S2 - Alvos moleculares dos fármacos (terminado) Flashcards
Em termos farmacodinâmicos, a ação de um fármaco depende do alvo em que este atua, sendo que
podemos dividir os alvos moleculares dos fármacos em quatro grandes grupos:
Recetores GPCR
Canais iónicos
Enzimas
Transportadores
Recetores acoplados à proteína G (GPCR)
Conhecem-se, neste momento, mais de 800 GPCRs em humanos, sendo esta a maior família de
recetores da superfície celular. É esta a família de recetores responsável pela atividade nervosa,
secreção de muitas das glândulas do nosso organismo e pela taxa e intensidade de contração do
músculo cardíaco. Está também muito associada aos sentidos da visão, paladar e olfato
Exemplos de GPCR
Recetores colinérgicos muscarínicos - ligando é a ACh - efetores são Gi e Gq; AC, canais iónicos, PLC - fármaco é a atropina
Recetores eicosanóides - ligandos são prostaglandinas, leucotrienos, tromboxanos - efetores são Gs, Gi e Gq - fármacos são misoprostol e montelukast
Recetores da trombina (PAR) - ligandos são recetores peptídicos - efetores são GEFs
GPCR são capazes de interagir com…
Uma grande variabilidade de entidades biológicas como fotões, neurotransmissores, hormonas e substâncias proteicas
Estrutura dos GPCR
7 domínios alfa-hélice transmembranares, com o C-terminal voltado
para o interior da célula e o N-terminal para o exterior
Estes recetores estão associados a uma proteína G, que é um heterotrímero com subunidades α, β e γ, sendo que tem 4 subclasses
distintas consoante a estrutura e sequência da sua subunidade α - Gα (s), Gα (i), Gα(q) e Gα(12/13)
4 famílias de GPCR consoante a sua capacidade de ligação a agonistas endógenos
Semelhantes à Rodopsina - maior família (mais de 80% dos GPCR humanos), com grande
diversidade de ligandos: hormonas, peptídeos, fotões, odorantes
Semelhantes à Secretina - porção N-terminal extensa; ligandos: péptidos e hormonas
Recetores Metabotrópicos de Glutamato - ligação preferencial a feromonas, aminoácidos e
cálcio
Recetores Atípicos - incluem os recetores Frizzled (ligam-se a lipoglicoproteínas da família
Wnt) e GPCR de adesão com domínios de caderinas e integrinas (interação com componentes da
matriz extracelular, como o colagénio)
As cascatas de sinalização intracelulares dependem…
Das propriedades intrínsecas da subunidade α presente na proteína G e com a
atividade GTPase intrínseca e capacidade de interação com proteínas efetoras da proteína G em
questão
Ciclo da transdução por recetores acoplados a proteínas G
1) Ativação pelo ligando
2) Interação da proteína G inativa, ligada ao GDP, com o complexo recetor-ligando que promove
mudança de conformação facilitando troca de GDP por GTP (GPCR ativado atua como uma GEF)
3) A proteína G ativada, ligada ao GTP, dissocia-se do recetor e os complexos α-GTP e βγ separamse, cada um interagindo com proteínas efetoras no plano da membrana
4) A subunidade α hidrolisa GTP em GDP, dissocia-se das proteínas efetoras e volta a ligar-se ao complexo βγ, que estabiliza a ligação do GDP à subunidade α e impede a transdução de sinal na ausência de estímulo
O complexo beta-gama é …
Uma proteína efetora que interage com as proteínas G
Permite o recrutamento de cínases (GRKs) que fosforilam o recetor ativado, aumentando a afinidade deste
para a proteína β-arrestina, que promove a dissociação do ligando e estabiliza o recetor inativo
Este mecanismo é um exemplo de dessensibilização de recetores. É importante, por exemplo, na
sinalização β-adrenérgica. Os recetores fosforilados são, posteriormente, endocitados e
reintegrados na membrana (resensibilização)
Tipos de proteínas G
A Gs estímula a actividade da adenilcíclase o que leva ao aumento do AMPc (mensageiro secundário)
enquanto a Gi inibe algumas isoformas da adenilcíclase. A subunidade α Gq ativa a fosfolípase C, que
cliva o PIP2 (Fosfatidilinositol Difosfato) em IP3 (Trifosfato de Inositol) e DAG (Diacilglicerol). A G12/13
ativa GEFs (fatores de troca de nucleotídeos de guanina) que ativam a Rodopsina envolvida em
mecanismos de transdução de sinal importantes para a visão
O dímero beta-gama…
Que está presente em todos os GPCRs, ativa canais de potássio, inibe canais de cálcio
regulados por voltagem e ativa cínases como, por exemplo, a PI3K
As via de sinalização iniciadas pelas proteínas G…
(vias de sinalização fisiologicamente mais
importantes: Via da Cíclase do Adenilato e Via da Fosfolípase C) são de tal modo essenciais a
processos biológicos e patológicos que a indústria farmacêutica utiliza essa ubiquidade na
formulação de agentes terapêuticos com os mais diversos efeitos e aplicações (agentes com ligação
ortoestérica, alostérica ou biotópica aos GPCR, com diferenças ao nível da seletividade e afinidade)
A ubiquidade de distribuição dos GPCR no organismo…
Torna difícil a seletividade de
ativação de uma via de sinalização em detrimento de outra ou de ativação de vias de sinalização em
órgãos e tecidos específicos, pelo que, atualmente, a indústria farmacêutica trabalha no sentido de
aumentar a eficácia dos fármacos e diminuir a ocorrência de efeitos não desejáveis
Com esse intuito, torna-se relevante verificar a taxa e magnitude de ativação de determinadas vias
de sinalização, objetivo esse que pode ser cumprido através da quantificação do AMPc (2º
Mensageiro central em muitas das vias associadas às proteínas G). Nesta quantificação podem ser
utilizados percursores marcados radioactivamente, técnicas baseadas na competição entre o AMPc
celular e o AMPc marcado radioactivamente, complementaridade enzimática e quantificação de
genes que respondem à ação do AMPc
Salbutamol (albuterol)
Um dos fármacos que atua neste tipo de recetores é o salbutamol
(albuterol), um agonista β2-adrenérgico seletivo de curta duração
Este fármaco é administrado por inalação para alívio do broncospasmo (no tratamento da asma, por exemplo), pois ativa os recetores β2 presentes no músculo liso das vias respiratórias que, através da via da proteína Gs-adenilcíclaseAMPc-PKA, resulta no relaxamento do músculo liso com consequente broncodilatação. A afinidade preferencial pelos recetores β2 em comparação com os recetores β1 presentes no miocárdio é uma das estratégias para evitar efeitos adversos, mas esta seletividade não é absoluta e desaparece com a administração de concentrações demasiado elevada de fármaco
Efeitos adversos de agonistas beta-2
Tremor muscular (efeito direto nos recetores beta 2 do músculo esquelético)
Taquicardia (efeito direto nos recetores beta2 auriculares, efeito reflexo da vasodilatação periférica aumentada através de recetores beta-2)
Hipocalémia (efeito direto beta2 no uptake de K+ do músculo esquelético)
Inquietação
Hipoxemia (aumento do mismatch V/Q devido à reversão da vasoconstrição pulmonar hipóxica)
Isoproterenol (isoprenalina)
O isoproterenol, em comparação com o salbutamol, é um potente
agonista β-adrenérgico não-seletivo pelo que tem elevada afinidade para recetores β1 e β2. A
infusão intravenosa deste fármaco reduz a resistência vascular periférica, que provoca a diminuição
da pressão arterial média, e tem um efeito inotrópico e cronotrópico positivo pelo que aumenta o
débito cardíaco. Isto resulta em efeitos adversos como, por exemplo, palpitações, taquicardia
sinusal e arritmias graves, pelo que o seu uso em distúrbios como a asma e choque foi substituído
por fármacos simpaticomiméticos com efeitos mais seletivos sobre as vias aéreas. Apenas é útil em
situações de emergência para estimular a frequência cardíaca em doentes em paragem cardíaca,
por exemplo
Atropina
A atropina é um alcalóide natural usado na terapêutica por ser um antagonista
competitivo dos recetores muscarínicos sem seletividade (igual afinidade para os recetores M1 a
M5). Assim, impede o efeito da acetilcolina ao bloquear a sua ligação aos recetores colinérgicos
muscarínicos presentes no músculo liso, músculo cardíaco, glândulas, gânglios periféricos e sistema
nervoso central (pouco efeito no SNC em doses terapêuticas devido à barreira hematoencefálica).
No entanto, os efeitos da atropina dependem da dose administrada devido às diferenças na
sensibilidade dos recetores das sinapses parassimpáticas pós-ganglionares nos diferentes órgãos.
Pequenas doses de atropina diminuem a secreção salivar, brônquica e sudorípara. Com doses mais
elevadas, a atropina leva à dilatação da pupila, inibição da acomodação e elevação da frequência
cardíaca
Efeitos da atropina na relação com a dose
0.5mg - ligeiro abrandamento do coração
1 mg - aceleração do coração
2 mg - rápida frequência cardíaca
Com doses de aproximadamente 5 mg, o controlo parassimpático da bexiga e trato gastrointestinal
é inibido originando dificuldade na micção e diminuição da motilidade intestinal.
Com doses superiores a 10 mg, todos os efeitos mencionados anteriores são exacerbados e a
atropina já afeta o SNC, podendo mesmo levar ao coma.
Especificamente no sistema cardiovascular, a atropina em pequenas doses (doses clínicas habituais:
0,4 a 0,6 mg) diminui a frequência cardíaca
temporariamente, o que se deve ao bloqueio
dos receptores M1 (que atuam via proteína
Gq) dos neurónios parassimpáticos pósganglionares do nó sinusal que quando ativos
inibem a libertação de acetilcolina. Com
doses maiores, a atropina bloqueia os efeitos
vagais nos receptores M2 do nó sinusal (que
atuam via Gi) o que leva a taquicardia (pelo
aumento do AMPc).
Doses adequadas são geralmente usadas
para suprimir reflexos vagais de lentificação
cardíaca, suprimir assistolia, facilitar a
condução auriculoventricular e melhorar o
estado clínico de doentes no início de um
enfarte do miocárdio
Canais iónicos
Os canais iónicos estão presentes e distribuídos na membrana plasmática de diferentes tipos de
células no nosso organismo. Apresentam na sua constituição proteínas multiméricas, gerando
conformações e arranjos distintos entre elas. Existem diferentes tipos de canais iónicos, podendo
estes ser classificados quanto ao seu “gating system” como canais dependentes da voltagem ou
canais dependentes do ligando
- Canais de Na+ dependentes da voltagem
- Canais de Ca2+ dependentes da voltagem
- Recetores de GABAA (dependentes do ligando)
Canais de Na+ dependentes da voltagem
Os Canais de Na+ Dependentes da Voltagem são ativados pela despolarização da membrana e são
inativados após 1-2 milissegundos. São estes os responsáveis por iniciar os potenciais de ação em
células nervosas, musculares e outras células excitáveis. São codificados por 10 genes e possuem 3
estados de atividade: repouso, ativo e inativo
Estruturalmente, são constituídos por uma subunidade α - composta por quatro domínios - e por
uma ou duas subunidades β
Canais de Na+ dependentes da voltagem - estrutura
Cada domínio da subunidade α é constituída por 6 segmentos: os segmentos S1-S4 constituem a
zona de deteção de voltagem, enquanto os segmentos S5-S6 e Loop P constituem o poro. Entre os
domínios III e IV da subunidade α existe um loop intracelular que consiste numa zona de rápida
inativação do canal. Notar ainda que os aminoácidos dos segmentos α-helicoidais entre S5 e S6
apresentam seletividade iónica, constituindo uma zona de ligação da tetrodotoxina
São bloqueadores que impedem a iniciação e propagação do potencial de ação, nos canais de Na+ dependentes da voltagem…
Anestésicos locais: tetrocaína, lidocaína
Antiepiléticos: difenilhidantoína, carbamazepina, lamotrigina
Antiarrítmicos: quinidina, procainamida, lidocaína, flecainida
(No entanto, estes fármacos não têm uma ação seletiva, podendo resultar no aparecimento de
efeitos adversos em múltiplos tecidos (perda sensorial completa, coma, paragem cardíaca)
Modulated Receptor Hypothesis
Os fármacos usados como bloqueadores
têm uma ação dependente da frequência de despolarização e da voltagem das células. Estes ligamse mais rapidamente quando o canal está aberto durante um potencial de ação e ligam-se com
maior afinidade a canais inativados. Sendo assim, vão ter como alvos preferenciais células saudáveis
com alta frequência de disparos e células lesadas em despolarização constante. Inibem, portanto, a
geração de potenciais de ação preferencialmente nestas células, responsáveis, entre outros, pela
dor, arritmias e epilepsia, ao invés de atuarem sobre células com normal funcionamento. São, assim,
fármacos usados no tratamento destas patologias. No entanto, nestes fármacos, verifica-se falta de
seletividade e perigo de sobredosagem
Canais de Ca2+ dependentes da voltagem
Os Canais de Ca2+ Dependentes da Voltagem são ativados pela despolarização da membrana e
estão envolvidos em várias vias de sinalização, secreção, contração, neurotransmissão, transcrição
de genes, etc. Estes derivam do mesmo ancestral comum dos canais de Na+ dependentes de
voltagem, pelo que se verifica uma homologia estrutural: subunidade α com 4 domínios homólogos,
cada um com 6 segmentos transmembranares (Segmentos S1-S4: zona de deteção de voltagem e
Segmentos S5-S6: poro). Para além da subunidade α, temos como subunidades auxiliares as
seguintes: β, γ e α2δ
Canais de Ca2+ Dependentes da Voltagem - subunidade beta
A subunidade β é uma proteína intracelular que medeia a modulação do canal de cálcio, a
subunidade Ὑ é uma glicoproteína com 4 segmentos transmembranares e a subunidade α2δ
consiste numa proteína α2 extracelular N-glicosilada ligada a uma proteína transmembranar δ. A
subunidade a2δ vai permitir a ligação de ligandos e subsequente modulação destes canais, através
da ação de fármacos como a gabapentina e pregabalina. As suas modulações constituem uma
intervenção terapêutica em patologias como epilepsia e dor neuropática, através da inibição da
entrada do Ca2+ essencial para a exocitose e da modelação da interação entre os canais de cálcio e
a calmodulina, respetivamente. Uma vez inibidos, ocorre uma diminuição da libertação de diversos
neurotransmissores no SNC e uma atenuação da anormal hiperexcitabilidade
Dentro dos canais de Ca2+ dependentes da voltagem são definidas diferentes famílias…
Cav1 (tipo L) - Cav1.1, Cav1.2, Cav1.3, Cav1.4
Cav2
Cav3 (tipo T)
Família Cav1/ Tipo L
Caraterizada pela sua ativação “long-lasting” com correntes de alta voltagem
Possível fazer uma divisão em subfamílias
Cav1.1
Presente no músculo esquelético; interação com RyRs com consequente contração muscular; corrente de ativação lenta e de pequena amplitude; pouco sensível a bloqueadores (CCBs)
Cav1.2 e Cav1.3
Presentes no coração, cérebro, células endócrinas; frequentemente coexistem na maioria das células excitáveis; respostas semelhantes a CCBs; no coração, os Cav1.2 encontramse nos cardiomiócitos enquanto os Cav1.3 encontram-se nos nós sinusal e auriculoventricular; no cérebro, a proporção Cav1.2/Cav1.3 é de 9/1; importantes no sistema endócrino (insulina) e na audição (Cav1.3)