Antijuridicidade/ Ilicitude Flashcards

1
Q

Admite-se a excludente de antijuridicidade do estrito cumprimento de dever legal nos crimes culposos.

Alternativas
Certo
Errado

A

Errado,

Não se admite o estrito cumprimento do dever legal em crime culposo, afinal, crimes culposos são compostos de negligência, imprudência ou imperícia. Como a lei não obriga que ninguém seja negligente, imprudente ou imperito, então fica afastada essa causa excludente da ilicitude.

3)Posso beneficiar alguém que foi negligente quando estaria no estrito cumprimento do dever legal ?

R: Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.¨

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2
Q

Quem trouxe a ideia de ilicitude para o direito penal?

A

A ilicitude foi trazida para o conceito de crime por Von Liszt, que partiu das ideias de Rudolf Von Ihering (Direito Civil). Inicialmente, Von Liszt abordava a ilicitude formal (relação de contradição entre fato e ordenamento jurídico). No causalismo neoclássico (teoria causal neoclássica ou neokantismo penal), a ilicitude passou a ser material (relação de contradição entre fato e ordenamento jurídico geradora de danosidade social), possibilitando o surgimento de excludentes supralegais, ou seja, não previstas na lei. Quando a ilicitude é formal, praticamente só é possível examinar excludentes de ilicitude previstos em lei, não se consegue fazer análise de excludente de ilicitude supralegal, como o consentimento do ofendido.

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3
Q

Pode um fato, tipicamente penal, ser classificado como lícito num âmbito do nosso ordenamento, mas ilícito no outro?

A

Andreas Eisele responde:

“A classificação é válida para todos os âmbitos do Direito, motivo pelo qual não há uma ilicitude especificamente penal ou civil, mas somente consequências jurídicas distintas, decorrentes da regulamentação do fato em cada âmbito do Direito. Ou seja, a ilicitude é uma categoria do ordenamento jurídico, considerado em sua completude, não se configurando de forma exclusiva e autônoma em um determinado âmbito regulamentar. Esta relação decorre do princípio sistemático da coerência do ordenamento jurídico, conforme o qual o Direito não pode conter antinomias, pois a contradição normativa tornaria impossível a definição dos âmbitos da licitude e ilicitude. Tal princípio impede a autonomia absoluta das diversas esferas de regulamentação jurídica e, consequentemente, evita a instauração de antinomias.

Embora não seja possível que um mesmo fato seja classificado como lícito em um âmbito do ordenamento jurídico e ilícito em outro, é possível que um determinado fato seja classificado como ilícito em algum âmbito regulamentar, porém como irrelevante (juridicamente indiferente) em outro. A irrelevância não é o mesmo que a licitude, pois a licitude produz efeitos em relação a todos os âmbitos do ordenamento jurídico, enquanto a irrelevância pode ser restrita a um âmbito desse ordenamento. Ou seja, um fato lícito manterá esta característica em todos os âmbitos de regulamentação jurídica, mas um fato irrelevante no âmbito penal pode não o ser no âmbito civil, porque a licitude {decorrente da incidência de uma norma específica) do fato aferida no âmbito penal implica a civil, mas a anomia penal (ausência de regulamentação do fato neste âmbito) não necessariamente implica. sua licitude (ou ilicitude) no âmbito civil”

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4
Q

A ilicitude será verificada a partir de um juízo negativo ou positivo? E quais teorias justificam a relação entre tipicidade e ilicitude?

A

A ilicitude será verificada a partir de um juízo negativo, pois não havendo causa excludente de ilicitude, o crime é considerado ilícito. A partir daí, é possível verificar a existência de 4 teorias que tratam sobre essa relação entre fato típico e ilicitude:

Relação entre tipicidade e ilicitude:

(A) Teoria da autonomia ou absoluta independência

Defendida por Ernst Ludwig von Beling (1906), para esta teoria a tipicidade não tem qualquer relação com a ilicitude. Primeiro se comprova o fato típico para, num segundo momento, demonstrar a ilicitude, tratando-se de substratos absolutamente independentes na construção analítica do crime.
Conclusão: fato típico não desperta juízo de valor no campo da ilicitude. Quando excluída a antijuridicidade, o fato permanece típico. Quando JOÃO mata ANTONIO, temos um fato típico, devendo ser analisada a ilicitude da conduta. Comprovada a legítima defesa, exclui-se a antijuridicidade do fato, permanecendo típico.

(B) Teoria da indiciariedade ou da “ratio cognoscendi”

Idealizada por Mayer em 1915, entende que a existência do fato típico gera uma presunção (relativa) de que é também ilícito. Não há (ao contrário da anterior) uma absoluta independência entre esses dois substratos, mas uma relativa dependência. Cabe à defesa fazer prova que o fato típico foi praticado sob o manto de uma excludente de ilicitude. É a teoria adotada pelo Direito Penal.

Obs.: Essa teoria foi mitigada com a reforma do CPP. O art. 386 do CPP passou a afirmar que se o juiz tiver fundada dúvida sobre a existência de uma excludente de ilicitude, deverá absolver o indivíduo, aplicando-se o in dubio pro reo. Sendo assim, a defesa não precisa provar categoricamente que o sujeito agiu acobertado por uma excludente de ilicitude, basta que ela produza prova suficiente e capaz de deixar alguma dúvida no magistrado. Há uma mitigação da teoria da relatividade do ônus probatório.

(C) Teoria da absoluta dependência ou “ratio essendi’

Encampada por Mezger em 1930, cria o conceito de tipo total do injusto, levando a ilicitude para o campo da tipicidade. Em outras palavras, a ilicitude é a essência da tipicidade, numa absoluta relação de dependência entre esses elementos do delito.

Conclusão: não havendo ilicitude, não há fato típico. Quando JOÃO mata ANTONIO, temos um fato típico, o qual só permanece como tal se também ilícito. Comprovada a legítima defesa, exclui-se a antijuridicidade e a tipicidade do comportamento.

(D) Teoria dos elementos negativos do tipo
Para esta teoria, o tipo penal é composto de elementos positivos (expressos) aos quais se somam elementos negativos (implícitos), quais sejam, causas excludentes de ilicitude. Para que o comportamento do agente seja típico não basta realizar os elementos positivos expressos no tipo, mas não pode configurar qualquer dos elementos negativos. O crime de homicídio deverá ser lido: “matar alguém (elemento positivo expresso), desde que não esteja presente uma excludente de ilicitude (elemento negativo implícito)”.

Conclusão: para que o fato seja típico, os elementos negativos — excludentes de ilicitude —não podem existir.

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5
Q

Quais são as descriminantes do CP? Como elas também são conhecidas?

A

Causas excludentes da ilicitude (descriminantes ou justificantes)

Essas causas estão previstas, principalmente (e não exclusivamente), na Parte Geral do Código Penal, mais precisamente no seu artigo 23, que anuncia: “não há crime quando o agente pratica o fato:

→ estado de necessidade;
→ legítima defesa;
→ estrito cumprimento do dever legal;
→ exercício regular do direito.

Não se trata de causas exaustivas, pois o próprio CP traz a hipótese de aborto justificado (art. 128, CP). Inclusive, há causas de justificação supralegais (sem previsão legal), como é o consentimento do ofendido (em se tratando de bem disponível, próprio, vítima capaz).

Explicam Juan Ferré Olivé, Miguel Nunez Paz, William Terra de Oliveira e Alexis Couto de Brito: “As razões que dão sustento às causas de justificação podem mudar constantemente, pois se trata de um momento sistemático no qual se procura dar uma solução social aos conflitos.

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6
Q

A decisão de arquivamento do inquérito policial com fundamento na exclusão da ilicitude faz coisa julgada material?

A

Segundo a redação original do art. 28 do CPP, o promotor de Justiça que decidisse pela promoção de arquivamento do inquérito policial devia submeter sua manifestação à análise do magistrado. Concordando com seus termos, o juiz homologava o arquivamento, em decisão que, em regra, não fazia coisa julgada material, ou seja, permitia que o inquérito fosse reaberto desde que surgissem novas provas, nos termos do art. 18. Caso discordasse da promoção de arquivamento, o juiz remetia os autos ao procurador-geral de Justiça, que tinha duas opções: se concordasse com o promotor de Justiça, insistia no pedido de arquivamento e, ao juiz, não restava alternativa senão a de acolher tal posicionamento. Caso o procurador-geral discordasse do pedido, ele poderia, desde logo, oferecer a denúncia (alternativa não verificada na prática), ou então designar um outro promotor para fazê-lo.

A Lei 13.964/19 (Pacote Anticrime) alterou a redação do art. 28, que atualmente anuncia: “Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará a vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei”. Em estrita obediência ao sistema acusatório, portanto, o dispositivo não mais prevê a participação do juiz no organograma da promoção de arquivamento.
Como antes da nova arquitetura do art. 28 o controle do arquivamento da investigação tinha a participação efetiva do juiz, fazia sentido discutir se a decisão formava coisa material.

Prevalecia a orientação de que se tratava apenas de coisa julgada formal, salvo quando o arquivamento se fundamentasse na atipicidade ou em causa extintiva da punibilidade, hipóteses em que a jurisprudência demandava estabilidade da decisão, leia-se, coisa julgada material. Havia também decisões que consideravam formada a coisa julgada material no arquivamento fundamentado em excludentes da ilicitude (STJ), embora o tema não fosse pacífico (STF entende que não).

Ocorre que, com a nova sistemática, sendo o controle exclusivamente ministerial, sem decisão judicial coparticipando, a discussão deve mudar o foco. Não estamos aqui fomentando uma instabilidade nas decisões do Ministério Público. O arquivamento por atipicidade ou por extinção da punibilidade (e, para os que assim se orientam, por exclusão da ilicitude) deve continuar demandando respeito absoluto. Mas não se trata mais de fundamentá-lo na coisa julgada, pois, se a denúncia exuma investigação arquivada por esses fundamentos, o que se revela é a falta pressuposto processual, objeto de rigorosa análise do juiz no momento do recebimento da inicial (art. 395 CPP) ou da absolvição sumária (art. 397 CPP).

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7
Q

Discorra sobre o estado de necessidade. Quais seus requisitos?

A

Art. 24 do CP: considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

  • Histórico: filósofo Carnéades (214-129 a.C.), autor da expressão Tábua de Carnéades. Essa Tábua é a origem da ideia do estado de necessidade: um barco naufraga, só tem uma tábua de salvação e duas pessoas. Uma ganha a disputa para ficar com a tábua e a outra acaba morrendo afogada. Trata-se de estado de necessidade, mas pode ser camuflado como erro de tipo permissivo.

Requisitos:

(A) Perigo atual
Cuida-se do risco presente, real, gerado por fato humano, comportamento de animal (não provocado pelo dono) ou fato da natureza, SEM DESTINATÁRIO CERTO. Discute-se se o perigo iminente (prestes a desencadear-se) justifica a conduta pelo estado de necessidade. Diante do silêncio da lei, a maioria da doutrina ensina que o perigo iminente não autoriza a descriminante.

Flávio Monteiro de Sarros, no entanto, não sem razão anota:
“Cumpre, porém, não confundir o perigo atual ou iminente com a iminente realização do dano. Para a configuração do estado de necessidade, basta um perigo atual ou iminente; pouco importa se o dano irá produzir-se em brevíssimo tempo ou depois de passadas algumas horas. Se, por exemplo, o navio começa a afundar, já há um perigo atual. Se o naufrágio total ocorrer em poucos minutos, haverá perigo atual com dano iminente.

(B) Perigo não causado voluntariamente pelo agente

Não pode invocar estado de necessidade aquele que provocou por sua vontade o perigo. De acordo com as lições da maioria, a expressão “voluntariamente” é indicativa somente de dolo, não abrangendo a culpa em sentido estrito. Assim, diante do perigo gerado por incêndio, o seu causador doloso não pode invocar a descriminante, mas o negligente pode.

Mirabete discorda: “Diante da norma do art. 13, 2°, ‘c’, do CP, que obriga agir para evitar o resultado aquele que, com seu comportamento anterior (ainda que culposo), criou o risco da ocorrência do resultado, forçoso concluir que se deve excluir o estado de necessidade também nos crimes comissivos quando o agente provocou culposamente o perigo”.

(C) Salvar direito próprio ou alheio

(D) Inexistência de dever legal de enfrentar o perigo.

Conforme preceitua o 1° do artigo 24 do Código Penal: “Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo”.

Parcela da doutrina entende por dever legal apenas aquele derivado de mandamento legal (art. 13, 2, “a”, do CP). Este dever legal, para a maioria da doutrina (Nucci, por ex), é um dever jurídico, e deve ser considerado em sentido amplo, não podendo alegar o estado de necessidade quem tem o dever jurídico de enfrentar o perigo, podendo, inclusive, nascer este dever de uma relação contratual. Exemplo: um salva-vidas tem o dever jurídico de tentar salvar quem está se afogando no mar. O segurança da boate não pode alegar estado de necessidade e não enfrentar uma situação de briga no estabelecimento. No caso do World Trade Center, devido aos desabamentos, os bombeiros saíram do prédio. Nesta situação, não poderiam alegar estado de necessidade em razão do dever jurídico que possuíam, porém poderiam alegar a inexigibilidade de conduta diversa, afastando-se a culpabilidade.

(E) Inevitabilidade do comportamento lesivo

(G) Conhecimento da situação de fato justificante.

Aos requisitos objetivos acima enunciados, a doutrina acrescenta um de caráter subjetivo, justamente o conhecimento da situação de fato justificante (consciência e vontade de salvar direito próprio ou alheio).

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8
Q

Se no exemplo da tábua de salvação e deu a entender que o sujeito descobriu depois que matou o amigo na disputa pela tábua, quando o dia clareou, que estava perto de uma ilha. Como o acidente foi à noite, estava escuro e eles não sabiam que estavam próximos de uma ilha e que seria possível os dois se salvarem. O amigo pode alegar o que?

A

Nesse caso, se o perigo era imaginário, não configura estado de necessidade (art. 24), mas sim erro de tipo permissivo (sobre pressuposto fático de causa de justificação, sobre pressuposto objetivo – art. 20, § 1º).

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9
Q

O estado de necessidade é faculdade ou direito?

A

Segundo Nélson Hungria, a justificante retrata uma faculdade, pois, diante do perigo, abre-se a possibilidade de ação para a preservação do bem jurídico. De acordo com o autor, não se pode ter como direito o estado de necessidade porque a um direito corresponde necessariamente uma obrigação, mas, no contexto dessa justificante, nenhum dos titulares dos bens jurídicos envolvidos está obrigado a suportar a lesão.

Aníbal Bruno, por sua vez, entende se tratar de um direito, mas exercido contra o Estado (não contra o titular do bem jurídico lesado), que está obrigado, diante da caracterização da eximente, a reconhecer a inexistência do crime.

Rogério Sanches entende que nenhuma das orientações deve ser completamente refutada, mas, antes, combinadas, pois ao mesmo tempo em que o estado de necessidade traduz uma faculdade entre os titulares dos bens jurídicos, caracteriza-se como um direito perante o Estado.

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10
Q

É possível alegar estado de necessidade em crime culposo?

A

Não pode invocar estado de necessidade aquele que provocou por sua vontade o perigo. De acordo com as lições da maioria, a expressão “voluntariamente” é indicativa somente de dolo, não abrangendo a culpa em sentido estrito. Assim, diante do perigo gerado por incêndio, o seu causador doloso não pode invocar a descriminante, mas o negligente pode.

Mirabete discorda: “Diante da norma do art. 13, 2°, ‘c’, do CP, que obriga agir para evitar o resultado aquele que, com seu comportamento anterior (ainda que culposo), criou o risco da ocorrência do resultado, forçoso concluir que se deve excluir o estado de necessidade também nos crimes comissivos quando o agente provocou culposamente o perigo”.

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11
Q

Na salvaguarda do interesse alheio é indispensável a autorização ou posterior ratificação do titular do direito ameaçado?

A

Flávio Monteiro, com precisão, responde:

“O estado de necessidade de terceiro inspira-se no princípio da solidariedade humana. Tratando-se, porém, de bens disponíveis, alguns autores sustentam a necessidade da aquiescência do titular do direito exposto a perigo de lesão. Não procede o raciocínio, pois a vontade do terceiro em perigo, como dizia La Medica, não é tomada em consideração; é substituída pela vontade do agente, juridicamente superior. Sobremais, em muitos casos não há nem tempo para pedir a concordância do terceiro”.

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12
Q

No estado de necessidade, quanto a quem sofre a ofensa, quais serão as classificações?

A

→ Estado de necessidade defensivo: quando o agente, ao agir em estado de necessidade, sacrifica bem jurídico do próprio causador do perigo;

→ Estado de necessidade agressivo: quando o sacrifício se dá em relação a bem pertencente a terceiro, que não causou a situação de perigo. Neste caso, subsiste o dever de indenizar. Na esfera cível, se a lesão se deu em face de quem gerou o perigo (e. n. defensivo), não há o dever de indenizar o indivíduo. Por outro lado, se o causador da lesão atingir o terceiro, que não causou o perigo, deverá indenizá-lo, sem prejuízo da ação de regresso contra o indivíduo causador do perigo. Sua conduta é voltada para um terceiro inocente, clássico exemplo da doutrina é quando a pessoa toma posse de um veículo alheio para salvar outra pessoa.

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13
Q

No estado de necessidade, quanto a ponderação de bens, qual a teoria adotada?

A

No estudo do fato necessitado, impõe-se a análise da ponderação de bens, leia-se, a proporcionalidade entre o bem protegido e o bem sacrificado. Duas teorias discutem a matéria:

(i) Teoria diferenciadora — se o bem jurídico sacrificado tiver valor menor ou igual ao do bem jurídico salvaguardado, haverá estado de necessidade justificante (excludente de ilicitude); se o bem sacrificado tiver valor maior que o bem protegido, haverá estado de necessidade exculpante (excludente da culpabilidade).

(ii) Teoria unitária —não reconhece o estado de necessidade exculpante, mas apenas o justificante (que exclui a ilicitude). Assim, se o comportamento do agente, diante de um perigo atual, busca evitar mal maior, sacrificando direito de igual ou menor valor que o protegido, pode-se invocar a descriminante do estado de necessidade; se o bem jurídico sacrificado for mais valioso que o protegido, haverá redução de pena. ADOTADA NO BR.

No julgamento do grau de importância do bem jurídico protegido em confronto com o bem jurídico sacrificado, deve ser considerado um sistema objetivo, de hierarquia de bens jurídicos em abstrato de acordo com princípios, regras e valores constitucionais, sem ignorar as circunstâncias do caso concreto, em especial, o estado de ânimo do agente.

Por fim, Francisco de Assis Toledo alerta: “havendo conflito entre deveres de igual valor, predomina a manutenção da situação preexistente. Não pode, pois, o médico, diante de dois pacientes necessitando de socorro e só dispondo de um único aparelho salvador, cessar o socorro já iniciado, em relação a um, para instalar o aparelho no que chegou por último, com sacrifício da vida do primeiro”.

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14
Q

Cabe estado de necessidade em crime habitual e permanente?

A

Rogério Sanches reputa o questionamento acerca da possibilidade de se falar em estado de necessidade diante de um crime habitual ou de um crime permanente. A conclusão a que ele chega é a de que, como a lei exige perigo atual, inevitabilidade do comportamento lesivo e não razoabilidade de sacrifício do direito ameaçado (art. 24, CP), não há como aplicar esses requisitos legais nos casos de crime permanente e crime habitual. Isso porque no crime habitual, por exemplo, o sujeito não poderia exercer a medicina irregularmente em razão de um perigo atual. Todavia, poderá, eventualmente, o indivíduo se valer de uma inexigibilidade de conduta diversa, que é uma causa excludente da culpabilidade, não havendo que se falar em estado de necessidade em crime habitual ou permanente.

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15
Q

O furto famélico é crime?

A

Entendido como o furto praticado para saciar a fome, o furto famélico tem sido reconhecido pela jurisprudência como exemplo típico de conduta praticada em estado de necessidade, desde que presentes os seguintes requisitos:

(A) que o fato seja praticado para mitigar a fome;

(B) que seja o único e derradeiro recurso do agente (inevitabilidade do comportamento lesivo);

(C) que haja a subtração de coisa capaz de diretamente contornar a emergência;

(D) a insuficiência dos recursos adquiridos pelo agente com o trabalho ou a impossibilidade de trabalhar.

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16
Q

É possível estado de necessidade contra estado de necessidade?

A

É perfeitamente possível duas pessoas enfrentarem o mesmo perigo. Nesse cenário, não se exige do titular do bem em risco o dever de permitir o sacrifício ao seu direito quando diante da mesma situação de perigo do outro. É o denominado estado de necessidade recíproco, exemplificado pela doutrina com o caso dos dois náufragos que disputam o único salva-vidas. O interesse dos dois parece claramente legítimo, ficando o direito penal, nas circunstâncias, neutro.

17
Q

O estado de necessidade é comunicável?

A

Considerando que o estado de necessidade exclui a ilicitude, se o fato típico for cometido por mais de um agente em coautoria ou participação, todos serão beneficiados pela excludente.

18
Q

É possível estado de necessidade e erro na execução?

A

É possível que o agente, no momento em que pratica o fato para salvar de perigo direito próprio ou alheio, acabe atingindo, por erro na execução, bem jurídico de terceiro. Neste caso, aplicando-se o disposto no art. 73 do Código Penal, considera-se cometido o fato contra a pessoa ou o objeto pretendido, não contra aquele efetivamente atingido em decorrência do erro. Considerando que, em relação ao que visava, o agente estava acobertado pela justificante, não há crime.

Exemplo comum na doutrina é o do agente que, pretendendo efetuar disparos de arma de fogo contra um cão raivoso que o atacava, acaba atingindo uma pessoa que se encontrava nas imediações.

19
Q

Discorra sobre a legitima defesa.

A

Quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem, justifica a sua conduta pela legítima defesa, segundo preceitua o artigo 25 do Código Penal.
Nucci, lembrando Jescheck, explica os fundamentos da descriminante:

“A legítima defesa tem dois ângulos distintos, mas que trabalham conjuntamente:

a) no prisma jurídico individual, é o direito que todo homem possui de defender seus bens juridicamente tutelados. Deve ser exercida no contexto individual, não sendo cabível invocá-la para a defesa de interesses coletivos, como a ordem pública ou o ordenamento jurídico;

b) no prisma jurídico-social, é justamente o preceito de que o ordenamento jurídico não deve ceder ao injusto, daí por que a legítima defesa manifesta-se somente quando for essencialmente necessária, devendo cessar no momento em que desaparecer o interesse de afirmação do direito ou, ainda, em caso de manifesta desproporção entre os bens em conflito. É desse contexto que se extrai o princípio de que a legítima defesa merece ser exercida da forma menos lesiva possível”

Injusta é a agressão contrária ao direito, não necessariamente típica. O “furto de uso”, por exemplo, atípico por ausência de dolo (vontade de apoderamento definitivo da coisa) pode ser rebatido, com moderação, pelo dono da coisa ameaçada ou atacada injustamente. Uma vez constatada a injusta agressão, o agredido pode rebatê-la, não se lhe exigindo a fuga do local, ainda que esta seja viável. Pode-se concluir que o “commodus discessus” (saída mais cômoda) é obrigação presente apenas no estado de necessidade, em que a inevitabilidade do dano é um dos requisitos objetivos.

(C) Uso moderado dos meios necessários

O legislador, com o presente requisito, quer assegurar proporcionalidade entre o ataque e a defesa. Para repelir a injusta agressão (ataque), deve o agredido usar de forma moderada o meio necessário que servirá na sua defesa (contra-ataque). Entende-se como necessário o meio menos lesivo à disposição do agredido no momento da agressão, porém capaz de repelir o ataque com eficiência. Encontrado o meio necessário, deve ser ele utilizado de forma moderada, sem excessos, o suficiente para impedir a continuidade da ofensa.

É óbvio que o magistrado deverá julgar esse requisito objetivamente, sem desconsiderar as condições de fato, do caso concreto.

(E) Conhecimento da situação de fato justificante

Deve o agente conhecer as circunstâncias do fato justificante, demonstrando ter ciência de que está agindo diante de um ataque atual ou iminente (requisito subjetivo).

20
Q

A injusta agressão da legítima defesa pode ser culposa?

A

Entende-se por agressão a conduta (ação ou omissão) humana que ataca ou coloca em perigo bens jurídicos de alguém”. Para Luiz Flávio Gomes e Antonio Molina, esse ataque pode ser doloso ou culposo.

Rogério Sanches discorda, esclarecendo que a agressão, para caracterizar legítima defesa, deve ser dirigida, com destinatário certo, pois, do contrário, caracteriza perigo atual (sem destinatário determinado), permitindo, conforme as circunstâncias, a descriminante do estado de necessidade. Logo, se diante de um carro desgovernado, o pedestre, para salvar a sua vida, sacrifica bem jurídico de terceiro, agiu em estado de necessidade (e não legítima defesa).

21
Q

O que é a legítima defesa postergada?

A

Se o sujeito acabou de ser roubado, porém, quando o ladrão vai fugir, a vítima vai atrás dele e reage, empurrando o agente e conseguindo o bem de volta. Neste caso, a vítima agrediu o agente em momento posterior, quando a agressão já não era mais iminente e nem mesmo atual. A partir dessa situação, deve-se fazer uma leitura elástica do termo atual. Entende-se que se esta reação, logo depois da ocorrência do ilícito, é atual: o sujeito ainda age em legítima defesa, pois ele ataca logo em seguida. Esta é a decisão mais justa, porém é necessário que seja logo após a agressão injusta.

E, num cenário ainda mais excêntrico, podemos concluir que o roubador, diante da agressão injusta cometida pela vítima da subtração, teria a situação revertida a seu favor para se beneficiar da legítima defesa. Esta seria a solução se aplicada a literalidade do art. 25 do Código Penal. Não obstante, trata-se, obviamente, de clara falta de equidade, em que a incidência de tecnicidade acarreta a punição de alguém que videntemente está agindo para proteger bem jurídico de sua titularidade e que não tem, no fervor do momento, condição de avaliar a exata extensão da conduta criminosa contra si praticada.

22
Q

É possível a legítima defesa no crime de rixa?

A

Sanches:

Entre os praticantes do crime, todavia, não há, em regra, possibilidade de legítima defesa porque as agressões cometidas naquele contexto —uns contra os outros — são todas injustas. Logo, aquele que pratica uma agressão injusta não pode se defender de outra agressão injusta. Não obstante, é possível que, em dado contexto, um dos contendores extrapole os limites e passe a atuar de modo que destoe do ânimo conflitivo dos demais, o que altera a perspectiva da injustiça da agressão, que, se antes era generalizada, agora se concentra na conduta que se extrapolou. Assim, se todos se agridem mutuamente de mãos limpas, mas, a certa altura, um dos rixosos se apossa de uma arma de fogo, torna-se possível a legítima defesa contra aquele que a está utilizando.

23
Q

Na legítima defesa, o que seria o uso moderado dos meios necessários ?

A

(C) Uso moderado dos meios necessários

O legislador, com o presente requisito, quer assegurar proporcionalidade entre o ataque e a defesa. Para repelir a injusta agressão (ataque), deve o agredido usar de forma moderada o meio necessário que servirá na sua defesa (contra-ataque). Entende-se como necessário o meio menos lesivo à disposição do agredido no momento da agressão, porém capaz de repelir o ataque com eficiência. Encontrado o meio necessário, deve ser ele utilizado de forma moderada, sem excessos, o suficiente para impedir a continuidade da ofensa.

É óbvio que o magistrado deverá julgar esse requisito objetivamente, sem desconsiderar as condições de fato, do caso concreto.

Sobre o tema, Nélson Hungria, há muito, já orientava:

“A apreciação deve ser feita objetivamente, mas sempre de caso em caso, segundo um critério de relatividade, ou um cálculo aproximativo; não se trata de pesagem em balança de farmácia, mas de uma aferição ajustada às condições de fato do caso vertente; não se pode exigir uma perfeita equação entre o quantum da reação e a intensidade da agressão”

Em que pese a doutrina, quase sempre, na aferição do presente requisito, usar balizas objetivas, não se pode ignorar também peculiaridades subjetivas do agente e do agressor. O estado de ânimo, porte físico, nível de instrução, os hábitos e modo de vida dos envolvidos, por exemplo, podem influenciar na formação de um juízo de equidade. Nesse mesmo sentido, explica Andreas Eisele:

“Para tanto, devem ser ponderadas as circunstâncias concretas do fato e as características pessoais dos sujeitos, pois não existe um referencial objetivo predeterminado que defina o grau de moderação exigível do sujeito para a realização do comportamento justificado.

Não obstante, o que define a necessidade e a moderação não é a opinião do sujeito que realiza o fato típico, mas a análise e valoração da situação pelo intérprete. Caso a avaliação do sujeito sobre a necessidade ou a moderação seja equivocada, a conduta não será justificada. Porém, tal equívoco será aferido no âmbito da culpabilidade, devido à possibilidade de configuração da diminuição da reprovabilidade correspondente ao fato,

24
Q

É possível injusta agressão por omissão?

A

Há na doutrina quem sustente que o ato de repelir a injusta agressão pode ocorrer por omissão. É o que salienta Fernando de Almeida Pedroso:

“A repulsa à agressão sofrida, como meio de conjurá-la, pode tonalizar-se por omissão. É o caso de duas pessoas que estão em um iate em alto-mar: o agente, fraco e magro, é agredido pelo seu companheiro de viagem, forte e musculoso — começam a lutar e o agressor, que não sabia nadar, cai n’água; o agente não o salva, omitindo-se, e o deixa afogar-se. Igual: o guia de safári que, ouvindo às espreitas daqueles que o contrataram sua iminente sentença de morte, para que lhe fossem subtraídos os pertences, abandona-os à própria sorte em inóspito e para eles desconhecido pantanal e selva africanos”’

25
Q

É possível legítima defesa recíproca?

A

Pressupondo agressão injusta, não é possível duas pessoas, simultaneamente, agirem, uma contra a outra, na legítima defesa de seu interesse. Porém se mostra, possível legítima defesa sucessiva, caso em que o agressor se vê obrigado a se defender do excesso (abuso) dos meios defensivos utilizados pelo agredido. A doutrina, não sem razão, admite legítima defesa de legítima defesa putativa. Por ser injusta, a legítima defesa putativa pode ser contida por quem se vê atacado por alguém que fantasiou situação de fato que não existe. Dentro deste espírito, também não se descarta a possibilidade de ocorrer legítima defesa putativa recíproca.

26
Q

Admite-se legítima defesa contra quem age em estado de necessidade?

A

A conduta praticada numa situação de necessidade não pode ser rotulada como injusta, mas como perigo atual.

E assim como ocorre com o estado de necessidade, a legítima defesa não é compatível com o estrito cumprimento de um dever legal nem com o exercício regular de um direito, pois, em ambos os casos, se a ação é lícita, não pode ser injusta de forma a admitir que o agente a repila.

27
Q

O particular pode invocar a descriminante do estrito cumprimento do dever legal?

A

A doutrina diverge. Mirabete entende ser exclusiva dos agentes do Estado (abrangendo o particular somente quando no exercício de função pública)’’. A maioria, no entanto, discorda. Flávio Monteiro de Barros, por exemplo, lembra que:

“O advogado processado pelo delito de falso testemunho, porque se recusou a depor sobre fatos envolvendo segredo profissional, pode invocar a justificativa do estrito cumprimento do dever legal. Se, porém, o cliente havia autorizado a revelação do segredo, o advogado que, mesmo assim, recusa-se a depor pode invocar a excludente do exercício regular de direito”.

Por fim, o agente deve ter conhecimento (aspecto subjetivo) de que está praticando a conduta em face de um dever imposto pela lei.

28
Q

O que é o ofendículo? É exercício regular de um direito ou legítima defesa?

A

Ofendículo (também conhecido como offendicula ou offensacula) representa o aparato preordenado para defesa do patrimônio (exs: cacos de vidro no muro, ponta de lança na amurada, corrente elétrica etc.).

De acordo com a lição da maioria, explica Fernando de Almeida Pedroso: “Crível é que o aparato preordenado, enquanto não funciona, inscreve-se no exercício regular de um direito. Todavia, se o ofendiculum vem a funcionar, sua atuação não implica o exercício regular de direito, mas sim em legítima defesa”’.

3.4. Exercício regular de um direito

Previsto no artigo 23, III, 2ª parte, do CP, concretiza a máxima: “onde existe o direito não há crime”. Esta causa de justificação compreende condutas do cidadão comum autorizadas pela existência de direito definido em lei e condicionadas à regularidade do exercício desse direito.

A execução de prisão em flagrante permitida a qualquer um do povo (art. 301 do CPP) é um claro exemplo de exercício regular de direito. O Estado, não podendo estar presente para impedir a ofensa a um bem jurídico ou recompor a ordem pública, incentiva o cidadão a atuar em seu lugar.

Age no exercício regular de direito o possuidor de boa-fé que retém coisa alheia para ressarcir-se das benfeitorias necessárias e úteis não pagas (art. 1219 do Código Civil), bem como os pais que castigam (moderadamente) os filhos como meio de dirigir-lhes a criação e educação (art. 1634, I, do Código Civil). São requisitos desta justificante: a proporcionalidade, a indispensabilidade e o conhecimento do agente de que atua concretizando seu direito previsto em lei.

29
Q

Como funciona o consentimento do ofendido?

A

Sua relevância depende se o dissentimento é ou não elementar do crime: se elementar, o consentimento exclui a tipicidade; não sendo elementar, pode servir como causa extralegal de justificação.

Na violação de domicílio (art. 150 do CP), por exemplo, o crime está estruturado precisamente no dissentimento do proprietário ou do possuidor direto (elemento do tipo) pelo que a sua falta faz desaparecer a própria tipicidade. Já no furto (art. 155 do CP), não há referência ao não consentimento do proprietário, cuidando-se de circunstância exterior ao tipo legal. O consentimento do ofendido, renunciando a proteção legal, pode justificar a conduta típica.

(B) O ofendido tem que ser capaz. Sobre ela, adverte Paulo Queiroz:
“Como regra, não podem consentir validamente os menores de 18 anos, nem incapazes de um modo geral (portador de doença mental etc.), motivo pelo qual, se o fizerem, o consentimento será inválido.

(D) O bem deve ser disponível

Não se admite o consentimento quando ele versa sobre bem jurídico indisponível. Com efeito, sobre estes bens incide o interesse do Estado na sua tutela, de modo que não pode o particular renunciar à sua proteção. É o que ocorre com o direito à vida, vg., insuscetível de renúncia por parte do seu titular imediato, ainda que em situaçâo de eutanásia, punida pelo nosso ordenamento (embora incida, na espécie, causa de diminuiçâo de pena, vide art. 121,1, CP).

(F) O consentimento deve ser prévio ou simultâneo à lesão ao bem jurídico

O consentimento posterior à lesão do bem jurídico não exclui a ilicitude, podendo, entretanto, gerar reflexos no campo da punibilidade. É o que adverte Damásio de Jesus: “O consentimento deve ser manifestado antes ou durante a prática do fato. Se posterior, não tem força de excluir o crime, podendo valer como renúncia ou perdão nos casos de ação penal privada.

30
Q

A integridade física é bem jurídico disponível?

A

A doutrina moderna vislumbra na integridade física um bem jurídico disponível, exigindo, contudo, duas condições:

→ tratar-se de lesão corporal de natureza leve;
→ que o consentimento não contrarie a moral e os bons costumes.

Esse entendimento doutrinário foi reforçado pela Lei n⁰ 9.099/95, que estabeleceu, nos casos de lesão leve, a ação penal pública condicionada à representação, exigindo a manifestação da vítima para o início da persecução criminal.

31
Q

É possível o consentimento do ofendido nos crimes culposos?

A

Nada impede a incidência da causa supralegal justificante nos delitos culposos, pois é perfeitamente possível que a vítima aceite a conduta descuidada do agente e seja por esta atingida. Imagine-se a situação do condutor de uma motocicleta que pratica manobras imprudentes, arriscando a integridade física do passageiro, que, não obstante, estava no veículo justamente para que o condutor lhe demonstrasse tais manobras. Neste caso, se houver lesão corporal no passageiro, pode-se invocar o consentimento do ofendido para afastar a ilicitude da conduta.

32
Q

O que a teoria do ticking bomb scenario?

A

Inicialmente, cabe-nos sucintamente definir a Ticking Bomb Scenario Theory (Teoria do Cenário da Bomba-Relógio) como a situação extrema e emergencial na qual um agente estatal, com o propósito de obter informações específicas e essenciais, tortura suspeitos de conhecer ou integrar planos de ataques terroristas iminentes —que, portanto, expôem a perigo a vida de um grande número de pessoas —,afim de que se possa prevenir a ocorrência de tais ataques. O tema tem gerado debates diante dos efeitos que a aplicação dessa técnica provoca no âmbito dos direitos e das garantias fundamentais, já que a imposição de métodos de tortura contraria —independentemente da gravidade do crime e da qualidade do criminoso — todo o sistema de proteção humana em que se ancora não só o direito interno dos países democráticos como também o direito internacional do qual estes países costumam ser signatários.

Há quem sustente ser admissível o emprego de tortura para impedir um ato terrorista iminente sob o argumento de que, no âmbito dos direitos e garantias fundamentais, nada pode ser mais importante do que a vida.

Perigo atual é o presente, que ocorre no momento em que o agente pratica o ato de salvaguarda. E, dadas as circunstâncias em que a tortura se aplicaria, isto é, para impedir um ato terrorista iminente, não nos parece adequado fazer referência ao estado de necessidade.
Não fosse bastante o fato de representar um perigo iminente — e não atual —, o ataque terrorista prestes a acontecer é normalmente provocado por uma agressão injusta de outra pessoa, o que nos conduziria em direção à legítima defesa. Há ainda o fato de que o estado de necessidade se baseia na inevitabilidade do mal a ser causado para a preservação de direito próprio ou alheio, o que, conjugado com a iminência — e não atualidade — do perigo impõe a seguinte questão: a tortura é realmente o único meio capaz de obter a informaçâo e impedir o ataque terrorista?

Há os que sustentam se tratar de um caso de legítima defesa de terceiro, baseando-se em uma regra de caducidade.

33
Q

As descriminantes putativas retratam qual espécie de erro?

A

Causas excludentes da ilicitude fantasiadas pelo agente. Equivocado, supõe, nas circunstâncias, que existe uma descriminante, ou que age nos limites de uma, ou, ainda, também iludido, supõe presentes os pressupostos fáticos da justificante. Estamos diante de um erro.

A resposta pressupõe que o intérprete perceba que existem duas formas de fantasiar uma descriminante:

(A) Na primeira, o agente supõe agir sob o manto de uma justificante em razão de erro quanto à sua existência ou seus limites. Apesar de conhecer a situação de fato, ignora a ilicitude do comportamento.

Exemplo: suponhamos que JOÃO, ao ser agredido com um soco no rosto, acredita estar autorizado a revidar com um tiro. JOÃO conhece, perfeitamente, a situação fática (foi agredido com um soco), mas ignora a ilicitude da sua reação (desconhece os limites que devem estar presentes para configurar a legítima defesa). Este erro deve ser equiparado ao erro de proibição (erro de proibição indireto ou erro de permissão), sofrendo os consectários previstos no art. 21 do CP (se inevitável o erro, exclui a culpabilidade; se evitável, diminui a pena).

(B) Na segunda (prevista no art. 20, 1°, do CP), o agente engana-se quanto aos pressupostos fáticos do evento. Supõe estar diante de uma situação de fato que, na realidade, não existe.

Exemplo: JOÃO, durante a madrugada, se depara num beco com seu desafeto colocando a mão no bolso traseiro da calça. Essa cena o faz pensar que será vítima de injusta agressão, obrigando-o a armar-se primeiro e atirar contra o iminente agressor. Depois de atirar para matar, percebe que seu desafeto tirava do bolso um celular. JOÃO fantasiou situação de fato (iminência de injusta agressão) que jamais existiu. O equívoco do agente, nesse caso, deve ser tratado como erro de tipo (erro de tipo permissivo) ou erro de proibição (erro de permissão)?

De acordo com a teoria extremada (ou estrita) da culpabilidade, o erro sobre os pressupostos fáticos das causas de justificação deve ser tratado como erro de proibição (indireto ou erro de permissão). Justifica-se que o art. 20, 1°, do CP, em se tratando de erro inevitável, não exclui dolo ou culpa (como exige o erro de tipo), mas isenta o agente de pena (como manda o erro de proibição). Elimina, nessa hipótese (erro escusável), a culpabilidade do sujeito que sabe exatamente o que faz (no nosso exemplo, “matar alguém”).

Já para a teoria limitada da culpabilidade, que prevalece, a descriminante putativa sobre pressupostos da situação fática tem a mesma natureza do erro de tipo (art. 20 do CP). Se inevitável, além do dolo, exclui a culpa (isentando o agente de pena); se evitável, exclui o dolo, mas não isenta o agente de pena, subsistindo o crime culposo quando previsto em lei (culpa imprópria).