Conceitos gerais do Capítulo 2 Flashcards
O Direito como “Dever-Ser que é”
O problema das fontes do direito traduz-se, fundamentalmente, na questão de saber de que modo se constitui e manifesta o direito positivamente vigente, isto é, do direito válido porque respeita as suas exigências últimas e eficaz porque corresponde a uma exigência de sentido relevantes. numa determinada comunidade histórica – problema este que implica o próprio problema do direito em si mesmo.
A vigência normativo-jurídica afirma-se com um certo âmbito espacial e num determinado momento temporal. O direito é um dever-ser que é e a vigência é precisamente este modo de existência de um dever-ser. A vigência identifica, portanto, a subsistência histórico-social de uma normatividade, apresentando uma face ideal – a validade – e outra empírica ou factual – a eficácia.
A vigência acrescenta à validade o momento de realidade da existência histórica, que tende a estabilizar-se na institucionalização. Mas o direito vigente também não é aquele que tenha de considerar-se eficaz, em virtude da força do poder capaz de o impor. Se assim fosse, toda a violação dos critérios jurídicos impostos traduziria a preterição da respetiva vigência. Fala-se, assim, de expetativas normativas que são contrafactuais: os factos que as desrespeitam não as anulam, isto é, não bastam para retirar vigência à validade em que radicam. Quando é violado, o direito perde eficácia, porém não perde vigência ou validade. O direito é uma realidade cultural, não de pura factualidade. O direito vigente admite preterições.
A validade e a eficácia chamam a atenção para a nuclear bipolaridade da vigência: a validade é o seu polo ao nível do conteúdo – plano axiológico –, a eficácia é o seu polo ao nível do fático – plano sociológico. Kant defende que a “validade sem a eficácia é inoperante e a eficácia sem a validade é cega”.
Compreensões a superar acerca das Fontes do Direito
Castanheira Neves reconhece quatro tipos de fontes: as fontes de conhecimento (“locais” onde se encontra o direito ou que autenticamente o manifestam), as fontes genéticas/materiais/reais (elementos de origem do direito, que determinam o seu conteúdo ou o explicam histórica, social, cultural e político-ideologicamente), as fontes de validade (valores ou princípios que fundamentam a normatividade jurídica) e as fontes de juridicidade (constituintes da normatividade jurídica).
Só o último sentido se justifica a autonomizar o problema específico das fontes do direito. A razão pela qual a normatividade jurídica se torna vigente, ou seja, como é que o direito se torna direito. Torna- se, assim, necessário superar duas compreensões do problema das fontes do direito, marcadas pelo positivismo:
- Perspetiva hermenêutica: reduz o problema enunciado a um problema de fontes de conhecimento do direito, cuja resolução passaria pela reconstituição analítica das normas secundárias associadas a cada domínio dogmático do direito (artigos 1.o a 4.o CC) e às possibilidades de constituição e manifestação desse direito. Esta é uma resposta insatisfatória porque os cânones consagrados são expressão de uma determinada voluntas do legislador e não uma resposta relativa às fontes.
- Perspetiva político-constitucional: preocupa-se com o problema da constituição e manifestação do direito, mas impõe-nos como resposta a integral remissão para a autoridade-potestas legitimada político-constitucionalmente e para a voluntas que a determina. Neste sentido, os modos legítimos de constituição e manifestação do direito seriam aqueles que estão prescritos na Constituição e na legislação ordinária em conformidade com esta. Esta perspetiva é insatisfatória porque muitas das componentes ao nível do conteúdo do direito vigente não seriam consideradas (ou seriam consideradas muito parcelarmente).
Perspetiva Fenomenológico-Normativa
É necessário assumir uma perspetiva que nos permita compreender o sentido prático-cultural do direito e a sua autonomia, na pluralidade das suas experiências de determinação e de realização da validade comunitária e dos modos de vinculação ou de assimilação vinculante que as traduzem e aplicam. Devemos apreender todos os fatores relacionados com a experiência de constituição do direito, já que este só será vigente se a realidade prático-cultural que o convoca estiver submetida aos fundamentos que condicionam a sua validade, de modo a que o direito seja assimilado por ela e, depois, objetificado no Corpus Iuris– a abordagem fenomenológico- normativa, que deverá experimentar quatro momentos que, reunidos, formam a experiência jurídica:
- Momento material: a realidade histórico-social que solicita problematicamente respostas de direito.
- Momento de validade: os princípios normativos que submetem o campo da realidade social às suas exigências de sentido, permitindo distinguir o válido do inválido. Este momento reflete o direito enquanto projeto de procura de um certo homo humanus livre, autónomo e responsável.
- Momento constituinte: os modos de instituição ou de auctoritas constituinte que sustentam a positivação do direito como direito visto que o direit positivo não pode apenas ser válido.
- Momento da objetivação: a integração no corpus iuris, o que nos autoriza a falar de um direito vigente.
A especificidade do momento constitutivo e a relação deste com o momento de objetivação
O legislador tem uma prerrogativa, mas não o monopólio na criação do direito.
Há outras instâncias com legitimidade para participar no processo de constituição da normatividade jurídica. Desde logo, a jurisprudência judicial, com a tarefa de decidir judicativamente os casos concretos, mas também de constituir a novidade que estes apresentam, enunciando-os com um fundamento e em termos que garantam a vinculação normativa implicada pela respetiva vigência. Há também uma autêntica dogmática de fundamentação que procura elaborar, no quadro da dialética sistema/problema, modelos práticos de decisão para os casos jurídicos concretos, além de explicitar e constituir fundamentos.
Estabelece-se uma teia de relações entre os dois estratos do sistema: a jurisprudência judicial colhe na elaboração dogmática prático-normativamente comprometida o fundamento da racionalidade de decisões judicativas que profere e a jurisprudência dogmática recebe da experiência jurisdicional a realidade que reflete.
No processo de constituição do direito, acresce ainda o momento de objetivação que autonomiza a integração, explícita (formal) ou meramente implícita (material), projetada em critérios jurídicos específicos ou reconstitutiva do sentido na normatividade jurídica vigente. Com efeito, só estaremos perante direito se a específica validade se afirmar como societariamente eficaz.