Enriquecimento sem causa Flashcards
Noção e pressupostos (473.º e seguintes):
Na base deste instituto está a ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se injustificadamente à custa alheia.
O Código Civil considera-o uma fonte autónoma de obrigações, estabelecendo que aquele que sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem, é obrigado a prestar aquilo com que injustamente se locupletou (473.º/1).
Requisitos principais de pretensão de enriquecimento:
- A existência de um enriquecimento;
- Que esse enriquecimento se obtenha à custa de outrem;
- A falta de causa justificativa.
Estes requisitos podem ser divididos em:
I. Requisitos positivos
A lei exige que se dê um enriquecimento à custa de outrem.
Isto desdobra-se em três aspectos:
1) Enriquecimento;
Indispensável o enriquecimento da pessoa obrigada à restituição. Há-de traduzir-se numa melhoria da sua situação patrimonial, que se apura segundo as circunstâncias. Pode originar de diversas causas.
Há-de ser um enriquecimento real (que corresponde ao valor objectivo e autónomo da vantagem adquirida) e enriquecimento patrimonial (que reflecte a diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva - situação real - e aquela em que se encontraria se a deslocação não se houvesse verificado - situação hipotética).
2) Suporte do mesmo enriquecimento por outrem;
À vantagem patrimonial obtida por uma pessoa corresponde, via de regra, uma perda, também avaliável em dinheiro, sofrida por outra pessoa: um enriquecimento obtido à custa de um empobrecimento.
Esta perda e este ganho não têm necessariamente de ser idênticos.
Pode até não se verificar efectivamente um empobrecimento, embora se haja produzido a expensas desta.
3) Correlação entre um e outro (a + b);
É indubitável que têm de estar relacionados.
Não se exige uma correspondência objectiva, no sentido de se apresentarem.
Fica sempre ao critério do tribunal e do julgado, face às características do caso concreto, avaliar esta deslocação e correlação no caso.
II. Requisitos negativos
Na falta deles, só haverá lugar à pretensão do enriquecimento.
1) Ausência de causa legítima (473.º/1);
Para que se constitua uma obrigação de restituir fundada num enriquecimento, além das vantagens económicas obtidas, ainda é necessário que não exista uma causa jurídica justificativa dessa deslocação patrimonial.
Causa (ex: um contrato celebrado entre o enriquecido e o empobrecido). Sem causa (ex: o enriquecimento que resulte de uma prestação de outrem que se destinava a liquidar uma relação jurídica que não se produziu ou que não é válida). Pode também vir a causa de um preceito legal.
O 473.º/1 enuncia um preceito geral que, pela amplitude e elasticidade dos seus termos, permite à jurisprudência contemplar adequadamente, muitos casos práticos que o legislador não poderia prever de modo expresso.
2) Ausência de um meio jurídico (474.º);
O empobrecido apenas poderá recorrer à acção de enriquecimento quando a lei não lhe faculte outro meio para cobrir os seus prejuízos. Sempre que exista uma acção normal (declaração de nulidade ou anulação; resolução; de cumprimento; de reivindicação, etc.), deve o empobrecido dar-lhe preferência pois não se levantará a questão de averiguar se há locupletamento injustificado.
Dessa forma, quem tenha um outro meio, não é admitido a exercer a acção de enriquecimento.
Tem este um carácter residual ou subsidiário.
À inexistência de uma outra acção equipara-se a circunstância de esta não poder ser exercida em consequência de um obstáculo legal (ex: prescrição do direito de indemnização) ou de não poder sê-lo por razões de facto (maxime, insolvência do devedor). Também neste caso caberá ao interessado recorrer à acção de enriquecimento.
Esta ausência pode ainda ser originária ou superveniente.
3) Ausência de preceito legal que negue o direito à restituição ou atribua outros efeitos ao enriquecimento (parte final do 474.º);
A acção de enriquecimento também deve ser afastada em consequência de a lei negar o direito à restituição (ex: quando falte um pressuposto da causa do enriquecimento) ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento (ex: alteração da base do negócio - 437.º; as benfeitorias úteis que possam ser levantadas - 1273.º/1; a especificação da má fé - 1337.º).
Questão:
O enriquecimento tem de ser apenas avaliável em dinheiro ou poderá constituir-se tão-só em vantagens não patrimoniais, destituídas de valor económico?
Resposta afirmativa, sem dúvida. A vantagem obtida, embora de ordem patrimonial, produz consequências apreciáveis em dinheiro, quer dizer, quando se converta numa vantagem patrimonial indirecta.
Já não se sustenta o mesmo tratando-se de um simples vantagem moral ou ideal conseguida à custa alheia.
Da capacidade do enriquecido e do que suporta o enriquecimento:
A capacidade dos interessados não constitui requisito do instituto do enriquecimento, pois este enriquecimento pode produzir-se independentemente da vontade do enriquecido e da pessoa à custa de quem ele se produz. A lei contenta-se com o facto objectivo do enriquecimento, sendo indiferente se um e outro têm capacidade para adquirir e alienar.
Hipóteses especiais de enriquecimento injustificado:
Considerando algumas particularidades na lei para certas situações.
I. 473ª/2 - prevê três situações especiais de enriquecimento sem causa numa enumeração exemplificativa apenas:
1) Repetição do indevido;
Há que distinguir duas situações:
a) Repetição do indevido nos casos em que se cumpre uma obrigação objectivamente inexistente (476.º);
Deste 476.º sobressaem três requisitos:
1) Que se efectue uma prestação com a finalidade de cumprir uma obrigação;
A palavra obrigação é aqui utilizada com a amplitude do 397.º.
2) Que essa obrigação não exista na data da prestação;
3) Que a prestação efectuada nem mesmo se relacione com um dos deveres de ordem moral ou social, impostos pela justiça, que originam obrigações naturais.
É excluída a repetição, desde que haja uma obrigação natural do autor da prestação.
b) Repetição do indevido nos casos de cumprimento de obrigação alheia (mas na convicção errónea, ou de que se trata de dívida própria, ou de que se está vinculado para com o dever a esse cumprimento) (477.º);
Nestes casos, só existe direito de repetição contra o credor se este conhecia o erro ao receber a prestação. Encontrando-se o credor de boa-fé, resta ao solvens a possibilidade de exigir do devedor exonerado, aquilo com que o mesmo injustamente se locupletou (478.º).
2) Repetição do indevido nos casos de enriquecimento por virtude de uma causa que deixou de existir;
Pode acontecer que, embora no momento da realização de uma prestação exista a causa jurídica que a fundamenta, ela venha a desaparecer. Surge aqui uma pretensão de restituição do enriquecimento.
Pode ocorrer através de diversas situações.
3) Repetição do indevido nos casos de enriquecimento por falta do resultado previsto (473.º/2);
Casos de prestações efectuadas em vista de um resultado futuro que não se verificou pode fundar uma pretensão de enriquecimento.
Deste 473.º/2 sobressaem três requisitos:
1) Que se haja realizado uma prestação para obter, de harmonia com o conteúdo do respectivo negócio jurídico, um especial resultado futuro;
Este resultado futuro pode ser um acto de quem recebe a prestação (ex: o envio do preço das mercadorias encomendadas, na expectativa de que se concluirá a correspondente compra e venda) ou algo que a pessoa que recebe a prestação não tem de produzir ou não tem de produzir só por si (ex: o cumprimento de uma obrigação condicional, na esperança de que a condição se preencha).
2) Que se depreenda do conteúdo do negócio jurídico a fixação do fim da prestação;
3) Que o resultado não se produza;
Consiste num problema de interpretação da vontade das partes saber se o resultado se pode produzir apenas de “uma certa maneira” ou de várias.
À intenção das partes corresponderá, em regra, a primeira solução.
O 475.º exclui em dois casos esta acção de enriquecimento:
a) Se o autor, quando realizou a prestação, já sabia que o efeito previsto era impossível;
Somente se afasta a restituição se o autor tinha a certeza da inviabilidade do resultado, não bastando a sua mera convicção.
b) Se o autor impediu de má-fé a verificação do resultado.
Obrigação derivada do enriquecimento sem causa:
Sobre a pessoa que se locupletou injustamente recai a obrigação de restituir ao empobrecido tudo quanto haja obtido à sua custa: deve proceder-se a uma restituição em espécie, mas não sendo esta possível, entregar-se-á o valor correspondente (479.º/1).
Acrescentando-se que a obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento (479.º/2).
Isto encontra-se submetido a um duplo limite:
1) O do enriquecimento;
2) O do empobrecimento.
Atendendo-se ao seu enriquecimento patrimonial ou efectivo e não real. Nunca mais do que o quantitativo do empobrecimento do lesado, caso este se mostre ser inferior àquele.
Os dois valores não têm necessariamente de coincidir. E pode nem, efectivamente, se demonstrar um empobrecimento efectivo do lesado.
Intervém então o dano real do lesado.
Assim, por um lado, a restituição abrangerá tudo o que se conseguiu a expensas do titular da coisa, mediante o uso, fruição ou consumo indevidos dela - que pode não coincidir com o valor objectivo - e deverá, por outro lado, descontar-se o que resultou de factores diferentes e pessoais do beneficiado, como o seu trabalho, espírito de iniciativa, experiência ou perícia.
Questão: A que momento deve reportar-se a avaliação do enriquecimento à custa de outrem?
Responde o 479.º/2: deve atender-se ao enriquecimento actual, ao que se apura à data da citação judicial do enriquecido para a restituição ou do conhecimento, pelo enriquecido, da falta de causa do seu enriquecimento ou da falta do efeito que se pretendia conseguir com a prestação.
Agravamento da responsabilidade do enriquecido:
- No 480.º na hipótese de perecimento ou deterioração culposa da coisa;
- No 481.º na hipótese de alienação gratuita de coisa que devesse restituir.
Duas situações:
a) Se a coisa foi alienada antes da verificação de algum dos referidos factos que determinam o agravamento da obrigação de restituir, fica o adquirente obrigado em lugar do alienante, mas tão-só na medida do seu locupletamento (481.º/1);
b) Se a alienação gratuita ocorreu após a verificação de um daqueles factos, já no período da má-fé do alienante, este responde de acordo com o 480.º e nos mesmos termos é responsável o adquirente, quando, por sua vez, estiver de má-fé - que resultará de qualquer uma das situações das alíneas a) e b) do 480.º.
A responsabilidade do adquirente é solidária (497.º).
Prescrição do enriquecimento (482.º):
Prazo de três anos a contar da data em que o credor (empobrecido) teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento.
A lei estabelece dois prazos:
1) Logo que o empobrecido teve conhecimento do direito que lhe compete, quer dizer, da ocorrência dos factos constitutivos e da pessoa do responsável (o enriquecido), começa a contar-se o prazo de três anos;
São dois requisitos exigidos cumulativamente e cujo conhecimento, em regra, é simultâneo.
2) Contudo, desde o momento em que a restituição pode ser exigida, inicia-se também a contagem do prazo ordinário de prescrição de vinte anos (390.º);
Os dois prazos coordenam-se da seguinte forma: por um lado, a prescrição ordinária só impera quando o direito à restituição não se haja, entretanto, extinguido pelo decurso do prazo excepcional de prescrição de três anos; por outro lado, a prescrição ordinária opera sempre, mesmo que o empobrecido não chegue a ter conhecimento do seu direito e da pessoa responsável pela restituição.