Especificidades do nosso Sistema de Legislação Flashcards

1
Q

Instituto dos Assentos

A

Os assentos eram autênticas normas gerais e abstratas, com força obrigatória geral, que o Supremo Tribunal de Justiça, funcionando em pleno, se via constrangido a prescrever, sem qualquer juízo prévio de oportunidade, sempre que decidia de um recurso para este plenário e tendo por base a decisão deste recurso. Em vigor na ordem jurídica portuguesa em 1926, obtiveram confirmação pelo Código de Processo Civil de 1939 e, com o Código de 1961, foram alargados aos Supremos Tribunais Administrativos. Foram revogados em 1996, após uma decisão do Tribunal Constitucional, que os declarou parcialmente inconstitucionais – a revogação do instituto dos assentos foi acompanhada da revogação do artigo 2.o do CC que o consagrava.
Imagine-se uma controvérsia prática que, após ter percorrido as diversas instâncias de recurso, fora solucionado pelo Supremo Tribunal de Justiça e transitara em julgado. Surgia depois outro caso que, no âmbito da mesma legislação, tratava da mesma questão fundamental de direito.
Este segundo caso também seguira as diversas instâncias de recurso e, chegando ao STJ, a solução para ele assentava numa posição jurídica oposta à primeira (ou seja, numa interpretação diferente da mesma norma).
De acordo com os pressupostos dos assentos, se tal acontecesse, ter-se-ia um conflito de jurisprudência, que permitiria a possibilidade de um novo recurso, interposto pelas partes ou pelo Ministério Público, para o Tribunal Pleno – plenário do STJ, constituído por todos os juízes das secções, que só podia funcionar com a presença de pelo menos 4/5 dos juízes em exercício de funções. A decisão do Tribunal Pleno resolveria o segundo caso, permitindo que este transitasse em julgado. No entanto, o papel desempenhado pelo Tribunal Pleno não consistia apenas na resolução do segundo caso. Posteriormente, era extraído, por um esforço de generalização, o assento, com um poder de vinculação erga omnes e com fortes afinidades com o tipo de vinculação autoritário-prescritiva correspondente à legislação. Essa norma aparecia num enunciado estruturalmente e materialmente autónomo.
A intenção deste instituto era fortemente marcada por uma visão da unidade do direito, sobretudo entendida em termos de uniformização, pois na sua base estava uma compreensão normativista. Só nestas circunstâncias-limite a jurisprudência estaria autorizada a constituir direito. O Código de Processo Civil estabelecia que o Tribunal Pleno não podia alterar a sua decisão. Esta era uma construção anómala e a sua qualificação dividia a doutrina portuguesa: se havia quem considerasse que estaríamos perante jurisdição, outros entendiam que estávamos perante a criação de uma norma em tudo semelhante às de legislação (argumento intensificado pelo uso dos assentos como verdadeiros programas voltados para o futuro).
Os assentos sofreram, ao longo do tempo, diversas críticas, a mais relevante das quais se deve a Castanheira Neves, numa notável monografia, escrita entre 1973 e 1983. Essa denúncia crítica teve diversas repercussões e uma delas foi precisamente o reconhecimento pelo Tribunal Constitucional de que este era um instituto parcialmente inconstitucional. A decisão que resolvia o segundo caso podia ser perfeitamente adequada à especificidade do caso e, no entanto, ser uma solução dificilmente generalizável. Além disso, o facto de ser o poder judicial (e não o legislativo) a criar normas legais, violava o princípio da separação de poderes. As normas criadas por ambos vinculavam da mesma forma.

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2
Q

Julgamento de fixação de jurisprudência e o julgamento ampliado de revista para uniformização da jurisprudência

A

Há quem admita que os assentos foram substituídos pelo instituto dos juízos de fixação da jurisprudência, no qual há possibilidades de recursos ordinários e extraordinários, que se dirigem sempre a uma estabilização ou fixação da jurisprudência. Nesses recursos, existem efetivamente diversos elementos (ao nível dos pressupostos) que mantêm uma forte afinidade com o instituto dos assentos. A diferença fundamental (e verdadeiramente capital) está no resultado que advém do seu exercício.
Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso do acórdão proferido em último lugar.
Contrariamente ao que sucedia nos assentos, o plenário da secções criminais vai simplesmente proferir um acórdão perfeitamente capaz de solucionar o segundo caso, não procedendo, depois, à reconstituição, por via da generalização, de uma norma geral e abstrata.
Esta decisão é concreta e vai poder constituir um juízo decisório futuro. Assim, se um julgador que está a resolver um caso selecionar um juízo decisório de fixação da jurisprudência como exemplo para construir a sua solução, beneficia da presunção de justeza que lhe está subjacente. Por outro lado, se pretender afastar-se desse juízo, terá o ónus de contra-argumentação. A sua argumentação que terá de ser rigorosa e concludente para provar o que, na materialidade daquele caso, existe (na perspetiva do sistema jurídico) de significativo que o leve a afastar-se dele.
Refere-se ainda, neste âmbito, o julgamento ampliado de revista para uniformização de jurisprudência (em processo civil). Estes dois institutos, vigentes no nosso ordenamento jurídico, objetivam autênticos critérios jurisdicionais (pré-juízos que devem ser mobilizados metodologicamente enquanto exemplos). No fundo, visam estabilizar a jurisprudência judicial, não através de uma vinculação formal, mas mediante a possibilidade de reconhecimento do ônus da contra-argumentação.

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