Antijuridicidade/ Ilicitude Flashcards
Admite-se a excludente de antijuridicidade do estrito cumprimento de dever legal nos crimes culposos.
Alternativas
Certo
Errado
Errado,
Não se admite o estrito cumprimento do dever legal em crime culposo, afinal, crimes culposos são compostos de negligência, imprudência ou imperícia. Como a lei não obriga que ninguém seja negligente, imprudente ou imperito, então fica afastada essa causa excludente da ilicitude.
3)Posso beneficiar alguém que foi negligente quando estaria no estrito cumprimento do dever legal ?
R: Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.¨
Quem trouxe a ideia de ilicitude para o direito penal?
A ilicitude foi trazida para o conceito de crime por Von Liszt, que partiu das ideias de Rudolf Von Ihering (Direito Civil). Inicialmente, Von Liszt abordava a ilicitude formal (relação de contradição entre fato e ordenamento jurídico). No causalismo neoclássico (teoria causal neoclássica ou neokantismo penal), a ilicitude passou a ser material (relação de contradição entre fato e ordenamento jurídico geradora de danosidade social), possibilitando o surgimento de excludentes supralegais, ou seja, não previstas na lei. Quando a ilicitude é formal, praticamente só é possível examinar excludentes de ilicitude previstos em lei, não se consegue fazer análise de excludente de ilicitude supralegal, como o consentimento do ofendido.
Pode um fato, tipicamente penal, ser classificado como lícito num âmbito do nosso ordenamento, mas ilícito no outro?
Andreas Eisele responde:
“A classificação é válida para todos os âmbitos do Direito, motivo pelo qual não há uma ilicitude especificamente penal ou civil, mas somente consequências jurídicas distintas, decorrentes da regulamentação do fato em cada âmbito do Direito. Ou seja, a ilicitude é uma categoria do ordenamento jurídico, considerado em sua completude, não se configurando de forma exclusiva e autônoma em um determinado âmbito regulamentar. Esta relação decorre do princípio sistemático da coerência do ordenamento jurídico, conforme o qual o Direito não pode conter antinomias, pois a contradição normativa tornaria impossível a definição dos âmbitos da licitude e ilicitude. Tal princípio impede a autonomia absoluta das diversas esferas de regulamentação jurídica e, consequentemente, evita a instauração de antinomias.
Embora não seja possível que um mesmo fato seja classificado como lícito em um âmbito do ordenamento jurídico e ilícito em outro, é possível que um determinado fato seja classificado como ilícito em algum âmbito regulamentar, porém como irrelevante (juridicamente indiferente) em outro. A irrelevância não é o mesmo que a licitude, pois a licitude produz efeitos em relação a todos os âmbitos do ordenamento jurídico, enquanto a irrelevância pode ser restrita a um âmbito desse ordenamento. Ou seja, um fato lícito manterá esta característica em todos os âmbitos de regulamentação jurídica, mas um fato irrelevante no âmbito penal pode não o ser no âmbito civil, porque a licitude {decorrente da incidência de uma norma específica) do fato aferida no âmbito penal implica a civil, mas a anomia penal (ausência de regulamentação do fato neste âmbito) não necessariamente implica. sua licitude (ou ilicitude) no âmbito civil”
A ilicitude será verificada a partir de um juízo negativo ou positivo? E quais teorias justificam a relação entre tipicidade e ilicitude?
A ilicitude será verificada a partir de um juízo negativo, pois não havendo causa excludente de ilicitude, o crime é considerado ilícito. A partir daí, é possível verificar a existência de 4 teorias que tratam sobre essa relação entre fato típico e ilicitude:
Relação entre tipicidade e ilicitude:
(A) Teoria da autonomia ou absoluta independência
Defendida por Ernst Ludwig von Beling (1906), para esta teoria a tipicidade não tem qualquer relação com a ilicitude. Primeiro se comprova o fato típico para, num segundo momento, demonstrar a ilicitude, tratando-se de substratos absolutamente independentes na construção analítica do crime.
Conclusão: fato típico não desperta juízo de valor no campo da ilicitude. Quando excluída a antijuridicidade, o fato permanece típico. Quando JOÃO mata ANTONIO, temos um fato típico, devendo ser analisada a ilicitude da conduta. Comprovada a legítima defesa, exclui-se a antijuridicidade do fato, permanecendo típico.
(B) Teoria da indiciariedade ou da “ratio cognoscendi”
Idealizada por Mayer em 1915, entende que a existência do fato típico gera uma presunção (relativa) de que é também ilícito. Não há (ao contrário da anterior) uma absoluta independência entre esses dois substratos, mas uma relativa dependência. Cabe à defesa fazer prova que o fato típico foi praticado sob o manto de uma excludente de ilicitude. É a teoria adotada pelo Direito Penal.
Obs.: Essa teoria foi mitigada com a reforma do CPP. O art. 386 do CPP passou a afirmar que se o juiz tiver fundada dúvida sobre a existência de uma excludente de ilicitude, deverá absolver o indivíduo, aplicando-se o in dubio pro reo. Sendo assim, a defesa não precisa provar categoricamente que o sujeito agiu acobertado por uma excludente de ilicitude, basta que ela produza prova suficiente e capaz de deixar alguma dúvida no magistrado. Há uma mitigação da teoria da relatividade do ônus probatório.
(C) Teoria da absoluta dependência ou “ratio essendi’
Encampada por Mezger em 1930, cria o conceito de tipo total do injusto, levando a ilicitude para o campo da tipicidade. Em outras palavras, a ilicitude é a essência da tipicidade, numa absoluta relação de dependência entre esses elementos do delito.
Conclusão: não havendo ilicitude, não há fato típico. Quando JOÃO mata ANTONIO, temos um fato típico, o qual só permanece como tal se também ilícito. Comprovada a legítima defesa, exclui-se a antijuridicidade e a tipicidade do comportamento.
(D) Teoria dos elementos negativos do tipo
Para esta teoria, o tipo penal é composto de elementos positivos (expressos) aos quais se somam elementos negativos (implícitos), quais sejam, causas excludentes de ilicitude. Para que o comportamento do agente seja típico não basta realizar os elementos positivos expressos no tipo, mas não pode configurar qualquer dos elementos negativos. O crime de homicídio deverá ser lido: “matar alguém (elemento positivo expresso), desde que não esteja presente uma excludente de ilicitude (elemento negativo implícito)”.
Conclusão: para que o fato seja típico, os elementos negativos — excludentes de ilicitude —não podem existir.
Quais são as descriminantes do CP? Como elas também são conhecidas?
Causas excludentes da ilicitude (descriminantes ou justificantes)
Essas causas estão previstas, principalmente (e não exclusivamente), na Parte Geral do Código Penal, mais precisamente no seu artigo 23, que anuncia: “não há crime quando o agente pratica o fato:
→ estado de necessidade;
→ legítima defesa;
→ estrito cumprimento do dever legal;
→ exercício regular do direito.
Não se trata de causas exaustivas, pois o próprio CP traz a hipótese de aborto justificado (art. 128, CP). Inclusive, há causas de justificação supralegais (sem previsão legal), como é o consentimento do ofendido (em se tratando de bem disponível, próprio, vítima capaz).
Explicam Juan Ferré Olivé, Miguel Nunez Paz, William Terra de Oliveira e Alexis Couto de Brito: “As razões que dão sustento às causas de justificação podem mudar constantemente, pois se trata de um momento sistemático no qual se procura dar uma solução social aos conflitos.
A decisão de arquivamento do inquérito policial com fundamento na exclusão da ilicitude faz coisa julgada material?
Segundo a redação original do art. 28 do CPP, o promotor de Justiça que decidisse pela promoção de arquivamento do inquérito policial devia submeter sua manifestação à análise do magistrado. Concordando com seus termos, o juiz homologava o arquivamento, em decisão que, em regra, não fazia coisa julgada material, ou seja, permitia que o inquérito fosse reaberto desde que surgissem novas provas, nos termos do art. 18. Caso discordasse da promoção de arquivamento, o juiz remetia os autos ao procurador-geral de Justiça, que tinha duas opções: se concordasse com o promotor de Justiça, insistia no pedido de arquivamento e, ao juiz, não restava alternativa senão a de acolher tal posicionamento. Caso o procurador-geral discordasse do pedido, ele poderia, desde logo, oferecer a denúncia (alternativa não verificada na prática), ou então designar um outro promotor para fazê-lo.
A Lei 13.964/19 (Pacote Anticrime) alterou a redação do art. 28, que atualmente anuncia: “Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará a vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei”. Em estrita obediência ao sistema acusatório, portanto, o dispositivo não mais prevê a participação do juiz no organograma da promoção de arquivamento.
Como antes da nova arquitetura do art. 28 o controle do arquivamento da investigação tinha a participação efetiva do juiz, fazia sentido discutir se a decisão formava coisa material.
Prevalecia a orientação de que se tratava apenas de coisa julgada formal, salvo quando o arquivamento se fundamentasse na atipicidade ou em causa extintiva da punibilidade, hipóteses em que a jurisprudência demandava estabilidade da decisão, leia-se, coisa julgada material. Havia também decisões que consideravam formada a coisa julgada material no arquivamento fundamentado em excludentes da ilicitude (STJ), embora o tema não fosse pacífico (STF entende que não).
Ocorre que, com a nova sistemática, sendo o controle exclusivamente ministerial, sem decisão judicial coparticipando, a discussão deve mudar o foco. Não estamos aqui fomentando uma instabilidade nas decisões do Ministério Público. O arquivamento por atipicidade ou por extinção da punibilidade (e, para os que assim se orientam, por exclusão da ilicitude) deve continuar demandando respeito absoluto. Mas não se trata mais de fundamentá-lo na coisa julgada, pois, se a denúncia exuma investigação arquivada por esses fundamentos, o que se revela é a falta pressuposto processual, objeto de rigorosa análise do juiz no momento do recebimento da inicial (art. 395 CPP) ou da absolvição sumária (art. 397 CPP).
Discorra sobre o estado de necessidade. Quais seus requisitos?
Art. 24 do CP: considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
- Histórico: filósofo Carnéades (214-129 a.C.), autor da expressão Tábua de Carnéades. Essa Tábua é a origem da ideia do estado de necessidade: um barco naufraga, só tem uma tábua de salvação e duas pessoas. Uma ganha a disputa para ficar com a tábua e a outra acaba morrendo afogada. Trata-se de estado de necessidade, mas pode ser camuflado como erro de tipo permissivo.
Requisitos:
(A) Perigo atual
Cuida-se do risco presente, real, gerado por fato humano, comportamento de animal (não provocado pelo dono) ou fato da natureza, SEM DESTINATÁRIO CERTO. Discute-se se o perigo iminente (prestes a desencadear-se) justifica a conduta pelo estado de necessidade. Diante do silêncio da lei, a maioria da doutrina ensina que o perigo iminente não autoriza a descriminante.
Flávio Monteiro de Sarros, no entanto, não sem razão anota:
“Cumpre, porém, não confundir o perigo atual ou iminente com a iminente realização do dano. Para a configuração do estado de necessidade, basta um perigo atual ou iminente; pouco importa se o dano irá produzir-se em brevíssimo tempo ou depois de passadas algumas horas. Se, por exemplo, o navio começa a afundar, já há um perigo atual. Se o naufrágio total ocorrer em poucos minutos, haverá perigo atual com dano iminente.
(B) Perigo não causado voluntariamente pelo agente
Não pode invocar estado de necessidade aquele que provocou por sua vontade o perigo. De acordo com as lições da maioria, a expressão “voluntariamente” é indicativa somente de dolo, não abrangendo a culpa em sentido estrito. Assim, diante do perigo gerado por incêndio, o seu causador doloso não pode invocar a descriminante, mas o negligente pode.
Mirabete discorda: “Diante da norma do art. 13, 2°, ‘c’, do CP, que obriga agir para evitar o resultado aquele que, com seu comportamento anterior (ainda que culposo), criou o risco da ocorrência do resultado, forçoso concluir que se deve excluir o estado de necessidade também nos crimes comissivos quando o agente provocou culposamente o perigo”.
(C) Salvar direito próprio ou alheio
(D) Inexistência de dever legal de enfrentar o perigo.
Conforme preceitua o 1° do artigo 24 do Código Penal: “Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo”.
Parcela da doutrina entende por dever legal apenas aquele derivado de mandamento legal (art. 13, 2, “a”, do CP). Este dever legal, para a maioria da doutrina (Nucci, por ex), é um dever jurídico, e deve ser considerado em sentido amplo, não podendo alegar o estado de necessidade quem tem o dever jurídico de enfrentar o perigo, podendo, inclusive, nascer este dever de uma relação contratual. Exemplo: um salva-vidas tem o dever jurídico de tentar salvar quem está se afogando no mar. O segurança da boate não pode alegar estado de necessidade e não enfrentar uma situação de briga no estabelecimento. No caso do World Trade Center, devido aos desabamentos, os bombeiros saíram do prédio. Nesta situação, não poderiam alegar estado de necessidade em razão do dever jurídico que possuíam, porém poderiam alegar a inexigibilidade de conduta diversa, afastando-se a culpabilidade.
(E) Inevitabilidade do comportamento lesivo
(G) Conhecimento da situação de fato justificante.
Aos requisitos objetivos acima enunciados, a doutrina acrescenta um de caráter subjetivo, justamente o conhecimento da situação de fato justificante (consciência e vontade de salvar direito próprio ou alheio).
Se no exemplo da tábua de salvação e deu a entender que o sujeito descobriu depois que matou o amigo na disputa pela tábua, quando o dia clareou, que estava perto de uma ilha. Como o acidente foi à noite, estava escuro e eles não sabiam que estavam próximos de uma ilha e que seria possível os dois se salvarem. O amigo pode alegar o que?
Nesse caso, se o perigo era imaginário, não configura estado de necessidade (art. 24), mas sim erro de tipo permissivo (sobre pressuposto fático de causa de justificação, sobre pressuposto objetivo – art. 20, § 1º).
O estado de necessidade é faculdade ou direito?
Segundo Nélson Hungria, a justificante retrata uma faculdade, pois, diante do perigo, abre-se a possibilidade de ação para a preservação do bem jurídico. De acordo com o autor, não se pode ter como direito o estado de necessidade porque a um direito corresponde necessariamente uma obrigação, mas, no contexto dessa justificante, nenhum dos titulares dos bens jurídicos envolvidos está obrigado a suportar a lesão.
Aníbal Bruno, por sua vez, entende se tratar de um direito, mas exercido contra o Estado (não contra o titular do bem jurídico lesado), que está obrigado, diante da caracterização da eximente, a reconhecer a inexistência do crime.
Rogério Sanches entende que nenhuma das orientações deve ser completamente refutada, mas, antes, combinadas, pois ao mesmo tempo em que o estado de necessidade traduz uma faculdade entre os titulares dos bens jurídicos, caracteriza-se como um direito perante o Estado.
É possível alegar estado de necessidade em crime culposo?
Não pode invocar estado de necessidade aquele que provocou por sua vontade o perigo. De acordo com as lições da maioria, a expressão “voluntariamente” é indicativa somente de dolo, não abrangendo a culpa em sentido estrito. Assim, diante do perigo gerado por incêndio, o seu causador doloso não pode invocar a descriminante, mas o negligente pode.
Mirabete discorda: “Diante da norma do art. 13, 2°, ‘c’, do CP, que obriga agir para evitar o resultado aquele que, com seu comportamento anterior (ainda que culposo), criou o risco da ocorrência do resultado, forçoso concluir que se deve excluir o estado de necessidade também nos crimes comissivos quando o agente provocou culposamente o perigo”.
Na salvaguarda do interesse alheio é indispensável a autorização ou posterior ratificação do titular do direito ameaçado?
Flávio Monteiro, com precisão, responde:
“O estado de necessidade de terceiro inspira-se no princípio da solidariedade humana. Tratando-se, porém, de bens disponíveis, alguns autores sustentam a necessidade da aquiescência do titular do direito exposto a perigo de lesão. Não procede o raciocínio, pois a vontade do terceiro em perigo, como dizia La Medica, não é tomada em consideração; é substituída pela vontade do agente, juridicamente superior. Sobremais, em muitos casos não há nem tempo para pedir a concordância do terceiro”.
No estado de necessidade, quanto a quem sofre a ofensa, quais serão as classificações?
→ Estado de necessidade defensivo: quando o agente, ao agir em estado de necessidade, sacrifica bem jurídico do próprio causador do perigo;
→ Estado de necessidade agressivo: quando o sacrifício se dá em relação a bem pertencente a terceiro, que não causou a situação de perigo. Neste caso, subsiste o dever de indenizar. Na esfera cível, se a lesão se deu em face de quem gerou o perigo (e. n. defensivo), não há o dever de indenizar o indivíduo. Por outro lado, se o causador da lesão atingir o terceiro, que não causou o perigo, deverá indenizá-lo, sem prejuízo da ação de regresso contra o indivíduo causador do perigo. Sua conduta é voltada para um terceiro inocente, clássico exemplo da doutrina é quando a pessoa toma posse de um veículo alheio para salvar outra pessoa.
No estado de necessidade, quanto a ponderação de bens, qual a teoria adotada?
No estudo do fato necessitado, impõe-se a análise da ponderação de bens, leia-se, a proporcionalidade entre o bem protegido e o bem sacrificado. Duas teorias discutem a matéria:
(i) Teoria diferenciadora — se o bem jurídico sacrificado tiver valor menor ou igual ao do bem jurídico salvaguardado, haverá estado de necessidade justificante (excludente de ilicitude); se o bem sacrificado tiver valor maior que o bem protegido, haverá estado de necessidade exculpante (excludente da culpabilidade).
(ii) Teoria unitária —não reconhece o estado de necessidade exculpante, mas apenas o justificante (que exclui a ilicitude). Assim, se o comportamento do agente, diante de um perigo atual, busca evitar mal maior, sacrificando direito de igual ou menor valor que o protegido, pode-se invocar a descriminante do estado de necessidade; se o bem jurídico sacrificado for mais valioso que o protegido, haverá redução de pena. ADOTADA NO BR.
No julgamento do grau de importância do bem jurídico protegido em confronto com o bem jurídico sacrificado, deve ser considerado um sistema objetivo, de hierarquia de bens jurídicos em abstrato de acordo com princípios, regras e valores constitucionais, sem ignorar as circunstâncias do caso concreto, em especial, o estado de ânimo do agente.
Por fim, Francisco de Assis Toledo alerta: “havendo conflito entre deveres de igual valor, predomina a manutenção da situação preexistente. Não pode, pois, o médico, diante de dois pacientes necessitando de socorro e só dispondo de um único aparelho salvador, cessar o socorro já iniciado, em relação a um, para instalar o aparelho no que chegou por último, com sacrifício da vida do primeiro”.
Cabe estado de necessidade em crime habitual e permanente?
Rogério Sanches reputa o questionamento acerca da possibilidade de se falar em estado de necessidade diante de um crime habitual ou de um crime permanente. A conclusão a que ele chega é a de que, como a lei exige perigo atual, inevitabilidade do comportamento lesivo e não razoabilidade de sacrifício do direito ameaçado (art. 24, CP), não há como aplicar esses requisitos legais nos casos de crime permanente e crime habitual. Isso porque no crime habitual, por exemplo, o sujeito não poderia exercer a medicina irregularmente em razão de um perigo atual. Todavia, poderá, eventualmente, o indivíduo se valer de uma inexigibilidade de conduta diversa, que é uma causa excludente da culpabilidade, não havendo que se falar em estado de necessidade em crime habitual ou permanente.
O furto famélico é crime?
Entendido como o furto praticado para saciar a fome, o furto famélico tem sido reconhecido pela jurisprudência como exemplo típico de conduta praticada em estado de necessidade, desde que presentes os seguintes requisitos:
(A) que o fato seja praticado para mitigar a fome;
(B) que seja o único e derradeiro recurso do agente (inevitabilidade do comportamento lesivo);
(C) que haja a subtração de coisa capaz de diretamente contornar a emergência;
(D) a insuficiência dos recursos adquiridos pelo agente com o trabalho ou a impossibilidade de trabalhar.