHA: A desistência da tentativa pressupõe a representação da possibilidade de consumação do fato. O autor quer roubar uma fortuna, mas encontra uma quantidade ínfima de dinheiro com a vítima; o autor “perde o poder da ereção” (adorei a expressão!) no esforço físico da tentativa de estupro.