RECURSOS EM GERAL - Visão geral sobre recursos Flashcards
Qual a diferença entre recursos e ações autônomas de impugnação, no processo penal?
O recurso é um mecanismo de impugnação endógeno, já que ele é interposto no bojo de uma relação jurídica processual que está em curso. Em outras palavras, o recurso não faz nascer uma nova relação jurídico-processual. Diferentemente das ações autônomas de impugnação.
Quais são as quatro principais características dos recursos em geral?
Voluntariedade, previsão legal
Anterioridade à preclusão/coisa julgada e desenvolvimento no mesmo processo
- Voluntariedade: a existência de um recurso está condicionada à manifestação da vontade da parte, que demonstra seu interesse de recorrer com uma interposição do recurso.
- Previsão legal: para que um recurso possa ser conhecido, é indispensável a análise do cabimento, compreendido pela doutrina como a previsão legal da existência do recurso. Portanto, se a lei não prevê recurso contra determinada decisão, significa dizer que tal decisão é irrecorrível, o que, no entanto, não impede que a parte volte a questionar a matéria em preliminar de futura e eventual apelação, por meio de habeas corpus ou mandado de segurança.
- Anterioridade à preclusão ou à coisa julgada: o recurso é interposto antes da formação da preclusão ou da coisa julgada.
- Desenvolvimento dentro da mesma relação jurídica processual de que emana a decisão impugnada: a interposição de um recurso não faz surgir uma nova relação jurídica processual. Na verdade, o que ocorre com a interposição de um recurso é o simples desdobramento da relação anterior, em regra perante órgão jurisdicional diverso e de hierarquia superior.
O que é o chamado duplo grau de jurisdição? Ele é uma garantia constitucional?
Revisão por um órgão superior
Não está previsto expressamente da CF/1988, mas está no Pacto de San José
O duplo grau de jurisdição autoriza a revisão da decisão recorrida por um órgão de jurisdição hierarquicamente superior, permitindo-se que a matéria, de fato e/ou direito, seja rediscutida por um número maior de juízes (turma, câmara ou plenário).
Esse princípio não está previsto expressamente na Constituição Federal de 1988 (CF/1988), mas decorre, no Brasil, do Pacto de San José da Costa Rica (Decreto nº 678/1992), que, em seu art. 8.2, “h”, dispõe que, durante o processo, toda pessoa tem, em plena igualdade, o direito de recorrer da sentença a um juiz ou tribunal superior.
Há quem aponte uma previsão indireta na CF, seja pelo estabelecimento de competências recursais, seja ao garantir que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, o que autoriza a previsão dos recursos como meio de combate às decisões judiciais.
O que é o princípio da taxatividade dos recursos? Os pedidos de reconsideração têm previsão legal?
Previsão expressa em lei federal
O rol legal de recursos é, portanto, taxativo
Os recursos dependem de previsão em lei federal (art. 22, I, da CF/1988), de modo que o rol que os prevê e as respectivas hipóteses de cabimento são taxativos.
Os pedidos de reconsideração, por não constituírem recurso em sentido estrito e não terem qualquer respaldo no regramento processual, não suspendem prazos e também não impedem a preclusão. Esse foi o entendimento da 2ª turma do STF no julgamento da Rcl nº 43.007 AgR/DF, que teve como Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, e foi julgado em 09.02.2021 (Informativo nº 1.005).
O que é o princípio da unirrecorribilidade das decisões? Imagine uma sentença que absolve o acusado por um crime, e extinga a punibilidade em relação a outro. Cabe apelação quanto à absolvição, e recurso em sentido estrito contra a extinção de punibilidade, ou cabe um único recurso contra os dois temas?
Uma decisão, um recurso
Mas atenção: há exceções
Também denominado de princípio da singularidade ou princípio da unicidade, por força desse princípio, pode-se dizer que, pelo menos em regra, a cada decisão recorrível corresponde um único recurso. A título de exemplo de aplicação desse princípio, o art. 593, § 4º, do Código de Processo Penal (CPP), prevê que, quando cabível a apelação, não poderá ser usado o recurso em sentido estrito (RESE), ainda que somente de parte da decisão se recorra. Portanto, se, no bojo de uma sentença, houver a condenação do acusado em relação a um delito e a extinção da punibilidade quanto a outro, tem-se que o recurso cabível será o de apelação, ainda que o Ministério Público pretenda se insurgir apenas contra a extinção da punibilidade.
Todavia, existem decisões objetivamente complexas, com capítulos distintos, em que a própria lei prevê o cabimento concomitante de dois ou mais recursos (vou perguntar sobre isso em card próprio).
O princípio da unirrecorribilidade das decisões estabelece que, para cada decisão, é cabível um único recurso. Há, contudo, exceções a tal princípio. Quais são as duas principais?
Recurso extraordinário e especial
Embargos infringentes e de nulidade
São exceções ao princípio da unirrecorribilidade, segundo a doutrina:
- Recurso Extraordinário e Especial.
- Embargos infringentes e de nulidade contra a parte não unânime de decisão proferida pelos Tribunais de Justiças (TJs) e TRFs no julgamento de apelações, Recursos em Sentido Estrito e Agravos em Execução (CPP, art. 609, parágrafo único), e recurso extraordinário e/ou especial se houver fundamentos constitucionais e legais que autorizem tais impugnações.
O que é o princípio da fungibilidade? Ele tem previsão legal expressa no processo penal?
Um recurso por outro
Previsão expressa no artigo 579 do CP: “salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro”
É a possibilidade do conhecimento (recebimento) de um recurso por outro. É também chamado de “teoria do recurso indiferente”, “teoria do tanto vale”, “princípio da permutabilidade dos recursos” ou “princípio da conversibilidade dos recursos”.
O princípio da fungibilidade está previsto expressamente no art. 579, caput, do CPP, segundo o qual “salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro”. A aplicação desse princípio, portanto, está condicionada à inexistência de má-fé.
A aplicação do princípio da fungibilidade, no processo penal, está condicionada à inexistência de má-fé. O que caracteriza a má-fé que obsta a aplicação da fungibilidade, de acordo com a doutrina?
Prazo e erro grosseiro
Brasileiro (2020, p. 1740) explica que para se aferir a boa-fé do recorrente, ou, a contrario sensu, sua má-fé, deve se demonstrar que o equívoco do recorrente não foi cometido de maneira deliberada, a fim de obter alguma vantagem de ordem processual de seu suposto lapso. A má-fé do recorrente é tida como presumida nas seguintes hipóteses:
- quando não for observado o prazo previsto em lei para o recurso adequado; e
- erro grosseiro.
O que é o princípio da convolação? Qual sua diferença para o princípio da fungibilidade?
Fungibilidade por utilidade
Recurso manejado é adequado, mas sem algum pressuposto (tempestividade, forma, preparo, interesse ou legitimidade)
Consiste na possibilidade de que um recurso manejado corretamente seja convolado em outro em virtude de se revelar mais útil ao recorrente, com viabilidade de maiores vantagens. A convolação se diferencia da fungibilidade porque, para a aplicação do princípio da fungibilidade, é necessário que o recurso tenha sido interposto erroneamente, enquanto a incidência da convolação pressupõe acerto na oferta da impugnação. Sobre o assunto, explica a doutrina:
(…) por conta do princípio da fungibilidade, uma impugnação incorreta pode ser recebida e conhecida como se fosse a correta, desde que não evidenciada a má-fé do recorrente. Tal princípio não se confunde com o da convolação, por força do qual uma impugnação adequada pode ser recebida e conhecida como se fosse outra. Segundo a doutrina, essa possibilidade de convolação do recurso visa evitar prejuízo ao recorrente, quando, a despeito da adequação da via impugnativa, estejam ausentes no recurso interposto outros pressupostos recursais, tais como a tempestividade, a forma, o preparo, o interesse e a legitimidade (LIMA, 2020, p. 1743).
O que é o princípio da voluntariedade recursal?
Desdobramento do princípio dispositivo
A existência de um recurso está condicionada à manifestação da vontade da parte, que demonstra seu interesse de recorrer com a interposição do recurso. A propósito, o art. 574, caput, primeira parte, do CPP preceitua que os recursos serão voluntários. Prestigia-se, com esse princípio, o princípio dispositivo, vinculando-se a existência de um recurso à vontade da parte sucumbente.
A possibilidade de recorrer contra uma decisão adversa representa, para a parte, verdadeiro ônus. Afinal, diante de uma situação de sucumbência, a parte não está obrigada a recorrer, na medida em que o recurso tem como característica fundamental a voluntariedade. Não obstante, a despeito de não estar obrigada a recorrer, a parte tem consciência de que, não o fazendo, suportará as consequências desfavoráveis da decisão emergente. Daí se dizer que, quanto à sua interposição, os recursos configuram um ônus processual (LIMA, 2.020, p. 1742).
O que é o reexame necessário? Ele é um tipo de recurso?
Condição necessária à preclusão
Segundo a doutrina, o reexame necessário pode ser definido como recurso de forma imprópria, porquanto falta a ele o pressuposto básico da voluntariedade. Por isso, o recurso de ofício é tratado por grande parte da doutrina como condição necessária à preclusão ou trânsito em julgado de uma decisão ou sentença. Sobre as peculiaridades do assunto, são as lições de Renato Brasileiro de Lima:
Assim, enquanto o Tribunal não reexaminar e confirmar a decisão, não ocorrerá sua preclusão ou trânsito em julgado. Na dicção da Suprema Corte, “o recurso de oficio, embora, a rigor, não seja recurso, quando imposto em lei, devolve a instância superior o conhecimento integral da causa, impedindo a preclusão do que decidiu a sentença”.
O reexame necessário impede o julgamento em desfavor da parte por ele beneficiada?
Devolução de toda a matéria
Essa remessa oficial à instância superior não fere o princípio do contraditório, nem tampouco a alteração do julgado por ela produzida ocasiona prejuízo ao acusado, porquanto, por meio do reexame necessário, devolve-se ao juízo ad quem o conhecimento integral da causa, de modo que nada que se decidiu na sentença se faz precluso. Essa amplitude do efeito devolutivo inerente ao reexame necessário é confirmada, implicitamente, pela súmula nº 160 do STF, que veda ao Tribunal o acolhimento de nulidade contra o réu não arguida no recurso da acusação, r_essalvados os casos de recurso de ofício_.
O recurso de ofício não está sujeito a prazo e, ainda quando não interposto, dele deve conhecer o Tribunal a qualquer tempo que os autos lhe cheguem. Ademais, não há necessidade de fundamentação, ou seja, o juiz não é obrigado a declinar as razões que o levam a recorrer, sendo desnecessária a intimação das partes para arrazoarem o recurso. Nas hipóteses em que há previsão legal de recurso de ofício, o reexame da decisão pelo juízo ad quem é obrigatório, mesmo diante da interposição de recurso voluntário pelas partes. (LIMA, 2020, 1.744)
O que é o princípio da disponibilidade dos recursos? Qual a diferença dele para o princípio da voluntariedade?
Voluntariedade após interposição
Não se aplica, contudo, ao MP
Enquanto o princípio da voluntariedade tem aplicação no momento anterior à própria existência do recurso, deixando a critério da parte manifestar (ou não) seu inconformismo com a decisão que lhe seja contrária por meio da interposição do recurso, o princípio da disponibilidade é aplicável após a interposição da impugnação, permitindo que o recorrente desista do recurso anteriormente interposto.
Não se trata de princípio de natureza absoluta. De fato, o art. 576 do CPP estabelece que “o Ministério Público não poderá desistir de recurso que haja interposto”.
O que é o chamado efeito prodrômico da sentença?
Vedação à reformatio in pejus
No processo penal, beneficia tão somente o réu
“Efeito prodrômico da sentença” nada mais é do que o princípio da non reformatio in pejus. Brasileiro (2020, p. 1.745) ensina que, quanto ao efeito devolutivo dos recursos, há dois sistemas passíveis de utilização:
- a) sistema da proibição da reformatio in pejus: não se admite que a situação do recorrente seja piorada em virtude do julgamento do seu próprio recurso;
- b) sistema do benefício comum (communio remedii): o recurso interposto por uma das partes beneficia a ambas, de forma que é aceitável que a situação do recorrente piore em razão do julgamento de seu próprio recurso. Em sede processual penal, pode-se dizer que, em se tratando de recurso da defesa, aplica-se o sistema da proibição da reformatio in pejus. Por outro lado, na hipótese de recurso da acusação, aplica-se o sistema do benefício comum, haja vista a possibilidade de reformatio in mellius.
O que é a non reformatio in pejus indireta?
Nulidade não pode prejudicar quem a alegou
Na reformatio in pejus indireta, que é a comparação entre a decisão recorrida, que foi anulada, e a nova decisão a ser proferida em seu lugar, isto é, anulada a decisão em recurso exclusivo da defesa, o julgador que vier a prolatar nova decisão estará limitado ao quantum imposto naquela decisão (a anulada), não podendo agravar a situação do agente. Vê-se que a diferença entre a reformatio in pejus direta e indireta é o paradigma: da direta, a comparação se dá entre decisão recorrida e acórdão proferido; na indireta, dá-se entre decisão recorrida que foi anulada e a nova decisão que a substituiu.
O princípio da vedação à reformatio in pejus indireta é aplicável em caso de reconhecimento de incompetência absoluta?
Sim
Anulada a decisão do juízo a quo em recurso exclusivo da defesa por causa do reconhecimento da incompetência absoluta, discute-se na doutrina se o juiz natural estaria (ou não) limitado à pena fixada pelo juízo incompetente. Conforme a doutrina, o entendimento majoritário é o de que “a nova condenação deve limitar-se, como teto, à pena estabelecida pela primeira decisão. Impõe-se, assim, que a nova condenação pelo Juiz natural da causa não exceda o quantum de pena anteriormente fixado, em observância ao princípio ne reformaria in pejus”. (LIMA, 2020, p. 1.750).
O que é o princípio da dialeticidade?
Diálogo com as razões da decisão
Por causa do princípio da dialeticidade, a petição de um recurso deve conter os fundamentos de fato e de direito que embasam o inconformismo do recorrente. O recurso deve, portanto, ser dialético, discursivo, ou seja, incumbe ao recorrente declinar os fundamentos do pedido de reexame da decisão impugnada, pois somente assim poderá a parte contrária apresentar suas contrarrazões, respeitando-se o contraditório em matéria recursal.
O que é o princípio da complementariedade?
Complementação recursal em caso de embargos
Uma vez apresentadas as razões recursais, seja no ato da interposição, seja posteriormente, entende-se que, por causa da preclusão consumativa, é vedado ao recorrente complementar seu recurso com novas razões. Todavia, devido ao princípio da complementariedade, admite-se que a parte recorrente possa complementar as razões de recurso já interposto no caso de julgamento de embargos.