O problema da realização do direito sem a mediação da norma Flashcards

1
Q

No âmbito do século XIX como se resolvia os casos omissos

A

O pensamento jurídico do século XIX perspetivava o sistema jurídico enquanto sistema unidimensional, autossubsistente em abstrato e com uma pretensão de plenitude no tratamento dos casos juridicamente relevantes. Quando assim não era – isto é, quando os casos juridicamente relevantes que exigem uma resposta do direito não estavam previstos diretamente na hipótese de uma norma –, estava-se perante uma situação de lacuna.
O normativismo legalista, incluiu, na própria determinação da categoria “lacuna”, a resposta para a superar, que passava pela possibilidade de atribuir ao sistema potencialidades, no plano lógico- analítico, para assimilar e integrar essas lacunas, por via da auto-integração.

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Q

Solução dos positivistas ao problema das lacunas

A

Os positivismos exegético e conceitual reconheceram essa auto-integração, admitindo dois degraus possíveis:
* Analogia legis: Procura-se uma norma que, na sua hipótese, prevê um caso análogo ao problema em causa. Para tal, o terceiro imparcial procede à procura do critério da analogia, que permita comparar ambos os casos lógico-estruturalmente ou pelos seus conceitos e categorias e compreendê-los nas suas semelhanças e diferenças. Trata-se de um processo de indução local ou limitada porque, partindo do apoio imediato numa única norma legal, o julgador convoca de forma mediata as significações que ela pressupõe, subsumindo, posteriormente, o caso omisso na norma obtida, por via da dedução.
* Analogia iuris: Não encontrando no sistema uma norma suscetível de ser mobilizada como material, o julgador dirige-se a um conjunto de normas e convoca imediatamente o instituto que estas racionalmente institucionalizam: um princípio geral de direito. Trata-se de um processo de indução universal ou generalizante. Sendo mais geral e mais abstrato do que as normas legais, os princípios gerais são menos exigentes na sua hipótese e, portanto, mobilizam categorias cujas significações são também menos específicas. Por fim, o julgador subsume o caso omisso no princípio geral obtido, por via da dedução.
Ainda assim, estas soluções de auto-integração são falsas analogias. O autêntico juízo analógico (presente em todo o processo de realização do direito, com ou sem mediação da norma) é aquele que especifica as semelhanças e as diferenças que aproximam e distinguem dois casos concretos.
Mantendo-se sempre numa relação estrutural de particular a particular (caso concreto/caso concreto), com fundamento numa compreensão material e constitutivamente teleológica.
Um verdadeiro juízo de analogia é efetuado no mesmo nível e, neste caso, tal não ocorre, já que se compara um caso concreto com uma norma ou um princípio geral de direito.

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3
Q

Resposta da jurisprudência dos interesses ao problema dos casos omissos

A

Assim, a jurisprudência dos interesses assumiu uma conceção teleológico-valoradora da analogia jurídica, refletida no artigo 10.o/2 do CC. Numa compreensão já para além da jurisprudência dos interesses, fundamenta-se a analogia jurídica com a dialética sistema-problema, de modo a avaliar até que ponto os casos em causa são juridicamente semelhantes e até que ponto a decisão judicativa adequada para um o é também para o outro.
NOTA: Não é possível distinguir metodologicamente interpretação extensiva e analogia: esta só seria válida e prático-judicativamente produtiva se pudéssemos continuar a admitir que a letra desempenha prescritivamente uma função negativa autónoma (daí a formulação pouco feliz do artigo 11.o do CC). Importa antes distinguir:
- Analogias imediatas ou próximas: realização do direito através da mediação de uma norma enquanto critério, estabelecendo-se um juízo analógico que permite a interpretação.
- Analogias mediatas ou distantes: realização do direito sem a mediação de uma norma, convocando-se o critério da analogia. No caso da ausência de uma norma legal que assimile a relevância da controvérsia jurídica em causa, importa lembrar que, dada a pluridimensionalidade do sistema, é possível mobilizar critérios doutrinais ou jurisprudenciais ou, na falta destes, fundamentos.

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4
Q

O cânone do julgador como se fosse legislador

A

O cânone do julgador como se fosse o legislador foi assumido por Aristóteles e recuperado por Gény no positivismo exegético. Encontra-se consagrado no artigo 10.o/3 do CC, inserido por inspiração direta do artigo 1.o do CC suíço. Admite três sentidos, ainda que todos reconheçam o legislador como protagonista paradigmático:
- Sentido jurídico tradicional: o julgador deve, inicialmente, abstrair-se do caso concreto e colocar-se na posição do legislador, criando uma norma geral e abstrata autossubsistente. Posteriormente, aplica-a à controvérsia jurídica, segundo o esquema dedutivo abstrato-concreto, geral-particular, geral-especial. Este sentido encontra justificação no normativismo.
- Sentido político ou político-social: o julgador orienta-se pelas opções estratégicas do legislador ou assume-se como estratega que conhece a teoria científica da legislação. Este sentido fundamenta-se no funcionalismo material, político ou tecnológico.
- Sentido jurídico capaz de assumir uma realização do direito com autonomia normativo- judicativamente constitutiva: o legislador apenas disponibiliza um exemplo de criação de direito submetido às exigências de um sistema pluridimensional, e não um modus normativo formalmente determinado. Esta posição fundamenta-se no jurisprudencialismo e é por ela que se rege o curso.

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