Transmissão das obrigações: cessão de créditos; sub-rogação; assunção de dívida e cessão da posição contratual Flashcards
Noção e modalidades:
A transmissão de direitos e obrigações pode ocorrer:
I. Entre vivos
II. Mortis causa.
A transmissão mortis causa pertence ao domínio das sucessões (2024.º e seguintes).
Entre vivos pode ocorrer a transmissão, a título singular ou particular, de créditos e de dívidas.
Como? O Código Civil prevê que a transmissão de créditos se opere mediante:
I. Cessão (577.º a 588.º); ou
II. Sub-rogação (589.º a 594.º).
III. E admite, igualmente, a transmissão singular de dívidas através da figura da assunção de dívida (595.º a 600.º).
Fenómeno jurídico diverso é a cessão da posição contratual (424.º a 427.º).
A lei reconhece, a qualquer uma das partes, nos contratos com prestações recíprocas, de transmitir a terceiro a sua inteira posição contratual, desde que o outro contraente consinta.
Cessão de créditos (577.º a 588.º):
Verifica-se a cessão quando o credor, mediante negócio jurídico, designadamente de natureza contratual, transmite a terceiro o seu direito.
Substitui-se, portanto, o credor originário por outra pessoa, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional (577.º/1).
O credor que transmite o crédito, o terceiro para quem ele é transmitido e o devedor, recebem os nomes de: cedente, cessionário e devedor cedido.
A cessão do crédito pode ser parcial ou total.
E figura-se admissível a cessão de créditos futuros (211.º e 399.º). O necessário é que seja preenchido o requisito da determinação ou determinabilidade.
O regime será outro se a cessão do crédito co-envolver a transmissão de uma obrigação. Exigir-se-á então, o consentimento ou ratificação do devedor-credor (424.º e 595.º).
Não se mostram cedíveis os créditos com carácter estritamente pessoal (ex: direito a alimentos).
o 579.º prevê certas categorias de pessoas a quem não podem ser cedidos, directamente ou por interposta pessoa, créditos ou outros direitos litigiosos: juízes; magistrados do Ministério Público; os funcionários de justiça e os mandatários judiciais (advogados, solicitadores), se o processo decorre na área em que exercem habitualmente a sua actividade ou profissão. Do mesmo modo, aos peritos, árbitros e demais auxiliares de justiça que tenham intervenção no respectivo processo.
Esta cessão, ocorrendo, será nula e sujeita o cessionário à obrigação de reparar os danos causados. Por outro lado, este não poderá invocar a nulidade da cessão (580.º/1 e 2).
Abrem-se, no 581.º, três excepções à proibição da cessão de créditos ou outros direitos litigiosos.
A cessão pode ter vários objectivos:
I. Cessão a título oneroso - o cedente realiza-se porque recebe uma contrapartida;
II. Cessão a título gratuito - o cedente deseja fazer uma liberalidade ao cessionário;
III. Cessão solutória - o cedente pretende extinguir uma obrigação.
Etc.
Pode ocorrer:
I. Entre vivos, através de negócio jurídico, consistindo num contrato;
ou
II. Mortis-causa, em testamento, a título de legado.
Requisitos da cessão (578.º/1):
Definem-se em função do tipo de negócio que lhes serve de base (n.º1).
Apenas salientando que, tratando-se de cessão de créditos hipotecários, quando não seja feita em testamento e a hipoteca recaia sobre bens imóveis, deve constar de escritura pública ou de documento particular autenticado (n.º2).
Efeitos da cessão:
Que efeitos produz entre as partes?
I. O efeito principal é sempre o da transmissão do crédito.
II. A cessão deixa inalterado o crédito, apenas se verificando a substituição do credor originário, por um novo credor. Na falta de convenção em contrário, o crédito transfere-se para o cessionário com as suas garantias e outros acessórios que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente (582.º/1).
III. Em execução do acordo, fica o cedente obrigado a entregar ao cessionário os documentos e demais meios probatórios do crédito que se encontrem na sua posse, salvo se exista um interesse legítimo justificativo da respectiva conservação (586.º).
IV. Conforme o 587.º/1, o cedente garante ao cessionário a existência e a exigibilidade do crédito ao tempo da cessão nos termos aplicáveis ao negócio, gratuito ou oneroso, em que a cessão se integra. Tratando-se de cessão gratuito: aplica-se as normas da doação (940.º/1, 956.º e 957.º). No caso de cessão onerosa, os do contrato de compra e venda (874.º, 939.º, 892.º e seguintes e 905.º e seguintes).
V. A propósito da solvência do devedor, o cedente apenas responde por ela, se a tanto expressamente se obrigou (587.º/2).
Que efeitos produz a cessão relativamente ao devedor cedido?
I. A eficácia da cessão verifica-se desde que lhe haja sido notificada, mesmo extrajudicialmente, ou desde que ele a tenha aceite (583.º/1).
II. Porém, se antes da referida notificação ou aceitação, o devedor pagar ao cedente ou celebrar com ele algum negócio jurídico relativo ao crédito, nem o pagamento nem o negócio é oponível ao cessionário, se este provar que o devedor tinha conhecimento da cessão (583.º/2).
III. No caso de solidariedade passiva, a notificação ou aceitação terá de verificar-se relativamente a todos os condevedores. Aquele em relação ao qual não se realize uma ou outra poderá validamente pagar ao cedente, salvo provando-se que conhecia a cessão.
IV. O devedor cedido pode valer-se, em face do cessionário, dos mesmos meios de defesa que lhe era lícito opor ao cedente, salvo dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão (585.º).
V. A notificação da cessão ao devedor ou a aceitação desta (583.º/1) serve ainda para lhe atribuir eficácia quanto a terceiros.
E feitos quanto a terceiros?
A notificação da cessão ao devedor ou a aceitação desta (583.º/1) serve ainda para lhe atribuir eficácia quanto a terceiros. Qualquer um dos referidos actos apresenta um alcance análogo ao que se consegue, noutros casos, com os meios de publicidade.
Se o mesmo crédito for cedido a várias pessoas, prevalecerá a cessão primeiro notificada ao devedor ou aceita por este (584.º).
Aplicação das regras da cessão de créditos a outras figuras (588.º):
I. A direitos diferentes dos direitos de crédito, desde que a lei não os exceptue. Ex: direitos de autor (obras literárias, artísticas, etc); outros direitos sobre bens intelectuais (inventos, marcas, etc - 1303.º); assim como os direitos potestativos autónomos, isto é, susceptíveis de transmissão isolada (420.º e 927.º).
Está excluída quanto a direitos reais, visto que os seus modos de transmissão se encontram submetidos a regras próprias (1316.º e seguintes) e também não se verificam em relação aos direitos de família, estritamente pessoais e, portanto, intransmissíveis.
II. Transferência legal ou judicial de créditos: por força da lei, as que se realizam na aquisição de coisa locada, relativamente aos créditos do locador (1057.º); no mandato sem representação, quanto aos créditos obtidos pelo mandatário (1181.º/2). As determinadas pelo tribunal ou ocorridas no processo de execução, ex: a transmissão do direito ao arrendamento para o cônjuge do arrendatário e a que se realiza através da penhora (856.º e seguintes cpc).
Sub-rogação (589.º a 594.º):
Opera-se quando um terceiro, que cumpre uma dívida alheia ou que para tal empresta dinheiro ou outra coisa fungível, adquire os direitos do credor originário em relação ao respectivo devedor.
Tem uma grande utilidade prática.
Com ele é favorecido o terceiro, pois, adquirindo a posição do credor originário, vê os seus interesses melhor salvaguardados do que de qualquer outro modo.
E assim, facilita-se o cumprimento das obrigações por terceiros, o que, pode dizer-se, favorece os credores e os devedores, sem que decorra prejuízo para outrem.
Espécies de sub-rogação:
I. Sub-rogação convencional ou voluntária - resulta de um acordo entre o terceiro que pagou e o credor primitivo, a quem é feito o pagamento, ou entre o terceiro e o devedor.
Subdivide-se em:
a) Sub-rogação pelo credor (589.º);
Exige uma declaração expressa de vontade nesse sentido, manifestada no acto de cumprimento da obrigação ou anteriormente.
b) Sub-rogação pelo devedor (590.º);
Impõem-se requisitos idênticos aos da sub-rogação pelo credor.
c) Também se poderá fazer esta através de um empréstimo de dinheiro ou de outra coisa fungível com que ele próprio efectue o cumprimento. Não exige o consentimento do credor mas só se verifica quando haja declaração expressa (591.º/1 e 2).
II. Sub-rogação legal (592.º/1);
Produz-se directamente por força da lei, só existindo, portanto, na medida em que esta a permita.
Efeitos da sub-rogação (593.º/1):
O sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam.
O sub-rogado fica investido na posição jurídica até aí atribuída ao credor da relação obrigacional.
Os seus direitos exercem-se contra o devedor e contra terceiros que tenham garantido a dívida (582.º, aplicável por força do 594.º).
I. Na sub-rogação parcial: o devedor fica, ao mesmo tempo, vinculado para com o credor originário, na medida em que o respectivo crédito não foi pago, e para com o sub-rogado, na medida em que este liquidou o direito do credo. Podem ocorrer várias sub-rogações parciais, simultaneamente ou em datas diversas (593.º/2 e 3). Portanto, em suma, dá-se prevalência ao credor primitivo ou ao seu cessionário, mas colocam-se em plano de igualdade os diferentes sub-rogados, qualquer que seja a data da sub-rogação de cada um. O 594.º considera aplicáveis à sub-rogação, com as necessárias adaptações o 583.º e o 584.º.
II. Na sub-rogação total.
A sub-rogação vs o direito de regresso:
A nossa lei disciplina-as como figuras jurídicas distintas e até opostas.
A sub-rogação é restrita a terceiro que compra a obrigação (592.º/1).
Pela sub-rogação transmite-se um direito de crédito existente, ao passo que o direito de regresso significa o nascimento de um direito ex novo na titularidade da pessoa que, no todo ou em parte, extinguiu uma anterior relação creditória (524.º) ou à custa de quem esta foi extinta (533.º). O direito de regresso, traduz-se num direito de reintegração do devedor que, sendo obrigado com outros, cumpre para além do que lhe cabe na perspectiva das relações internas.
Estas diferenças justificam uma diferença de regimes.
Assim, salvo convenção em contrário, não se transmitem, no caso do direito de regresso, as garantias e demais acessórios da dívida extinta. A solução diverge na sub-rogação (582.º).
Transmissão singular de dívidas - a assunção da dívida (595.º a 600.º):
Na vigência do código civil anterior era discutida a admissibilidade da transmissão de dívidas por negócio entre vivos, designadamente a transmissão a título singular.
O código civil actual consagrou-a de modo expresso.
Consiste no acto pelo qual um terceiro (assuntor) se vincula perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem.
Transfere-se a dívida do antigo para o novo devedor, mantendo-se a relação obrigacional.
Espécies:
I. Assunção liberatória ou privativa de dívida;
Se o antigo devedor resulta exonerado pelo compromisso que o novo devedor assume.
II. Assunção cumulativa ou co-assunção de dívida (595.º/2).
Se a responsabilidade do novo devedor vem apenas juntar-se à do antigo, que continua vinculado a par dele.
Só na I se produz, em rigor, uma verdadeira transmissão singular de dívida.
Regime:
I. Não pode realizar-se sem o consentimento do credor (595.º/1);
Prevalece a regra de que a ninguém pode ser imposto um benefício sem a colaboração da vontade própria (457.º).
II. A transmissão só exonera o antigo devedor quando haja declaração expressa do credor. Na falta dela, responde solidariamente com o novo obrigado (595.º/2);
III. Pela exoneração do antigo devedor, fica o credor impedido de exercer contra ele o seu crédito ou qualquer direito de garantia, no caso de insolvência do novo devedor, excepto se houver expressamente ressalvado a responsabilidade do primitivo obrigado (600.º);
IV. O 597.º prevê o renascimento da obrigação do devedor liberado pelo credor, quando se verifique a invalidade do contrato de transmissão. Consideram-se, porém, extintas as garantias prestadas por terceiro, desde que este não conhecesse o vício no momento em que teve notícia da transmissão.
Modalidades de assunção (595.º/1).
a) A transmissão pode realizar-se por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor;
Enquanto o contrato não for ratificado pelo credor, podem as partes distratá-lo; e qualquer delas tem o direito de fixar ao credor um prazo para a ratificação que, expirando sem resposta, equivalerá a uma recusa tácita (596.º/1 e 2). Nada impede que a adesão ou ratificação do credor seja também tácita, tratando este o novo obrigado como devedor.
Questão: verifica-se na co-assunção de dívida uma verdadeira obrigação solidária?
Não.
b) A transmissão pode também efectuar-se por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do obrigado;
Duas hipóteses:
- O terceiro assume para com o credor a dívida alheia, consentido nisso o antigo devedor;
- O terceiro, por sua iniciativa, assume para com o credor a dívida alheia, sem o concurso da vontade do devedor originário (767.º).
Em qualquer um dos casos, o devedor originário só fica exonerado mediante expressa declaração do credor.
Meios de defesa do novo devedor (598.º):
I. O assuntor, salvo convenção em contrário, não pode invocar meios de defesa baseados nas suas relações com o antigo devedor.
II. Porém, ao novo devedor assiste o direito de se prevalecer dos meios de defesa derivados das relações entre o devedor originário e o credor, desde que sejam anteriores à assunção da dívida e não tenham natureza pessoal.
III. Transferem-se, portanto, para o novo devedor, salvo determinação em contrário, as obrigações acessórias do antigo devedor, que não se apresentem inseparáveis da sua pessoa (599.º/1).
IV. E nos mesmos termos também as garantias do crédito, apesar da mudança de devedor (599.º/2).
Cessão da posição contratual (424.º a 427.º):
Consiste na faculdade concedida a qualquer dos contraentes (cedente), em contratos com prestações recíprocas, de transmitir a sua inteira posição contratual, isto é, o complexo unitário constituído pelos créditos e dívidas que para ele resultarem do contrato, a um terceiro (cessionário), desde que o outro contraente (cedido) consinta na transmissão (424.º/1).
Requisitos da cessão:
I. Que se trate de um contrato bilateral, de que advenham direitos e obrigações para ambas as partes;
II. O consentimento do outro contraente.
Pode ser dado antes ou depois da cessão (424.º/2).
Daqui decorrem dois contratos:
1) O contrato inicial ou básico, celebrado originariamente entre o cedente e o cedido, de onde resulta o complexo de direitos e deveres que constitui o objecto da cessão;
2) O contrato através do qual se opera a cessão (negócio causal), que pode consistir numa venda, doação, dação em cumprimento, etc.
O regime difere consoante o tipo de negócio de que se trate (425.º).
Efeitos da cessão:
I. Nas relações entre o cedente e o cessionário (425.º);
Estão sujeitos ao regime do contrato que serviu de base à cessão.
O cedente garante ao cessionário a existência (e a validade) da posição contratual cedida (426.º). A lei distingue, nos contratos gratuitos, serve de modelo a disciplina da doação (956.º e 963.º e seguintes. Nos contratos onerosos, aplicam-se as normas da compra e venda (939.º e 892.º e seguintes).
O cedente, salvo estipulação em contrário, não desempenha qualquer função de garante (426.º/2).
II. Nas relações entre o cedente e o cedido;
A cessão produz, no que toca ao cedente, o efeito de o exonerar de todas as dívidas que para ele resultarem do contrato. É assim em regra.
Embora excepcional, a lei prevê uma possibilidade de cessão sem a liberação do cedente, decorrente do princípio da liberdade contratual (405.º/1). Portanto, podem as partes convencionar que o cedente continue responsável, perante o cedido, pelo cumprimento das obrigações derivadas do contrato.
III. Nas relações entre o cessionário e o cedido;
O cessionário fica investido na inteira posição contratual que, anteriormente, estava na titularidade do cedente.
Importante: Esta cedência é na inteira posição contratual, como esta se configurava no momento da cessão.
Daí que o cedido tenha o direito de opor ao cessionário os meios de defesa provenientes desse contrato, mas não os que provenham de outras relações com o cedente, a não ser que os tenha reserva ao consentir na cessão (427.º).
Esta disciplina aplica-se também ao cessionário, do mesmo modo, embora não expressa na letra da lei.