Estrato da realidade jurídica Flashcards
Designação geral
A realidade jurídica em que as controvérsias se manifestam e o direito se realiza é o último estrato do sistema jurídico. Não se trata de um mero campo de aplicação do direito, mas de um contexto histórico-social que interage com o sistema. Existem, inclusive, problemas práticos que não se encontram solucionados pelos critérios. Por outro lado, a realidade jurídica evolui mais rapidamente do que as prescrições, as decisões e os textos autoritários, acabando por ser assimilada pelos restantes estratos do sistema. A realidade jurídica comporta várias dimensões:
- Dimensão Dinâmica;
- Dimensão institucional;
Dimensão Dinâmica da Realidade Jurídica
Relaciona-se com a realização microscópica e pontualizada do direito, isto é, com a controvérsia prática e com o seu tratamento judicativo-decisório. A realização do direito em concreto exige uma dialética dialogante entre o sistema na sua pluridimensionalidade e o caso. A estabilização dos juízos decisórios como critérios vigentes no corpus iuris é determinada pela tarefa prática das jurisprudências judicial e doutrinal e pelo direito dos juristas que estas constituem e reinventam. Convergem a perspetiva imposta pela normatividade jurídica e a ação prática social que a primeira assimila.
Dimensão institucional da Realidade Jurídica
Identifica verdadeiramente a realidade jurídica enquanto estrato do sistema, enquanto dimensão de estabilização ao nível do efeito das condutas, práticas, decisões e ações.
Esta dimensão está presente quando nos referimos, no universo do direito privado, aos institutos da propriedade, do poder paternal, do contrato de arrendamento, da usucapião e, no universo do direito público, a instituições de grande relevo como as da estrutura do Estado de Direito. Para além do que se pode encontrar ao nível do tratamento desses institutos nos diplomas legislativos, nos textos doutrinais, nas decisões judiciais e nas referências últimas aos princípios, há um verdadeiro direito em ação (law in action) que afirma diferenças muito significativas em relação ao direito prescrito (law in books). Torna-se, então, imprescindível atender à realidade material dos ditos institutos. Por exemplo, quando determinadas normas pressupõem uma certa realidade e se verifica uma evolução dessa realidade que a altera, as normas em causa vão progressivamente sofrendo uma perda de eficácia na sua projeção social, tornando-se obsoletas.
Realidades económica, política e cultural manifestam-se através da autonomização de certos institutos, não no sentido de se tratarem de individualidades lógicas conformadas normativamente pelos princípios e critérios (visão do século XIX), mas no sentido law in action resultante da interpretação entre intenções normativas e experiências práticas sociais estabilizadoras e, por isso, reconhecidas como realidades.
Pertencem também a esta dimensão os cânones correspondentes às comunidades interpretativas dos diferentes operadores jurídicos (comunidades de juízes, advogados, juristas dogmáticos e académicos), que precipitam experiências coletivas inconfundíveis e nos submetem a uma pluralidade de linguagens resultante das diferentes abordagens (ainda que suscetíveis de serem conciliadas) face à experiência do sistema jurídico in action em cada contexto histórico. As práticas profissionais que dividem os juristas – o modo como são cultivadas, os códigos que mobilizam – são estudadas pela semiótica e pela teoria da interpretação e determinam assimilações diferenciadas do conteúdo do sistema jurídico. O direito densifica-se por referência à realidade histórica.
Ainda no plano institucional, consideram-se os modos concretos de organização e associação que correspondem ao exercício da autonomia privada. Quando as partes, através de um contrato, estabelecem uma disciplina para as suas próprias relações, há um conjunto de realidades, simultaneamente jurídicas e sociais, que se encontram. É o caso das associações, das sociedades, das fundações e de outros corpos autónomos que criam um universo específico de encontro entre a realidade e a normatividade.