CRIMES EM ESPÉCIE - Homicídio privilegiado Flashcards
O que é o homicídio privilegiado?
Homicídio por motivo relevante
Causa de diminuição de pena (uma minorante, com incidência na terceira etapa do procedimento trifásico de dosimetria da sanção criminal) prevista para se aplicar em hipóteses nas quais haja um motivo subjetivo juridicamente relevante para a prática do homicídio, que pode se subdividir em algumas categorias centrais. A tipificação se encontra no § 1º do art. 121 do Código Penal (CP):
Art. 121. […] § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
A privilegiadora do homicídio privilegiado se comunica a partícipes e co-autores?
Natureza subjetiva e incomunicável
Todas as hipóteses de incidência da minorante do homicídio privilegiado ostentam necessariamente natureza subjetiva, relacionam-se exclusivamente ao agente, que deve atuar imbuído por um relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de uma violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima.
Dessa forma, a minorante não se comunica a eventuais integrantes de um concurso de pessoas na prática do homicídio, sejam eles coautores ou partícipes. Esse raciocínio é extraído do próprio art. 30 do CP: “Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.
Esses motivos não se consubstanciam em elementares do crime, mas em meras circunstâncias acidentais, que podem ou não estar presentes a depender do contexto concreto. Dessa forma, são inequivocamente individuais.
Quais as principais diferenças entre a privilegiadora do homicídio e a atenuante genérica prevista no artigo 65, III, c, do CP (“ter o agente cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima”)?
A PRIVILEGIADORA:
- Como causa de diminuição de pena que é, incide na terceira etapa da dosimetria da pena (e não na segunda etapa)
- Tem aplicação restrita ao homicídio doloso (e não a qualquer delito, abstratamente)
- Requer o domínio (e não a mera influência) de uma violenta emoção, e basta uma injusta provocação (não sendo necessário um ato injusto) da vítima
- Requer uma reação de imediatidade (e não a qualquer tempo)
O que já decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF):
1. A causa especial de diminuição de pena do § 1º do art. 121 não se confunde com a atenuante genérica da alínea ‘’a’’ do inciso III do art. 65 do Código Penal. A incidência da causa especial de diminuição de pena do motivo de relevante valor moral depende da prova de que o agente atuou no calor dos fatos, impulsionado pela motivação relevante. A atenuante incide residualmente, naqueles casos em que, comprovado o motivo de relevante valor moral, não se pode afirmar que a conduta do agente seja fruto do instante dos acontecimentos(…) (STF, HC nº 89.814/MS. rel. Min. Carlos Britto. Primeira Turma, julgado em 18.03.2008).
Cite dois exemplos tradicionais da doutrina de relevante valor social ou moral para um homicídio, a atrair a incidência da privilegiadora desse tipo penal.
Como exemplo de relevante valor social, geralmente, aponta-se o sujeito que empreende o homicídio de um conhecido e perigoso psicopata que ronda o bairro; o do pai de criança, que assassina um famoso estuprador de menores na cidade.
Como exemplo de relevante valor moral, o pai que se vinga do assassino de sua filha; da mãe que empreende homicídio em desfavor do violador da dignidade sexual de seu filho. Outro exemplo interessante que a doutrina costuma enquadrar aqui é a eutanásia. Permanece o homicídio, mas há a redução da pena.
Não é bem uma pergunta, mas uma ponderação tão elaborada da aula, que tive que salvar. A pergunta final é: como você defenderia a mãe, nesse caso, para livrá-la totalmente do crime de homicídio (no lugar de enquadrar como mero privilégio): Imaginemos o caso de X, um ex-atleta de altíssimo rendimento, que, por um acidente de carro, adquire uma lesão irrecuperável na coluna vertebral, e perde para sempre os movimentos do corpo, passando a dispor somente da mobilidade do pescoço e da cabeça, além da habilidade de fala. Depende, para continuar vivo, de muitos aparelhos mecânicos, pois não respira sozinho. A mãe lhe precisa limpar o corpo após as necessidades fisiológicas. Precisa também, é claro, alimentá-lo pelos tubos conectados à carne. Em um determinado dia, contorcendo-se e convulsionando em razão das dores excruciantes que a lesão lhe produz, implora à sua mãe que, misericordiosamente, lhe ajude a diminuir o sofrimento. A mãe – como a maioria das mães –, absolutamente devastada por enxergar à sua frente um resto do que foi o seu filho homem, ante a súplica desesperada, desliga os aparelhos de respiração artificial, permitindo a morte de X, e o fim de suas dores. Naturalmente, ela mesma morrerá em uns meses, da tristeza maior que pode sentir o ser humano responsável pelo aniquilamento da vida da prole – embora por motivo nobre. Pergunta-se: o leitor, operador de direito, condenará no homicídio e, na terceira fase da dosimetria, reduzirá a pena pelo privilégio?
A resposta majoritariamente aplicável à maioria dos casos será em sentido positivo para a questão acima. Entretanto, o estado de completo desespero de uma mãe frente ao sofrimento do filho, não há duvidas, reduz seu âmbito de liberdade de autodeterminação, podendo atuar como uma exculpante fundamentada na inexigibilidade de outra conduta – qual o nível de exigibilidade dirigido a essa pobre mãe no sentido de que se portasse de acordo com a norma penal? Qual o grau de motivabilidade normativa dessa mãe? Qual a aptidão para reagir adequadamente à norma acessível (Roxin) ou para cumprir as expectativas normativas (Jakobs)? E, claro, acaso queiramos dizer que culpabilidade é reprovabilidade, que juízo de censura (Frank) poderemos dirigir em desfavor dessa pessoa? Assim, pela exclusão da culpabilidade, nesses casos extremos, não há que se falar na ocorrência de crime.
Qual a exigência legal para autorizar a incidência da privilegiadora do homicídio quando a ação é cometida sob o domínio de violenta emoção?
Imediatidade à provocação
Essa hipótese do privilégio, entretanto, somente terá lugar quando se desenvolver em uma relação de imediatidade com uma provocação injusta manejada pela vítima. Possui, assim, a característica central de uma reação.
Esse lapso temporal, por óbvio, deve ser analisado em seu contexto fático. Não é possível estabelecer ex ante e normativamente o conteúdo de ‘’logo em seguida’’, sendo um problema de significação concreta. Assim, embora seja possível afirmarmos que haverá o caractere da imediatidade em alguns minutos transcorridos entre a injusta provocação e a reação, em geral não nos será lícito afirmá-lo quando houver o decurso de muitas horas ou mesmo dias, o que poderá se excepcionar, é claro, nos casos em que a injusta provocação da vítima é perpetrada em um momento passado mas o agente somente toma conhecimento dela algumas horas ou dias depois. Isso porque não se exige um nexo fático entre o momento da injusta provocação e a reação, mas, em verdade, um nexo de relação entre o momento no qual o agente é, concretamente, afetado – dominado por uma violenta emoção – pelo sujeito passivo.
Como agir caso haja concomitância de privilegiadoras?
Aproveitamento em outra fase
Da mesma forma que se age na concomitância de qualificadoras: o magistrado pode levar em conta as duas circunstâncias privilegiadoras. No caso, entretanto, não incidiriam duas minorantes, mas uma circunstância como minorante (na terceira etapa da dosimetria da pena, portanto) e outra circunstância como atenuante genérica (na segunda etapa da dosimetria, assim).
Há compatibilidade da privilegiadora do domínio de violenta emoção e o dolo eventual?
Compatíveis
Para a doutrina majoritária, há compatibilidade. Mostra-se absolutamente viável que um sujeito, dominado por violenta emoção causada por injusta provocação da vítima, completamente fora de seu estado emocional natural, acabe assumindo o risco da produção de um resultado típico proibido que não assumiria em situações de normalidade das circunstâncias.
É possível que um homicídio seja ao mesmo tempo qualificado e privilegiado?
Com qualificadora objetiva, apenas
Discute-se em doutrina se seria possível que um mesmo homicídio fosse, ao mesmo tempo, privilegiado e qualificado. A resposta é positiva, desde que a qualificadora seja de natureza objetiva. Como a privilegiadora, já dissemos, ostenta natureza necessariamente subjetiva, o homicídio privilegiado-qualificado é um homicídio com circunstância subjetiva excepcional (o privilégio) e, igualmente, com circunstância objetiva excepcional (a qualificadora).
O homicídio qualificado é considerado crime hediondo pela lei. A doutrina também entende que o homicídio qualificado pode também ser privilegiado (desde que a qualificadora seja de natureza objetiva). Nesse contexto, questiona-se: o homicídio qualificado-privilegiado é ou não é um crime hediondo?
Embora o art. 1º, I, da Lei nº 8.072/1990 disponha ser crime hediondo o homicídio qualificado, é incompatível com a hediondez o homicídio privilegiado-qualificado. Assim, ainda que seja permeado por qualificadoras de natureza objetiva, se incidente o privilégio, não será hediondo o homicídio, afastando, portanto, o tratamento penal e processual penal gravoso da Lei nº 8.072/1990 em desfavor do sujeito ativo.
Qual a redução da pena aplicável ao homicídio privilegiado?
De um sexto a um terço
Quem mata outra pessoa sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta agressão da vítima, incide na hipótese de homicídio privilegiado?
Provocação, e não agressão
A privilegiadora fala em provocação, e não em agressão. E não é à toa: a agressão pela vítima, a via de fato, pode enquadrar o caso na legítima defesa e afastar a ilicitude, e não apenas reduzir a pena.
O Código Penal diz que “Se o agente comete o crime [de homicídio] impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, _o juiz pode reduzir a pena_ de um sexto a um terço”. Nesse contexto, pergunta-se: presente os pressupostos do privilégio, a redução da pena é obrigatória?
Sim
Presente os pressupostos do privilégio, a redução da pena é obrigatória, tá? A pessoa tem direito subjetivo a essa redução. E caberá ao juiz modular somente a fração de diminuição, a depender das circunstâncias do caso concreto