As Normas Legais Flashcards
Quais os programas das Normas Legais
As prescrições legislativas possuem uma índole programática específica, relacionada com um modo de constituir o direito orientado para o futuro, como uma regra de conduta que irá orientar as nossas práticas vindouras.
A experiência positivista normativista do século XIX insistia numa identidade do direito com a lei, esta última expressa através de uma norma geral, abstrata e formal na sua estrutura hipotético- condicional. O programa condicional preocupa-se, assim, em prever uma situação-controvérsia que possa ocorrer, em tipificá-la e atribuir-lhe uma solução.
O programa final, resultante da institucionalização do Estado Social, corresponde à maioria das prescrições legislativas vigentes na nossa experiência contemporânea. O seu ponto de partida manifesta-se numa escolha de finalidades, de objetivos a atingir, que vão sendo antecipados e que assumem explicitamente uma intencionalidade de transformação da realidade. O programa desenvolve-se, sobretudo, pela escolha dos meios que devem ser mobilizados para atingir aqueles fins (racionalidade instrumental meio-fim) e pela antecipação de algumas situações de decisão possíveis que se colocarão no futuro quando estiverem em causa decisões com possíveis alternativas, mais ou menos identificadas pelos efeitos que produzem.
Teubner introduz ainda o conceito de programas relacionais para caracterizar aqueles que se dirigem à prática, procurando regulá-la num plano puramente procedimental. Desta forma, as expressões legislativas não indicam como devemos agir ao nível do conteúdo, mas estabelecem regras de procedimento rigorosas que têm de ser observadas para, posteriormente, conseguirem ser tomadas as decisões.
Faces das Normas Legais
Imperativo e Critério
Face das Normas Legais- Imperativo (Num sentido amplissímo)
A lei é expressão de uma voluntas associada a uma presunção de autoridade-potestas e vincula-nos legitimamente enquanto autoridade num sentido político-programático. Por se relacionar com as escolhas dos órgãos de poder com competência legislativa, a legislação (nomeadamente a Constituição) é um elemento discursivo- institucional partilhado pelo jurídico e pela política. Esta face permite identificar os fins que as normas legais visam prosseguir, os meios a mobilizar e as alternativas de decisão de todos os operadores jurídicos (desde o legislador ao cidadão), revelando-se essencial para entender o modo de vigência e de vinculação da lei. No fundo, tipifica um problema e fornece uma solução para o mesmo.
Face das Normas Legais- Critério
A lei, enquanto componente do sistema jurídico, não só é uma pura manifestação do poder, como também uma manifestação da juridicidade, pelo que tem de ser compreendida e experimentada como esquema de solução que passa sempre por uma previsão de situações – particularmente evidente nos programas condicionais, mas igualmente notória nos programas finais (ao definir objetivos, antecipam, num determinado contexto situacional, possíveis situações de decisão que os operadores administrativos ou judiciais enfrentarão na execução e projeção da estratégia planeada). O ponto de partida do discurso jurídico é o caso concreto e as normas legais, quando mobilizadas para orientarem a resposta dada pelo julgador ao problema, têm sempre de revelar uma racionalidade de fundamentação e de respeitar as grandes exigências e os limites de validade impostos pelos princípios normativos – dirigindo-se-nos como uma objetivação, entre outras possíveis, das intenções destes princípios. Deste modo, devem ser vistas como solução-resultado e não como premissas de um silogismo subsuntivo como ocorria no século XIX.
Perspetivas de experimentação
Consideram-se as prescrições legislativas à luz de duas perspetivas indispensáveis e irredutíveis (não se podem reduzir uma à outra, apesar das pontes e fronteiras que possam estabelecer-se entre ambas).
- Ratio legis: procura reconstituir imediatamente a finalidade prática que motivou a decisão da prescrição legislativa ou a justificação político-social e teleológico-estratégica que esta prossegue. A norma pode, assim, ser considerada adequada ou desadequada, oportuna ou inoportuna, capaz ou incapaz de articular os recursos de que dispõe, apta ou inapta para produzir os efeitos empíricos a que se propõe. A norma é considerada como programa de fins.
- Ratio iuris: procura compreender as finalidades práticas da norma inseridas no contexto do sistema e, especialmente, na perspetiva dos princípios. Considera diretamente a relação entre a teleologia programática da prescrição legislativa e os princípios que a fundamentam e constata se as decisões tomadas assimilam, se cumpre os limites de validade impostos pelos princípios, ou frustram as intenções dos princípios. Privilegia a face da lei como critério e vê se a teleologia da norma cumpre as exigências dos fundamentos normativos.
Qual a compreensão do resultado do contraponto entre ratio legis e ratio iuris
Do contraponto entre a ratio legis com a ratio iuris compreende-se que o legislador prescreve a norma legal sem intenção de frustrar qualquer princípio do sistema jurídico. A solução consagrada pela norma não parece, em abstrato, violar qualquer princípio e mobilizado na prática confere uma resposta adequada e justa à maioria das controvérsias, mas desadequada na perspetiva de um problema em concreto. Sendo assim, o julgador deve convocar uma solução sistemática e metodológica, através da conceção da norma, atribuindo-lhe significações contingentes com os princípios. Sendo totalmente impossível compatibilizar a norma legal com a exigência dos princípios, aquela que deve ser preterida, revelando a exigência de dar preferência à ratio iuris face à ratio legis. Outra hipótese metodológica é a de superação, sempre que se considera que o princípio em causa foi superado pela erosão do tempo, pelo que a norma que o assimila permanece formalmente vigente, mas perde a sua validade material pela caducidade.
Ao contrário dos princípios como ius, as normas legais beneficiam de uma presunção de autoridade político-constitucional (auctoritas-potestas), vinculando os sujeitos jurídicos enquanto tal.
Problema da classificação das normas legais- diferentes perspetivas
- A perspetiva da estrutura ou do “módulo lógico”
- A perspetiva da articulação ou coerência sistémica
- A perspetiva do vínculo lógico com a ação combinada com a perspetiva da autonomia privada
- A perspetiva da sanção
Classificação das normas legais- A perspetiva da estrutura ou do “módulo lógico”
- Normas completas ou autónomas;
- Normas incompletas, não autónomas ou fragmentárias: normas explicitamente remissivas ou normas implicitamente remissivas (ficções legais e presunções legais);
- Proposições não normativas.
Normas completas ou autónomas
Manifestam, na sua formulação textual e estrutural, um conteúdo autossubsistente, não dependendo de normas adicionais para completar a unidade lógica do seu programa condicional. Assim sendo, já preveem hipoteticamente uma situação ou um comportamento juridicamente relevantes (hipótese normativa), conectando-os às respetivas consequências jurídicas (estatuições normativas), ou seja, apresentam uma solução completa.
Normas incompletas, não autónomas ou fragmentárias
Não introduzem em pleno os elementos da sua estrutura lógica, uma vez que omitem, no todo ou em parte, quer a previsão, quer a estatuição. Dependem da articulação com outra ou outras normas adicionais para que o programa condicional que estabelecem venha a conhecer a sua completude lógica e esteja apto a produzir os seus efeitos.
Normas explicitamente remissivas
convocam especificamente as prescrições para as quais remetem, quer estejam estas contidas no mesmo sistema jurídico em que se inclui a norma remissiva (remissão intrassistemática), quer estejam contidas num sistema jurídico externo (remissão extrassistemática).
Normas implicitamente remissivas
convocam, de forma inferida e não manifesta, uma articulação dogmática com outras disposições legais para que os contornos do regime jurídico que instituem possam vir à tona na sua real extensão. Destacam-se as ficções legais e as presunções legais, duas das técnicas de construção legislativa de uso mais frequente.
Ficções legais
Numa ficção legal, o legislador, por via de uma simulação, equipara duas situações sabidamente distintas, a fim de atribuir a uma delas o mesmo efeito jurídico já previamente estabelecido para a outra.
Presunções legais
Numa presunção legal, o legislador apoia-se num raciocínio de verosimilhança: a partir de um facto conhecido, infere aquilo que desconhece, através de uma ilação. Considera-se que um determinado facto é verdadeiro por via da prova de outro facto relacionado, de algum modo, ao primeiro.
As presunções legais geram o peculiar efeito da inversão do ónus da prova. Deste modo, o sujeito que invoca a seu favor uma presunção, ou que dela beneficia para fazer jus a um determinado direito, está dispensado do ónus de fazer a prova direta do facto presumido, transferindo, assim, para a parte que se opõe ao direito alegado o ónus de provar que, por alguma razão, naquela situação, a dita presunção não se aplica.
- Presunções relativas ou iuris tantum: presunções passíveis de serem refutadas ou ilididas por prova em contrário.
- Presunções absolutas ou iuris et de iure: presunções insuscetíveis de qualquer refutação ou derrogação. São excecionais e só podem ser instituídas por via de lei.
Em regra, as presunções legais são sempre ilidíveis, a menos que o contrário esteja expressamente previsto.
Proposições não normativas
Não são verdadeiramente normas (no seu pleno sentido prescritivo-regulativo) por não instituírem, em si mesmas, um imperativo de dever-ser. Introduzem apenas elementos que enumeram, definem, classificam ou qualificam estados ou situações, elementos estes que incorporam o ordenamento jurídico a fim de participar do conteúdo normativo de outras disposições nas quais se integram.
Não apresentando a estrutura de um programa hipotético-condicional e não determinando diretamente um comportamento.