Criança com Diarreia Flashcards
Diarreia - definição
Volume de fezes superior a 10g/kg/dia em lactentes e crianças ou >200g/dia em crianças mais velhas.
Na prática, 3 ou mais dejeções em 24h ou aumento da frequência e diminuição da consistência da fezes de acordo com o padrão habitual da criança.
Reabsorção intestinal de água
É um transporte passivo e secundário a um gradiente osmótico que é mantido à custa de dois transporte ativos:
- Reabsorção de eletrólitos (bomba de Na+/H+)
- Reabsorção de solutos (glicose e aminoácidos)
Cloro (principal interveniente na secreção)
É secretado por transporte ativo nas criptas intestinais e cólon e é regulado pela aldosterona, VIP e ADH. O equilíbrio entre a secreção e absorção do cloro determina a consistência das fezes.
Fisiopatologia da diarreia
Há comprometimento do transporte ativo dos eletrólitos (responsável por manter o gradiente osmótico) e da absorção passiva paracelular de água, resultando num maior teor de água nas fezes
Diarreia aguda (duração)
<2 semanas
Diarreia crónica ou persistente (duração)
> 2 semanas
4 mecanismos da diarreia
- Secretória
- Osmótica
- Inflamatória
- Motora
Diarreia secretória
Aumento da secreção de fluidos para o lúmen pelas células epitiliais causada por um secretagogo (ex. toxina E. coli, toxina cólera, C. difficile)
- Grande volume de fezes
- Persiste em jejum
- Osmolaridade normal
Diarreia osmótica
Causada pelo aumento do gradiente osmótico intramural após ingestão de soluto não absorvido, que conduz à difusão passiva de água para o lúmen intestinal (ex. má absorção primária - magnésio, fósforo, lactulose, sorbitol - ou secundária - lactose, glicose)
- Volume ligeiramente aumentado
- Responde ao jejum
- Osmolaridade aumentada
Diarreia inflamatória
Tem componente secretória e osmótica. Pode ser infecciosa ou não infecciosa.
Diarreia motora
Causada por alterações da motilidade intestinal (ex. tirotoxicose)
Diarreia aguda - etiologia
Lactente - gastroenterite aguda (viral-bacteriana-protozoários); infeção sistémica; associada a ABs; excesso de alimentação.
Criança - gastroenterite aguda; intoxicação alimentar; infeção sistémica; associada a ABs.
Adolescente - gastroenterite aguda; intoxicação alimentar; associada a ABs; tirotoxicose.
Gastroenterite aguda - etiologia e clínica
- Habitualmente menos de 7 dias
- Com ou sem febre e/ou vómitos
- Principais agentes:
- virais: rotavirus e notovirus
- bacterianos: campylobacter e salmonella
- parasitas: giardia (diarreia crónica, distensão abdominal e diarreia explosiva)
Diarreia por rotavírus
- É o agente mais comum me lactentes e crianças com menos de 3 anos.
- Transmissão fecal-oral
- Elevada contagiosidade
- Mais frequente no inverno
- Diarreia infecciosa (osmótica+secretória)
- Incubação de 2 dias
- Início de quadro agudo de febre e vómitos seguido de diarreia aquosa 1-2 dias depois
- Complicações: desidratação, alterações hidroeletrolíticas e acidémia, convulsões (não se sabe a fisiopatologia)
Salmonella não typhi
- Associado à ingestão de alimentos contaminados (ovos)
- Quadro de gastroenterite típico (fezes podem ter sangue) ou bacteriemia sem manifestações intestinais com foco secundário (meningite, osteomielite, etc.)
- Duração: 3-5 dias
Campylobacter jejuni
- Associado à ingestão de alimentos contaminados (carne de aves)
- Quadro de febre + dor abdominal intensa tipo cólica + diarreia com sangue
- Duração: 5-7 dias
- Complicações: S. Guillain Barré (polineuropatia periférica aguda) ou artrite reativa
Shigella
- Surtos
- Febre com calafrio + cólica abdominal + náuseas e vómitos + diarreia aquosa (com sangue nos casos graves)
- Complicações: S. Hemolítico Urémico pela toxina Shiga (+ frequente pela toxina shiga-like produzida pela E.coli)
Yersinia enterocolitica
- Associado à ingestão de alimentos contaminados (carne de porco)
- Pseudo-apendicite (invade sobretudo o íleon terminal)
- Adenite mesentérica
- Complicações: eritema nodoso ou artrite reativa pós-infecciosa
Quando suspeitar de intoxicação alimentar
- Quando duas ou mais pessoas que ingeriram o mesmo alimento e que têm um quadro clínico semelhante
Exame objetivo - desidratação
Durante o exame objetivo é importante avaliar o estado de desidratação: se houver peso anterior recente calcular pela perda de peso (ligeira<5%, moderada 5-10%, grave>10%); se não houver, determinar indiretamente por sinais encontrados durante o exame objetivo.
Quando pedir MCDs na diarreia aguda?
- Desidratação grave
- Quando suspeitamos de diarreia bacteriana (coprocultura)
- Criança com imunodeficiência
- Surtos
- Cohorting e isolamento de doentes internados
- Excluir infeção quando temos outros diagnóstico possíveis
Tratamento da diarreia
- Reidratação
- Terapêutica anti-infecciosa
- Realimentação (precoce)
- Terapêutica adjuvante (reduz duração e gravidade da diarreia)
- Prevenção
Reidratação
- Via oral deve ser privilegiada
- Com soro de reidratação oral (ORS): com baixa osmolalidade
Indicações para reidratação endovenosa
- Choque
- Alteração do estado de consciência ou acidose grave
- Sem melhoria com reidratação entérica
- Vómitos persistentes
- Distensão abdominal grave e íleos
Esquema de reidratação em casos ligeiros ou moderados
1º. SRO a 50-100mL nas primeiras 3-4h (começar com 5mL de seringa ou colher de cada vez)
Importante repor as perdas:
Se <10kg - por cada dejeção ou vómito repor 50-100mL de SRO
Se >10kg - por cada dejeção ou vómito repor 100-200mL de SRO
2º. Realimentação
Esquema de reidratação em casos graves
1º. Se choque, bólus de 20mL/kg (lactato de Ringer ou NaCl) durante 30min-1h
2º. Reposição do défice nas 24-48h seguintes
3º. SRO per os e realimentação
Contraindicação de AB na diarreia
- Diarreia por E.coli produtora de toxina shiga-like porque aumenta o risco de SHU.
- Na diarreia por Salmonella não typhi aumenta o tempo de excreção
Fazer AB quando?
- Sépsis
- Imunossuprimidos
- Crianças com DII
- Salmonella não typhi em lactentes com < 3m
Quais os antibióticos a utilizar?
- Campylobacter
- Salmonella
- Shigella
- Yersinia
- Clostridium
- E. coli shiga-like
- Eritromicina ou ou azitromicina
- Cotrimoxazol ou ceftriaxone
- Azitromicina ou ceftriaxone
- Cotrimoxazol ou ceftriaxone
- Metronidazol se quadro persistente ou vancomicina se quadro grave
- AB contraindicado
Terapêutica adjuvante
- Anti-eméticos: ondasetron
- Anti-secretores: racecadotril (pouca evidência de benefício)
- Probióticos: L. rhamnosus GG e S. boulardii
- Zinco
Realimentação
- Deve ser precoce (diminui hospitalizações e morbilidade)
- Evitar alimentos ricos em açúcares e gorduras
- Dietas restritivas não estão recomendadas
Prevenção
- Higienização das mãos
- …. medidas gerais
- Vacinação contra rotavírus (oral): RV 1 e RV5
Critérios para internamento
- Choque
- Desidratação grave
- Suspeita de causa cirúrgica
- Sem resposta à reidratação oral
- Alterações neurológicas
- Sem condições no domicílio
- Vómitos biliosos ou persistentes
Diarreias crónicas sem má-absorção
- Funcional (>90% das diarreias crónicas) - ex. SII
- Por dismotilidade - ex. hipertiroidismo
- Endócrina - ex. tumores neurointestinais
Diarreias crónicas com má-absorção
Específicas de um nutriente: - Proteínas - ex. enteropatias perdedoras de proteínas - Lípidos - ex. doença hepática, insuficiência pancreática - Hidratos de carbono Generalizada: - Síndrome de intestino curto - Imunomediada - Infecciosa - Congénita - Por défice de nutriente
Diarreia crónica com má-absorção por defeito da digestão (ex. insuficiência hepática)
- Fezes moles, abundantes, gordurosas, fétidas
- Esteatorreia massiva
- Creatorreia
Diarreia crónica com má-absorção generalizada por defeito na absorção
- Fezes moles, líquidas, raramente gordas, por vezes ácidas
- Esteatorreia moderada
- Creatorreia moderada
- Ácidos voláteis aumentados
Diarreia crónica com má-absorção seletiva por defeito na absorção
- Diarreia aquosa
- Ácida (pH<5)
- Esteatorreia ausente
Diarreias por causas funcionais
- Caracterizam-se por perturbação da motricidade intestinal, desequilíbrio da alimentação e disbiose
- Sem repercussão a nível do crescimento e EO normal
Diarreia funcional do lactente (diarreia funcional)
- Ocorre em crianças mais novas e lactentes
- Fezes moles ou líquidas
- Pode conter muco ou restos alimentares
- Pode ter sangue
Síndrome do cólon irritável (diarreia funcional)
- Ocorre em crianças mais velhas (>4 anos)
- Diarreia pelo menos 1x/semana durante <2 meses com fezes moles ou líquidas
- Pode conter muco
- Associada a dor ou desconforto abdominal recorrente, flatulência e sensação de evacuação incompleta
Quando pedir MCDs na diarreia crónica?
- Má progressão ponderal
- Atraso pubertário
- Fezes com sangue
- Dejeções noturnas
- Dor abdominal persistente
- Doença perianal
- Disfagia
- Sintomas extra-intestinais sugestivos de doença inflamatória
- Início neonatal
Anticorpos da doença celíaca?
Anticorpo anti-transglutaminase IgA e IgG
Doença celíaca (definição)
Enteropatia imunomediada induzida pela exposição ao glúten (gliadina), em indivíduos geneticamente suscetíveis (HLA classe II DQ2 >90% dos doentes celíacos; restantes DQ8)
Doença celíaca (clínica)
Clássica: - Diarreia - Esteatorreia - Dor abdominal ocasional - Distensão abdominal - Má progressão ponderal - Anorexia - Alteração do humor - Hipotonia - Massas musculares pobres Ou sintomas gástricos isolados
Rastreio doença celíaca
- Ac. anti-transglutaminase tecidual
- Diagnóstico definitivo por biópsia do bulbo duodenal e D2
Quem deve fazer rastreio para doença celíaca?
- Familiares em 1º grau
- Doenças associadas à DC:
- dermatite herpetifrome
- diabetes tipo I
- tiroidite autoimune
- síndrome de Sjogren
- hemossiderose pulmonar
- síndrome de Down
- síndrome de Williams
- síndrome de Turner
- nefropatia IgA
- artrite idiopática juvenil
Tratamento da doença celíaca
Dieta isenta em glúten durante toda a vida
Colite ulcerosa
- Atingimento contínuo superficial da mucosa do cólon
- Extensão proximal com início no reto
- Se pancolite (apresentação mais frequente na idade pediátrica), pode cursar com ileíte
- Curso mais agressivo (mais difícil de tratar)
Doença de Crohn
- Atingimento descontínuo transmural da mucosa
- Desda a boca até ao ânus (frequentemente envolvimento isolado do cólon na idade pediátrica)
- Histologia: granulomas não caseosos
Apresentação clínica das DII
- Diarreia crónica com muco e sangue (ambas mas +CU)
- Astenia, emagrecimento ou má progressão ponderal (+DC)
- Atraso do crescimento (+DC)
- Atraso pubertário (+DC)
- Dejeções noturnas com tenesmo (ambas mas +CU)
- Dor abdominal (QIE na colite; QID na DC com ileíte)
- Náuseas e vómitos (ambas)
- Febre, sudorese noturna (+DC)
Manifestações extra-gastrointestinais das DII
- Eritema nodoso (DC)
- Pioderma gangrenoso (CU)
- Espondilite anquilosante
- Colangite esclerosante primária
- Episclerite (DC)
- Nefrite (DC)
- Défice B12 ou ácido fólico (DC)
Calprotectina
- Aumentada nas DII. Importante para distinguir de diarreias funcionais.
- Tem baixa especificidade (65%), podendo estar aumentada em infeções GE, doença celíaca ealergias alimentares.
- Valores >150/200 são altamente sugestivos de DII.
Tratamento de indução na doença de Crohn
- Nutrição entérica exclusiva com dieta polimérica durante 8 semanas;
- Corticoterapia (prednisolona) - efeitos adversos: excesso de peso, restrição do crescimento, imunosupressão e infeções recorrentes;
- Anti-TNF (infliximab e adalimumab) - efeitos adversos: infeções recorrentes e neoplasias como linfomas (muito raro); (está indicado em caso de doença perianal)
- Vedolizumab (combinado com tacrolimus)
Tratamento de indução na colite ulcerosa
Se doença moderada e distal:
- Aminossalicilatos (5-ASA) ou corticosteroides por com enema ou supositório
Sem melhoria rápida:
- Aminossalicilatos per os
Se doença mais grave ou sem melhoria em 2-4 semanas:
- Corticoterapia sistémica e antibioterapia (já não é muito usado)
Se megacólon tóxico:
- Anti-TNF (infliximab)
Tratamento de manutenção na doença de Crohn e colite ulcerosa
- Dieta polimérica complementar noturna
- Aminossalicilatos
- Imunomoduladores (azatioprina ou metotrexato) isolados ou combinados com anti-TNF
- Vedolizumab
Indicações para tratamento cirúrgico da doença de Crohn
50% dos doentes vão necessitar de cirurgia nos primeiros 5 anos após o diagnóstico
- Sintomas persistentes e localizados mesmo com terapêutica otimizada
- Abcessos intra-abdominais, estenoses orgânicas ou fístulas refratárias à terapêutica
- Hemorragia digestiva grave
Indicações para tratamento cirúrgico da colite ulcerosa
- Formas fulminantes (megacólon tóxico)
- Formas refratárias ao tratamento médico otimizado
- Formas de longa duração (risco de carcinoma)
* Risco de Pouchite (infeção da anastomose ileoanal)