Iter Criminis Flashcards

1
Q

O que é o iter criminis?

A

O caminho do crime

O iter criminis é uma palavra em latim que expressa a ideia de caminho do crime. Quando trabalhamos o iter criminis, trabalhamos, na verdade, a tentativa, a existência de tentativa ou crime consumado e outros institutos relacionados à tentativa. Vamos lá!

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2
Q

Quais são os estágios possíveis do cometimento de um crime?

A

Cogitação, preparação, execução e consumação

e em alguns crimes, o exaurimento

  1. o primeiro deles é a cogitação: você pensa em cometer o crime;
  2. o segundo são os atos preparatórios: você sai dessa esfera interna do pensamento e já realiza algumas condutas (portanto, você exterioriza esse plano), mas ainda não inicia a execução do crime. Exemplo: você obtém informações na internet sobre a vítima. Isso são atos preparatórios;
  3. depois dos atos preparatórios vêm os atos de execução: são, realmente, já considerados o início de execução do crime, são, portanto, puníveis a título de tentativa;
  4. depois dos atos de execução, temos a consumação. Exemplo: em um homicídio, a vítima morre;
  5. é possível, ainda, enxergar, em alguns crimes, o chamado exaurimento.
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3
Q

Quais atos do iter criminis não são puníveis?

A

Cogitação e atos preparatórios

A cogitação e os atos preparatórios são impuníveis, não se pode punir alguém por pensar em cometer um crime; não se pode punir alguém por, licitamente, comprar uma arma para cometer esse crime. Se essa compra é lícita, não há crime ainda de tentativa de homicídio. Então, as duas primeiras etapas são impuníveis, só haverá possibilidade de punição a partir da terceira etapa.

Mas atenção! A Lei Antiterrorismo (Lei n° 13.260/2016) prevê a punição de atos preparatórios de terrorismo quando realizado com o propósito inequívoco de consumar o delito.

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4
Q

Qual é a natureza e a definição jurídica da tentativa?

A

Defeito no tipo objetivo

com preenchimento do tipo subjetivo

A tentativa é um defeito no tipo objetivo (de alguma forma, o resultado previsto no tipo não foi atingido), mas com o preenchimento do tipo subjetivo (a intenção, o dolo estão presentes).

Seus elementos são:

  • início de execução (não bastam os atos preparatórios)
  • não consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente
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5
Q

Quando há um início de execução, apto a caracterizar a tentativa?

A

Três teorias, uma delas não utilizada

TEORIA MATERIAL-OBJETIVA

Para a teoria material-objetiva, ato de execução é o que produz perigo para o bem jurídico. Não é adotada, pois é muito vaga e gera insegurança.

TEORIA FORMAL-OBJETIVA

Para a teoria formal-objetiva, haverá início de execução quando se inicia a realização do núcleo do tipo (início da execução típica). Em um homicídio, não basta apontar a arma para a cabeça da vítima, é preciso puxar o gatilho.

TEORIA SUBJETIVO-OBJETIVA

Para a teoria subjetivo-objetiva, haverá ato execução mesmo quando este não for típico, mas anteceder diretamente o ato típico e conduzir, segundo o plano do autor, ao exercício da ação típica. No mesmo exemplo, apontar a arma para a cabeça da vítima já é tentativa.

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6
Q

Por que se pune a tentativa?

A

Teorias objetiva, subjetiva e da imprecisão

  • Teorias objetivas: o perigo próximo de consumação da realização típica. teoria adotada no Brasil.
  • Teorias subjetivas: a vontade delituosa. crítica: por essa corrente, colocar agulhas num boneco-vodu do marido seria tentativa.
  • Teorias da imprecisão: a afetação da confiança da comunidade na vigência do ordenamento, aferida segundo um juízo ex ante. não vai interessar aqui um real perigo ao bem jurídico constatado no caso concreto, o que vai ser importante vai ser a impressão de perigo gerada através daquela determinada conduta.

O estudo do tema é importante para compreender melhor as hipóteses de crime impossível.

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7
Q

Imagine alguém que chegue no trabalho, aponte uma arma para um colega, diga “eu vou te matar” e puxe o gatilho. A arma, contudo, estava descarregada, sem que ninguém (nem mesmo o agente) soubesse. Houve tentativa ou é hipótese de crime impossível?

A

Depende da teoria adotada.

A teoria subjetiva é pouco adotada (lembre-se do boneco de vodu).

Para a teoria objetiva, o crime é impossível, pois em nenhum momento houve perigo próximo de consumação da conduta (pois a arma estava descarregada).

Para a teoria da imprecisão, houve tentativa, pois houve a percepção de perigo para o bem jurídico por parte da comunidade.

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8
Q

Cabe tentativa em contravenções? Por que?

A

Não cabe tentativa

Porque existe um artigo expresso na Lei das Contravenções Penais (LCP) afastando a possibilidade de tentativa. A tentativa nas contravenções é atípica, não tem previsão legal.

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9
Q

Crimes de mera conduta admitem tentativa? Por que?

A

Sim, especialmente quando plurissubsistentes

Com certeza, sobretudo se eles forem plurissubsistentes. Se você tiver um crime de mera conduta que se realiza através de vários atos, e se você só tiver realizado uma parte deles, e for surpreendido, haverá tentativa de crime de mera conduta, não há problema nenhum quanto a isso.

Então, em uma violação de domicílio, se você for surpreendido entrando no domicilio, mas sem ainda ter entrado na casa - arrombando a porta, colocou o primeiro pé mas não entrou na casa ainda -, tentativa de violação de domicílio.

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10
Q

Crimes habituais admitem tentativa?

A

Depende do conceito de habitualidade criminal

Se você entende como a doutrina antiga, que o crime habitual exige reiteração de condutas, você vai dizer que não, ou as condutas são reiteradas, por exemplo, no mínimo três, e você tem crime consumado, ou você ainda tem atos preparatórios.

Essa visão está ultrapassada: habitualidade hoje, ela é vista como um elemento subjetivo especial que alguns crimes tem, é uma intenção de repetir. Então, se você realizar uma única conduta, patente a intenção de repetir, haverá crime habitual consumado; se você é surpreendido tentando realizar essa primeira conduta, patente a intenção de repetir, haverá crime habitual tentado.

EXEMPLO

Exercício irregular da medicina. Você monta um consultório em uma cidade pequena, faz propaganda, etc, você não é médico. Tem uma fila na porta para você atender, quando você incia o atendimento do primeiro paciente (mas ainda não atendeu), a polícia chega, você é preso. Tentativa do crime do art. 282. Se você já tivesse terminado o atendimento, você teria crime habitual consumado, a habitualidade é a intenção de repetir.

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11
Q

Crimes unissubsistentes admitem tentativa?

A

Se for material (conduta e resultado), sim

Crime unissubsistente é aquele que se realiza com um único ato: injúria oral, por exemplo. Esse crime unissubsistente, se ele for material (como o homicídio), de conduta e resultado, ele vai admitir tentativa.

Por quê? Porque eu aperto o botão, a bomba explode, a vítima não morre, então é possível. Então, nos crimes unissubsistentes materiais é possível a tentativa.

Mas se for um crime unissubsistente formal ou de mera conduta, ou seja, a conduta é composta de um único ato, e o crime se consuma com a conduta, fica muito difícil enxergar a tentativa nesse crime unissubsistente de mera conduta ou formal. EXEMPLO: injúria oral. Se você falou o palavrão, está consumado. Se você ainda não falou, não temos ainda ato de execução. Então fica difícil realmente identificar a tentativa nos crimes unissubsistentes.

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12
Q

O que são crimes de atentado? Eles admitem tentativa?

A

Não cabe tentativa de tentativa

Os crimes de atentado são aqueles que o próprio tipo penal equipara a tentativa e a consumação. Como exemplo, o artigo 352 do CP, que tipifica a conduta de “evadir-se ou tentar evadir-se o preso submetido a medida de segurança, mediante violência […]”. Em sua forma própria, portanto, é evidente que não cabe falar em tentativa de tentativa.

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13
Q

Os crimes omissivos admitem tentativa?

A

Os impróprios admitem tentativa

Os crimes omissivos próprios não admitem tentativa. Se você deixou de realizar a conduta que deveria, o crime já se consumou, não havendo espaço para tentativa.

Os crimes omissivos impróprios são aqueles praticados por um garante. Normalmente são crimes materiais, de conduta e resultado (como a mãe que não amamenta o filho e ele morre). Aqui, a tentativa é plenamente cabível. A dificuldade é estabelecer a partir de que momento há um ato de execução apto a caracterizar a tentativa, e não mais meros atos preparatórios.

  • Para isso a doutrina faz uma distinção entre a espécie de perigo: se o perigo para o bem jurídico está próximo (exemplo, a criança está se afogando, vai morrer em um minuto e a mãe inerte), haverá tentativa quando o garantidor deixa perecer a primeira chance de salvamento. Então a mãe podia colocar a mão na água, levantar a criança, não fez: tentativa. Claro, sempre dolo né, só existe tentativa em crime doloso.*
  • Se o perigo é remoto, por exemplo, a mãe deixa de amamentar o filho, a criança vai demorar uns dois dias para morrer. A partir de que momento há tentativa? Nos primeiros dez minutos em que ela resolveu fazer isso?*
  • Não! Ou a gente tem que esperar que esse perigo fique próximo para dizer que há tentativa, então, a criança está sem comer há dois dias, está quase morrendo, a polícia chega lá, prende a mãe por tentativa de homicídio porque o perigo é próximo, ou, mesmo com esse perigo ainda distante, faltam dois dias para a criança morrer, haverá tentativa se o garantidor tira das suas mãos a possibilidade de exercer a ação salvadora (a mãe comprou uma passagem para o Japão e viajou, deixando a criança sozinha).*
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14
Q

Qual a pena para a tentativa?

A

Diminuição de um a dois terços

em relação ao crime consumado

Para escolher se vai ser um ou dois terços de redução, o juiz deve ponderar a proximidade da consumação.

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15
Q

Um grupo compra um imóvel ao lado de um banco, e começa a cavar um túnel, a partir do imóvel, até o cofre do banco. No meio das escavações, são pegas pela polícia. A ação é mero ato preparatório (e impunível, portanto), ou já é tentativa?

A

Segundo o STJ, tentativa.

Não houve violação do art. 14, II, do CP, pois os atos externados ultrapassaram meros atos e cogitação ou de preparação e expuseram perigo real para o bem jurídico protegido pela norma penal, inclusive com a execução qualificadora do furto. Os recorrentes, mediante complexa logística, escavaram por dois meses um túnel de 70,3 metros entre o prédio que adquiriram e o cofre da instituição bancária, cessando a empreitada, em decorrência de prisão em flagrante, quando estavam a 12,8 metros do ponto externo do banco, contexto que evidencia, de forma segura, a prática de atos executórios. (SRJ - REsp 125770/RS, julgado em 24.03.2015);

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16
Q

QUESTÃO DE CONCURSO

Verdadeiro ou falso?

Sobre o iter criminis, julgue o item:

A criminalização de atos preparatórios como crimes de perigo abstrato autônomos não é admita pela jurisprudência do STF, por violação do princípio da lesividade.

A

ERRADO.

O STF, ao contrário da assertiva contida neste item, admite a tipificação de conduta que, em tese, teria natureza de ato preparatório para a prática de outro crime. Não há ofensa à lesividade, desde que conte com previsão legal. A Lei Antiterrorismo, por exemplo, pune os atos preparatórios da figura típica do terrorismo (Lei n. 13.260/2016). Logo, por si só, não há lesividade.

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17
Q

QUESTÃO DE CONCURSO

Verdadeiro ou falso?

O acréscimo da pena em razão do crime continuado é fixado de acordo com o iter criminis percorrido pelo agente, porquanto na continuidade delitiva, os vários delitos que a integram são considerados como crime único.

A

A questão está errada.

O iter criminis é utilizado para a fixação do grau de redução do delito tentado. Para o crime continuado, utiliza-se a quantidade de infrações. No caso do crime continuado específico, além do número de crimes, o juiz também considera a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, conforme preconiza o parágrafo único do artigo 71 do Código Penal.

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18
Q

O que o Código Penal diz sobre a desistência voluntária?

A

“O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados”

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19
Q

Cite três diferentes correntes doutrinárias relativas à classificação do instituto da desistência voluntária.

A

Punibilidade, Tipicidade ou culpabilidade

A corrente doutrinária majoritária classifica a desistência voluntária como um problema relativo à punibilidade.

Há, contudo, outras duas correntes, minoritárias, que a situam como um problema relativo à atipicidade da conduta ou, ainda, à culpabilidade.

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20
Q

Situar a desistência voluntária como um problema de punibilidade significa inserí-la dentro ou fora da teoria do delito? E da teoria da pena? Quais as expressões mais comuns para se referir a ela, segundo tal teoria (que situa a desistência dentro da punibilidade)?

A

Fora da teoria do delito, dentro da teoria da pena

Essa é a teoria dominante. Colocar como um problema de punibilidade a situa fora da estrutura analítica do crime, que integra a teoria do delito (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade), inserindo-a dentro da teoria da pena, da coerção penal. Em outras palavras, é um prblema de política criminal e de escolha legislativa sobre a incidência ou não da pena para um fato tipificado como delito.

São comuns as seguintes expressões para a desistência voluntária, quando situada no âmbito da punibilidade:

  • causa pessoa de isenção de pena
  • causa especial de ausência de punibilidade
  • exclusão de pena
  • exclusão de punibilidade
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21
Q

O que significa a expressão “ponte de ouro”, e por qual razão ela está associada à desistência voluntária?

A

Atravessar o caminho da prática ilícita para a licitude

As pontes de ouro seriam o caminho possível de ser percorrido pelo agente que iniciou a prática de um ilícito penal voltando a corrigir o seu percurso, retornando à seara da licitude. A ponte de ouro está presente, entre nós, no art. 15 do CPB, nos institutos do arrependimento eficaz e desistência voluntária. Segundo ele, o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução (DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA) ou impede que o resultado se produza (ARREPENDIMENTO EFICAZ), só responde pelos atos já praticados.

A tese da “ponte de ouro” remonta a juristas antigos, como Franz von Liszt (expoente teórico do sistema clássico de fato punível e da teoria causalista da conduta) e Anselm von Feuerbach (importante jurista do iluminismo penal, famoso pelas suas construções acerca da teoria da coação psicológica no âmbito da fundamentação preventiva geral negativa dos fins da pena).

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22
Q

Qual o argumento utilizado por Nelson Hungria para justificar que a desistência voluntária situa-se no âmbito da punibilidade, e não no da tipicidade?

A

Tipicidade não pode ser retroativamente suprimida

O próprio Nelson Hungria (1978, p. 193), filiando-se à primeira vertente desse entendimento (afirmando, portanto, que a impunibilidade que decorre do art. 15 do CP é um problema de ausência pessoal de punibilidade), já afirmava que “a tentativa, uma vez acontecida, não pode ser suprimida retroativamente”. Em outras palavras, significa dizer que, uma vez que uma tentativa se mostrou perfeitamente típica (com a tipicidade estabelecida, portanto), uma circunstância posterior não é capaz de suprimir essa adequação do fato praticado com a norma penal. A desistência voluntária, portanto, deve ser situada fora do âmbito da tipicidade.

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23
Q

Qual o argumento utilizado por Claus Roxin para justificar que a desistência voluntária situa-se no âmbito da punibilidade, e não no da tipicidade?

A

A desnecessidade da pena

Uma outra variante da corrente de pensamento que situa o problema no âmbito da teoria da pena e não na teoria do delito é capitaneada por Claus Roxin e pelos discípulos do funcionalismo teleológico/racional/dualista/de política criminal, variante segundo a qual não há que se extrair o fundamento da impunibilidade da desistência voluntária (e mesmo do arrependimento eficaz) de qualquer espécie de “prêmio” outorgado ao agente que impede a consumação do fato, mas, em verdade, da inexistência de necessidade da pena.

Lembremos, nesse ponto, que, no contexto de suas formulações pós-finalistas, Roxin funcionaliza todas as categorias do fato punível por sua teoria preventiva da pena, estatuindo, por exemplo, que ao direito cabe somente a tutela subsidiária de bens jurídicos e que, portanto, toda imposição de pena a um sujeito concreto deve se mostrar absolutamente necessária, sob pena de ilegitimidade da criminalização, o que se mostra coerente com sua postura. Essa posição pode ser levada para as provas discursivas e/ou orais, nas quais o candidato tenha espaço para aprofundar o tema, demonstrar conhecimento e, assim, se destacar de outros concorrentes.

ATENÇÃO!

É preciso lembrar que Roxin situa a necessidade da pena ao lado da culpabilidade, como um dos integrantes da categoria que ele criou, da responsabilidade (ao lado da tipicidade e da antijuridicidade, ele não coloca a culpabilidade, mas a responsabilidade, conceito mais amplo integrado pela culpabilidade e pela necessidade da pena). Alguns autores dizem, assim, que como a culpabilidade permanece intocada, ao situar a desistência voluntária no âmbito da desnecessidade da pena, a teoria de Roxin a situaria como um problema de punibilidade. Outros dizem que, como está dentro da responsabilidade, que é uma espécie de “substituto” roxiniano para a culpabilidade, que tal teoria acaba por inserir a desistência como um problema de culpabilidade, mesmo.

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24
Q

Quais são as duas principais repercussões de situar o problema da desistência voluntária dentro da punibilidade?

A

Partícipes não se beneficiam

e não há desistência em casos de inimputabilidade

A PARTICIPAÇÃO, pela doutrina majoritária, rege-se pela teoria da acessoriedade limitada. Assim, a conduta acessória (participação) depende de uma conduta principal (autoria) que seja, no mínimo, típica e antijurídica (mas não necessariamente culpável). Assim, se você situa a desistência como excludente da tipicidade, isso irá excluir qualquer possibilidade de punir partícipes. Agora, situando como um problema de punibilidade, a conduta continua sendo típica e antijurídica, de forma que os partícipes não se beneficiam da desistência voluntária do autor.

O caso do INIMPUTÁVEL. Se é causa de exclusão da punibilidade, somente se aplica em casos nos quais há uma conduta típica, antijurídica e culpável. A desistência voluntária, portanto, não se aplica à conduta do inimputável, pois aqui inexiste culpabilidade. Isso não ocorreria caso a desistência se inserisse na tipicidade, pois o exame da tipicidade antecede o da culpabilidade.

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25
Q

Qual o argumento utilizado para quem situa a desistência voluntária como um problema de atipicidade?

A

A desistência impede a consumação do crime

e assim, exclui a própria tipicidade

É a postura de alguns juristas mais antigos, como Heleno Cláudio Fragoso, Basileu Garcia e Frederico Marques. Para esses professores, não haveria sentido em dizer que a tentativa já se havia perpetrado e, estando perfeita, não haveria efeito ex tunc da desistência voluntária. Essa postura atestará, em última análise, que se não ocorre a consumação por ato voluntário do agente, então os atos anteriores estão fora do alcance do tipo, sendo, portanto, atípicos. A desistência voluntária, portanto, atua no âmbito da tipicidade e não da punibilidade.

Há um precedente do STJ, de 2011, que acolhe essa teoria:

“1. A configuração da desistência voluntária afasta, inevitavelmente, o delito na sua forma tentada, respondendo o agente pelos atos já praticados. 2. Não há dúvida, entretanto, que na tentativa o resultado não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. No caso, há esgotamento de todos os atos executórios ou o agente é impedido de exauri-los. O dolo inicialmente pretendido, entretanto, remanesce. Já na desistência voluntária e no arrependimento eficaz, por opção/escolha do agente, o fim inicialmente pretendido pelo agente não se realiza. Ou seja, ao alterar o dolo inicialmente quisto, enseja a ocorrência da atipicidade, respondendo, entretanto, pelos atos já praticados”

(REsp 497.175/SC). (…) (HC nº 184.366/DF, rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 02.08.2011, DJe 29.08.2011).

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26
Q

Qual o argumento utilizado para quem situa a desistência voluntária como um problema de culpabilidade?

A

Cuida-se de uma postura à qual se pode chegar por dois critérios distintos:

  1. Para os adeptos do finalismo e da culpabilidade-reprovabilidade, será possível dizer que, como o autor voluntariamente impediu a consumação do resultado típico, sobre ele não mais incidirá um juízo pessoal de reprovação sobre o fato punível que inicialmente tencionava praticar, restando somente reprováveis os atos que já praticou. É, portanto, uma posição atribuída a autores cujo pensamento remonta ao sistema finalista de delito e à teoria normativa pura da culpabilidade, como Hans Welzel. Outra variante dessa postura, dirá Juarez Cirino dos Santos (2018, p. 422), se caracteriza pela posição de que “na verdade, a pena é suspensa porque o mérito da desistência compensa o injusto da tentativa e, assim, fundamenta a exculpação do autor”.
  2. Para os adeptos do funcionalismo teleológico/racional/moderado/dualista/de política criminal, haverá uma hipótese de desnecessidade da pena. Essa categoria, âmbito da funcionalização da culpabilidade pela teoria preventiva da pena em Claus Roxin, excluirá um dos elementos necessários do estrato da responsabilidade (a culpabilidade).
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27
Q

O que é a “fórmula de Frank” e como ela ajuda a diferenciar a desistência voluntária da tentativa? Qual a crítica feita a ela?

A

Quero mas não posso, posso mas não quero

Na TENTATIVA, o agente quer consumar o fato, porém não pode, em razão de circunstâncias alheias à sua vontade. A execução objetiva do fato punível ao qual dera início, então, resta inviabilizada por interrupção externa.

Na DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA, o agente pode consumar o fato, porém, voluntariamente, não o faz, embora lhe fosse possível. Dessa maneira, antes de finalizar os atos de execução que estavam à sua disposição para alcançar o resultado proibido, voluntariamente o agente aborda a empreitada delitiva, que resta inviabilizada por interrupção interna.

RESUMINDO:

Tentativa: Quero consumar o fato. Entretanto, não posso.

Desistência voluntária: Posso consumar o fato. Entretanto, não quero.

O problema dela é a dificuldade em averiguar o “não posso” e o “não quero” (exemplo do ladrão que desiste do roubo porque sente uma terrível dor de dente no momento da execução).

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28
Q

Qual a diferença entre a desistência voluntária e o arrependimento eficaz?

A

Momento do iter criminis

O núcleo distintivo reside no momento do iter criminis no qual se dá a desistência da tentativa – posto que tanto o arrependimento eficaz quanto a desistência voluntária são, em último grau de análise, desistências de tentativa.

A DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA é uma desistência de tentativa inacabada ou imperfeita. O agente abandona a empreitada ainda no curso dos atos executivos. O resultado não se consuma porque não foram praticados todos os atos de execução.

O ARREPENDIMENTO EFICAZ é uma desistência de tentativa acabada ou perfeita. O agente abandona a empreitada depois de esgotados os atos executivos. O resultado não se consuma porque, apesar de terem sido praticados todos os atos executivos, o agente inicia uma causalidade em sentido contrário e impede a produção dos efeitos.

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29
Q

Imaginemos, pois, a seguinte situação hipotética:

X, desejando o homicídio (art. 121, CP) de Y, seu desafeto, tem intenção de matá-lo mediante o desferimento de golpes de marreta contra sua cabeça. Calculando que seriam necessários apenas dois golpes, X inicia a execução da empreitada delitiva de acordo com o plano individual traçado e, após acertar o primeiro golpe (ou seja, após iniciados os atos executivos do iter criminis), entretanto antes do segundo, opta, voluntariamente, por não prosseguir na execução, evitando, assim, que se consume o resultado típico proibido inicialmente visado (a morte de Y).

Houve arrependimento eficaz ou desistência voluntária?

A

Desistência voluntária

Na desistência voluntária, o agente abandona a empreitada ainda no curso dos atos executivos. O resultado não se consuma porque não foram praticados todos os atos de execução.

No arrependimento eficaz, o agente abandona a empreitada depois de esgotados os atos executivos. O resultado não se consuma porque, apesar de terem sido praticados todos os atos executivos, o agente inicia uma causalidade em sentido contrário e impede a produção dos efeitos.

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30
Q

Imaginemos, pois, a seguinte situação hipotética:

X, desejando o homicídio (art. 121, CP) de Y, dirige contra ele dois disparos de arma de fogo, que acertam a parte frontal de sua cabeça. Após a execução, e percebendo que Y ainda se encontrava vivo, X, comovido pela imagem à sua frente, decide, voluntariamente, impedir a consumação do resultado típico (a morte de Y, com o qual estaria definitivamente perpetrado o homicídio) e o carrega imediatamente para o hospital mais próximo, no qual o médico responsável pelo plantão consegue lhe salvar a vida. X, no caso, em razão da norma do art. 15, responderá somente pelos atos que já praticou, ou seja, por lesões corporais.

Houve arrependimento eficaz ou desistência voluntária?

A

Arrependimento eficaz

Na desistência voluntária, o agente abandona a empreitada ainda no curso dos atos executivos. O resultado não se consuma porque não foram praticados todos os atos de execução.

No arrependimento eficaz, o agente abandona a empreitada depois de esgotados os atos executivos. O resultado não se consuma porque, apesar de terem sido praticados todos os atos executivos, o agente inicia uma causalidade em sentido contrário e impede a produção dos efeitos.

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31
Q

Quais são os dois requisitos da desistência voluntária? Faz diferença se a desistência é espontânea ou provocada? E a motivação da desistência?

A

Objetivo e subjetivo

São dois, de natureza subjetiva e de natureza objetiva:

  1. REQUISITO SUBJETIVO: é a voluntariedade na desistência de prosseguir na execução já iniciada e ainda não terminada. Há tempos, tanto doutrina quanto jurisprudência rechaçam distinções entre voluntariedade e espontaneidade. É irrelevante se a ideia da desistência da execução tenha partido do próprio agente ou de algum estímulo exterior, como sugestão de seu advogado, de um amigo, do membro do Ministério Público, da própria vítima ou de quem quer que seja. Basta, no caso, que não haja coação externa, ou seja, que o agente atue por livre e espontânea vontade. Nessa perspectiva, são irrelevantes, também, as características dos motivos que levam o agente a desistir. Motivos nobres ou egoísticos; um pedido da própria vítima; o medo súbito de sofrer a sanção penal… Nenhum deles possuirá relevância para que se consubstancie o cenário de aplicabilidade da primeira figura do art. 15 do CP.
  2. REQUISITO OBJETIVO. Não basta desistir mentalmente: é preciso haver a efetiva interrupção interna dos atos executórios planejados inicialmente pelo autor como suficientes para, na empreitada delitiva, atingir a consumação do resultado proibido. Em outras palavras, é a própria materialização do requisito subjetivo, ou seja, é a objetivação da desistência de prosseguir na execução já iniciada e ainda não terminada.
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32
Q

O que é a desistência momentânea? Ela é uma espécie de desistência voluntária?

A

Pode ocorrer que, no caso concreto, a desistência voluntária se dê não para abandonar completamente a empreitada delituosa, mas para levá-la a cabo ou terminá-la, se suspensa, em momento mais oportuno. Será preciso distinguir, aqui, o adiamento na execução da pausa na execução, e os exemplos nos ajudarão a compreender os exatos termos do problema, que terá consequências práticas distintas na responsabilização criminal do agente.

  • Imaginemos que X, desejando o homicídio de Y, planeje alcançar o resultado típico proibido mediante o desferimento de dois golpes de marreta em sua cabeça, o que acredita ser suficiente para causar a morte do desafeto. Após desferido o primeiro golpe, e antes de desferido o segundo (caracterizando, portanto, o interregno compreendido entre os atos executórios), X voluntariamente desiste de prosseguir na empreitada delitiva imaginando que deva fazê-lo no dia seguinte, pois, em seu pensamento, as circunstâncias serão mais propícias e o fato terá melhores chances de sucesso. É de se indagar, assim, se será beneficiado pela norma da desistência voluntária (respondendo, dessa forma, somente pelos atos que efetivamente já praticou, nos termos do art. 15 do CP) ou se incidirá na forma tentada do homicídio (art. 121, CP, na forma do art. 14, II, CP).*
  • Tendo em vista que, conforme já se salientou, a natureza, as características e as circunstâncias da motivação que levou o agente a desistir da execução são irrelevantes para que se configure o seu requisito subjetivo, a voluntariedade, parcela relevante da doutrina enxergará no adiamento da execução um fato irrelevante para fins de se analisar a desistência voluntária, devendo, necessariamente, se beneficiar o agente com o que disposto no art. 15 do CP. É a posição, por exemplo, de Nelson Hungria (1958, p. 98) um expoente dessa maneira de pensar, quando aduz que “mesmo no caso em que o agente desiste da atividade executiva com o desígnio de repeti-la em outra ocasião (desistência da consumação, sem abandono total do propósito criminoso), há desistência voluntária’’.*
  • Em sentido diametralmente oposto, entretanto, Costa e Silva (1943, p. 192-193) são o expoente da posição segundo a qual não pode existir a desistência voluntária quando o agente suspende a execução pensando em continuá-la depois, em momento mais propício para alcançar seus objetivos.*
  • Não se deve confundir, entretanto, o que se expôs com os casos de pausa na execução, cujo critério distintivo residirá na diluição da proximidade temporal entre o início e a continuidade da empreitada delitiva.*
  • Imaginemos, por exemplo, que X, desejando o homicídio de Y, planeje alcançar o resultado proibido desferindo-lhe dois golpes de marreta na cabeça. Após o desferimento do primeiro golpe, Y cai desacordado, mas ainda vivo. X, então, pronto para desferir a segunda marretada, a que seria fatal e consumativa do resultado naturalístico morte, percebe que um policial passa pela rua na qual ambos se encontram, sem, entretanto, notar o desenrolar do fato criminoso. A fim de evitar problemas, X suspende momentaneamente a execução de sua empreitada e aguarda pacientemente que o policial deixe o local sem notá-los, retomando os atos executivos do delito em seguida e desferindo a segunda marretada.*
  • Nesse exemplo, por óbvio, não haverá desistência voluntária; e se descoberto pelo policial nesse momento de pausa na execução, X responderá por tentativa de homicídio (art. 121, CP, na forma do art. 14, II, CP), tendo em vista que houve interrupção externa do curso natural planejado da execução do fato punível.*
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33
Q

Imagine um determinado agente que planeja empreender uma execução de fato punível de uma maneira determinada que considera infalível e suficientemente apta a produzir a consumação do fato. No momento de levar a cabo os atos executivos, entretanto, percebe-se que a metodologia potencialmente criminosa empregada não era, de fato, imune a falhas e mostra-se incapaz de consumar o delito pretendido. O agente, então, no caso concreto, poderia prosseguir de maneira diversa, retomando a execução, mas renuncia à continuidade dos atos executórios do fato punível. Houve desistência voluntária ou tentativa?

A

O tema encontra dissonância teórica

1) Uma primeira corrente dirá que se trata de tentativa falha, havendo punição. O agente se encontraria inserido na assim chamada teoria do ato isolado. Em outras palavras, cada ato parcial que, antes da execução, o agente tinha por suficiente para o atingimento do resultado típico proibido, serve para fundamentar uma tentativa acabada e falha, na hipótese em que não venha atingir seu intento.
2) Uma segunda corrente, entretanto, dirá que se trata de desistência voluntária, posto ser essa possibilidade mais compatível com os fins político-criminais do direito penal, de premiar aquele que, de qualquer forma, cesse o desenrolar da atividade executiva do delito.

ATENÇÃO!

Zaffaroni e Pierangeli adotam uma postura crítica face à tese pela qual se sustenta a punibilidade da conduta do agente nas hipóteses de execução retomada, como se demonstra a seguir:

Se, durante a execução, o autor se certificar de que a força é insuficiente e decidir pelo emprego de uma força maior do que aquela que, em princípio, pensava usar, nada fará mais do que seguir em frente com a mesma tentativa. Nenhuma importância terá o fato de o agente decidir matar com um único golpe e, comprovando não ser ele suficiente para produzir a morte, desferir-lhe mais cinco, com os quais consegue o seu objetivo, porquanto não haverá, em tal hipótese, um concurso de tentativa de homicídio com homicídio consumado. (…) Sendo assim, não vemos por que razão se há de considerar que a tentativa está fracassada quando o agente pode lograr o seu objetivo mediante uma variação não significativa do plano original, modificando a forma de execução do delito (ZAFFARONNI; PIERANGELI, 2000, p. 93-94).

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34
Q

A desistência de uma tentativa qualificada afasta a punibilidade todos os delitos envolvidos?

A

Apenas do delito-fim

Tem-se por tentativa qualificada o fenômeno através do qual o delito que se pretende cometer necessariamente abrange a consumação de outro. Falamos, assim, em delito-fim e delito-meio, e é preciso perquirir o que acontece com esses delitos-meio já tipificados e consumados na hipótese de haver desistência voluntária quanto ao delito-fim, que, por óbvio, ainda nem sequer exauriu todos os atos de execução possíveis.

A doutrina majoritária tende a responder à questão no sentido de que a desistência da tentativa prejudica somente a tentativa como tal. Em outras palavras, a tipicidade e a consumação dos delitos-meio não serão afastadas na hipótese de desistência do delito-fim, permanecendo estes a título subsidiário.

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35
Q

Além da tradicional fórmula de Frank (posso, mas não quero; quero, mas não posso), há outras duas propostas famosas para diferenciar a tentativa da desistência voluntária. Quais são elas?

A

FÓRMULA DE WESSELS. Ele sustenta que a desistência é voluntária quando o autor permanece senhor da sua resolução. Também aqui a gente não tem um critério muito seguro (permanece senhor da resolução?).

ZAFFARONI. Uma desistência só é voluntária quando ela não está fundada na representação de uma ação especial do sistema penal. Medo de ser preso, medo de alguma ação do sistema de persecução. Você vai ser preso, você vai ser processado, vão descobrir que foi você e aquilo terá consequências. Se você desiste em razão desse medo, essa desistência não é voluntária. (Por exemplo, o Damásio dá um exemplo interessante no livro dele, do cara que está dentro de uma casa para furtar e vem uma tempestade. Com essa tempestade, os galhos batem no vidro da casa. Ele acha que é alguém se aproximando e foge. Essa desistência não é voluntária)

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36
Q

se o sujeito inicia a execução de um estupro em relação a uma mulher, depois vê uma outra mais bonita, larga aquela, vai para a outra. Essa desistência é voluntária?

A

Sim

É uma desistência voluntária, ainda que bizarra, pois a doutrina defende que, para sua configuração, é desnecessário que a desistência tenha como fundamento um motivo ético, moral ou nobre. A desistência, ainda, tampouco precisa ser espontânea (não é necessário um “arrependimento”).

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37
Q

O que é uma tentativa falha? Ela é uma espécie de desistência voluntária?

A

Não há desistência voluntária em tentativas falhas

TENTATIVA FALHA: A desistência da tentativa pressupõe a representação da possibilidade de consumação do fato. O autor quer roubar uma fortuna, mas encontra uma quantidade ínfima de dinheiro com a vítima; o autor “perde o poder da ereção” (adorei a expressão!) no esforço físico da tentativa de estupro.

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38
Q

O sujeito trabalhava em um setor dos Correios, que recebia as mercadorias e encaminhava para os transportes para que a mercadoria fosse entregue na casa das pessoas. Ele abria a mercadoria e furtava. Quando o troço era de pequeno valor, ele largava lá, ele não furtava. Quanto às mercadorias que ele não furtava, é caso de tentativa falha ou de desistência voluntária?

A

Tentativa falha

Subjetivamente, o conceito de voluntariedade é determinado por motivos autônomos - excluindo motivos heterônomos ou causas obrigatórias de impedimento de prosseguir na execução - enque o autor diz: posso, mas não quero, segundo a célebre fórmula de FRANK. Contudo - segundo a representação do autor - se a consumação é impossível, perdeu o signifiado, se representa vantagem excessiva (o autor desiste do estupro porque a vítima o reconheceu), não existe desistência voluntária, mas simples tentativa falha.

39
Q

No crime de falsa identidade (art. 307 do CP), cujo tipo prevê uma hipótese de “dolo específico”, é possível a desistência voluntária (art. 15 do CP) quando, apesar da realização da conduta, não se implementou a especial finalidade à qual estava orientada a conduta?

A

É crime formal, portanto não

O crime de falsa identidade é um crime formal. Dessa forma, mesmo que o agente não tenha alcançado a vantagem que pretendia, ele cometeu o crime assim que falsificou a identidade. Não cabe desistência voluntária.

40
Q

a desistência voluntária é admitida nos crimes unissubsistentes?

A

Não.

a desistência voluntária não é admitida nos crimes unissubsistentes, pois, se a conduta não pode ser fracionada, exteriorizando-se por um única ato, é impossível desistir da sua execução, que já se aperfeiçoou com a atuação do agente

41
Q

O arrependimento eficaz somente é possível em crimes materiais?

A

Sim.

Arrependimento eficaz ou resipiscência somente é admitido em crimes materiais, pela análise do art. 15 do CP “impede que o resultado se produza”. No crime formal e de mera conduta, com a prática do fato típico esgota-se a consumação do delito.

42
Q

Assim como a desistência voluntária, a doutrina diverge acerca do posicionamento do arrependimento eficaz dentro da teoria do fato punível (tipicidade ou culpabilidade) ou fora do delito, no âmbito da teoria da pena (punibilidade). Uma dessas teorias, contudo, é a dominante. Qual?

A

Punibilidade

ou seja, fora da teoria do delito, no âmbito da política criminal

A teoria dominante situa o arrependimento eficaz dentro da punibilidade. Ainda assim, há duas variantes: para Zaffaroni e Hungria, é causa de exclusão da punibilidade (majoritária em nossa jurisprudência). Para Roxin, é causa de desnecessidade da pena (integrante da categoria, por ele criada, da responsabilidade). Importante observar que alguns autores entendem que tal posicionamento afeta a culpabilidade, já que a categoria “responsabilidade” criada por Roxin tem como desiderato substituir a culpabilidade, sendo mais abrangente que essa.

De qualquer forma, situar no âmbito da punibilidade torna a questão um problema de política criminal e de escolha legislativa sobre a incidência ou não incidência de pena para um fato tipificado como delito.

43
Q

Havendo concurso de pessoas para a prática criminosa, o arrependimento eficaz de uma das partes beneficia os partícipes?

A

Pela doutrina majoritária, não.

Situando-se o arrependimento eficaz como um problema de punibilidade, os partícipes não se beneficiam, pois a tipicidade e a antijuridicidade ainda estarão presentes (teoria da acessoriedade limitada)

Caso situado como uma excludente de tipicidade, o arrependimento eficaz também deveria beneficiar eventuais partícipes.

44
Q

O arrependimento eficaz é aplicável a condutas praticadas por inimputáveis?

A

Pela doutrina majoritária, não.

Situando-se o arrependimento eficaz como um problema de punibilidade, seu exame demanda o preenchimento prévio de todas as categorias do delito (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade). A inimputabilidade afasta justamente a culpabilidade, de forma que não há punibilidade a ser excluída pelo arrependimento eficaz.

Todavia, caso situado como uma excludente de tipicidade, o arrependimento eficaz também é pertinente à conduta praticada por um inimputável.

45
Q

Quais os argumentos de quem situa o arrependimento eficaz como uma causa de atipicidade?

A

O ato de execução, quando o delito não se consuma, é atividade atípica.

A conduta típica, a princípio, é aquela que atende ao tipo específico, o que inclui, nos crimes materiais, o resultado. A grande exceção é a tentativa, descrita na parte geral do Código, segundo a qual será típica a conduta, mesmo sem o resultado, se esse for evitado por motivos alheios à vontade do agente.

Assim, na situação em que não se tem o resultado, e esse foi evitado pela vontade do agente, não haveria como tipificar a ação.

A grande crítica que se faz é que isso implicaria em uma atipicidade retroativa, quando dogmaticamente a tipicidade deveria ser aferida no momento da prática do ato. Se eu atiro em alguém com intenção de matar, esse ato será típico e ponto. O que eu fizer depois não altera a tipicidade.

Mas em favor dessa teoria (como excludente da tipicidade), há precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

Cumpre assinalar, ademais, a divergência doutrinária acerca da natureza da desistência voluntária e do arrependimento eficaz, em que, para uns, constitui causas de exclusão da tipicidade, enquanto que para outros, constitui causas pessoais de exclusão da punibilidade. Não há dúvida, entretanto, que na tentativa o resultado não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. No caso, há esgotamento de todos os atos executórios ou o agente é impedido de exauri-los. O dolo inicialmente pretendido, entretanto, remanesce. Já na desistência voluntária e no arrependimento eficaz, por opção/escolha do agente, o fim inicialmente pretendido pelo agente não se realiza. Ou seja, ao alterar o dolo inicialmente quisto, enseja a ocorrência da atipicidade, respondendo, entretanto, pelos atos já praticados (STJ, REsp. nº 497.175/SC, 5ª Turma, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 25.08.2009, DJe 28.09.2009).

46
Q

O que é o arrependimento eficaz?

A

Desistência da tentativa após os atos executórios

Mas antes da consumação do resultado

A partir da leitura do art. 15 do CP, poderemos conceituar o arrependimento eficaz como uma espécie de desistência de tentativa que ocorrerá necessariamente após o momento no qual termina a prática dos atos executórios e antes daquele no qual começa a consumação do resultado típico.

47
Q

Qual a diferença entre arrependimento eficaz e arrependimento posterior?

A

O arrependimento foi antes ou depois da consumação?

O arrependimento eficaz está previsto no art. 15 do CP e implica numa causa de não punibilidade da tentativa iniciada (o agente só responde pelos atos objetivos praticados, não pela tentativa iniciada do delito pretendido); o arrependimento posterior está contemplado no art. 16 do CP e é mera causa de diminuição da pena. Aquele impede a consumação do delito**; este só acontece **após a consumação do crime (por isso é que se chama de arrependimento posterior).

Por força do art. 16 do CP, “nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços”.

48
Q

Quais são os dois requisitos do arrependimento eficaz?

A

requisito subjetivo e objetivo

REQUISITO SUBJETIVO

É a voluntariedade na desistência de consumar o resultado típico e iniciar um processo novo, contrário ao que já se havia iniciado. Há tempos, tanto doutrina quanto jurisprudência rechaçam distinções entre voluntariedade e espontaneidade. É irrelevante se a ideia de reparar o dano tenha partido do próprio agente ou de algum estímulo exterior, como sugestão de seu advogado, de um amigo, do membro do Ministério Público (MP), da própria vítima ou de quem quer que seja. Basta, no caso, que não haja coação externa, ou seja, que o agente atue por livre e espontânea vontade. Nessa perspectiva, são irrelevantes, também, os motivos que levam o agente ao arrependimento.

REQUISITO OBJETIVO

Pela leitura exegética que se faz do art. 15 do CP, tem-se como requisito objetivo o efetivo impedimento do resultado típico. A literatura, majoritariamente, tende a enxergar aqui um critério absoluto: se não foi impedida a consumação, por qualquer circunstância, o agente não será destinatário do benefício do arrependimento eficaz.

49
Q

Imagine a seguinte situação hipotética: X deseja causar a morte de Y por administração de um veneno altamente letal. Assim, sorrateiramente, mistura uma potente dose do químico no café de seu desafeto, que vem a consumi-lo e entrar em processo de morte. X, arrependido, conta a Y que lhe administrou o composto, mas o leva rapidamente ao hospital, onde o médico plantonista lhe dá o antídoto imediatamente. Y, suicida, que já estava há muito com vontade de encerrar a própria vida, recusa o antídoto, julgando que X, na verdade, lhe fizera um favor. Em razão da recusa em consumir o remédio, Y vem a óbito.

É possível enquadrar o comportamento de X como arrependimento eficaz? Problematize a questão.

A

Para a doutrina majoritária, não.

Mas na aula em vídeo, a professora disse o contrário…

A doutrina majoritária não hesitará em dizer que, em casos como o que acabamos de narrar, X é responsável pelo homicídio de Y, tendo em vista que, de alguma forma, a recusa da vítima em consumir o antídoto não retira o veneno de seu sangue. O critério objetivo (impedimento do resultado típico) é absoluto, não comportando exceções.

Para provas subjetivas – discursivas e/ou orais –, nas quais haja espaço para que o candidato discorra aprofundadamente sobre o tema, é preciso problematizar essa situação a partir dos seguintes fundamentos:

Deve-se ter em mente que, sendo verdade que o arrependimento eficaz se traduz, no que toca à sua fundamentação, em um prêmio, um benefício outorgado ao agente na forma de estímulo para que não consume o resultado que inicialmente desejou, é preciso entender que somente se pode estimular alguém a fazer aquilo que está dentro de sua esfera de dominabilidade. É o motivo pelo qual se pode fazer uma distinção entre ARREPENDIMENTO EFICAZ (aquele no qual o agente inicia uma contracausalidade, ou seja, envida todos os esforços possíveis em sentido contrário à causalidade criminosa que ora iniciou, e que esses esforços, abstratamente e em condições normais da vida cotidiana, sejam, em tese, aptos a impedirem a consumação do resultado, o que é exigido pela lei) e ARREPENDIMENTO EFETIVO (aquele que efetivamente impede a consumação, o que muitas vezes pode-se encontrar fora do âmbito de dominabilidade do agente, como nas hipóteses de superveniência de cursos causais extraordinários, como no caso da própria vítima desejosa de morte escolher não ingerir o antídoto para o veneno, como no caso em que, levada a vítima ao hospital, o médico plantonista – agente garantidor – opta deliberadamente por não a atender em razão de divergências políticas pessoais com a pessoa, como no caso em que desastres da natureza ou provocados por terceiros que não integram o curso causal inicial impedem a efetividade do salvamento da vítima pelo sujeito ativo do fato punível, independentemente, é claro, de sua participação, e desde que estejam presentes todos os outros requisitos mencionados).

50
Q

O que é a tentativa qualificada?

A

Responsabilização apenas pelo delito subsidiário ou consunto

Esse efeito, só responder pelos resultados obtidos no meio do caminho, tem um nome: se chama TENTATIVA QUALIFICADA. Então, tentativa qualificada é um nome bizarro (na minha visão, porque não é propriamente uma situação de tentativa), mas tentativa qualificada é o nome que se dá a essa responsabilização apenas pelo delito subsidiário ou consunto, que não existiria se houvesse a tentativa de homicídio, mas como ela é apagada, ela desaparece, ressurge esse delito do meio do caminho, digamos assim. Isso se chama tentativa qualificada, isso é um tremendo benefício. Ao invés de responder por tentativa de homicídio, você vai responder por lesão corporal.

51
Q

O arrependimento eficaz exige necessariamente uma ação, um conteúdo positivo, do agente? Aquele que desiste de continuar do curso da ação, e deixa a vítima ser salva por terceiro está excluído dessa categoria?

A

Exige uma ação do agente

Então não arrependimento eficaz, o agente realiza rodos os atos que deveria realizar, dá o veneno, e depois faz algo positivo para impedir a consumação, dá o antídoto, por exemplo.

É necessário que essa ação realizada por ele seja apta a neutralizar a conduta anterior, ela deve ser eficaz, não pode ser um golpe de sorte. Ele faz qualquer conduta banal depois, e por um golpe de sorte a vítima é salva. Não! Não haverá arrependimento eficaz, ele tem que efetivamente empreender uma conduta capaz, apta a neutralizar a sua conduta anterior.

52
Q

Vamos imaginar que você deu o veneno para a vítima, deu o antídoto, mas ela ainda está debilitada, é levada para o hospital e o hospital sofre um incêndio e ela morre queimada. O que a gente tem aí? Arrependimento eficaz? Atipicidade?

A

Causa absolutamente independente.

Como estudado em causalidade, a causa absolutamente independente exclui a própria causalidade da ação do agente com o resultado. Ele apenas responderá pelos atos anteriores (lesão corporal etc.), e não pelo homicídio.

53
Q

Em que tipos de crime é possível o arrependimento posterior?

A

Sem violência ou grave ameaça à pessoa

Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

54
Q

O que e quando o agente deve fazer para configurar o arrependimento posterior?

A

Reparar o dano ou restituir a coisa

No máximo até o recebimento da denúncia ou da queixa

Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

55
Q

Qual a consequência do arrependimento posterior?

A

Redução da pena de 1 a 2 terços

56
Q

Qual o critério que distingue o arrependimento posterior da desistência voluntária e do arrependimento eficaz?

A

A consumação

Se você atua para impedir a consumação, ou seja, antes da consumação, você vai estar na esfera da desistência voluntária e do arrependimento eficaz. Se você atua depois da consumação, para minimizar os seus efeitos, você estará na esfera do arrependimento posterior.

57
Q

A violência presumida impede o arrependimento posterior?

A

Para a jurisprudência, impede

Vamos imaginar quer você se utilize do chamado Boa Noite Cinderela. Você, autor do crime, coloca narcótico na bebida da vítima, ela adormece e você subtrai os bens dela. Isso é roubo, é a terceira figura do art. 157. E a gente pode ficar na dúvida, porque essa violência não é real.

Na doutrina você vai encontrar o entendimento no sentido de que não, de que seria possível valer-se do arrependimento posterior. Essa é a melhor visão para a defesa. Porém, a jurisprudência é refratária ao arrependimento posterior, inclusive nas hipóteses da chamada violência ficta.

58
Q

A linha divisória entre o arrependimento posterior e o eficaz é a consumação. No caso do roubo, o crime estará consumado quando o agente estiver de posse do objeto, mas ainda sob a vigilância da vítima (como numa perseguição), ou somente a partir da posse mansa e pacífica?

A

Basta a inversão da posse

Segundo o STJ, “consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida à perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, SENDO PRESCINDÍVEL A POSSE MANSA E PACÍFICA.

59
Q

A violência que impede o arrependimento posterior é a violência dolosa ou também a violência culposa?

A

Segundo o STJ, inaplicável a crimes culposos violentos

Por um determinado período, tentou-se na prática judiciária aplicar o arrependimento posterior do art. 16 aos crimes de homicídio culposo no trânsito e ao homicídio culposo de forma geral. Com isso, obter uma importante causa de diminuição de pena.

Parte da doutrina, assim, dizia que a VIOLÊNCIA CULPOSA é passível de gerar a aplicação do arrependimento posterior, tendo em vista que, nos fatos cometidos por imprudência, negligência ou imperícia, o eventual resultado violento não é desejado pelo autor; consequentemente, não eleva a reprovação ao patamar teleologicamente vedado pelo art. 16, CP.

Todavia, segundo o STJ, o arrependimento posterior somente se aplica a crimes de natureza patrimonial. Como os crimes violentos culposos não são crimes patrimoniais, essa porta se fechou.

60
Q

O arrependimento posterior pode se configurar com a apreensão pela autoridade policial, quando facilitada pelo agente, ou somente com a restituição voluntária?

A

Somente com a restituição voluntária

No arrependimento posterior, é necessário que essa restrição seja voluntária: Então, se o bem é apreendido pela autoridade policial, obviamente não haverá arrependimento posterior, não haverá diminuição de pena.

61
Q

O art. 16 do CPP, ao disciplinar o arrependimento posterior, diz que ele ocorre quando “reparado o dano ou restituída a coisa”. Essa reparação do dano precisa ser integral, ou uma reparação parcial substancial pode configurar essa causa de diminuição de pena?

A

Somente a reparação integral do dano

A resposta da jurisprudência é não, não pode. Reparação parcial não se enquadra na previsão do art. 16. Só a reparação integral levará à utilização do arrependimento posterior.

62
Q

Vamos imaginar que a gente tenha vários corréus. Um deles repara o dano, e os demais, não. Esses demais serão beneficiados por essa causa de diminuição?

A

O arrependimento posterior de um beneficia os demais

Essa causa de diminuição tem natureza objetiva e, assim, nos termos do art. 30 do CP¹, sempre será comunicável. Obviamente, quando ela entra na esfera de conhecimento do agente, nesse caso, eles ficaram sabendo, ainda que não tenha sido eles, corréus, que tenham devolvido, eles se beneficiarão dessa causa de diminuição.

¹ Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

63
Q

O que acontece caso o agente repare o dano voluntariamente, mas somente após o recebimento da denúncia ou da queixa?

A

Mera atenuante

Desde que se trate da regra geral, do CP

A reparação do dano após o recebimento da denúncia não é arrependimento posterior (o qual leva à redução da pena de 1/3 a 2/3), mas mera atenuante, tal como previsto no art. 65, III, b, do Código Penal.

A diferença é grande: uma das limitações da atenuante, por exemplo, é que a pena não pode ser “atenuada” para quantum inferior ao mínimo legal (limitação que não atinge a causa de diminuição). Ademais, o STJ já disse que o impacto da atenuante não pode ser superior a 1/6 da pena (metade, portanto, do impacto mínimo da causa de diminuição).

64
Q

Há hipóteses de arrependimento posterior além daquela prevista no CP?

A

Sim.

Cuidado com as previsões especiais! O arrependimento posterior do art. 16 é a regra geral que trata do efeito da reparação do dano no Direito Penal. É a regra geral, mas você tem muitas previsões específicas ao longo do Código e da legislação extravagante, cuidado. Então, por exemplo, se você tiver um peculato culposo, a reparação do dano até a sentença extingue punibilidade (e mesmo após a sentença, reduz a pena pela metade). Se você tem crime contra a ordem tributária, o pagamento do débito até o recebimento da denúncia extingue punibilidade.

Então, há uma série de previsões específicas que podem ser diferentes dessa previsão geral do art. 16.

65
Q

A súmula 554 do STF diz que “o pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal”. Qual a polêmica que a envolve?

A

A Súmula é antiga, anterior à reforma penal de 1984. Ela diz, a contrariu sensu, que nos crimes de emissão dolosa de cheque sem fundo, se o sujeito paga o valor do débito até o recebimento da denúncia, fica extinta a punibilidade.

Quando veio a Reforma Penal de 84 com o art. 16, muita gente achou que essa súmula não valia mais, porque tinha um artigo de lei posterior que dava uma solução diferente: no lugar de extinguir punibilidade nos crimes patrimoniais, diminui pena.

Essa posição não vingou. Vingou a ideia de que a súmula continua sendo aplicável apenas aos crimes de emissão dolosa de cheque sem fundo, e o art. 16 seria, então, a regra geral. A súmula por especialidade continuaria aplicável à esse nicho, à esses crimes, apenas.

66
Q

O art. 16 do CP diz que o arrependimento posterior é uma causa de diminuição de pena prevista na Parte Geral, e que ela variável de 1 a 2/3. Qual é o critério que o juiz vai aplicar na hora de diminuir essa pena?

A

A presteza no ressarcimento

POSIÇÃO PREVALENTE: a presteza no ressarcimento. O arrependimento posterior é possível a partir da consumação. Consumado o crime, a atuação posterior será arrependimento posterior, para minimizar os efeitos lesivos desse crime. Então, se entre a consumação e o recebimento da denúncia, que é o termo final da sua atuação possível, você agiu muito rápido, pouco rápido, ou lento, vai variar a diminuição.

Muito rápido - 2/3. Pertinho, inquérito já terminado, prestes a ser denunciado - 1/3. Então, quanto mais rápido nesse tempo, maior a diminuição.

Posição minoritária: Alberto Silva Franco defendia que o critério não seria esse. Ele defendia que a reparação do dano não precisa ser integral (o STJ discorda disso), e a diminuição vai ser proporcional à reparação. Quanto mais você reparar, maior a diminuição.

67
Q

Quando surgiu o instituto do arrependimento posterior em nosso ordenamento? Antes dele, o que acontecia caso o agente reparasse o dano após a consumação do crime?

A

Reforma de 1984

Antes dele, já havia a atenunante

O arrependimento posterior, da forma como estabelecido atualmente no art. 16 do CP, foi, em certa medida, uma inovação trazida pela Reforma de 1984 da parte geral do CP, embora o seu núcleo fundante, ou seja, um abrandamento da severidade da reação penal do ordenamento em face de um injusto levado a cabo, já estivesse contido na própria redação originária do CP/1940. Este incluía, no seu art. 48, alínea “b”, uma atenuante genérica de pena quando o agente, após a prática do fato delitivo, procurasse voluntária e eficientemente evitar ou minorar as suas consequências.

68
Q

O que é uma ponte de prata?

A

Redução da severidade penal

Quando há redução dos impactos do delito

As PONTES DE PRATA são institutos que reduzem a severidade da reação penal, após já consumado o fato punível pelo agente, na medida em que há a redução dos impactos do delito. Um exemplo é o arrependimento posterior.

Em contraposição, as pontes de ouro são institutos que concedem um estímulo ao agente para que impeça a consumação do resultado típico proibido.

69
Q

É possível aplicar o instituto do arrependimento posterior às contravenções penais?

A

Sim, por analogia benéfica

Mas em provas objetivas, ater-se ao conteúdo expresso da lei, em sentido negativo

Por uma leitura puramente exegética do dispositivo, a resposta seria negativa, já que o art. 16 do CP menciona especificamente a prática de crimes. Ocorre que o direito penal não admite a analogia incriminadora, o que prejudica a condição jurídica do imputado à frente do Estado. Para além disso, deve-se ter em mente que, em um ordenamento jurídico firmado sob a égide de uma Constituição Democrática, a regra da dinâmica constitucional é a liberdade das pessoas, e não o seu encarceramento. Dessa maneira, pode-se, sem maiores dúvidas, afirmar que não existe vedação à analogia, uma vez que o art. 16 possui norma de natureza “excepcional”. Revela-se, portanto, em tese, possível a aplicação do arrependimento posterior, por analogia, também às contravenções penais.

PARA FINS DE PROVA, adotemos, por princípio, a leitura exegética do texto legal, que nos exigirá a PRÁTICA DE UM FATO TIPIFICADO COMO CRIME pela legislação penal como requisito para o arrependimento posterior – a não ser, é claro, que em uma eventual questão objetiva se perceba que o examinador demandou o detalhamento da divergência.

70
Q

O instituto do arrependimento posterior aplica-se à violência própria e à violência imprópria?

A

Divisão na doutrina

Em provas objetivas, marcar a impossibilidade

Nos fatos de roubo (art. 157, CP), temos uma particularidade possivelmente problemática: esse delito contra o patrimônio pode ser cometido, de acordo com sua redação típica, por três mecanismos distintos. Os mecanismos são:

  1. o exercício de VIOLÊNCIA PRÓPRIA, ou seja, a violência física
  2. o exercício de grave ameaça
  3. o exercício da VIOLÊNCIA IMPRÓPRIA, ou seja, a redução da vítima a um estado de impossibilidade de reação e/ou de resistência à prática criminosa.

Parcela da doutrina, nesse ponto, tende a enxergar aqui uma impossibilidade de aplicação do art. 16 do CP nas hipóteses de roubo com violência imprópria, dado que o dispositivo de lei não fez nenhuma distinção entre as “modalidades” da violência.

Outra parcela, entretanto, alinha-se à postura da possibilidade, estatuindo que a vedação ao arrependimento posterior só tem lugar quando diante de um caso de violência própria, sob pena de incorrer em analogia ao malefício do imputado, vedado pelo art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal de 1988 (CF/1988) como uma das decorrências do princípio da legalidade, e não da violência imprópria.

Assim, teria lugar a causa pessoal de redução de pena do art. 16 do CP nos crimes de roubo, desde que cometidos mediante violência imprópria. Frise-se que há posição doutrinária minoritária, porém alinhada a um direito penal pautado por uma política criminal redutora do poder punitivo (e mais preocupada com a efetiva solução do conflito social), no sentido de que, quanto ao arrependimento posterior, uma futura modificação da legislação penal deveria abranger todo e qualquer delito que admitisse reparação, independentemente da ameaça e/ou da violência, desde que os danos pudessem ser integralmente reparados.

Apesar da ligeira crítica doutrinária, devemos adotar, para fins de prova, o delineamento como feito na legislação penal de maneira literal, deixando a menção dessa divergência para as provas discursivas e/ou orais, nas quais interesse demonstrar maior e mais aprofundado conhecimento sobre o tema.

71
Q

O instituto do arrependimento posterior é possível na violência contra a coisa?

A

O CP veda apenas a violência contra a pessoa

VIOLÊNCIA CONTRA A COISA: é perfeitamente possível a aplicabilidade do art. 16, CP, que só veda o arrependimento posterior para os casos de violência dirigida contra a pessoa. Assim, por exemplo, em hipóteses de crime de dano (art. 163, CP) ou de furto qualificado por destruição ou rompimento de obstáculo (art. 155, § 4º, I, CP), à guisa de exemplo, não há nenhum problema na incidência da causa pessoal de redução de pena.

72
Q

Para o arrependimento posterior, é necessário que o crime tenha repercussão patrimonial?

A

Sim.

Pela interpretação exegética do art. 16 do CP, seria possível a aplicação do arrependimento a quaisquer hipóteses de reparação do dano, seja ele prejuízo patrimonial ou extrapatrimonial. Essa, contudo, não é a postura dos tribunais superiores, que exigem, como requisito da causa pessoal de redução de pena, que os fatos puníveis praticados sejam patrimoniais, ou ao menos tenham repercussão patrimonial. Trata-se, inclusive, do entendimento pacífico no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ, HC nº 47.922/PR).

73
Q

O instituto do arrependimento posterior é possível nos casos de negativa da vítima em receber a reparação/restituição?

A

O tema é controverso na doutrina

No sentido mais técnico, deve-se reconhecer a possibilidade de aplicação do art. 16 do CP, desde que se demonstre cabalmente que o agente dirigiu toda a causalidade que estava sob seu domínio no sentido de promover a reparação do dano, que, embora eficaz (apta a produzir os efeitos juridicamente desejados), somente não se mostrou efetiva (concretamente produtora dos efeitos juridicamente desejados), em razão do surgimento de um novo curso causal sobre o qual o agente não detinha nenhum domínio (a atitude unilateral da vítima).

Essa postura teórica é, inclusive, compatível com a própria natureza jurídica do arrependimento posterior: é de um incentivo ao agente que, após consumado o fato punível, lhe busca minorar as consequências danosas em favor da vítima.

Entender a situação de maneira contrária, inclusive, seria conceder à vítima o poder de, indiretamente, determinar uma maior quantidade de pena a ser cumprida pelo ofensor, o que afronta diretamente o monopólio judicial da dosimetria da sanção penal. Guilherme de Souza Nucci (2016, p. 194), com uma postura semelhante, menciona que, havendo recusa injustificada da vítima de receber a reparação, será possível a utilização da ação de consignação em pagamento ou, eventualmente, a entrega da coisa à autoridade competente.

74
Q

O instituto do arrependimento posterior é necessário fazer a reparação do dano moral, ou basta a patrimonial?

A

Divisão doutrinária

O tema se mostra problemático na doutrina, com certa divergência. Prevalece na doutrina a posição de que seria inviável o arrependimento posterior na hipótese de o agente buscar a reparação exclusivamente do dano moral ocasionado pelo fato punível. Destacam-se os seguintes argumentos:

  • O dano moral é de mensuração e quantificação extremamente imprecisa ante a subjetividade à qual essa categoria está relacionada (lesão a um interesse extrapatrimonial digno de tutela jurídica).
  • Existem tipos de lesões que não comportam qualquer tipo de reparação.
  • Justamente em razão da incerteza de mensuração dos danos morais, pode haver lapso temporal enorme até que haja decisão judicial sobre o tema, causando, portanto, insegurança jurídica e morosidade processual.
75
Q

Para o instituto do arrependimento posterior, é necessária voluntariedade ou espontaneidade?

A

Basta a voluntariedade

Há tempos, tanto doutrina quanto jurisprudência rechaçam distinções entre voluntariedade e espontaneidade. É irrelevante se a ideia de reparar o dano tiver partido do próprio agente ou de algum estímulo exterior, como sugestão de seu advogado, de um amigo, do membro do Ministério Público, da própria vítima ou de quem quer que seja. Basta, no caso, que não haja coação externa, ou seja, que o agente atue por livre e espontânea vontade.

76
Q

É possível a aplicação do arrependimento na hipótese em que o agente repare a parte principal do dano até o marco temporal previsto no art. 16 e pague, somente após o recebimento da denúncia ou queixa, valores relativos a juros moratórios e correções monetárias?

A

O STJ entende pela necessidade de REPARAÇÃO INTEGRAL do dano para que incida o arrependimento posterior. Essa perspectiva não é imune a críticas, sobretudo tendo em vista que a redação atual do art. 16 do CP não exige a integralidade da reparação; assim, essa análise teria lugar somente para se graduar o quantum de diminuição de pena a ser aplicado no âmbito de variação de um a dois terços. Tal crítica, contudo, é posição minoritária na doutrina.

Em um primeiro momento, portanto, ante a necessidade jurisprudencial de integralizar reparação, a leitura orienta que a satisfação da parcela principal de uma obrigação deve ocorrer antes do recebimento da denúncia ou da queixa e dos seus acessórios (correção monetária, juros etc.). Após esse marco, não se conduziria ao arrependimento posterior.

Há, entretanto, uma recente e importante decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que rechaçou essa postura, entendendo pelo cabimento do art. 16 na situação supramencionada:

É suficiente que ocorra arrependimento, uma vez reparada parte principal do dano, até o recebimento da inicial acusatória, sendo inviável potencializar a amplitude da restituição (STF, HC nº 165.312/SP, rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 14.04.2020).

77
Q

Como o Código Penal define o crime impossível?

A

Ineficácia absoluta do meio

Ou impropriedade absoluta do objeto

Art. 17 - Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.

Além dessas duas hipóteses expressas na lei, o STF também reputa crime impossível quando não há possibilidade de o crime consumar-se por obra de agente provocador (Súm. 145).

78
Q

Qual é a ideia do crime impossível? Cite uma expressão sinônima.

A

Tentativa impunível

É a de que existe um INÍCIO DE EXECUÇÃO, existe uma tentativa, mas que ela não é punível porque não é capaz de levar à consumação do crime.

ATENÇÃO!

Há quem diferencie a tentativa impunível do crime impossível, dizendo que o crime impossível é mais amplo. Isso porque na impropriedade absoluta do objeto, sequer há falar em tentativa. Sequer há início de execução, sequer há tentativa, mas há crime impossível.

79
Q

O que é o crime impossível por inidoneidade do meio?

A

Inidoneidade da conduta em si realizada

Meio não é a arma usada. É a conduta escolhida para consumar o crime.

Se eu escolhi consumar o crime furando um bonequinho de vodu para matar a vítima, essa conduta empregada, escolhida, é inidônea para matar. Haverá um crime impossível por inidoneidade do meio. Então, meio não é o instrumento, a arma, o objeto, é a conduta escolhida para perpetrar o crime.

ATENÇÃO!

Há quem diferencie o exemplo do boneco de vodu, chamando tal caso de tentativa irreal (e não de tentativa inidônea). “Isso se dá, porque o direito penal deve se pautar por um mínimo de realidade objetiva para regular as situações cotidianas, sob pena de incorrer no absurdo e se descolar completamente da materialidade empírica do mundo, tornando-se um sistema cuja incidência ocorre sobre dados imaginários.”

80
Q

Como aferir se uma conduta é absolutamente inidônea para consumar o crime?

A

Depende da teoria sobre a punibilidade da tentativa

No Brasil, adota-se a teoria objetiva temperada

Essa resposta depende de uma premissa, que é a seguinte: Por que se pune a tentativa? Qual é o fundamento de punibilidade da tentativa? Só depois de responder essa pergunta eu vou poder dizer, então, quais são as tentativas puníveis e quais não são, porque haverá crime impossível. Duas das teorias mais importantes:

TEORIA OBJETIVA: o fundamento da punição da tentativa é o perigo para o bem jurídico. Então, a tentativa é punível porque gera um perigo para o bem jurídico. Nela, impossível por inidoneidade do meio é a conduta que não gera perigo real para o bem jurídico. O sujeito que leva uma arma, sem saber que está descarregada, e aperta o gatilho contra a cabeça de alguém, por essa teoria, comete crime impossível.

TEORIA DA IMPRESSÃO: o que vai interessar é a percepção de perigo que a conduta gera na comunidade, e não o perigo real em si. Nela, impossível por inidoneidade do meio é a conduta que gera uma percepção de perigo na comunidade. No mesmo exemplo, o sujeito que leva uma arma, sem saber que está descarregada, e aperta o gatilho contra a cabeça de alguém, por essa teoria, comete uma tentativa punível.

O nosso Código se inspirou na teoria objetiva e a jurisprudência adota-a. Então, respondendo a nossa pergunta provocadora: adotada a teoria objetiva, que é a posição prevalente no Brasil, essa é uma hipótese de crime impossível.

81
Q

A teoria da impressão admite crime impossível em dois casos específicos, mesmo que a confiança coletiva da sociedade na validade do ordenamento jurídico seja abalada. Quais são elas?

A

Nada obstante uma conduta capaz de abalar a confiança coletiva da sociedade na validade do ordenamento jurídico, essa teoria admite a exclusão da punição da tentativa nos casos de GROSSEIRA INSENSATEZ DO AUTOR ou no caso de TENTATIVAS INTEIRAMENTE IRREAIS.

82
Q

Qual a teoria da punibilidade da tentativa é adotada pelo nosso Código Penal?

A

A teoria objetiva temperada

Nosso Código adota a teoria objetiva temperada, distinguindo inidoneidade absoluta e relativa. Isso porque a teoria objetiva gera um problema: toda tentativa acaba sendo uma situação em que o crime não tinha como se consumar por alguma razão. Vamos lá: eu peguei um revólver, atirei em você, mas sou um mau atirador e não acertei nenhum.

Para evitar soluções equivocadas, adota-se a chamada teoria objetiva temperada: não é qualquer inidoneidade da conduta que vai gerar um crime impossível ou não. É só a inidoneidade absoluta, ou seja, aquela conduta jamais levaria ao resultado e, por isso, não gera perigo nenhum para o bem jurídico.

Nas hipóteses de conduta só relativamente inidônea (o crime não se consumou, mas poderia, em tese, ter se consumado), haverá tentativa. Então, a teoria objetiva temperada é a teoria objetiva mitigada.

83
Q

O que é essa inidoneidade relativa, adotada pela teoria objetiva temperada da punibilidade?

A

Insuficiência

Inidoneidade relativa é a mera condição acidental que neutraliza a eficiência do meio usado. Nesse caso, haverá tentativa.

84
Q

O que é o crime impossível por inidoneidade do objeto?

A

Falta um elemento do tipo objetivo

O objeto é um elemento do tipo, que é o objeto material da conduta, aquele objeto sobre o qual recai a conduta criminosa. No crime impossível por inidoneidade do objeto, esse objeto não vai existir no caso concreto, vai faltar um elemento do tipo, e, por isso, a conduta vai ser atípica.

  • EXEMPLO: você está passeando em um calçadão da praia de Copacabana. Você, homem, de bermuda, sem camisa, chinelo, nada no bolso. Vem um ladrão correndo, mete a mão no seu bolso para furtar, mas não tem nada lá dentro: crime impossível por inidoneidade do objeto. Não tinha nada no seu bolso. Então, essa é uma hipótese de inidoneidade do objeto. Falta um elemento do crime, falta o objeto a ser furtado nesse exemplo que a gente deu. Esse e um caso bem mais fácil, né?*
  • EXEMPLO: Matar um cadáver. O crime de homicídio pressupõe matar alguém (alguém é pessoa viva). Se você enfia a faca em um cadáver, existe crime impossível por inidoneidade do objeto.*
85
Q

Como é aferida a inidoneidade do objeto?

A

A mesma teoria objetiva temperada, que é aquela que parte da ideia da teoria objetiva, ou seja, pressupõe que para que haja tentativa punível tem que haver perigo para o bem jurídico, mas que na hora de examinar a idoneidade e inidoneidade da conduta, faz uma distinção entre idoneidade e inidoneidade absoluta e relativa.

Exige-se esse perigo, que é ANALISADO EX ANTE. Justamente porque a jurisprudência distingue inidoneidade absoluta de relativa é que aqueles aparelhos de vigilância utilizados para impedir consumações de crime (por exemplo: sistemas de vigilância em supermercados). Aquele lugar por onde passa a bagagem, aquele raio-x por onde passa a bagagem, que, eventualmente, descobre droga dentro da bagagem), todos esses aparelhos de vigilância não geram crime impossível. Isso porque eles são apenas hipóteses de inidoneidade relativa, todos eles têm falhas, eles não impedem absolutamente a consumação, e, portanto, a inidoneidade desse caso é relativa e se você for pego haverá tentativa punível.

86
Q

A existência de sistema de segurança ou de vigilância eletrônica (como o aparelho de raio-X no aeroporto) pode tornar um crime impossível?

A

Não.

Súmula nº 567, STJ: A existência de sistema de segurança ou de vigilância eletrônica não torna impossível, por si só, o crime de furto cometido no interior de estabelecimento comercial.

Essa ideia vale não só para os crimes patrimoniais, mas para quaisquer crimes que sejam descobertos através de sistemas de vigilância. Exemplo: tráfico internacional de drogas, em que a droga está dentro da mala e é descoberta no raio-x.

Um outro exemplo que a gente pega muito na Justiça Federal é o de diploma falso. O sujeito pega um diploma falso e quer registrar no CREA (nesses cursos técnicos, de forma geral) para trabalhar. Aí o CREA liga para o curso, vê se o curso existe, se o sujeito foi aluno, vê que não, e impede que seja registrado e haverá o crime de uso de documento falso. A defesa costuma usar a tese de crime impossível. Não cola!

87
Q

O que é o crime impossível por obra de agente provocador?

A

O flagrante preparado

Pode ser, inclusive, por particular

Crime impossível por obra de agente provocador é o chamado flagrante preparado. Essa figura não está, especificamente, no 17, do CP, ela é um crime impossível por equiparação. Nesses casos, o agente provocador (que pode ser um policial, mas pode ser um particular que esteja sendo vítima de um furto), fomenta a atividade criminosa, facilitando a conduta criminosa de alguma forma, ou ele deixa a coisa bem à vista, sem vigilância, sem cuidados de proteção.

Para quê? Para permitir, com isso, que o autor realize o crime e seja preso em flagrante.

Para configurar CRIME IMPOSSÍVEL, é necessário que haja um agente provocador, que pode ser um policial, mas que pode ser um particular; é necessário que esse agente provocador fomente o crime de alguma forma, facilitando ou instigando; e é necessário que ele monte um aparato para prender o sujeito em flagrante assim que ele iniciar a execução. Se houver essa situação, a jurisprudência defende que essa é uma hipótese equiparada ao crime impossível, que o flagrante vai ser nulo e a conduta do sujeito atípica.

SÚMULA Nº 145, STF: NÃO HÁ CRIME QUANDO A PREPARAÇÃO DO FLAGRANTE PELA POLÍCIA TORNA IMPOSSÍVEL A SUA CONSUMAÇÃO.

88
Q

Qual a diferença do flagrante preparado para o flagrante esperado? Ambos configuram crime impossível?

A

Apenas o flagrante preparado é crime impossível

No flagrante esperado, você recebe uma denúncia anônima que um banco vai ser roubado, a polícia corre lá e fica esperando. Quando os assaltantes iniciam a execução, são presos em flagrante. esse flagrante não é preparado, e não caracteriza crime impossível.

Isso porque a polícia não fomentou e nem facilitou a prática criminosa. Ela teve ciência, esperou e realizou a prisão em flagrante. Então, não há nulidade do flagrante, não há atipicidade da conduta. Isso é um flagrante esperado, punível, regular.

89
Q

O agente provocador que prepara um flagrante mas, na hora H, não consegue pegar o criminoso e o crime se consuma, tem responsabilidade sobre o ocorrido?

A

Vamos imaginar: o policial desastrado quer descobrir a autoria de vários homicídios. Alguém está matando mulheres, um maníaco está matando mulheres. Aí, ele faz a preparação de um flagrante permitindo, colocando uma mulher do jeito que ele acha que o maníaco gosta, montando todo aquele aparato para prender aquele maníaco em flagrante. Só que na hora H o maníaco chega, estupra e mata a mulher (por hipótese) e foge.

Resposta da doutrina: ELE VAI RESPONDER A TÍTULO DE CULPA. NÃO EXISTE PARTICIPAÇÃO DOLOSA DELE NESSE CRIME.

Embora ele tenha contribuído para esse crime de alguma forma (facilitando a execução), o dolo exige duplicidade de vontades. É o chamado duplo dolo do participe: o partícipe tem que desejar contribuir com o autor, mas também tem que desejar a consumação do crime. E, nesse caso, ele (agente provocador) não deseja a consumação. Então, a responsabilidade dele será por culpa, se o fato tiver modalidade culposa.

90
Q

Qual o precedente legislativo, na ordem jurídica brasileira, para o crime impossível?

A

Código Penal de 1890.

O precedente legislativo, na ordem jurídica brasileira, é o antigo art. 14, parágrafo único, do Código Penal de 1890 (CP/1890), que dispunha: “Não é punível a tentativa no caso de inefficacia absoluta do meio empregado, ou de impossibilidade absoluta do fim a que o delinqüente se propuser”.

a inserção do tema no CP/1890 foi fruto de uma crítica liberal feita pelo jurista Tobias Barreto à temática da tentativa existente no Código Penal do Império, de 1830, que nada dispunha sobre o crime impossível. Esse importante professor de direito integrante da Escola do Recife afirmava que não se poderia chamar de tentativa a empreitada que se levasse a cabo sem que houvesse, entretanto, idoneidade dos seus meios no que toca ao atingimento dos fins propostos pelo sujeito ativo do fato punível (BARRETO, 1892, p. 215 e segs.).

91
Q

A pessoa que pratica uma falsificação grosseira de papel moeda (pense em uma nota de 300 reais) incorre em tentativa de falsificação de moeda, ou essa conduta é atípica?

A

Para moeda falsa, o crime é impossível

Mas isso não significa que a conduta não se enquadre em outros tipos

Sobre o exemplo acima mencionado da falsificação grosseira, há, inclusive, um caso particular na jurisprudência dos tribunais superiores, eventualmente objeto de cobrança nas provas, relativo ao crime de moeda falsa (art. 289, CP/1940) cometido mediante falsificação crassa, incapaz de iludir quem quer que seja. Nesse tipo de caso, inexistirá lesão ou perigo de lesão à estrutura ou estabilidade do bem jurídico que fundamenta a incriminação do fato de moeda falsa, havendo, com relação a esse crime, a tentativa inidônea, sem prejuízo da possibilidade de lesão ou perigo de lesão a bens jurídicos diversos, relacionados a outros crimes. Nesse sentido, confira a Súmula nº 73 do Superior Tribunal de Justiça (STJ): “A utilização de papel moeda grosseiramente falsificado configura, em tese, o crime de estelionato, da competência da Justiça Estadual”.

92
Q

Qual a diferença entre crime impossível e tentativa inidônea (ou inútil)?

A

Tentativa inidônea é espécie do gênero crime impossível

A tentativa inútil tem lugar unicamente quando o MEIO escolhido é inidôneo para lograr a consumação. Quando tem lugar a chamada “inidoneidade do OBJETOnão é possível falar de tentativa, posto que ela requer o começo de execução de um “delito”, vale dizer, de uma tipicidade objetiva, e não se começa a executar qualquer tipicidade objetiva quando não existe objeto idôneo, sem que haja interesse em se estabelecer se essa inidoneidade é “fática” ou “jurídica”: não começa qualquer tipicidade objetiva quem pretende fazer uma mulher que não se encontra grávida abortar, nem tampouco aquele que se apodera de coisa própria (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2000, p. 78 − grifos nossos).

Imagine, por exemplo, que X deseje cometer homicídio (art. 121, CP/1940) em desfavor de Y, que, curiosamente, morreu de causas naturais há 10 dias. Se X dispara sua arma de fogo em desfavor do corpo-morto de Y, tem-se crime impossível por inidoneidade do objeto (aquele que já morreu não pode ser sujeito passivo de um crime contra a vida). Não se poderá falar em tentativa inútil, já que, como visto, esta requer um início de execução e, no caso concreto, jamais se poderá iniciar a execução típica de um homicídio contra pessoa que já se encontra morta.

93
Q

Qual a diferença entre o crime imaginário e o crime impossível?

A

Crime imaginário é aquele em que o agente imagina que a conduta é proibida, mas ela não é. Assim, a punibilidade não é aplicada porque ela simplesmente não existe no ordenamento jurídico. É diferente do crime impossível, no qual a conduta é, de fato, proibida, mas a punibilidade é afastada pela inidoneidade dos meios ou do objeto.

Expressões sinônimas de crime imaginário: delito putativo ou erro de proibição inverso.