Responsabilidade civil Flashcards
O que é a Responsabilidade Civil?
A responsabilidade civil ocorre quando uma pessoa deve reparar um dano sofrido por outra.
A lei faz surgir uma obrigação em que o responsável é devedor e o lesado credor.
Trata-se, portanto, de uma obrigação que nasce directamente da lei e não da vontade das partes, ainda que o responsável tenha querido causar o prejuízo.
Como se distingue das figuras afins?
I. Responsabilidade Moral vs Responsabilidade Civil:
A responsabilidade moral pertence ao domínio da consciência e o resultado externo não representa pressuposto necessário.
É, portanto, uma responsabilidade não jurídica.
Contudo, não se apresenta juridicamente irrelevante: constitui fonte de obrigações naturais.
II. Responsabilidade Penal ou Criminal vs Responsabilidade Civil:
A responsabilidade civil autonomiza-se da responsabilidade penal ou criminal.
A civil pertence à esfera do direito civil, que é direito privado, enquanto que a penal se reconduz ao direito penal, ramo do direito público.
Entre o ilícito civil e o ilícito criminal há diferenças substanciais e também diferenças de pura índole formal, atendendo à natureza das sanções que a um e a outro correspondem. No ilícito penal ofende-se um dever jurídico estabelecido imediatamente no interesse da colectividade.
Está subjacente à responsabilidade civil a ideia de reparação patrimonial de um direito privado, pois o dever jurídico infringido foi estabelecido directamente no interesse da pessoa lesada. O que verdadeiramente interessa no direito civil é a restituição dos interesses lesados.
A responsabilidade penal aparece como uma defesa contra os autores dos factos que atingem a ordem social. As sanções criminais visam defender a sociedade: propõem-se fins de prevenção geral e especial, através da intimidação e da reeducação do delinquente (penas e medidas de segurança) e fins ético-retributivos, através da expiação pelo delinquente da sua culpa (penas).
Estas duas formas de responsabilidade posto que sejam diversas, não se excluem necessariamente. Muitas vezes existe apenas uma delas. Mas não é raro que um facto reúna em si as duas qualificações, de ilícito civil e de ilícito penal.
(ex: um homicida - a lei ciivl obriga-o a reparar os prejuízos que causou aos familiares da vítima e a lei penal aplica-lhe uma pena (privação de liberdade).
III. Responsabilidade Civil vs Enriquecimento sem Causa:
Ambos envolvem uma indemnização/restituição. Mas, o civil dirige-se apenas a eliminar o dano ou prejuízo do lesado, enquanto que o enriquecimento sem causa intenta suprimir um locupletamento injusto de alguém à custa alheia, embora releve a situação do que o suporta.
O enriquecimento sem causa, pressupõe um acréscimo do património da pessoa obrigada a restituir, que pode não se verificar no caso de responsabilidade civil. Nesta, é sempre devida a indemnização ao lesado, ainda que o responsável, não retire qualquer benefício do facto que ocasiona o dano.
No enriquecimento sem causa, a obrigação de restituição tem como limite o locupletamento do enriquecido, pelo que pode não ser coberta toda a diminuição patrimonial do empobrecido. Ora, na responsabilidade civil, impera a regra da indemnização integral dos prejuízos.
Existe a possibilidade de a mesma situação concreta preencher os pressupostos de um e de outro.
(ex: a hipótese de intervenção ilícita em bens ou direitos alheios, com a obtenção de um lucro que exceda o dano produzido ao respectivo titular).
Responsabilidade civil contratual ou obrigacional vs Responsabilidade civil extracontratual ou extra-obrigacional: como se distinguem? Qual é a disciplina de uma e de outra?
A Responsabilidade civil - subdivide-se em:
I. Responsabilidade pré-contratual;
II. Responsabilidade civil contratual (798.º e seguintes cc) - resulta da violação de um direito de crédito ou obrigação em sentido técnico. Há várias formas de surgimento: contratos; negócios jurídicos unilaterais; lei;
III. Responsabilidade civil extra-contratual (483.º e seguintes cc) - onde se abrangem os restantes casos de ilícito civil. Deriva da violação de deveres ou vínculos jurídicos gerais, isto é, de deveres de conduta impostos a todas as pessoas e que correspondem aos direitos absolutos, ou até da prática de certos actos que, embora lícitos, produzem dano a outrem.
A ambas importa os artigos 562.º e seguintes, respeitantes à obrigação de indemnização.
O nosso legislador, no Código Civil, adoptou uma orientação que tende a consagrar uma certa coincidência de regimes.
Contudo, as diferenças essenciais:
1) A Culpa:
Na Responsabilidade civil contratual presume-se (799.º/1) e na Responsabilidade civil extra-contratual não (487.º/1) embora, só em princípio, porque vários preceitos referentes a esta última consagram presunções de culpabilidade (491.º, 492.º,/1, 493.º e 503.º/3).
2) Em caso de pluralidade passiva, o regime é o da solidariedade na Responsabilidade extra-contratual (497.º e 507.º) ao invés da Responsabilidade contratual, excepto se a própria obrigação violada tinha natureza solidária (513.º).
3) A possibilidade de graduação equitativa da indemnização quando haja mera culpa do lesante, está apenas consagrada para a Responsabilidade extracontratual (494.º), mesmo que fundada no risco (499.º), não devendo considerar-se extensiva à Responsabilidade contratual, onde se afigura pouco de acordo com as legítimas expectativas do contraente lesado.
4) Relativamente à prescrição: vigoram na Responsabilidade extracontratual certas normas especiais respeitantes ao prazo, mormente a que fixa em três anos (498.º) enquanto a Responsabilidade contratual se encontra apenas submetida ao prazo ordinário de vinte anos (309.º).
5) A Responsabilidade contratual por facto de terceiro não depende do pressuposto da comissão, requisito estabelecido para a Responsabilidade extracontratual (500.º), dispensando-se naquela uma relação de subordinação ou dependência entre o devedor e o auxiliar (800.º).
6) As regras de capacidade de exercício de direitos por acto próprio ou através de representante voluntário relativas à Responsabilidade contratual (123.º, 127.º, 139.º e 156.º), divergem das regras da imputabilidade, ou seja, da capacidade de culpa concernentes à Responsabilidade extracontratual (488.º).
7) Sobre o momento da constituição do devedor em mora, estabelece-se um regime exclusivo da Responsabilidade extracontratual que não impera para a Responsabilidade contratual (805.º/3 2.ª parte).
8) Nas obrigações pecuniárias, em caso de mora do devedor, permite-se que o credor obtenha uma indemnização suplementar, além dos juros previstos no 806.º/1 e 2, se o fundamento da dívida se reconduz à Responsabilidade extracontratual, sendo esse preceito inaplicável a situações de Responsabilidade contratual (806.º/3).
9) Em matéria de cláusulas contratuais gerais (18.º/a) a d) da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais), de direito internacional privado (41.º, 42.º e 45.º) e também quanto ao tribunal competente (74.º/1 e 2 do Código de Processo Civil).
E quanto ao concurso de responsabilidades: da Responsabilidade contratual e da Responsabilidade extracontratual numa mesma situação?
Pode acontecer que o dano se mostre consequência de um facto que simultaneamente viole uma relação de crédito e um dos direitos absolutos, como o direito à vida ou à integridade física, por exemplo.
Melhor dizendo, uma situação susceptível de preencher os requisitos de aplicação dos regimes de ambas as responsabilidades.
(ex: um transportador que, por culpa sua, ocasiona um acidente em que a pessoa transportada sofre ferimentos; o médico radiologista que provoca lesões no paciente).
As opiniões dividem-se entre a adopção de um:
I. Sistema de cúmulo - neste cabem três perspectivas: a) a do lesado se socorrer, numa única acção, das normas da Responsabilidade contratual e das normas da Responsabilidade extracontratual, amparando-se nas que lhe pareçam mais favoráveis; b) a de conceder-se-lhe opção entre os procedimentos de uma ou de outra, alternativamente; c) a de admitir, em acções autónomas, ao lado da Responsabilidade contratual, a Responsabilidade extracontratual;
II. Sistema de não-cúmulo - pelo contrário, este consiste na aplicação do regime da Responsabilidade contratual, em virtude de um princípio de consunção.
A nossa lei omitiu preceito que decidisse a controvérsia.
Terá de procurar-se, caso a caso, a solução que se apresente mais adequada, ponderando os interesses e valores contrapostos.
Conclusões:
I. Afasta-se, naturalmente, a opção de uma dupla indemnização.
II. Também parece inaceitável o sistema da acção híbrida: afigura-se substancialmente injusto que o lesado beneficie das normas que considere mais favoráveis da Responsabilidade contratual e da extracontratual, afastando as que nos respectivos sistemas repute como desvantajosas.
III. A teoria da opção também se revela insatisfatória: equivale a deixar-se ao lesado a escolha de uma acção baseada no ilícito contratual ou no ilícito extracontratual.
III. Infere-se que se adere à ideia da exclusão do cúmulo: se, de um vínculo negocial, resultam danos para uma das partes, o pedido de indemnização deve alicerçar-se nas regras da Responsabilidade contratual.
A Responsabilidade extracontratual intervém se o dano resulta da infracção de um dever geral de conduta, ao passo que a Responsabilidade contratual apenas actua quando se verifica a violação de um crédito.
Cada uma possui uma esfera particular ou autónoma de actuação.
IV. Ora, neste âmbito impera o princípio da autonomia privada, segundo o qual compete às partes fixar a disciplina que deve reger as suas relações. Assim, parece que, perante uma situação concreta, o facto tenha, em primeira linha, de considerar-se ilícito contratual. Em suma: o regime da Responsabilidade contratual “consome” o regime da Responsabilidade extracontratual. Nisto se traduz o princípio da consunção.
A posição adoptada acautela devidamente todos os interesses atendíveis ao lesado, sem sacrifício injusto da posição do responsável. Isto só não se aplicará em face de preceito contrário da lei.
Esta será a regra.
O que não invalida que, face a situações concretas, se lhe introduzam possíveis desvios, em homenagem à solução mais justa. Estar-se-á perante casos de consunção impura.
Responsabilidade civil extracontratual vs Esquemas da Segurança Social?
Qualquer um destes institutos se dirige à reparação dos danos.
Todavia, enquanto a Responsabilidade civil tem subjacente a ideia de equilíbrio entre a liberdade de cada um e o respeito devido aos direitos alheios, a Segurança Social consiste num mecanismo de protecção dos indivíduos mediante a repartição colectiva dos riscos ou encargos de reparação dos danos.
Existe na Responsabilidade civil um problema de justiça individual, de ponderação de interesses do autor do facto danoso e da vítima, ao passo que a Segurança Social se baseia em concepções de justiça colectiva.
A Segurança Social promove a reparação dos danos independentemente de o acto que os produziu ser ilícito e culposo, ao contrário da Responsabilidade ciivl, que assenta na culpa.
Como se caracterizam os factos ilícitos?
Factos ilícitos:
I. Intencionais - são praticados com o intuito (directo ou indirecto) de causar dano (dolo);
- Delitos;
- Quase-delitos;
II. Meramente culposos - há apenas imprudência ou negligência do seu autor (culpa em sentido estrito).
Tanto o dolo como a mera culpa fundamentam, em princípio, a obrigação de indemnização.
No entanto, a lei, em certos casos exige o dolo (ex: 814.º/1 e 1681º/1) e noutros basta a mera culpa (494.º) para fundamentar a indemnização.
Na hipótese de dolo terá de calcular-se o montante consoante os artigos 562.º e seguintes.
A classificação de culpa grave, leve e levíssima importa apenas na Responsabilidade extracontratual, para efeito de fixação do montante da indemnização, quando existam vários responsáveis ou se apure conculpabilidade do lesado (497.º/2, 506.º/2, 507.º/2).
Responsabilidade civil extracontratual: como é o seu regime?
Responsabilidade civil extracontratual (483.º a 510.º) subdividem-se em:
1) Responsabilidade por factos ilícitos (483.º a 498.º);
2) Responsabilidade pelo risco (499.º a 510.º);
3) Responsabilidade por factos lícitos danosos.
1) Responsabilidade por factos ilícitos:
O princípio geral encontra-se no 483.º: aquele que, com dolo ou mera culpa, viola ilícitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação (n.º 1).
Acrescentando-se que só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei (n.º 2).
Pressupostos cumulativos:
I. Facto - Existência de um facto voluntário do agente (e não de um mero facto natural causador de danos);
II. Ilicitude - A ilicitude desse facto;
III. Imputação do facto ao lesante - Que se verifique um nexo de imputação do facto ao lesante;
IV. O dano - Que da violação do direito subjectivo ou da lei derive um dano;
V. O nexo de causalidade entre o facto e o dano - Que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder concluir-se que este resulta daquele.
I. Facto:
Uma conduta da pessoa obrigada a indemnizar (facto voluntário). Excluindo-se os factos naturais produtores de danos, os que não dependem da vontade humana e são incontroláveis (furacões, inundações, etc).
Não se exige que sejam factos humanos intencionais.
Não se exige que o agente possua capacidade de exercício de direitos (488.º e 489.º).
Pode ser uma:
- Acção
- Omissão (486.º).
II. Ilicitude:
O facto voluntário que lesa interesses alheios só obriga a reparação havendo ilicitude (infracção de um dever jurídico).
Formas de ilicitude gerais - 483.º/1 - a) violação de um direito de outrem (ofensas de direitos absolutos - direitos reais, direitos de personalidade); b) violação de preceito de lei tendente à protecção de interesses alheios (ex: a infracção de uma lei que imponha determinadas providências sanitárias ou proíba o estacionamento de veículos em certos locais; a infracção de uma lei aduaneira destinada a proteger a indústria do País).
E ainda contempla alguns casos especiais de ilicitude:
- 484.º ofensa do crédito ou do bom nome - tem de haver a imputação de um facto, não bastando alusões vagas e gerais. É irrelevante a veracidade ou falsidade do facto, sempre que esteja em causa a protecção de interesses legítimos. O facto afirmado deve ser ainda considerado susceptível de afectar o crédito ou a reputação da pessoa visada;
- 485.º prestação de conselhos, recomendações ou informações;
- 486.º omissões.
Causas justificativas de exclusão de ilicitude:
a) O regular exercício de um direito;
b) O cumprimento de um dever jurídico.
O facto danoso não é ilícito quando praticado nestes casos. O cumprimento de um dever jurídico apresenta-se normalmente como uma obrigação legal, tendo a lei como fonte directa.
Importa, contudo, atender à doutrina da colisão de direitos (335.º e seguintes) face o caso concreto.
Também há limites impostos pelo instituto do abuso do direito (334.º) que se devem ter em conta.
Causas especiais justificativas do facto:
a) Acção directa - consiste no recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito (336.º). Constitui uma emergência, subentende a ulterior necessidade de o agente regularizar a situação através do recurso aos meios coercitivos normais logo que possível.
No exercício de direitos, o princípio fundamental é a proibição da autodefesa, salvo nos casos regulados na lei (1.º cpc).
Requisitos justificativos da acção directa: 1) que se trate de realizar ou assegurar um direito próprio; 2) que haja impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercitivos normais; 3) que o agente não exceda o estritamente necessário para impedir o prejuízo; 4) que não se sacrifiquem interesses superiores aos que se visam defender.
Se o erro for desculpável, o agente não é obrigado a indemnizar os prejuízos causados (338.º);
b) Legítima defesa (337.º) - realizada pelo próprio titular de um direito, ou por terceiro, contra uma agressão actual e ilícita a esse direito, quando não for possível, em tempo útil, o recurso à autoridade pública.
Requisitos justificativos da legítima defesa: 1) uma agressão actual e ilícita, contra a pessoa ou o património do agente ou de terceiro; 2) a impossibilidade de o defendente recorrer aos meios normais para afastar a agressão; 3) o prejuízo causado pelo acto não ser manifestamente superior ao que pode resultar da agressão. Embora aqui possa haver desproporção, desde que não manifesta.
Considera-se justificado o excesso de legítima defesa sempre que devido a perturbação ou medo não censurável do agente (337.º/2).
Também se prevê o erro acerca da existência dos pressupostos da legítima defesa - aplica-se o mesmo que na acção directa (338.º);
c) Estado de necessidade (339.º) - é lícita a acção daquele que destruir ou danificar coisa alheia com o fim de remover o perigo actual de um dano manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro.
Requisitos justificativos do estado de necessidade: 1) exige-se a existência de um perigo actual; 2) esse perigo deve ameaçar um direito ou bem jurídico relativo à pessoa ou ao património do agente ou de terceiro; 3) a conduta do agente deve constituir meio necessário para preservar o direito ou bem jurídico em causa; 4) os interesses defendidos devem ser manifestamente superiores aos sacrificados.
O n.º 2 estabelece soluções diversas, consoante a situação seja ou não criada por culpa exclusiva do autor da destruição ou dano.
d) Consentimento do lesado (340.º/1 e 2) - o acto lesivo dos direitos de outrem é lícito, desde que o ofendido consinta na sua lesão. Mas o consentimento do lesado não exclui a ilicitude do acto, quando este se mostre contrário a uma proibição legal ou aos bons costumes (ex: direito à vida). O consentimento deve anteceder o acto. Depois da prática deste, apenas pode verificar-se uma renúncia aos efeitos da ilicitude da lesão.
Existe uma presunção de consentimento (340.º/3) (ex: as intervenções cirúrgicas indispensáveis ao tratamento de pessoas em estado de não poderem manifestar a sua vontade). Em tais situações pode fazer-se apelo a um consentimento tácito.
III. Imputação do facto ao lesante (483.º1 + 2):
Não basta que se verifique uma violação ilícita de um direito ou interesse juridicamente protegido de outrem. Impõe-se, ainda, que se tenha procedido com dolo ou mera culpa.
Aqui já não se trata da ilicitude mas em concreto da culpa. A culpa em sentido amplo consiste precisamente na imputação do facto ao agente, define um nexo de ligação do facto ilícito a uma certa pessoa.
A culpa pondera o lado subjectivo do comportamento, ou seja, as circunstâncias individuais concretas que o envolveram (juízo de censura sobre o agente em concreto).
Pressupostos da culpa:
1) Imputabilidade do agente - a lei exige, relativamente a esta imputabilidade, que esta violação ilícita esteja ligada a uma certa pessoa, de maneira que possa afirmar-se, não só que foi obra sua, mas também que ela podia e devia, nas circunstâncias, ter agido diversamente (488.º e 489.º/1 e 2 quanto aos inimputáveis);
2) Existência de culpa - terá de se averiguar se a sua conduta é reprovável e em que medida. Operam aqui as modalidades de culpa: dolo e mera culpa (culpa em sentido estrito ou negligência).
O dolo desdobra-se em:
I. dolo directo (o autor do facto age com o intuito de atingir o resultado ilícito da sua conduta, que de antemão representou e quis);
II. dolo indirecto ou necessário (quando o agente não tem intenção de causar o resultado ilícito, mas bem sabe que este constituirá uma consequência necessária e inevitável do efeito imediato que a sua conduta visa);
III. dolo eventual (o agente representa o resulta ilícito, mas o dano surge apenas como consequência meramente possível - e não necessária - da sua conduta, actuando ele sem confiar que o mesmo não se produza.
Apreciação da culpa: Consagra-se a apreciação da culpa em abstracto. Desde que a lei não imponha diversamente, a culpa será valorada, em face das circunstâncias de cada caso, pela diligência de um bom pai de família ou homem médio (487.º/2).
Incumbe ao lesado a prova de culpa do autor da lesão, excepto se houver presunção legal de culpabilidade (487.º/1).
A lei consagra algumas presunções de culpa do responsável que implicam uma inversão do ónus da prova (350.º/1). Contudo, ilidíveis mediante prova em contrário (350.º/2).
Presunções:
- Danos causados por incapazes (491.º);
- Danos derivados de edifícios ou outras obras que ruírem como consequência de vício de construção ou defeito de conservação (492.º/1 e 2);
- Danos causados por coisas ou animais ou actividades (493.º);
Pluralidade de responsáveis: todos eles respondem pelos danos que hajam causado (490.º), sendo a sua responsabilidade solidária (497.º).
IV. Dano (483.º/1):
É toda a ofensa a bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica.
É a verificação de um dano ou prejuízo a ressarcir.
Apenas em função do dano o instituto realiza a sua finalidade essencialmente reparadora ou reintegrativa.
Não existe, contudo, correlação entre a amplitude dos danos e a gravidade da culpa.
Espécies de danos:
I. Patrimoniais - susceptíveis de avaliação pecuniária;
- Danos patrimoniais indirectos: por exemplo, o desgosto que leva a um estado depressivo e a uma consequente paralização do trabalho;
II. Não patrimoniais/morais (496.º/1) - não susceptíveis de avaliação pecuniária.
A orientação dominante vai no sentido da ressarcibilidade deste tipo de danos. Não são avaliáveis em dinheiro, contudo, pode ser ressarcidos numa perspectiva de compensação.
A lei não os enumera, antes confia ao tribunal o encargo de apreciar, no quadro das várias situações concretas, socorrendo-se de factores objectivos, se o dano não patrimonial se mostra digno de protecção jurídica. Serão irrelevantes os pequenos incómodos ou contrariedades, assim como os sofrimentos ou desgostos que resultam de uma sensibilidade anómala.
O mesmo facto pode provocar danos das duas espécies.
I. Danos pessoais - danos produzidos em pessoas;
II. Danos não pessoais - danos produzidos sobre coisas.
I. Dano real - o prejuízo que o lesado sofreu em sentido naturalístico, que podem ser de qualquer tipo acima identificado;
II. Dano de cálculo - expressão pecuniária de tal prejuízo, cabendo uma avaliação abstracta ou uma avaliação concreta. Uma ponderação do prejuízo sofrido;
I. Dano emergente - compreende a perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado;
II. Lucro cessante - compreende os benefícios que ele deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, o acréscimo patrimonial frustrado (564.º/1).
I. Danos presentes - já se tenham verificado no momento que se considera, designadamente à data da fixação da indemnização;
II. Danos futuros (564.º/2) - não se tenham verificado no momento em que são considerados. Estes danos futuros são indemnizáveis desde que previsíveis;
Os danos futuros subdividem-se em: a) Certos; b) Eventuais.
I. Danos directos - os que resultam imediatamente do acto ilícito;
II. Danos indirectos - os restantes.
I. Dano positivo ou de cumprimento - a indemnização deste dano destina-se a colocar o lesado na situação em que s encontraria se o contrato fosse exactamente cumprido. Reconduz-se, assim, aos prejuízos que decorrem do não cumprimento definitivo do contrato ou do seu cumprimento tardio ou defeituoso;
II. Dano negativo ou de confiança - a indemnização deste dano tende a repor o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato, ou mesmo iniciado as negociações com vista à respectiva conclusão.
V. Nexo de causalidade entre o facto e o dano (483.º/1):
Exige-se que, para além de verificada a existência do facto e do dano, de igual modo, que entre os dois elementos exista uma ligação: que o facto constitua causa do dano.
Não há que ressarcir todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão-só os que ele tenha na realidade ocasionado, os que possam considerar-se pelo mesmo produzidos (563.º).
Este nexo desempenha a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de indemnizar.
Esta questão levanta dificuldades. Muitas vezes ela analisa-se numa operação mais ou menos complexa. Daí que os critérios a utilizar nesta apreciação sejam relevantes.
Quem está obrigado a reparar os danos resultantes do facto ilícito?
A titularidade do direito à reparação cabe, em princípio, à pessoa ou pessoas a quem pertence o direito ou interesse jurídicamente protegido que a conduta ilícita violou.
Contudo, excepcionalmente, admite-se que outras pessoas, além do ofendido, tenham direito a exigir indemnização, ou que esta se alargue a terceiros só mediata ou reflexamente prejudicados (495.º). Este artigo disciplina a reparação a terceiros em caso de morte da vítima ou de simples lesão corporal: os terceiros que socorrem a vítima (495º/2); os estabelecimentos hospitalares; os médicos e outras pessoas ou entidades que hajam contribuído para o seu tratamento ou assistência (495.º/2); os que legalmente lhe podem exigir alimentos ou aqueles a quem a vítima os prestava em cumprimento de obrigação natural (495.º/3). No caso de morte, têm ainda direito os que fizeram despesas para salvar a vítima ou outras, como as do funeral (495.º/1).
Quanto aos danos não patrimoniais, verificando-se a morte da vítima, esse direito é atribuído, com exclusividade, ao cônjuge e aos filhos; na sua falta, aos pais ou outros ascendentes; e por último, aos irmãos ou sobrinhos com direito de representação (496.º/1).
Prescrição do direito de indemnização (498.º/1).
Do que trata a Responsabilidade pelo Risco?
A Responsabilidade subdivide-se em:
I. Responsabilidade subjectiva (assente na culpa);
II. Responsabilidade objectiva ou pelo risco.
E embora predomine o princípio da responsabilidade subjectiva (assente na culpa), excepcionalmente podem sancionar-se também situações de responsabilidade objectiva ou pelo risco, quer dizer, independentes de dolo ou mera culpa da pessoa obrigada a reparação.
Nestes casos dispensa-se a culpa do agente.
Compreende-se que se alguém exerce uma actividade criadora de perigos especiais possa responder pelos danos que ocasione a terceiros. Como uma contrapartida das vantagens que aufere do exercício de tal actividade.
Nesse caso, o dever de indemnizar resulta da conduta perigosa do responsável.
Embora não se indemnize a título de culpa, a averiguação da culpa não deixa de ter relevância: a respeito dos limites do quantitativo (508.º e 510.º) e ainda, existindo vários responsáveis (500.º/3, 501.º e 507.º/2) ou concorrência de culpa do lesado na produção ou agravamento do dano (570.º).
O disposto no 494.º que faculta a graduação equitativa da indemnização em hipóteses de mera culpa, aplica-se a esta responsabilidade (499.º), assim como vigoram, neste domínio, os critérios do 496.º/3 relativos à indemnização ou compensação dos danos não patrimoniais.
Requisitos:
a) A culpa e a ilicitude não serão, portanto, aqui necessárias.
b) Contudo, o nexo de causalidade entre o facto e o dano necessitam de ser demonstradas.
Casos de responsabilidade pelo risco (500.º e seguintes):
I. Para além dos casos especificados nestes artigos, de resto, declaram-se extensíveis aos casos de responsabilidade pelo risco, na parte aplicável e na falta de preceitos legais em contrário, as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos (499.º).
II. Casos especialmente previstos:
a) Responsabilidade do comitente (500.º);
Para que se verifique esta responsabilidade, impõe-se:
- A existência de uma relação de comissão, traduzida num vínculo de autoridade e subordinação correspectivas (500º/1); Concebe-se também este vínculo fora de um contexto negocial/contratual, embora seja o mais frequente (1152.º, 1209.º) (ex: relações familiares). Exclui-se, em princípio, quanto a certas profissões como os médicos e advogados;
- Recair sobre o próprio comissário a obrigação de indemnizar (500.º/1); Este necessita de ter praticado com culpa o facto ilícito causador do dano, salvo tratando-se, de uma das situações excepcionais em que se dispensa a culpa ou de um dos casos de responsabilidade derivada de intervenções lícitas. Esta culpa que apreciamos aplica-se a respeito do comitente, no que toca ao comissário, será um qualquer desses fundamentos;
- A prática do facto danoso no exercício da função que lhe foi confiada (500.º/2); A lei abrange unicamente os actos ligados ao serviço, actividade ou cargo, excluindo os praticado por ocasião da comissão com um fim ou interesse que lhe seja estranho. E subsiste a responsabilidade do comitente, mesmo que o comissário, nesse quadro, tenha agido intencionalmente ou contra as suas instruções.
A culpa do comitente pode referir-se:
- À escolha do comissário (“culpa in eligendo”);
- Às instruções ou ordens que lhe deu (“culpa in instruendo”);
- À fiscalização da respectiva actividade (“culpa in vigilando”).
Deve aplicar-se o 493.º/2 quando a comissão consiste numa actividade arriscada, a respeito da qual exista, forte probabilidade de a acção do comissário produzir danos.
A respeito da indemnização: se existe apenas culpa do comissário, o comitente que indemnize o terceiro tem direito de exigir daquele tudo o que pagou (500.º/3); havendo só culpa do comitente, caber-lhe-á o ressarcimento igual dos danos, nos termos da responsabilidade por factos ilícitos; caso se verifique culpa de ambos, ambos respondem solidariamente para com o lesado, mas no plano da relação entre os dois, o encargo repartir-se-á em função das “respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis” (500.º/3 e 497.º/2).
b) Responsabilidade do Estado e de outras pessoas colectivas públicas (501.º);
Trata-se da responsabilidade em relação aos actos dos órgãos (deliberativos ou executivos), agentes ou representantes de tais entidades, no âmbito da sua gestão privada.
c) Danos causados por animais (502.º);
Trata-se da responsabilidade de quem utiliza animais no seu próprio interesse, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização.
Perigo especial = o perigo típico ou característico dos animais utilizados, variando com a natureza deles.
Exige-se, em suma, que o dano se encontra numa adequada correlação com o perigo específico do animal.
Encontram-se abrangidos todos os que utilizarem animais no interesse próprio, sendo proprietários ou como se fossem (usufrutuários; locatários ou comodatários e os possuidores em nome próprio - 1251.º e seguintes).
Exclui-se, por exemplo, o que experimenta um animal antes de adquiri-lo (este responde perante o 493.º/1).
d) Acidentes causados por veículos de circulação terrestre (503.º a 508.º):
I. As pessoas responsáveis (503.º). Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, mesmo que este não se encontre em circulação - ou seja, quem tiver o poder de facto sobre ele, acompanhado ou não de legitimação jurídica e o utilize em proveito próprio, ainda que através de comissário. É indiferente que o veículo se encontre ou não em circulação. Ao responsável ajusta-se a designação de detentor.
Devem cumular-se dois requisitos:
1) A direcção efectiva do veículo;
2) O interesse próprio na utilização do veículo - não importando que seja um interesse patrimonial ou não patrimonial, bem como lícito ou ilícito, desde que seja um interesse próprio.
A maior parte das vezes esta detenção vai coincidir com a propriedade, contudo, também podem ser locatários ou comodatários ou outrem que o haja furtado ou apenas utilizado abusivamente.
Exclui-se a responsabilidade, por exemplo, do aluno da escola de condução durante a aprendizagem (mas já não durante o exame); do passageiro de táxi ou do comissário.
II. As pessoas não imputáveis respondem nos termos do 489.º (503.º/2).
III. E aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que culposamente causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte; se, porém, o conduzir fora do exercício das suas funções de comissário, responde nos termos do 503.º/1 se não ilidir tal presunção (503.º/3).
Nos casos em que haja responsabilidade do detentor e do condutor, estes respondem solidariamente. Operará o direito de regresso (500.º/3 e 507.º). Mas havendo culpa do condutor, pode verificar-se a responsabilização do detentor do veículo como tal, porque cria o respectivo risco, ou como comitente, que garante a obrigação indemnizatória do comissário. Nesta última hipótese não funcionam os limites máximos fixados pelo 508.º.
Beneficiários (504.º):
I. Esta responsabilidade aproveita a terceiros, bem como às pessoas transportadas (504.º/1);
O conceito de terceiros abrange aqui, também, os que se encontravam fora do veículo; as pessoas ocupadas na actividade do veículo (ex: motorista, maquinista, cobrador ou fiscal de transportes colectivos), sempre que o acidente se relacione com os riscos que são próprios daquele.
II. No caso de transporte em virtude de contrato (transporte oneroso), a responsabilidade abrange só os danos que atinjam a própria pessoa e as coisas por ela transportadas (objectos de uso pessoal ou bagagens) (504.º/2);
Entende-se num sentido amplo, de modo a abranger, por exemplo, o médico, o engenheiro ou o advogado ao serviço do transportador, mas não utilizados na actividade do veículo. O transporte constitui, nesse caso, uma das contrapartidas ou remunerações dos serviços prestados.
Excluem-se os objectos não transportados com a pessoa, como as pessoas enumeradas em 495.º/2 e 3 e 496.º/2 que hajam sofrido danos patrimoniais ou não patrimoniais. Estas só têm direito a indemnização se houver culpa do condutor.
Funcionam ainda aqui as regras do contrato de transporte, e se necessário, as da responsabilidade por factos ilícitos.
III. No caso de transporte gratuito, a responsabilidade abrange apenas os danos pessoais da pessoa transportada (504.º/3);
Pode ser um transporte gratuito de natureza contratual ou por mera cortesia ou benevolência.
IV. São nulas as cláusulas que excluam os limitem a responsabilidade do transportador pelos acidentes que atinjam a pessoa transportada (504.º/4);
Constitui uma norma de ordem pública. Visa-se a protecção da vida e da integridade física dessas pessoas, procurando evitar que o transportador abrande o cumprimento dos seus deveres de diligência e de cuidado para com elas.
O preceito reporta-se às cláusulas do contrato de transporte, ou seja, às relações entre o transportador e o transportado.
Admitem-se algumas cláusulas de exclusão de responsabilidade objectiva (505.º);
a) Resultar o acidente de facto do próprio lesado, culposo ou não;
O facto do lesado deve constituir a causa única do acidente.
Ex: o peão que, desatento, atravessa a via pública em local onde não podia fazê-lo.
Caberá ao tribunal, de harmonia com o 570.º, decidir sobre o montante ou até a exclusão da indemnização.
b) Dever-se o acidente a facto de terceiro, com ou sem culpa sua;
Ex: o condutor que atropela um peão, no passeio, devido ao encandeamento de luzes provocado pela imprudência de quem dirige outro veículo.
Se existir concorrência de culpas entre o condutor e o terceiro, reparte-se correspondentemente a responsabilidade (497.º).
Havendo culpa do lesado e do terceiro, aplica-se o disposto no 570.º.
c) Ser o acidente produzido por causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo (505.º);
Cumpre distinguir entre os acidentes que resultem de caso fortuito (em qualquer risco inerente ao funcionamento das coisas ou maquinismos que o agente utiliza - ex: um pneu que rebenta, a direcção que quebra, a doença súbita do condutor, etc) e os derivados de caso de força maior (uma força da natureza estranha a essas coisas ou maquinismos - ex: uma faísca elétrica, um ciclone, etc).
O 505.º apenas afasta os casos que resultem de casos de força maior estranhos ao funcionamento do veículo, logo, a segunda opção.
Havendo culpa do detentor ou condutor do veículo, o caso de força maior que com ela concorra não evita a sua responsabilidade. Constitui, todavia, uma circunstância atendível para efeitos de limitação equitativa da indemnização, em hipótese de mera culpa (494.º).
A lei ocupa-se expressamente da colisão de veículos no 506.º.
I. Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos; Se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indemnizar (506.º/1);
Aqui trata-se da ausência de culpa dos condutores. Aqui reporta-se apenas a danos relativos aos veículos em colisão. Mas abrange-se todos os prejuízos resultantes da colisão e indemnizáveis de acordo com os preceitos anteriores, danos pessoais causados aos responsáveis pelos riscos dos veículos, às pessoas ou coisas neles transportadas e ainda a terceiro ou a património destes.
Em caso de colisão de veículos numa situação de transporte gratuito, os danos pessoais resolvem-se com o 504.º. Não consta da lei, portanto, e relativamente aos danos não pessoais? A solução fica aberta à solução que parecer mais equitativa, ponderada a situação no seu conjunto.
II. Se a culpa for apenas de um dos condutores ou de ambos;
Respectivamente, haverá responsabilidade pelos danos causados.
No caso de constar de culpa de ambos e haver concorrência de culpas, aplica-se o 570.º.
II. Em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores (506.º/2).
Esta doutrina, para além da colisão de veículos, aplica-se analogicamente a outras situações em que colaborem na produção do dano coisas diversas subordinadas ao regime da responsabilidade pelo risco (ex: a colisão entre um animal e um veículo, sem culpa da pessoa que utiliza o primeiro e da que conduz o segundo).
Danos indemnizáveis:
Todos os prejuízos causalmente ligados ao acidente provocado pelo veículo.
Mas devemos atentar na norma especial do 503.º/1, refere-se apenas aos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação. Os danos que não correspondam a esta norma, ficam de fora da responsabilidade objectiva por estarem relacionados com os riscos estranhos ao veículo. Mas poderão ser indemnizados no âmbito da responsabilidade pelos factos ilícitos, caso reúnam os respectivos requisitos.
Limites da responsabilidade (508.º):
É lógico ter limites máximos para indemnização dos danos provenientes de veículos em caso deste tipo de responsabilidade pois aqui responde-se sem culpa.
A redacção desta norma visa aproximar o direito português e o direito comunitário respeitante aos valores máximos de indemnização.
Havendo mais do que um lesado, impõe-se a presença de todos como autores da acção de indemnização. Trata-se de um caso de legitimidade plural na vertente de coligação necessária (28.º/2, 29.º e 30.º do Código de Processo Civil).
Se nem todos os lesados propuserem a acção de responsabilidade civil baseada no risco, ocorre uma situação de ilegitimidade activa - é sanável por intermédio do incidente de intervenção principal provocada (325.º e seguintes do Código de Processo Civil).
Vigorará, neste âmbito, a norma de graduação equitativa da indemnização do 494.º? Sim.
Cabe, pois, atender à situação económica do lesado e do responsável, bem como às demais circunstâncias do caso.
Havendo pluralidade de responsáveis:
Por exemplo, havendo responsabilidade do dono do veículo e do outro condutor - 503.º/1 e 3; dos diversos proprietários de um mesmo veículo ou dos detentores de dois veículos quando da colisão resultarem danos para terceiro - 506.º.
Ora, em face de terceiros ou das pessoas transportadas - portanto, nas relações externas, os vários responsáveis respondem solidariamente (507.º). Mas nas relações internas, há que distinguir várias hipóteses: a) não se verificando culpa de qualquer dos responsáveis, a obrigação de indemnizar reparte-se de harmonia com o interesse de cada um na utilização do veículo (507.º/2); b) se apenas um dos responsáveis teve culpa, somente aquele responde, cabendo ao responsável pelo risco que satisfaça a indemnização, o direito de regresso por inteiro contra ele, mas não inversamente (507.º/1, 507.º/2 2ª parte, 497.º/2).
E se uma colisão revestir ao mesmo tempo a qualidade de acidente de viação e acidente de trabalho?
Existirá, neste caso, sempre mais do que um responsável, sempre que o detentor do veículo e entidade empregadora não sejam uma única pessoa.
Entre o sinistrado e os responsáveis: aquele pode exigir a indemnização ao responsável pelo veículo ou à entidade empregadora. Estas indemnizações não se cumulam, apenas se completam até ao inteiro ressarcimento do dano.
Apenas se faz uma nota caso o quantitativo de uma indemnização exceder a outra. A vítima poderá então exigir a diferença. Assim: se o responsável pelo acidente de viação satisfez a correspondente indemnização, o lesado não fica impedido de obter da entidade empregadora a diferença entre o que recebeu daquele e a maior indemnização que se calcule de harmonia com a legislação de trabalho.
Pertence ao lesado o ónus de pedir a indemnização de qualquer um dos responsáveis.
A lei não parifica os dois riscos, antes gradua em primeiro lugar o que considera causa mais próxima do dano, o do veículo que produziu o acidente. Portanto, se o detentor do veículo liquidar a indemnização ao lesado, nenhum direito lhe cabe perante a entidade empregadora (no domínio da responsabilidade objectiva). Ao invés, satisfazendo a entidade empregadora a indemnização em primeiro lugar, ficará sub-rogada nos direitos do lesado contra o detentor do veículo.
e) Danos causados por instalações de energia eléctrica ou gás (509.º e 510.º);
Aquele que tiver a direcção efectiva da instalação destinada à condução ou entrega de energia eléctrica ou de gás, e utilizar essa instalação no seu interesse, responde tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega de eletricidade ou gás, como pelos danos resultantes da própria instalação, excepto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.
Abrange-se os danos provocados pelo:
- Transporte e distribuição (pacífico);
- Produção ou armazenagem (não pacífico).
Esta responsabilidade cabe a quem tenha a direcção efectiva dessas fontes de energia e as utilize no interesse próprio, portanto, as empresas que as explorem como proprietárias, concessionárias ou a outro título (tal como no 503.º).
Não obrigam a reparação dos danos provenientes de causa de força maior (509.º/2).
Afastam-se também desta responsabilidade os danos motivados por utensílios de uso de energia (509.º/3) como fogões, frigoríficos, aparelhos de televisão, instalações de ar condicionado, etc.
Ao circunscrever a amplitude de indemnização (510.º) acentua que a sua disciplina só vigora quando não haja outra culpa do responsável e fixa para cada acidente, como limite máximo o estabelecido no 508.º/1, salvo se, havendo seguro obrigatório, a indemnização tem como limite máximo esse capital.
O legislador repete a remissão do 510º (508.º/1).
Os artigos 509.º e 510.º regulam a disciplina geral sobre danos resultantes deste tipo mas são naturalmente extensíveis ou adaptáveis a casos especiais.
O que é a Responsabilidade por factos lícitos?
Também se consagra que, excepcionalmente, a obrigação de indemnizar provenha de uma conduta lícita do agente.
É o que acontece quando - na eventualidade de uma pessoa ofender, em benefício de um direito ou interesse jurídicamente protegido e mediante a prática de um acto lícito, um direito ou interesse de outrem - a lei confira ao lesado uma pretensão de indemnização contra o beneficiário.
Não se encontra explicito no Código Civil. O legislador entendeu preferível não unificar num regime comum as diversas situações que traduzem a aplicação do mencionado princípio. Podem ser de direito público ou de direito privado. Ao invés, estão previstos vários casos espalhados pelo Código Civil e por diplomas avulsos.
Integram essencialmente dois grupos:
I. As situações em que a lei permite lesar a propriedade alheia, embora comine o ressarcimento dos danos produzidos;
Ex: actos praticados em estado de necessidade (339.º/2); e a que resulta dos prejuízos causados em prédio de outrem nas hipóteses de captura de enxames de abelhas (1322.º/1); de instalações ou depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas (1347.º/2 e 3); de escavações (1348.º/2); de passagem forçada ou momentânea (1349.º/3) ou de apanha de frutos (1367.º).
Todas estas hipóteses são de responsabilidade civil extracontratual ou extra-obrigacional por facto ilícito.
II. Em que a obrigação de indemnizar se relaciona com o direito atribuído a um contraente de pôr termo ao contrato;
Aqui trata-se de responsabilidade contratual ou obrigacional.
Ex: os casos de denúncia do arrendamento para habitação ao senhorio, de revogação do mandato (1172.º); de desistência do dono da obra na empreitada (1229.º); do cônjuge que pede o divórcio com fundamento na alteração das faculdades mentais do seu consorte (1781.º/b) e 1792.º/2).