Não cumprimento das obrigações Flashcards
Como se define o não cumprimento das obrigações?
Verifica-se o não cumprimento, incumprimento ou inadimplemento de uma obrigação, sempre que a respectiva prestação debitória deixa de ser efectuada nos termos adequados.
Primeira distinção:
I. Impossibilidade originária (280.º e 401.º): torna o negócio nulo.
I. Impossibilidade superveniente (790.º e seguintes): trata-se de uma obrigação constituída validamente, cuja prestação se impossibilitou em momento posterior.
Implica a extinção do vínculo obrigacional, embora ligando-se-lhe efeitos diversificados, conforme se apresenta culposa ou não.
É preciso perceber o que motivou este incumprimento:
Se foi:
I. Em consequência de facto do devedor (790.º e seguintes);
ou
II. Em consequência do facto do credor ou de terceiro.
Decorrente de uma:
I. Circunstância fortuita;
II. Circunstância de força maior;
ou
III. Circunstância legal.
Assim, o incumprimento diz-se: I. Imputável ao devedor; ou II. Não imputável ao devedor. Só no incumprimento imputável ao devedor existe uma autêntica e característica falta de cumprimento.
Distinções atendendo ao seu efeito ou resultado:
I. Incumprimento definitivo: quando a prestação, que ficou por efectuar na altura exacta, não mais poderá sê-lo, pois tornou-se para sempre irrealizável, mercê da sua impossibilidade material ou da perda do interesse do credor;
II. Simples atraso/retardamento no incumprimento: a que se dá o nome de mora. Neste caso, a prestação ainda poderá ser cumprida, embora não tempestivamente;
Mora:
A) Do devedor (mora debitoris);
B) Do credor (mora creditoris).
Os casos mais frequentes.
Quando não há mora de qualquer um dos lados, o simples retardamento causal na prestação é, em regra, designado por impossibilidade temporária ou transitória.
III. Cumprimento defeituoso ou imperfeito: verifica-se uma violação do crédito, apesar de o devedor não se encontrar em mora, nem haver incumprimento definitivo. Comportam muitas situações diferentes.
Ex: o devedor efectua uma prestação cujas deficiências ou irregularidades produzem danos específicos ao credor.
No Código Civil:
Impossibilidade do cumprimento e mora não imputáveis ao devedor (790.º a 797.º);
Falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor (798.º a 812.º);
Mora do credor (813.º a 816.º).
Responsabilidade do devedor pelo não cumprimento:
O princípio básico é que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação se torna responsável pelos prejuízos ocasionados ao credor.
Isto, quer se trate de não cumprimento definitivo, quer de simples mora ou de cumprimento defeituoso (798.º, 799.º, 801.º e 804.º).
A lei estabelece uma presunção de culpa do devedor: portanto, sobre ele recai o ónus da prova.
E a culpa é apreciada segundo os critérios aplicáveis à responsabilidade civil extracontratual: portanto, em abstrato e não em concreto (799.º/1 e 2).
Vigora a regra da responsabilidade subjectiva.
O devedor responde ainda pelos actos de representantes legais ou auxiliares que utilize no cumprimento da obrigação (800.º).
Ver também o 809.º a propósito do 800.º/2.
O inadimplemento não culposo, por outro lado, não exonera o devedor quando ele promete o cumprimento haja o que houver.
A este propósito distinguem-se na doutrina três espécies de obrigações:
I. Obrigações de meios: em que o devedor apenas se compromete a desenvolver prudente e diligentemente certa actividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza (ex: a obrigação contratual do médico de empregar a sua ciência na cura do doente). Daí que o devedor fique exonerado no caso de o cumprimento requerer uma diligência maior do que a prometida (790.º e 791.º);
II. Obrigações de resultados: que se verificam quando se conclua da lei ou do negócio jurídico que o devedor está vinculado a conseguir um certo efeito útil (ex: a obrigação de entrega de uma coisa, por exemplo, de uma quantia em dinheiro). Neste caso, só a impossibilidade objectiva e não culposa da prestação exonera o devedor (790.º);
III. Obrigações de garantia: o devedor promete ainda mais do que nas obrigações de resultado, pois assume o risco da não verificação do efeito pretendido. Assim, responde, haja o que houver, não lhe sendo lícito invocar a causa estranha que tenha tornado a prestação impossível.
Para que surja a responsabilidade do devedor em consequência do incumprimento, não basta que lhe seja imputável ou que se trate de uma das situações excepcionais de responsabilidade contratual objectiva ou pelo risco.
Ainda se torna necessário que sobrevenham para o credor alguns danos ou prejuízos, que possam considerar-se resultado do não cumprimento.
Contudo, as partes podem convencionar em acordo prévio, não só, os pressupostos da responsabilidade debitória, mas ainda o montante da indemnização exigível. Nestas estipulações é de relevar a cláusula penal (810.º a 812.º).
A prática mostra que geralmente se convenciona a limitação da responsabilidade, contudo, por vezes, também o seu agravamento.
Não cumprimento definitivo por culpa do devedor:
Confere ao credor o direito à indemnização por danos sofridos (801.º/1),
No 801.º/1 equipara-se ao não cumprimento definitivo a impossibilidade de prestação imputável ao devedor, pois, se a prestação se torna impossível por culpa sua, responde “como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação”.
Constituem causas de determinação do incumprimento definitivo a perda do interesse do credor e a inobservância de um prazo suplementar razoável por ele fixado (808.º).
Quanto aos efeitos: parifica-se ao não cumprimento definitivo a impossibilidade de prestação imputável ao devedor.
Mas, se a obrigação resulta de um contrato bilateral, a lei concede ainda ao credor a faculdade de resolvê-lo, podendo exigir a restituição por inteiro da sua contraprestação, se já a houver efectuado (801.º/2).
Nesta hipótese, cabe ao interessado optar entre a indemnização compensatória dos prejuízos sofridos pelo não cumprimento e a resolução do negócio.
Discutível: a resolução do contrato e a indemnização a esse título, serão cumuláveis?
Na verdade, optando o lesado pela resolução do contrato, seria contraditório que, ao mesmo tempo, pedisse a indemnização pelo seu não cumprimento. O que decorre da lógica e coerência dessa opção é colocar o prejudicado na situação em que se encontraria se o contrato não houvesse sido celebrado. Portanto, não só exonerá-lo da obrigação que assumiu ou restituir-lhe a prestação por ele já efectuada, mas também indemnizá-lo do prejuízo que teve pelo facto de celebrar o contrato (dano “in contrahendo”).
Ao prejudicado cabe assim o direito de exigir o ressarcimento, quer dos danos que representam uma desvalorização ou perda patrimonial, quer ainda dos que se traduzem numa não valorização ou frustração do ganho (danos emergentes e lucros cessantes).
E no caso de uma prestação debitória se tornar apenas “parcialmente impossível”?
Poderá o credor escolher entre a resolução do negócio e o cumprimento do que for possível, reduzindo neste caso a sua contraprestação, se for devida.
Sempre se mantém o direito à indemnização nos termos indicados.
Mas o credor não pode resolver o negócio, se o incumprimento parcial, atendendo ao seu interesse tiver “escassa importância” (802.º/1 e 2).
O credor pode ainda reclamar o chamado “comodum” de representação:
O comódo representativo ou de sub-rogação é aquilo que no património do devedor substitui o objecto originariamente devido.
Desta maneira, se o devedor, por virtude do facto imputável que o impediu de cumprir, obteve algum direito sobre certa coisa ou contra terceiro, em substituição do objecto da prestação a que se encontrava vinculado, poderá o credor exigir-lhe que preste essa coisa ou susbtituir-se-lhe na titularidade desse direito. Porém, se o credor reclamar o cómodo representativo, o mesmo será deduzido no montante da indemnização dos danos a que porventura tenha direito (803.º/1 e 2).
Mora do devedor:
A simples mora do devedor obriga-o a reparar os danos causados ao credor (804.º/1).
Verifica-se mora debitória, se houve atraso culposo no cumprimento mas subsiste a possibilidade futura deste.
Expressa a lei que “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido” (804.º/2).
Em princípio, o devedor só fica constituído em mora depois de uma interpelação, judicial ou extrajudicial, para cumprir (805.º/1).
Mas haverá mora debitória, independentemente de interpelação nas situações previstas no 805.º.
Requisitos da mora:
I. Interpelação do devedor;
II. Exigibilidade do crédito;
III. O crédito deve ser líquido (excepto se a falta de liquidez for imputável ao devedor, caso em que existe mora desde a sua conduta impeditiva da determinação do montante em dívida - 805.º/3 1ª parte).
No âmbito da responsabilidade por facto ilícito ou risco, o devedor constitui-se em mora a partir da citação, a menos que já se encontre moroso de harmonia com o preceito anterior (805.º/3 2ª parte).
A mora não extingue a obrigação, continuando o devedor adstrito a satisfazer a prestação respectiva.
Nem o credor, por regra, pode resolver o contrato que esteja na base da obrigação, enquanto o atraso do devedor não se equipare a incumprimento definitivo. Apenas lhe cabe a faculdade de estabelecer um prazo suplementar razoável, mas peremptório, para a realização da prestação (808.º/1), pois não se compreenderia que a mora se mantivesse por tempo indeterminado.
Nada impede que a parte inocente conceda à outra um novo prazo de cumprimento e, desde logo, resolva o contrato se esse prazo não for observado.
Efeitos da mora:
I. Indemnização dos prejuízos causados ao credor (804.º/1);
O devedor responde apenas pelos danos que sejam consequência provável (adequada) do não cumprimento tempestivo da obrigação (563.º).
Preceitos especiais: quanto à mora nas obrigações pecuniárias (806.º); quanto à mora do locatário (1041.º); e do mutuário (1145.º/2 e 1146.º/2); e ainda quanto à mora no pagamento das prestações anuais a cargo do superficiário (1531.º/2).
O devedor moroso torna-se responsável pelo risco de deterioração ou perda da coisa devida, mesmo que esses factos lhe não sejam imputáveis (807.º/1).
A possibilidade de “o devedor provar que o credor teria sofrido igualmente os danos se a obrigação tivesse sido cumprida em tempo” fica ressalvada pelo 807.º/2.
A lei encara a eventualidade da mora ocasionar a perda do interesse do credor na prestação tardia, ou de o devedor moroso não cumprir dentro do prazo adicional e peremptório que aquele lhe tenha fixado. Nestes dois casos a obrigação considera-se como não cumprida (808.º). Portanto, produzem-se as consequências indicadas a esse propósito, o credor terá de optar entre a indemnização total pela falta de cumprimento e a resolução do contrato, com reparação cumulável dos danos sofridos (801.º).
Requisitos quanto á perda do interesse do credor na prestação (808.º):
a) Esta é apreciada objectivamente (808.º/2). Exige-se ainda que a efectiva perda do interesse do credor e não uma simples diminuição do interesse. O caso mais frequente consistirá no desaparecimento da necessidade que a prestação se destinava a satisfazer.
b) Dá-se o outro pressuposto da transformação da mora num incumprimento definitivo, se o devedor não cumpre no prazo supletivo e peremptório que o credor razoavelmente lhe conceda;
O referido prazo será fixado, em regra, através de uma interpelação cominatória, mas nada impede que se determine logo no momento da constituição do vínculo obrigacional.
Sempre se exigirá, todavia, uma declaração intimativa com um termo preciso para o cumprimento, resultando da sua inobservância a resolução automática do contrato.
Em alguns casos especiais, observa-se a possibilidade de resolução imediata, independentemente do disposto no 808.º:
Extinção da mora do devedor:
I. Satisfação do direito do credor, mediante a iniciativa do devedor de entregar-lhe a prestação originária e tudo o mais que lhe caiba em virtude do atraso no cumprimento.
É o que se chama purgação ou emenda da mora (discutível).
Ocorre, portanto, uma inversão da mora, a partir do momento em que o credor recuse, ilegalmente, a oferta da prestação, acrescida do “quantum” indemnizatório.
II. Mediante acordo do credor, fixando-se para mais tarde o vencimento da obrigação;
III. No caso de se extinguir a obrigação, desaparecerá a mora;
Se a causa extintiva abrange tão-só a prestação inicial, subsistirá o dever de indemnização pelos danos resultantes do incumprimento até essa data.
Cumprimento defeituoso:
Ao lado do não cumprimento definitivo e da mora, existe ainda a possibilidade de o crédito ser violado por um cumprimento defeituoso ou imperfeito (799.º/1).
O dano não resulta aqui da comissão ou do atraso do cumprimento, antes dos vícios ou deficiências da prestação efectuada - que portanto, se realiza, embora não como se impunha.
A nossa lei faz-lhe referência mas apenas a propósito de certos contratos, como a venda de bens onerados (905.º e seguintes); ou de coisas defeituosas (913.º e seguintes); a doação (957.º); a locação (1032.º e seguintes); o comodato (1134.º) e a empreitada (1218.º e seguintes).
Há que operar com o que resulta dessas normas e com o que resulta ainda das normais gerais do incumprimento.
Claro que, se a execução defeituosa produz tão-só os danos da falta de cumprimento perfeito - são aplicáveis as disposições relativas à impossibilidade parcial ou, podendo ainda remover-se a imperfeição, aplicam-se as regras da mora do devedor, desde que se verifiquem os restantes requisitos.
O problema aqui apenas se autonomiza quando ocorram danos típicos. E, na hipótese, o devedor responde por esses danos, exista ou não, simultaneamente, impossibilidade ou mora, sempre que a imperfeição da prestação lhe seja imputável.
Aceitação/não aceitação pelo credor.
I. A maior parte das vezes, o credor aceita a prestação porque desconhece, sem culpa, o vício. Torna-se-lhe então possível, prevalecer-se da invalidade do cumprimento, com base em erro ou dolo (251.º e seguintes e 295.º), seguindo-se a aplicação do regime do não cumprimento definitivo ou da mora. Contudo, pode o credor contentar-se com o ressarcimento dos danos.
II. Se o credor recusa a prestação defeituosa, passa-se também a um problema de incumprimento definitivo ou de mora (918.º e 1032.º).
Tudo reside na prova de que as deficiências da prestação, dado o seu vulto, justificam a conduta do credor.
Caso contrário, pode ele incorrer em mora (813.º) ou mesmo abuso do direito (334.º).
O cumprimento extingue a obrigação se o credor aceita a prestação defeituosa sem que sofra praticamente dano algum, mercê do dever de diligência que a boa fé lhe impõe (762.º/2).
Requisitos do cumprimento defeituoso:
Perante os outros dois tipos (incumprimento definitivo e mora) este é um conceito muito mais residual, que abrange a prestação defeituosa, bem como a violação dos deveres acessórios ou laterais.
Importa salientar ainda que o vício ou defeito da prestação terá de ser apreciado, no âmbito das várias soluções concretas, segundo critérios objectivos e à luz da boa fé.
Providências características:
I. Redução da contraprestação (911.º e 1222.º);
II. Reparação ou substituição da coisa (914.º; para os vícios de direito, ver o 907.º);
III. Eliminação dos defeitos (1221.º).
Efeitos do cumprimento defeituoso:
Se o credor aceita a prestação, sabendo-a viciada, essa sua atitude não tem necessariamente o efeito de extinção da obrigação, como se houvesse um cumprimento exacto. A solução envolve uma apreciação das características e circunstâncias de cada caso (914.º, 916.º/1, 1218.º e seguintes).
Meios compulsórios do devedor:
No direito moderno, por inspiração francesa, desenvolveu-se um sistema de meios de constrangimento indirecto, embora de predominante índole pecuniária (829.º-A).
São providências tomadas após a violação de uma norma e que se destinam a evitar que a mesma se prolongue, cessando, portanto, logo que ela termina.
Um meio termo entre a prevenção e a repressão.
Para o caso de falta do devedor ao cumprimento da obrigação no prazo fixado pelo tribunal, pode este, de ofício, condená-lo a satisfazer determinada soma, correspondente a cada dia de atrasado (ou a outra unidade de tempo) ou por cada infracção.
Tem uma função meramente compulsiva, não executiva. cominatória, enquanto tendem a intimidar o devedor através da simples ameaça de uma condenação, e indeterminados, na medida em que a expressão concreta da providência se apresentará maior ou menos, consoante a atitude do obrigado.
Espécies de meios compulsórios existentes:
I. Provisórios: sempre que o juiz reserva a possibilidade de modificá-la, para mais ou para menos, quando da respectiva liquidação, inclusive a pedido de qualquer uma das partes, atendendo à conduta do devedor;
II. Definitivos: o tribunal renuncia à faculdade de revisão do meio. Pode o devedor, contudo, demonstrar que o incumprimento não deriva de culpa sua.
No Código Civil:
829-ºA/1, 2 e 3: providências compulsórias de natureza pecuniária.
I. Só pode funcionar em obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, e desde que o cumprimento destas não exija especiais qualidades cientificas ou artísticas do devedor;
II. Impede-se o tribunal de agir oficiosamente, enquanto a imposição da providência depende de um pedido do credor;
III. A sanção pecuniária pode referir-se a cada dia de atraso no cumprimento ou a cada infracção, consoante as circunstâncias da hipótese concreta aconselhem.
IV. A indemnização pelo incumprimento não se confunde com a sanção pecuniária compulsória. A sanção pecuniária compulsória, embora fixada pelo tribunal de acordo com critérios de razoabilidade, uma vez cominada, torna-se definitiva, insusceptível de revisão oficiosa ou a requerimento das partes;
V. A quantia liquidada reverte, em montantes iguais, para o credor e para o Estado.
A existência ou subsistência da sanção pecuniária compulsória pressupõe, naturalmente, a viabilidade do cumprimento da obrigação a que reporta e a culpa do devedor.
O devedor tem de a afastar, demonstrando que o cumprimento já não se torna possível ou que o incumprimento não lhe é imputável.
- º-A/1, 2 e 3: providências judiciais, decretadas pelo tribunal;
- º-A/4: providência legal, decorrente directamente da lei. Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.
Realização coactiva da prestação:
Não se verificando a satisfação voluntária da obrigação, cabe ao credor o direito de exigir, através dos tribunais, o seu cumprimento e de executar o património do devedor (817.º a 830.º).
Este cumprimento específico da obrigação, obtido por via executiva, só em casos particulares e quando haja simples mora será possível.
Execução específica:
I. Se a prestação consiste em entrega de coisa determinada: o credor pode requerer, em execução, que essa entrega lhe seja feita (827.º);
II. Tratando-se de prestação de facto infungível, o credor tem a faculdade de requerer que outrem cumpra a obrigação à custa do devedor (828.º);
III. Se o devedor estiver obrigado a uma prestação de facto negativo e esta for realizada, a lei confere ao credor o direito de exigir a respectiva demolição e expensas do devedor inadimplente (ex: no caso de se tratar de uma obra). Apenas havendo lugar à indemnização nos termos gerais, se a demolição produzir ao devedor um prejuízo consideravelmente maior do que o suportado pelo credor (829.º/1 e 2 cc; 941.º cpc).
IV. No caso da violação de um contrato-promessa, ou seja, quando a prestação devida consiste na emissão de uma declaração de vontade destinada a celebrar um certo negócio jurídico, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida (830.º/1).
Presume-se existência de convenção em contrário quando haja sinal ou se tenha estabelecido uma pena para o incumprimento da promessa (830.º/2).
Se a promessa se dirige à celebração de contrato oneroso de transmissão ou de constituição de direito real sobre edifício ou fracção autónoma dele: a) a execução específica não pode ser afastada convencionalmente; b) a sentença que substitua a declaração negocial do faltoso, pode, a requerimento deste, determinar modificação do contrato (437.º), ainda que a mora seja anterior à alteração das circunstâncias (830.º/3 2ª parte); c) admite-se que no processo destinado à execução específica se acautele a subsequente expurgação da hipoteca que incida sobre o edifício ou sua fracção autónoma para garantia de crédito de terceiro (830.º/4).
Também se disciplina a hipótese de o contrato prometido possibilitar ao promitente faltoso o recurso à excepção de não cumprimento (830.º/5).
Exclusão da responsabilidade do devedor pelo não cumprimento:
Deixará de se verificar a responsabilidade do devedor pelo incumprimento definitivo, simples mora ou cumprimento defeituoso, sempre que esse facto não lhe seja imputável (1) ou quando ele tenha faltado legitimamente ao cumprimento da obrigação (2).
(1) Causas de inadimplemento não imputáveis ao devedor:
I. Caso fortuito: patenteia o desenvolvimento de causas de força naturais a que se mantém estranha a acção do homem (ex: inundações; incêndios).
II. Caso de força maior: consiste num facto de terceiro, pelo qual o devedor não é responsável (ex: a guerra; a prisão; o roubo; uma ordem de autoridade).
III. Caso de impossibilidade da prestação:
- Impossibilidade definitiva (790.º/1);
A obrigação extingue-se quando, por causa não imputável ao devedor, ocorre impossibilidade objectiva da prestação. Mas esta tem de ser absoluta (a impossibilidade relativa não libera o devedor).
Esta solução tem o propósito de impedir as incertezas e os riscos de arbítrio que podem resultar da orientação oposta.
Mas a lei comporta algumas atenuações: a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias (437.º); a subsistência da restauração natural pela indemnização pecuniária, sempre que o interesse do credor não justifique a excessiva onerosidade daquela para o devedor (566.º/1).
Importa ter sempre presente a boa fé que se impõe ao credor e ao devedor no cumprimento das obrigações (762.º/2). Ressalvados estes limites, ao devedor caberá suportar inteiramente o caso agravado na prestação.
Impossibilidade objectiva no caso de negócio condicional ou a termo (790.º/2);
À impossibilidade objectiva se equipara a mera impossibilidade objectiva, caso o devedor não possa fazer-se substituir por terceiro no cumprimento da obrigação (791.º).
Se, por virtude do facto que tornou impossível a prestação, o devedor adquirir algum direito sobre certa coisa, ou contra terceiro, em substituição do objecto da prestação, pode o credor exigir a prestação dessa coisa ou fazer-se substituir ao devedor na titularidade do direito que este tiver adquirido contra terceiro (794.º).
A impossibilidade da prestação nos contratos bilaterais (795.º/1 e 2): interessa aqui distingir se a prestação a) se tornou impossível em virtude de causa não imputável a qualquer das partes - fica o credor desobrigado da contraprestação e assiste-lhe o direito de reaver o que já tinha prestado, de acordo com as regras do enriquecimento sem causa; ou b) por causa imputável ao credor - o credor não fica liberto da contraprestação, mas desconta-se nela o benefício que, porventura, o devedor consiga com a respectiva exoneração.
Em matéria de risco - quem suporta a perda patrimonial resultante do perecimento ou deterioração da coisa por causa imputável ao devedor? Respondem os 796.º e 797.º.
- Impossibilidade temporária (792.º);
Enquanto esta impossibilidade dura, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes do retardamento da prestação, mas logo que o impedimento desapareça fica obrigado a efectuá-la.
Esta impossibilidade temporária só dura enquanto, atenta a finalidade da obrigação, se mantiver o interesse do credor (792.º/2).
Estando em causa um contrato bilateral, a contraparte pode invocar a excepção de não cumprimento.
E tratando-se de impossibilidade parcial? (793.º/1)
O devedor exonera-se mediante a prestação do que for possível, com redução proporcional da contraprestação da outra parte.
Ressalva-se a faculdade de o credor preferir resolver o negócio, baseado em justificada falta de interesse no cumprimento parcial da prestação (793.º/2).
(2) Causas legítimas de não cumprimento:
I. Excepção de não cumprimento do contrato (428.º a 431.º): o direito que tem qualquer uma das partes de recusar o cumprimento enquanto a outra, por sua vez, não efectue a correspondente prestação a que se encontra obrigado.
II. Direito de retenção (754.º a 761.º): é uma das chamadas garantias reais das obrigações. Em certos termos, a lei atribui ao devedor o direito de recusar a entrega de uma coisa, que detém e a cuja entrega se encontra adstrito. O aspecto principal é que esta sirva de garantia. Portanto, o devedor a que assista este direito pode retardar o cumprimento da sua prestação, sem que por esse facto fique sujeito a responsabilidade.
Mora do credor:
Também a mora creditória libera o devedor da responsabilidade pelo não cumprimento.
O credor está em mora (813.º) quando, sem motivo justificado:
I. Não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou
II. Não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.
A cooperação do credor no cumprimento é muito importante e pode manifestar-se de várias formas: em aceitar a prestação; apresentar-se o credor, ele próprio ou seu representante voluntário, no lugar convencionado para a prestar; exercer o direito de escolha numa obrigação genérica ou alternativa; passar quitação; restituir o título da dívida, etc.
A mora não exige que esta falta seja culposa.
Esta falta de cooperação do credor pode ainda provocar uma inexecução definitiva da obrigação, que por conseguinte, lhe será atribuível.
Apenas há mora do credor quando resulta numa inexecução temporária da obrigação.
Efeitos da mora do credor:
O vínculo da obrigação subsiste e a posição do devedor não deve ser agravada por este facto atribuído ao credor.
I. Isenção de responsabilidade moratória do devedor - ele não cumpre a obrigação, mas sem que este facto lhe seja imputável (798.º);
II. Proporciona ao devedor a faculdade de se exonerar da obrigação mediante consignação em depósito (841.º/1(n) e n.º 2). Embora seja necessário que se trate de prestação de coisa.
Caso o devedor não se exonere da obrigação, verifica-se um abrandamento da responsabilidade debitória, em resultado da mora do credor. Quanto ao objecto, o devedor passa apenas a responder pelo seu dolo; não continuando a usar da mesma diligência que anteriormente era exigida; em relação aos proventos da coisa devida, o devedor tão-só responde pelos que hajam sido percebidos; e durante a mora, a dívida deixa de vencer juros, legais ou convencionais (814.º/1 e 2).
III. Dá-se a inversão do risco (815.º/1);
A mora faz recair sobre o credor o risco da impossibilidade superveniente da prestação, que resulte de facto não imputável a dolo do devedor.
Sendo o contrato bilateral, o credor moroso que perca total ou parcialmente o seu crédito, não fica desobrigado da contraprestação; mas descontar-se-á nesta o valor de algum benefício que o devedor haja, porventura, obtido com a extinção da sua obrigação (815.º/2).
Defesa do devedor:
Tem o direito a indemnização pelas maiores despesas que tenha de realizar (816.º).
Extinção da mora do credor:
I. O credor extingue a sua mora quando toma a iniciativa de praticar o acto de cooperação no cumprimento que havia omitido - trata-se da purgação ou emenda da mora;
II. Pode ainda cessar por acordo do devedor;
III. Por extinção do crédito.
Cessão de bens aos credores:
Cessão de bens aos credores (831.º a 836.º).
Representa um meio de obter a satisfação dos credores, sem necessidade de recurso à execução judicial e à declaração de insolvência do devedor. Constitui uma forma de impedir a acção creditória.
Contudo, a sua disciplina, embora bastante recente, não auxilia a que se coloque facilmente em prática.
Características:
I. Apresenta a natureza de um contrato entre o devedor e os seus credores; e em certa medida constitui uma forma de garantia das obrigações;
II. Pode referir-se a todos ou tão-só a alguns credores;
III. Pode abranger a totalidade ou apenas parte do património do devedor.
IV. Os bens cedidos continuam a pertencer ao devedor até serem alienados a terceiros, na liquidação a cargo dos credores.
V. Os poderes do devedor sobre os bens cedidos tornam-se consideravelmente limitados.
VI. A cessão tem de ser realizada por escrito e encontra-se subordinada à forma exigida para a transmissão dos bens nela compreendidos (se abranger bens sujeitos a registo, caberá registá-la 832.º/1 e 2).
Efeitos da cessão:
Enquanto a cessão se mantiver, os cessionários e os credores posteriores à cessão não podem executar os bens cedidos.
Apenas os credores anteriores que não participem na cessão gozam do direito de promover a execução desses bens, até serem alienados (833.º).
Na constância da cessão, cabem exclusivamente aos concessionários os poderes de administração e de disposição dos bens cedidos. O devedor conserva, porém, o direito de fiscalizar a sua gestão e o direito à prestação de contas, finais ou anuais (834.º/1 e 2).
A exoneração do devedor em face dos credores verifica-se somente a partir do momento em que eles recebam a parte que lhes caiba na produto da liquidação, e na medida do que receberem (835.º).
Assiste ao devedor a faculdade de desistir a todo o tempo da cessão, mediante o cumprimento das obrigações a que está adstrito para com os cessionários. A sua desistência não produz eficácia retroactiva (836.º)/1 e 2).
A cessão pode caducar em consequência dos bens nela compreendidos serem objecto de apreensão para uma massa insolvente. A apreensão incidirá sobre o produto da venda de tais bens, caso esta se tenha verificado.
A declaração de insolvência, todavia, não afecta os pagamentos já efectuados a credores cessionários, embora se trate de actos que podem vir a ser resolvidos em benefício da massa insolvente (CIRE 121.º/1/f) e g) e 149.º/1b) e n.º 2).