Cláusula "rebus sic stantibus" - alteração anómala das circunstâncias (437.º cc) Flashcards

1
Q

O que é a cláusula “rebus sic stantibus” (437.º cc)?

A

A doutrina tem discutido sobre se a alteração do condicionalismo previsível para a data do cumprimento do contrato justifica ou não a sua resolução ou modificação.
A questão mostra-se de permanente actualidade.

A segurança das relações jurídicas induz à estabilidade dos contratos. Pode acontecer, porém, que uma mudança profunda das circunstâncias em que as partes se vincularam torne excessivamente oneroso ou difícil para uma delas o cumprimento daquilo a que se encontra obrigada, ou provoque um desequilíbrio acentuado entre as prestações correspectivas, quando se trate de contratos de execução diferida ou de longa duração.
Nestas situações, às vantagens da segurança, aconselhando a rigorosa aplicação do princípio da estabilidade, opõe-se um imperativo de justiça, que reclama a resolução ou modificação do contrato.

É possível às partes acautelarem-se, nos próprios acordos contratuais, quanto a essas eventualidades. Também pode o legislador fixar normas sobre a matéria, de conjuntura ou permanentes, de alcance geral ou específicas.

Apontam-se então duas soluções de tipo judicial:
I. A resolução do contrato
II. A modificação do conteúdo do contrato.

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2
Q

Qual a solução do direito português?

A

Procura soluções que, no caso, obtenham a maior conciliação entre a vontade presumível do declarante com as expectativas do declaratário e o interesse público da estabilidade dos contratos.
Visa-se harmonizar as exigências de justiça com a segurança do comércio jurídico.
É muito importante a intervenção do princípio da boa-fé.

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3
Q

O que fixa o 437.º/1 do cc?

A

Requisitos para que a alteração das circunstâncias conduza à resolução do contrato ou à modificação do respectivo conteúdo:
I. Exige-se que a alteração a ter por relevante diga respeito a circunstâncias em que se alicerçou a decisão de contratar;
Importa que essas circunstâncias determinantes para um das partes se mostrem conhecidas ou cognoscíveis para a outra. E ainda, para esta última, se lhe tivesse sido proposta a subordinação do negócio à verificação das circunstâncias pressupostas pelo lesado a aceitasse ou devesse aceitar, procedendo de boa-fé.
II. É necessário que essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração anormal;
O critério da anormalidade da alteração coincide nos nos resultados, via de regra, com o da imprevisibilidade.
Esta alteração caracertiza-se ainda pela excepcionalidade: é a anómala, a que escapa à regra, a que produz um sobressalto, um acidente, no curso ordinário ou série natural dos acontecimentos.
III. Torna-se indispensável, além disso, que a estabilidade do contrato envolva lesão para uma das partes;
Perturbação do originário equilíbrio contratual. Uma perturbação expressiva.
Muitas vezes consistirá no facto de se tornar excessivamente onerosa a prestação de uma das partes; ou envolver grandes riscos pessoais ou excessivos sacrifícios de natureza não patrimonial.
IV. É necessário que a manutenção do contrato ou dos seus termos afecte gravemente os princípios da boa-fé.
É este princípio que, em última análise, fundamenta a resolução ou revisão do contrato.
A lei não aponta para uma violação da boa-fé mas exige-se que esta se demonstre gravemente afectada.
V. Também é necessário que a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato;
Ou seja, esta alteração anómala das circunstâncias não deve compreender-se na álea própria do contrato, isto é, nas suas flutuações normais ou finalidade.
Aos riscos inerentes ao tipo de contrato em questão, devem equiparar-se os riscos concretamente contemplados pelas partes no acordo contratual celebrado. Com o facto gerador de alteração anómala das circunstâncias, podem concorrer outros que estejam dentro do risco normal do negócio. Considerar-se-á então, essa concorrência de causas e, em face dela, se verifica se deve ou não admitir-se a resolução do contrato ou a modificação do seu conteúdo e respectivos termos.
VI- Exige-se, por último, a inexistência de mora do lesado (438.º cc).
Se o cumprimento foi retardado mercê da impossibilidade temporária da prestação, inimputável ao devedor, ele pode prevalecer-se deste direito de resolução ou modificação contratual. A lei refere-se ao momento em que se produz a alteração das circunstâncias. Logo, se esta alteração antecede a mora não o impede.
Como também se admite que, havendo prorrogação do prazo por acordo das partes, deverá atender-se à finalidade que elas tiveram em vista para efeitos de aplicação da doutrina da resolubilidade ou modificabilidade do contrato às obrigações posteriores a essa prorrogação.

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4
Q

Que contratos se encontram abrangidos?

A

A lei nada declara expressamente.
Mas apenas se coloca relativamente a prestações que não sejam de execução imediata, antes, que devam efectuar-se no futuro.
O 437.º não distingue entre contratos bilaterais ou de prestações recíprocas e unilaterais.

Entende-se que, em princípio, compreende tanto os contratos bilaterais, como os bilaterais imperfeitos e os unilaterais, desde que se verifiquem os respectivos requisitos, mormente o da boa-fé.

Questões que se colocam:
I. E quanto aos contratos aleatórios, em cuja essência intervém a álea, pois os seus efeitos dependem de um facto futuro incerto, pelo menos temporalmente?
O Código Civil italiano exclui-os.
Talvez entre nós a solução também encontre algum apoio na letra da norma, que ressalva a não verificação da pressuposição “coberta pelos riscos próprios do contrato”. Todavia, não parece contrariar a lei a aceitação de uma fórmula que admita poderem os contratos aleatórios “ser resolvidos ou modificados quando a alteração das circunstâncias exceder apreciavelmente todas as flutuações previsíveis na data do contrato”; com a possível ressalva de as partes não se haverem sujeitado a efeitos análogos resultantes de outras causas.

II. A doutrina estrangeira encontra-se ainda dividida sobre se a resolução ou modificação de que tratamos envolve apenas os contratos que ainda não se encontrem inteiramente cumpridos - quer dizer, tão-só as prestações por efectuar quando se invoca a alteração das circunstâncias.
Aceita-se a resposta afirmativa como princípio. É a solução predominante, apoiada no forte argumento da segurança do tráfico e dos interesses da contratação. Mas concebem-se situações excepcionais, em que, verificados os seus requisitos, se justifica a resolução ou revisão do contrato após o cumprimento de uma ou de ambas as prestações.
(Ex: A celebra com uma empresa estrangeira, B, um contrato de aquisição de tecnologia industrial para o fabrico, no País, de certa especialidade farmacêutica; transmitida essa tecnologia e satisfeito o preço, ainda antes do início da laboração, a autoridade pública proíbe que se produza e venda, em todo o território nacional, o referido medicamento.)

III. A questão da resolução ou modificação e o risco (796.º cc).
Os contratos que envolvam transmissão da propriedade da coisa ou que constituem ou transferem um direito real sobre ela, o risco de perecimento ou deterioração corre por conta do adquirente. Em caso de colisão de regimes, qual dos dois deve prevalecer? A nossa doutrina mostra-se escassa e dividida. Também não existe consenso na jurisprudência.
O preceito especial do 796.º prevalece sobre a disciplina genérico do 437.º.
Tudo residirá em demonstrar riscos que excedam essa álea normal definida supletivamente no 796.º cc. De qualquer modo, apenas se coloca o problema a respeito da revisão e nunca da resolução do contrato, ou seja, com vista a uma repartição equitativa dos danos pelas partes.

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5
Q

Quais os efeitos da verificação do 437.º?

A

A verificação do 437.º cc confere ao lesado direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade.

A lei optou por um sistema misto de resolubilidade ou revisibilidade, com o que melhor se torna possível encontrar a decisão mais justa e adequada a cada caso concreto.

O lesado é livre em solicitar a resolução do contrato ou a modificação equitativa das suas cláusulas.

Quando o tribunal se encontre em face da alternativa da resolução ou da revisão, caberá optar pelo primeiro caminho, sempre que, diante da alteração das circunstâncias, o contrato tenha perdido a sua razão de ser ou não possa reestabelecer-se um equilíbrio justo.

Se possível, porém, deverá salvar-se o contrato, através da revisão do seu conteúdo com base em juízos de equidade.

O 439.º ocupa-se do regime jurídico quando haja lugar à resolução do contrato. Limita-se a remeter para as regras gerais da resolução do contrato - 432.º a 436.º.
Em princípio restitui-se tudo o que foi prestado (433.º e 289.º). Todavia, nos contratos de execução continuada ou periódica, sabemos que a resolução apenas a título excepcional compreende as prestações já efectuadas (434.º/2).

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