Culpabilidade Flashcards
Reforçando temas vistos nas primeiras aulas: quais eram as principais características da culpabilidade no sistema clássico de fato punível, e qual o nome da teoria da culpabilidade então adotada?
Teoria psicológica da culpabilidade
No sistema clássico (Liszt-Beling), marcado pela aproximação das ciências naturais com os discursos jurídicos, foi adotada a teoria psicológica da culpabilidade. Dentre suas principais características:
Divisão da culpabilidade em dois estratos: pressuposto (imputabilidade ou capacidade de culpabilidade) e espécies, ou elementos subjetivos (dolo e negligência)
Percebe-se, de plano, que nas primeiras formulações sistemáticas a culpabilidade não continha nenhum elemento normativo, sendo composta somente de elementos psicológicos, psíquicos, relativos ao intrassubjetivo do agente, sem qualquer referência direta ao ordenamento jurídico. É o motivo pelo qual, à sua estrutura, à época, deu-se o nome de teoria psicológica da culpabilidade.
Reforçando temas vistos nas primeiras aulas: no sistema clássico de fato punível, a culpabilidade é composta por dois estratos: o pressuposto (imputabilidade ou capacidade) e os elementos subjetivos (dolo e negligência). Atualmente, quais desses elementos permanecem integrando a culpabilidade, e quais não?
Dolo e culpa na tipicidade
Imputabilidade continua sendo matéria de culpabilidade
Quanto às espécies de culpabilidade, temos, nesse modelo, a divisão da culpabilidade entre o dolo e a negligência. Reiteramos, nesse ponto, que somente com o advento do modelo finalista de fato punível – que teve difusão a partir do trabalho de Hans Welzel a partir dos anos de 1940 na Alemanha – os elementos subjetivos do crime passaram a integrar a conduta – e, portanto, a tipicidade −, estando, no sistema clássico, alocados dentro da culpabilidade.
O que é o dolo para o sistema clássico de fato punível?
Elemento subjetivo da culpabilidade
Consciência de que seu ato ataca bens jurídicos
O dolo seria o conhecimento que acompanha a manifestação de vontade de todas as circunstâncias de fato que acompanham o fato previsto pela lei. Assim, há uma relação com a significação antissocial do fato. Nesse sentido, o dolo se definiria como a consciência do autor de que seu ato ataca, lesionando ou ponto em perigo, os interesses juridicamente protegidos, sejam individuais ou coletivos.
Somente a partir do modelo neoclássico/neokantiano é que o dolo passa a ser composto pela potencial consciência da ilicitude.
O que é a negligência para o sistema clássico de fato punível? E a culpa?
Não previsão de um resultado previsível
Culpa e negligência eram tratadas como sinônimas
A NEGLIGÊNCIA (e frise-se que diversos autores adeptos do causalismo não faziam distinção entre culpa e negligência, muitas vezes utilizando os termos como sinônimos exatos), é a não previsão de um resultado previsível no momento em que ocorreu a manifestação da vontade do autor, sendo previsível o resultado quando o sujeito tivesse podido e devido prevê-lo.
O sistema neoclássico/neokantiano de fato punível alterou o conceito de culpabilidade do sistema anterior (clássico)?
Teoria psicológico-normativa
O sistema neoclássico teve como traço marcante a relativização das fronteiras, tão caras ao sistema clássico, entre os elementos objetivos e subjetivos. Inseriu, com isso, elementos valorativos e subjetivos na tipicidade (ainda não o dolo e a culpa, mas o dolo específico), bem como inseriu elementos normativos na culpabilidade.
Especificamente com relação à culpabilidade, manteve a estrutura anterior, mas inseriu um elemento novo, normativo: a exigibilidade de uma conduta diversa.
No sistema neoclássico, o que mudou no dolo (que ainda integrava a culpabilidade)?
A potencial consciência da ilicitude
Foi somente com o advento do sistema neoclássico que foi inserida no dolo a ideia de potencial consciência da ilicitude (uma referência normativa nesse ponto subjetivo).
No sistema finalista, a potencial consciência da ilicitude ganhou independência, como um elemento próprio da culpabilidade.
No sistema neoclássico, a culpabilidade era integrada por 3 elementos. Além dos dois típicos do sistema clássico (o pressuposto da imputabilidade e os elementos subjetivos do dolo e da culpa), a exigibilidade de conduta diversa. Em uma frase, articule esses elementos, explicando como eles interagiam para caracterizar (ou não) a culpabilidade.
Esses elementos da culpabilidade, reunidos, possibilitariam a incidência de um juízo de reprovação incidente sobre a conduta do agente que, sendo imputável (primeiro elemento) por dolo ou por culpa/imprudência/negligência (segundo elemento), não se portou conforme a norma jurídica em casos de normalidade das circunstâncias concomitantes, ou seja, não se portou adequadamente podendo fazê-lo (terceiro elemento).
O sistema finalista de fato punível alterou o conceito de culpabilidade do sistema anterior (neoclássico/neokantiano)?
Teoria normativa da culpabilidade
Elementos subjetivos migram todos para a tipicidade
É com o advento do trabalho de Hans Welzel que ganha relevo na doutrina alemã o chamado sistema finalista de delito, no contexto do qual se realocam os elementos psicológicos dentro das categorias do fato punível. Essa postura teórica marca um importante momento na teoria da culpabilidade, eis que é responsável pela viagem dos elementos subjetivos do crime – dolo e culpa/negligência/imprudência – para o âmbito da conduta – da tipicidade, portanto.
O estrato da culpabilidade, portanto, fica vazio de elementos subjetivos/psíquicos e passa a ser composto somente por elementos normativos. Tem origem, então, a assim denominada teoria normativa pura da culpabilidade. Esta é, inclusive, a postura atual adotada pela maioria esmagadora da doutrina brasileira e, sem dúvida, a que congloba os elementos adotados pelo Código Penal hodierno.
O sistema finalista de fato punível alterou o conceito de culpabilidade, migrando todos os elementos subjetivos que anteriormente o compunham (dolo e culpa) para a tipicidade. O que sobrou na culpabilidade, no âmbito desse sistema?
Imputabilidade,
Exigibilidade de conduta diversa
E potencial consciência da ilicitude
Interessante observar que, no sistema neoclássico, a potencial consciência da ilicitude era apenas uma das componentes do dolo, uma componente normativa nesse elemento subjetivo. No sistema finalista, a potencial consciência da ilicitude ganha independência justamente porque embora o dolo tenha migrado para a tipicidade, ele não migrou “inteiro”, pois a potencial consciência continuou (dessa feita, como elemento independente) no conceito de culpabilidade.
Assim, a culpabilidade, no sistema finalista, era integrada por:
- Imputabilidade
- Exigibilidade de conduta conforme ao direito (geralmente referenciada como exigibilidade de conduta diversa)
- Potencial consciência da ilicitude
Dentro do sistema finalista de fato punível, que adotou a teoria normativa da culpabilidade, surgiram diferentes teorias que buscaram explicar o fundamento material da culpabilidade. Quais são as três principais?
- Teoria da possibilidade do agir diferente (Hans Welzel; Arthur Kaufmann)
- Teoria da atitude jurídica reprovada (Hans-Heinrich Jeschek)
- Teoria da responsabilidade pelo próprio caráter
Dentro do sistema finalista de fato punível, que adotou a teoria normativa da culpabilidade, surgiram diferentes teorias que buscaram explicar o fundamento material da culpabilidade. Uma delas é a teoria da possibilidade do agir diferente, idealizada por Hans Welzel e Arthur Kaufmann. O que ela diz?
Livre arbítrio
O autor do fato é reprovado porque optou pela prática do injusto podendo não o fazer. Tem como núcleo a capacidade decisória de um sujeito moralmente autônomo dotado de livre arbítrio.
Dentro do sistema finalista de fato punível, que adotou a teoria normativa da culpabilidade, surgiram diferentes teorias que buscaram explicar o fundamento material da culpabilidade. Uma delas é a teoria da atitude jurídica reprovada, idealizada por Hans-Heinrich Jeschek. O que ela diz?
Livre autodeterminação
Não deixa de ser uma variação da teoria da possibilidade do agir diferente
Fundamenta a reprovação da culpabilidade na existência suposta de uma livre autodeterminação de sujeito, sendo também uma variante da teoria do poder agir diferente.
Dentro do sistema finalista de fato punível, que adotou a teoria normativa da culpabilidade, surgiram diferentes teorias que buscaram explicar o fundamento material da culpabilidade. Uma delas é a teoria da responsabilidade pelo próprio caráter. O que ela diz?
A teoria da responsabilidade pelo próprio caráter tem como centrais as seguintes características:
- a responsabilidade pelo comportamento em características da personalidade
- a responsabilidade pelo caráter implica o dever de tolerar a pena
- responde-se pelo que se é independentemente da multiplicidade de fatores condicionantes.
O sistema funcionalista racional de fato punível alterou o conceito de culpabilidade do sistema anterior (finalista)?
A princípio, não houve grandes alterações. O que Roxin (que é um dos grandes autores do funcionalismo, mas não o único) fez foi integrar a culpabilidade dentro de uma categoria maior, que chamou de responsabilidade (composta, essencialmente, pela culpabilidade finalista, somada à necessidade preventiva da pena).
No pensamento de Roxin, a culpabilidade era composta por um elemento empírico (capacidade para reagir a exigências normativas) e um elemento normativo (capacidade para reagir ao estímulo normativo). Em outras palavras, a culpabilidade é “a realização do injusto, apesar da capacidade de reação normativa e da faculdade de conduzir-se dela derivada”.
O Código Penal brasileiro adotou qual teoria da culpabilidade? Ela é típica de qual sistema de fato punível (clássico, neokantiano, finalista, funcionalista racional ou funcionalista radical)?
Teoria normativa da culpabilidade
Típica do sistema finalista do fato punível
O Código Penal brasileiro adota a estrutura finalista da culpabilidade, tendo por seus elementos, portanto, os seguintes: (i) imputabilidade; (ii) potencial consciência/conhecimento da ilicitude – eventualmente também referenciado por conhecimento do objeto do injusto; e (iii) exigibilidade de conduta diversa.
O que é a imputabilidade/capacidade de culpabilidade, o chamado pressuposto da culpabilidade desde o sistema clássico do fato punível?
Imputável é o sujeito com capacidade para responder penalmente por seus atos. O conceito de Aníbal Bruno está assim descrito: “imputabilidade é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível. Constitui, como sabemos, um dos elementos da culpabilidade” (1978, p. 39).
Esse predicado poderá ser excluído em diversas situações, todas previstas na legislação penal em sentido estrito, o que também nos possibilitará, em linhas mais simples, trabalhar com uma perspectiva negativa (de obtenção por exclusão, portanto): será imputável aquele que não esteja imunizado por nenhuma das normas penais relativas à inimputabilidade.
Quais são os dois critérios que permitem verificar um sujeito inimputável, de acordo com o atual ordenamento brasileiro?
Biopsicológico e etário
De acordo com o atual ordenamento brasileiro, há dois critérios que permitem verificar um sujeito inimputável, o biopsicológico e o etário. O que diz o primeiro critério?
Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Grifos nossos.)
Não basta, para que seja declarado um agente inimputável, que possua uma doença mental ou desenvolvimento incompleto ou retardado. Será preciso, em verdade, vislumbrar uma relação de causalidade entre a sua patologia e, ao tempo da ação ou da omissão do fato, efeitos que o impedissem de:
- entender inteiramente o caráter ilícito de um fato punível e
- determinar sua conduta de acordo com esse entendimento prévio.
Bom, algumas doenças mentais existem, mas ela não produzem efeitos contínuos. O sujeito tem uns surtos (por exemplo, a esquizofrenia), então, se você comete um crime fora do surto, você não será um inimputável, aquela doença mental tem que estar se manifestando no momento da ação ou omissão (critério biopsicológico).
Em sede de inimputabilidade por doença mental, o nosso Código adotou o sistema vicariante. O que isso significa?
Significa que ou o sujeito recebe pena ou recebe medida de segurança. Se ele é inimputável, ele vai receber uma medida de segurança, se ele é semi-imputável, nos termos do artigo 26, parágrafo único, ele vai receber pena diminuída ou medida de segurança, NUNCA OS DOIS JUNTOS.
Antigamente, antes da Reforma de 84, havia o sistema do duplo binário, que permitia que o sujeito fosse condenado a uma pena e depois fosse imposta uma medida de segurança a ele. Isso não existe mais.
Nosso Código Penal, em seu artigo 26, elegeu o critério biopsicológico para, ao lado do critério etário, definir a inimputabilidade penal. Há, contudo, outros dois critérios defendidos na doutrina, para determinar a inimputabilidade não-etária. Quais são eles?
CRITÉRIO BIOLÓGICO: leva-se em consideração exclusivamente a saúde mental do agente. Em outras palavras, em havendo uma patologia mental, deve-se excluir a imputabilidade, tornando imputável o autor do injusto (e prejudicando o estabelecimento da culpabilidade, portanto) independentemente de uma relação entre a patologia e a prática do fato punível.
CRITÉRIO PSÍQUICO/PSICOLÓGICO: desconsidera em absoluto a existência ou não de uma patologia mental, bastando, para se afirmar a inimputabilidade do agente, que se investigue a capacidade de entender o caráter ilícito de um fato ou de se determinar de acordo com esse raciocínio.
CRITÉRIO BIOPSÍQUICO/BIOPSICOLÓGICO: é o adotado pela legislação penal brasileira (art. 26, CP), que requer a citada relação causal entre a existência de uma patologia mental e o prejuízo ao julgamento sobre a ilicitude de um fato ou sobre a determinação de portar-se ou não portar-se conforme o direito.
A inimputabilidade biopsíquica/biopsicológica, se verificada, determinará a prolação de uma sentença absolutória imprópria. O que isso significa? Há imposição de pena?
Medidas de segurança
A sentença é chamada de absolutória porque não é imposta qualquer pena, pois ausente a imputabilidade, estará ausente o próprio crime. Todavia, é imprópria porque, apesar de não haver pena, há consequências: a IMPOSIÇÃO DE MEDIDAS DE SEGURANÇA.
A inimputabilidade etária (no Brasil, aos menores de 18 anos) afasta qualquer consequência de eventual ato infracional praticado pelo inimputável adolescente?
Afasta apenas o regime do Código Penal
A inimputabilidade etária encontra previsão típica no art. 27 do CP, e diz respeito aos casos em que menores de 18 anos de idade praticam atos infracionais análogos a crime. Por ela, estes adolescentes ficam sujeitos não ao regime do direito penal – e ao Código Penal, por conseguinte −, mas, em verdade, às reações jurídicas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei nº 8.069/1990).
A inimputabilidade etária (no Brasil, aos menores de 18 anos) gera uma presunção relativa ou absoluta de incapacidade de culpabilidade?
Presunção absoluta
Pelo critério etário, o legislador optou por um critério estático de presunção absoluta de incapacidade de culpabilidade para os menores de 18 anos.
Os sentimentos como a emoção e/ou a paixão são capazes de eliminar a imputabilidade do agente?
O Código Penal diz que não
A doutrina, contudo, defende temperamento em tal posição
Embora o art. 28, I, do CP, mencione expressamente que isso não ocorrerá, é possível fazer alguns temperamentos, como nos mostra a doutrina especializada no tópico. A doutrina amplamente majoritária nas provas dos mais diversos certames para as carreiras jurídicas tende a se filiar aos estritos termos do art. 28, I, do Código Penal. Em provas subjetivas, contudo, é possível citar tais posicionamentos:
Analisando o art. 28, I, do Código Penal, Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli dirão que: “Este dispositivo não pode ser entendido num outro sentido que não o de estabelecer, com exclusividade, que a mera paixão ou emoção não excluem a imputabilidade, o que é absolutamente correto (…). Contudo, a emoção possui graus, que podem chegar até uma grave alteração da consciência, ou seja, até uma enfermidade, cujo caráter transitório não a exclui do conceito de enfermidade (…). Dessa maneira, imaginemos o exemplo de uma mãe que acaba de presenciar o estupro de vulnerável (art. 217-A, CP) do próprio filho bebê. O evento, claro, lhe colocará em um estado mental absolutamente incontrolável, e suas faculdades psíquicas estarão profundamente abaladas em virtude de uma forte emoção (ódio, raiva, medo, tristeza, sentimento de culpa, vontade de vingança etc.). Não se pode deixar, a priori, de se ter por perfeitamente possível a existência de uma perturbação gravíssima de sua consciência, que a impede de compreender a ilicitude de sua conduta, se reage imediatamente depois, ainda que a agressão já tenha cessado, e nada possa fazer para impedir aquilo que já se consumou”. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004, p. 691-692).