distúrbios do equilíbrio acidobásico Flashcards
Qual o principal mecanismo fisiopatológico que altera o equilibrio acidobase?
São várias as condições patológicas capazes de alterar o equilíbrio acidobásico. Na célula, o principal mecanismo fisiopatológico que modifica este equilíbrio é a isquemia tecidual.
Uma queda acentuada da perfusão tecidual impede a chegada de O2 e nutrientes para as células, assim como a retirada de CO2 e toxinas provenientes do metabolismo. O acúmulo de CO2, ácido lático (formado pelo metabolismo anaeróbio) e outras substâncias ácidas pouco conhecidas leva à redução progressiva do pH intracelular, juntamente à perda das reservas de energia celular (ATP). A consequência inicial é a disfunção celular. A consequência final,
caso o processo isquêmico seja grave e prolongado, é a autólise e morte celular.
O fenômeno isquêmico pode ser localizado em um determinado órgão, levando a um distúrbio acidobásico tecidual local, sem repercussão sobre o pH plasmático, ou ser um processo generalizado, como acontece no estado de choque prolongado e na sepse, levando à disfunção orgânica múltipla e à queda do pH plasmático, principalmente pelo acúmulo de ácido lático no sangue.
Acabamos de descrever um distúrbio acidobásico que começa em células e tecidos, que pode ou não se refletir no pH plasmático. Existem, no entanto, muitos distúrbios acidobásicos que modificam primariamente o pH plasmático. Se a variação do pH plasmático for acentuada, terá reflexos no pH intracelular, levando à disfunção celular, o que pode implicar alterações importantes no metabolismo, na hemodinâmica e na resposta do paciente a intervenções que venham a ser utilizadas em diversos tratamentos.
Quais são os disturibios acibo base?
Os distúrbios acidobásicos que levam à redução do pH plasmático (acidemia) são chamados de acidoses.
Os distúrbios acidobásicos que levam ao aumento do pH plasmático (alcalemia) são chamados de alcaloses. Os distúrbios acidobásicos podem ser de dois tipos: metabólico e respiratório. Os distúrbios acidobásicos metabólicos são definidos pela alteração primária dos níveis de bicarbonato, enquanto os distúrbios acidobásicos respiratórios são definidos pela alteração primária dos níveis de CO2.
Sistemas Tampão
Quais são?
Fisiologia
O principalsistema tampão do compartimento extracelular e do plasma é o sistema bicarbonato dióxido de carbono. O HCO3 funciona como base; e o CO2, como ácido. Esta é a reação química do tamponamento extracelular:
HCO3- + H+ CO2 + H2O
O excesso de H+ é tamponado pelo HCO3, formando H2CO3 (ácido carbônico), que então é prontamente convertido em CO2 + H2O pela enzima anidrase carbônica presente nas hemácias circulantes. Alterações agudas do H+ plasmático são parcialmente corrigidas pela reação:
CO2 + H2O H2CO3 HCO3 + H+
Este mecanismo de tamponamento não impede, mas ameniza as variações do pH plasmático nos distúrbios acidobásicos.
O pH plasmático depende diretamente da relação base/ácido do sistema tampão, isto é, da relação HCO3/CO2. Por isso, o excesso de H+, ao consumir HCO3 na reação de tamponamento, reduz a relação HCO3/CO2, fazendo cair o pH do plasma. É o que acontece na acidose metabólica. Por outro lado, a perda de H+ é reposta pelo CO2, que segue a reação de formação de HCO3 e, portanto, aumenta a relação HCO3/CO2, fazendo o pH plasmático elevar-se.
É o que ocorre na alcalose metabólica.
Além do tampão bicarbonato-dióxido de carbono, existem diversas outras substâncias que contribuem para o tamponamento no sangue e interstício. A hemoglobina das hemácias e algumas proteínas plasmáticas são os principais exemplos. Juntamente com o bicarbonato, constituem o total de bases (buffer base) presente no fluido extracelular. O base excess é uma variação do total de bases, sendo positivo quando estas se acumulam (alcalose metabólica e resposta compensatória da acidose respiratória crônica), e negativo quando há deficit de bases (acidose metabólica e resposta compensatória ral ósseo), levando à desmineralização óssea, com as suas possíveis consequências clínicas: raquitismo e osteomalácia.
da alcalose respiratória crônica).
A eficácia do sistema tampão extracelular é
limitada. Após 2-3h, as células e os ossos passam
a contribuir para o tamponamento nos
distúrbios acidobásicos. As células e os ossos
podem captar ou liberar H+, para auxiliar os
tampões extracelulares a evitar grandes desvios
do pH. Para isso, o H+ é trocado por outros
íons, como o Na+ e o K+. Dentro das células,
as proteínas e o fosfato são as principais substâncias
com poder tampão. Nos ossos, a captação
contínua de H+ se dá à custa da degradação
progressiva do fosfato de cálcio (mine
Resposta Compensatória
Como se dá a resposta compensatória nos distúrbios metabólicos?
Esta resposta tem início quase imediato (em minutos). A variação do pH plasmático é captada por sensores de pH presentes no arco aórtico (quimioceptores), modulando impulsos aferentes pelo nervo vago que chegam ao centro respiratório bulbar. A redução do pH nas acidoses metabólicas agudas estimula o centro respiratório, levando à hiperventilação (respiração de Kussmaul). A hiperventilação elimina mais CO2, reduzindo a PCO2. O aumento do pH na alcalose metabólica inibe o centro respiratório, promovendo hipoventilação. O resultado é a retenção de CO2, aumentando a PCO2. Apesar de bastante eficaz, este tipo de resposta compensatória não é perfeito, não evitando que o pH varie de forma perigosa nos distúrbios metabólicos graves
Resposta Compensatória
Como os rins regulam o equilíbrio acidobásico?
A secreção tubular de H+
Os rins precisam eliminar o excesso de H+ produzido diariamente pelo metabolismo proteico. São cerca de 50-100 mEq de H+ produzidos por dia. O H+ é secretado pelo túbulo coletor, um processo bastante influenciado pela reabsorção de sódio e pela secreção de potássio. Para cada H+ secretado no lúmen tubular e eliminado na urina, 1 HCO3 é regenerado ao plasma.
Por isso, este processo pode ser chamado de regeneração renal do bicarbonato. A célula do túbulo coletor possui em sua membranaluminal uma H+ ATPase, responsável pela secreção tubular deste íon, o que mantém o pH urinário mais ácido que o plasmático. Aacidez máxima da urina é um pH = 4,50.
Resposta Compensatória
Como os rins regulam o equilíbrio acidobásico?
A secreção tubular de H+ é necessária, mas não suficiente para eliminar os 50-100 mEq produzidos pelo metabolismo. A acidez urinária máxima (pH 4,50) equivale a uma concentração de H+ de apenas 0,04 mEq em cada litro de urina. Portanto, quase todo H+ é excretado ligado a bases urinárias, sendo a principal a amônia (NH3). A amônia liga-se ao H+ pela reação NH3 + H+ = NH4 + (amônio). A amônia é produzida e secretada pelas células tubulares proximais. Sua produção é regulada pelo pH plasmático e pode aumentar em até dez vezes nas acidoses e tornar-se suprimida nas alcaloses.
Aí vai um conceito muito importante.
A produção renal de amônia (pelo túbulo proximal) é o principal mecanismo que regula a excreção urinária de H+. Os rins normais possuem uma ótima reserva de amônia (até dez vezes), porém, na insuficiência renal crônica, esta reserva fica cada vez mais reduzida.
Além de excretar o excesso de H+, os rins também precisam reabsorver todo o bicarbonato filtrado pelo glomérulo (cerca de 3.300 mEq por dia). Este processo ocorre no túbulo proximal.
A célula tubular secreta H+ em troca da reabsorção de sódio. Este H+ se combina com o HCO3 filtrado e, seguindo a reação, forma CO2 + H2O. O CO2 passa livremente pela membrana da célula tubular e, no citoplasma, segue a reação inversa, convertendo-se em HCO3 + H+. O H+ é novamente secretado, enquanto que o HCO3 é reabsorvido. Na alcalose metabólica, quando o HCO3 plasmático está acima de 28 mEq/L, uma parte do bicarbonato é eliminada na urina (bicarbonatúria). Podemos dizer que o limiar de reabsorção de bicarbonato foi ultrapassado.
ACIDOSE METABÓLICA
Defenição
A acidose metabólica “pura” é definida por um HCO3 < 22 mEq/L e um pH < 7,35. Trata-se de um distúrbio muito comum na prática médica.
Suas consequências clínicas não são tão graves quanto as da acidose respiratória aguda, mas, como veremos, a acidose metabólica grave (HCO3 < 10 mEq/L e BE < – 10 mEq/L) pode baixar o pH para níveis inferiores a 7,10, pondo a vida do paciente em risco.
A acidose metabólica surge quando existe um excesso de H+ não derivado do CO2, ou quando há perda de HCO3 para o meio externo (perda urinária ou gastrointestinal).
ACIDOSE METABÓLICA
Causas de Acidose Metabólica
ACIDOSE METABÓLICA
Acidoses com Ânion-Gap Alto
Fisiopatologia
Algumas acidoses metabólicas são decorrentes do acúmulo de substâncias ácidas na circulação, tal como é o caso da acidose lática. Uma substância ácida possui a propriedade de se dissociar em H+ + base aniônica. Qualquer ácido se comporta desse jeito. Como exemplo, citamos o ácido lático, que se dissocia do seguinte modo:
Ácido lático H+ + lactato-
O H+ liberado consome o HCO3 do plasma, levando à acidose metabólica, enquanto o ânion formado (lactato) se acumula na circulação, caso os rins não consigam excretá-lo em tempo hábil. Este “novo” ânion retido faz aumentar o chamado ânion-gap.
ACIDOSE METABÓLICA
Acidoses com Ânion-Gap Alto
Mas o que é ânion-gap?
Valor normal
Quais são os aniões e catiões não medidos?
Para entender o ânion-gap, observe este conceito: para que o equilíbrio eletroquímico do plasma seja mantido, o total de cátions tem que ser igual ao total de ânions. O principal cátion do plasma é o sódio (Na+), enquanto os principais ânions são o cloreto (Cl-) e o bicarbonato (HCO3-). Acontece que a concentração plasmática de sódio é maior do que o somatório das concentrações de cloreto e bicarbonato.
O equilíbrio eletroquímico é mantido pela existência de outros ânions plasmáticos. O somatório de todos estes ânions corresponde ao ânion-gap. A equivalência elétrica do plasma pode ser representada do seguinte modo:
Na = Cl + HCO3 + ânion-gap
Daí vem a fórmula do ânion-gap:
Ânion-gap = Na – (Cl + HCO3)
Valor normal do ânion-gap: 8-12 mEq/L.
Na verdade, o ânion-gap inclui todos os ânions “não medidos” subtraído de todos os cátions “não medidos”. Entre os ânions considerados “não medidos”, a albumina é o principal em termos de concentração plasmática, mas também temos o fosfato, o sulfato, o lactato e os cetoânions (derivados dos corpos cetônicos).
Entre os cátions “não medidos”, temos o potássio, o cálcio e o magnésio. Aqui, o termo “não medidos” refere-se a todos os cátions que não o sódio e a todos os ânions que não o cloreto e o bicarbonato.
Usando a fórmula em um indivíduo normal, que tem Na= 140 mEq/L, Cl = 106 mEq/L e HCO3 = 24 mEq/L, teremos:
Ânion-gap = 140 – (106 + 24) = 10 mEq/L.
O aumento do ânion-gap mantém o equilíbrio eletroquímico do plasma nesses tipos de acidose, pois compensa a queda do ânion HCO3-. Portanto, o cloreto não precisa ser retido
ACIDOSE METABÓLICA
Acidoses com Ânion-Gap Alto
gasometrias de pacientes hipoalbuminêmicos!
Um detalhe importante: A albumina é o principal ânion (não medido) do plasma e, por este motivo, sua queda pode falsear a análise do AG… Uma redução da albumina em 1 g/dl em relação ao seu valor normal, de 4,5 g/dl, gera uma diminuição de 2,5 mEq/L no ânion-gap. Logo, o “ânion-gap corrigido” para o nível de hipoalbuminemia é obtido por meio da soma de 2,5 mEq/l ao valor de AG calculado para cada 1 g/dl de queda da albumina…
Assim, um paciente cirrótico com albumina de 2,5 g/dl e AG = 12 mEq/L pode perfeitamente ter acidose lática, pois o AG corrigido é de 17 mEq/L. Portanto, muito cuidado na interpretação de gasometrias de pacientes hipoalbuminêmicos!
ACIDOSE METABÓLICA
Acidoses com Ânion-Gap Alto
Fisiopatologia
Todas as acidoses decorrentes do acúmulo no plasma de substâncias ácidas (ex.: ácido lático) aumentam o ânion-gap, devido à retenção de bases aniônicas, derivadas da dissociação do ácido (ex.: lactato). Nessas acidoses, o ânion-gap geralmente está na faixa entre 15-40 mEq/L. O valor do ânion-gap é proporcional à gravidade do distúrbio.
O aumento do ânion-gap compensa a redução do HCO3 neste tipo de acidose metabólica. Portanto, o cloreto costuma estar na faixa normal – acidoses normoclorêmicas.
ACIDOSE METABÓLICA
Acidoses com AG Normal (Hiperclorêmicas)
Fisiopatologia
São decorrentes da perda de HCO3 para o meio externo ou da retenção direta de H+. A diarreia é um exemplo comum. Os fluidos gastrointestinais produzidos abaixo do piloro (bile, suco entérico e suco pancreático) são ricos em bicarbonato. A acidose, portanto, se instala pela perda fecal de bicarbonato. O hipoaldosteronismo é um exemplo de acidose por retenção direta de H+. A aldosterona tem a função de promover a reabsorção de sódio e a secreção de potássio e H+ no túbulo coletor cortical (néfron distal). A deficiência deste hormônio predispõe à retenção de potássio e H+.
Neste tipo de acidose metabólica, para que o equilíbrio eletroquímico do plasma seja mantido, a redução do HCO3 deve ser compensada pelo aumento do cloreto plasmático, já que nenhum outro ânion foi retido. Essas acidoses são, portanto, hiperclorêmicas.
ACIDOSE METABÓLICA
Acidoses com AG Normal (Hiperclorêmicas)
A acidose metabólica hiperclorêmica relacionada a uma infusão excessiva de soro fisiológico?
A acidose metabólica hiperclorêmica relacionada a uma infusão excessiva de soro fisiológico é explicada pela diluição do HCO3 plasmático (ausente na composição do SF 0,9%). É por isso que se diz que o SF 0,9% é um soro acidificante... O aumento de cloreto que mantém o equilíbrio eletroquímico do plasma é proveniente do próprio SF 0,9%, que é rico neste eletrólito (concentração de 154 mEq/l, bem acima do limite fisiológico)…
Vale dizer que, em geral, se trata de acidose leve, autolimitada e sem repercussões clínicas, não necessitando de tratamento específico (ainda que possa agravar uma acidose metabólica previamente existente).
A prevenção pode ser feita com a preferência por soros alcalinizantes, como o Ringer lactato (o lactato presente neste soro é transformado em bicarbonato pelo fígado).
ACIDOSE METABÓLICA
Acidoses com AG Normal (Hiperclorêmicas)
O Ânion-GAP URINÁRIO
Para que serve o ânion-gap URINÁRIO na prática clínica?
A análise do AG urinário é muito importante para o diagnóstico diferencial das acidoses hiperclorêmicas!!!
Veja, assim como no plasma, os eletrólitos na urina estão em equilíbrio eletroquímico…
Entretanto, existem duas diferenças importantes: (1) o principal ânion urinário é o Cl- (e não o HCO3-!!!); e (2) o valor normal do AG urinário é negativo (na urina há um maior número de cátions não medidos, sendo o principal o amônio (NH4+), que não entra na fórmula do AG urinário…). Para fins didáticos, podemos dizer que o valor do AG urinário normal é, exatamente, o oposto do AG plasmático, oscilando, portanto, entre -8 e -12 mEq/L…
Olhe com atenção a fórmula do AG urinário:
AG urinário = (Na+ Urina + K+ Urina) – Cl- Urina
A concentração urinária do cloro é, portanto, fundamental no resultado do AG urinário… Aqui vem o conceito principal: a eliminação do cloro (e, portanto, sua presença na urina) depende diretamente da capacidade de excreção renal do H+ e amônia (NH3), já que o cloro é eliminado após sua ligação com o NH4+(NH4 Cl), como podemos perceber analisando a reação abaixo:
H+ + NH3+ ⇒ NH4+ + Cl- ⇒ NH4 Cl ⇒ URINA
Olhando as duas fórmulas, percebemos que o AG urinário será mais negativo quanto maior for a excreção de NH4 Cl, já que uma maior concentração de cloreto na urina torna o AG urinário mais negativo… Em outras palavras, se por algum motivo existir uma dificuldade em excretar o hidrogênio, o cloreto também deixará de ser eliminado e, com pouco cloro na urina, o AG urinário se tornará POSITIVO!!!
É exatamente isso (menor eliminação de H+) que encontramos nas acidoses tubulares renais (ATR tipo I, II e IV). Por um distúrbio tubular renal, ocorre menor produção de NH3 na ATR II e perda da capacidade de acidificar a urina nas ATR I e IV. Estes indivíduos terão, portanto, dificuldade na eliminação de ácido e, consequentemente, o AG urinário medido será positivo…
Agora, se a causa da acidose hiperclorêmica for a perda intestinal de bicarbonato (diarreias e fístulas entéricas), o rim normal aumenta a eliminação de H+, na tentativa de corrigir a acidose, com isso, o cloro urinário também aumenta e o AG urinário se torna exageradamente negativo (-20 e -50 mEq/L)…
Particularidades das Principais Etiologias
Acidose Lática
Quais são as causas clássicas de hipóxia celular?
Causas de acidose láctica
Acidose Lática: é a causa mais comum de acidose metabólica com ânion-gap alto. Ocorre sempre que há uma produção excessiva de ácido lático no organismo. Da dissociação do ácido lático, surge o lactato, responsável pelo aumento do ânion-gap nesta acidose.
O ácido L-lático é uma substância derivada do metabolismo anaeróbico da glicose. A anaerobiose celular exacerba-se sempre que há hipóxia celular. Quais são as causas clássicas de hipóxia celular? (1) isquemia grave (choque, PCR – Parada Cardiorrespiratória); (2) hipoxemia extrema (PaO2 < 35 mmHg); (3) bloqueio da utilização de O2 pela célula (sepse, intoxicação por cianeto); (4) deslocamento do O2 da hemoglobina (intoxicação pelo monóxido de carbono). A acidose L-lática associada à isquemia hipóxia é denominada acidose lática Tipo A. Existem também diversas causas de acidose L-lática não relacionadas à hipóxia celular, sendo denominadas Tipo B: grande mal epiléptico, rabdomiólise (o músculo esquelético é o maior reservatório corporal de ácido lático),insuficiência hepática, uso de biguanidas, infecção pelo HIV, neoplasia maligna. No caso da insuficiência hepática, o acúmulo de ácido lático é decorrente da incapacidade do fígado em metabolizar a pequena quantidade de ácido lático formado no metabolismo basal. A acidose D-lática é uma entidade rara, associada à síndrome do intestino curto. Os carboidratos da dieta são metabolizados pelas bactérias colônicas em ácido D-lático, que é prontamente absorvido pelo intestino e se acumula na circulação, provocando um quadro semelhante à embriaguez alcoólica, com acidose metabólica pós-prandial…
Uma importante causa “oculta” de acidose lática Tipo A é a isquemia mesentérica: todo paciente com dor abdominal difusa, de forte intensidade e de instalação súbita, sem irritação peritoneal, associada à leucocitose e à acidose metabólica importante, deve ter a isquemia mesentérica como principal suspeita.
Particularidades das Principais Etiologias
Cetoacidose Diabética
Cetoacidose Diabética: é uma causa importantíssima de acidose metabólica, dada a sua frequência e o fato de ser uma condição potencialmente fatal e, ao mesmo tempo, facilmente reversível com o tratamento adequado. Uma deficiência insulínica grave, como ocorre no diabetes mellitus tipo I, pode levar a uma produção exacerbada de corpos cetônicos no fígado. Dos três corpos cetônicos, dois são ácidos: ácido acetoacético e ácido beta-hidroxibutírico. São liberados diariamente na circulação mais de 500 mEq destes ácidos, uma quantidade muito superior à capacidade de eliminação renal. A acidose metabólica pode ser eventualmente muito grave, com o pH atingindo valores < 7,00. O ânion-gap encontra- se elevado pelo acúmulo dos cetoânions (acetoacetato e beta-hidroxibutirato). Após os primeiros dias de tratamento, os cetoânions são metabolizados, porém os rins demoram mais para excretar o excesso de H+. Nesta fase surge uma acidose hiperclorêmica, já que o ânion-gap encontra- se normal.
Particularidades das Principais Etiologias
Cetoacidose Alcoólica
Cetoacidose Alcoólica: ocorre em pacientes que consomem uma grande quantidade de bebidas alcoólicas, sem ingerir alimentos. O álcool inibe a gliconeogênese, desencadeando hipoglicemia e diminuição da produção pancreática de insulina. A insulinopenia permite um aumento significativo da produção de corpos cetônicos e cetoacidose. O quadro pode ser prontamente revertido com a administração de glicose hipertônica, pois a glicose estimula a produção de insulina pelas ilhotas do pâncreas. Pacientes em jejum prolongado, mesmo sem história de etilismo, bem mais raramente, também podem desenvolver cetoacidose, por um mecanismo muito parecido com o da cetoacidose alcoólica. O tratamento é idêntico, com a infusão venosa de glicose.
Particularidades das Principais Etiologias
Insuficiência Renal Grave
- *Insuficiência Renal Grave (Uremia): quando a função renal cai muito (clearance < 20 ml/ min), o H+ é retido juntamente com sulfato – ânion derivado da dissociação do ácido sulfúrico, principal substância ácida proveniente do metabolismo das proteínas. O sulfato acumulado é responsável pelo aumento do ânion-gap.**
- *A hipercalemia** é outro fator que leva à acidose, pois o K+ entra nas células em troca da saída de H+. Estima se que o pH cai 0,1 ponto a cada 0,4 mEq/L de aumento da calemia.
Particularidades das Principais Etiologias
Intoxicação por Salicilatos
Clínica
Gasimetria
Intoxicação por Salicilatos: altas doses de ácido acetilsalicílico ingeridas de uma só vez (> 3 g para crianças; > 10-30 g para adultos) podem acarretar um quadro grave de intoxicação, levando eventualmente ao óbito. O ácido acetilsalicílico é convertido em ácido salicílico pelo metabolismo. Este ácido se dissocia, formando o salicilato. Estes fármacos também interferem no metabolismo celular, aumentando a produção de ácido lático e cetoácidos. O acúmulo de salicilato + lactato + cetoânions justifica o aumento do ânion-gap. Os sintomas iniciais são tinidos, vertigem e vômitos (labirintopatia). Segue-se um quadro de hiperpneia por estimulação direta do centro respiratório pelos salicilatos. Nesse momento, a gasometria mostra uma alcalose respiratória. Nos casos mais graves, o paciente entra em coma e evolui com edema pulmonar não cardiogênico e acidose metabólica grave. A gasometria mostra um distúrbio misto: alcalose respiratória + acidose metabólica.
Particularidades das Principais Etiologias
Intoxicação por Metanol
Clínica
Intoxicação por Metanol: o metanol, chamado também de “álcool da madeira”, atualmente é um produto químico utilizado como solvente para graxas, óleos, resinas, nitrocelulose e na fabricação de tinturas, formaldeído (formol), líquidos anticongelantes, combustíveis especiais e plásticos.
A ingestão acidental ou intencional de mais de 15 ml de metanol pode acarretar sinais e sintomas de intoxicação, caracterizados por perturbações visuais, cegueira, dor abdominal (pancreatite), cefaleia, vertigem, vômitos e acidose metabólica grave. A acidose é devido ao acúmulo de ácido fórmico, proveniente do metabolismo hepático do metanol, pelas enzimas álcool desidrogenase (metanol → formaldeído) e aldeído desidrogenase (formaldeído → ácido fórmico). Da dissociação do ácido fórmico, surge o ânion formato, responsável pelo aumento do ânion-gap.
Particularidades das Principais Etiologias
Intoxicação por Etilenoglicol
Clínica
Pista sugestiva
Intoxicação por Etilenoglicol: o etilenoglicol é utilizado como anticongelante para radiadores de automóveis. Além disso, é encontrado em fluido de freios, na produção de explosivos, solvente de manchas, óleos, resinas, esmaltes, tintas e tinturas. A sua ingestão acidental ou intencional leva a um quadro de intoxicação muito grave, caracterizado pelo estado comatoso, crises convulsivas, insuficiência renal aguda e acidose metabólica grave. A acidose metabólica é multifatorial, sendo causada pelo acúmulo de ácido glicólico, ácido oxálico, ácido lático e pela própria insuficiência renal.
Os ânions glicolato, oxalato, lactato e sulfato são responsáveis pelo aumento do ânion-gap.
O oxalato se precipita nos túbulos renais, sob a forma de oxalato de cálcio, levando à insuficiência renal aguda oligúrica. Uma pista diagnóstica é o encontro de cristalúria por oxalato de cálcio no EAS (ocorre em 50% dos casos).
Particularidades das Principais Etiologias
dado que sempre deve ser buscado diante da suspeita clínica de acidose por intoxicação?
Existe um dado que sempre deve ser buscado diante da suspeita clínica de acidose por intoxicação exógena: o gap osmolar. Normalmente temos uma proximidade entre os valores da osmolaridade sérica medida (laboratorialmente) e da calculada (pela fórmula: Osm = 2Na + Gli/18 + Ureia/6). Quando essa diferença excede 10 mOsm/kg, temos o gap (hiato) osmolar. Esse hiato se deve ao acúmulo de substâncias osmoticamente ativas, não contempladas na fórmula acima, em concentrações séricas significativas.
Exemplos são o manitol e álcoois, como o metanol, etanol e etilenoglicol. Lembrando que o diagnóstico definitivo de intoxicação exógena é dado pela dosagem sérica da substância.
Particularidades das Principais Etiologias
Perdas Digestivas de Bicarbonato
Perdas Digestivas de Bicarbonato: a concentração de bicarbonato no líquido intestinal, proveniente da secreção pancreática, entérica e biliar, está em torno de 50-70 mEq/L. A perda externa desses fluidos pode levar à acidose metabólica hiperclorêmica. Não podemos esquecer as perdas intestinais ocultas, pelo uso abusivo de laxantes e resinas (ex.: colestiramina).
Particularidades das Principais Etiologias
Ureterossigmoidostomia
Ureterossigmoidostomia: um procedimento cirúrgico utilizado após cistectomia total para o tratamento do Ca de bexiga chama-se ureterossigmoidostomia (implantação dos ureteres no sigmoide). Neste caso, a urina é eliminada pelo ânus do paciente. Este procedimento leva à acidose metabólica hiperclorêmica em 80% dos casos. A acidose é explicada por dois mecanismos: (1) absorção de cloreto em troca da secreção de bicarbonato na mucosa colônica – este é o principal mecanismo; (2) absorção colônica do NH4+ (amônio) urinário. O amônio pode liberarH+ no plasma e contribuir para a acidose.
Particularidades das Principais Etiologias
Utilidade do Anion gap urinário
Numa acidose metabólica com ânion-gap normal, o instrumento usado para diferenciação entre acidoses tubulares renais e perdas digestivas de bicarbonato é o cálculo do ânion-gap urinário, que nas ATRs é positivo ou neutro e nas perdas digestivas é negativo.
Particularidades das Principais Etiologias
Acetazolamida
Indicações
Acetazolamida: trata-se de um diurético inibidor da anidrase carbônica. Ao inibir parcialmente esta enzima, o fármaco prejudica a reabsorção de bicarbonato pelo néfron proximal, levando a um quadro muito semelhante à acidose tubular renal tipo II. A acidose é hiperclorêmica e hipocalêmica. A acetazolamida tem sido mais utilizada para o tratamento do glaucoma e da hidrocefalia.
Particularidades das Principais Etiologias
Diuréticos Poupadores de Potássio
Mecanismo de acção
Exemplos
Diuréticos Poupadores de Potássio: estes diuréticos inibem a reabsorção de sódio e a secreção de potássio e H+ pelo túbulo coletor (segmento do néfron distal). O resultado é a retenção depotássio e H+, um quadro semelhante à acidose tubular renal tipo IV. A acidose é hiperclorêmica e hipercalêmica. São exemplos destas drogas: espironolactona, amiloride e triamtereno.
Particularidades das Principais Etiologias
Nutrição Parenteral Total (NPT)
Nutrição Parenteral Total (NPT): a NPT pode induzir uma acidose metabólica hiperclorêmica, devido ao metabolismo de alguns de seus aminoácidos. Alguns deles são catiônicos, contendo o radical – NH4+, capaz de liberar H+.
Outros contêm enxofre em sua molécula, liberando ácido sulfúrico no metabolismo.
Particularidades das Principais Etiologias
Insuficiência Renal Crônica
Insuficiência Renal Crônica: em fases mais precoces da síndrome urêmica (clearance entre 20-50 ml/min), não ocorre retenção de ácido sulfúrico, mas a produção de amônia pelo rim está comprometida… É perdido o principal mecanismo regulador da excreção renal de H+. A retenção de H+ começa a ocorrer especialmente nas situações de hipercatabolismo (estresse, infecção). Como nenhum novo ânion é retido nesse momento, a acidose é hiperclorêmica. Como vimos, quando a função renal cai para menos de 10%, o sulfato é retido, aumentando o ânion-gap.
Particularidades das Principais Etiologias
Insuficiência Suprarrenal
Insuficiência Suprarrenal: a falta de aldosterona (hipoaldosteronismo) nesta síndrome é a responsável pela hipercalemia e a discreta acidose metabólica hiperclorêmica, frequentemente encontrados.
Particularidades das Principais Etiologias
Hipoaldosteronismo Hiporreninêmico
Etiologias
Hipoaldosteronismo Hiporreninêmico: é uma causa de hipercalemia e acidose metabólica hiperclorêmica inexplicada. É um dos mecanismos clássicos da acidose tubular renal tipo IV. Pela deficiência de aldosterona, menos sódio é reabsorvido e menos potássio e H+ são secretados no túbulo coletor. É uma acidose hiperclorêmica e hipercalêmica. Esta síndrome é encontrada principalmente em diabéticos com nefropatia em fase inicial. Algumas nefropatias tubulointersticiais e o uso de AINE e inibidores da ECA podem ser causas da síndrome.
Particularidades das Principais Etiologias
Pseudo-Hipoaldosteronismo
Pseudo-Hipoaldosteronismo: é o outro mecanismo da acidose tubular renal tipo IV. Aqui não há falta de aldosterona, mas o túbulo coletor encontra-se resistente à sua ação. A síndrome pode ser genética ou relacionada à nefropatia tubulointersticial crônica.
Particularidades das Principais Etiologias
Acidose Tubular Renal (ATR) tipo I
Alterações
Importância
Etiologia
Acidose Tubular Renal (ATR) tipo I: é causada pela disfunção das células intercaladas do túbulo coletor, havendo queda da atividade da H+-ATPase da membrana luminal, enzima responsável pela acidificação da urina. O pH urinário é caracteristicamente maior do que 5,30, mesmo na vigência de uma acidose importante, quando a acidificação urinária deveria ser máxima. É uma acidose hiperclorêmica e hipocalêmica.
A espoliação de potássio nesta síndrome ocorre pelo fato deste cátion ser eliminado na urina no lugar do H+ (que não pôde ser secretado). Outra consequência esperada é a nefrolitíase por fosfato de cálcio, devido ao tamponamento ósseo do excesso de H+, com liberação de cálcio e fosfato no plasma, resultando em hipercalciúria e hiperfosfatúria.
O pH urinário mais alcalino e a hipocitratúria (devido à maior reabsorção tubular de citrato) facilitam a precipitação do fosfato de cálcio.
Das acidoses tubulares renais, a ATR tipo I é a mais grave e a mais comum na criança. Entre as causas
de acidose tubular tipo I, podemos citar a hereditária, que se manifesta na infância, e as doenças tubulointersticiais que comprometem o néfron distal, como a síndrome de Sjögren, a nefrocalcinose (esta pode ser tanto causa como consequência) e nefropatia por analgésicos.
Particularidades das Principais Etiologias
Acidose Tubular Renal (ATR) tipo II
síndrome de Fanconi
Clínica
ECD
Etiologias
Acidose Tubular Renal (ATR) tipo II: é causada pela disfunção do túbulo proximal, inibindo o processo de reabsorção de bicarbonato. Vimos que praticamente todo o bicarbonato filtrado é reabsorvido até um limiar em torno de 28 mEq/L, sendo este processo dependente das células do túbulo proximal. Na disfunção deste segmento tubular, o limiar de bicarbonato cai, geralmente para cerca de 14-20 mEq/L. A acidose costuma ser leve a moderada e do tipo hiperclorêmica e hipocalêmica. Significa que acima desses níveis haverá bicarbonatúria. Podemos perceber este fenômeno quando administramos NaHCO3 neste paciente até normalizarem-se os níveis de bicarbonato plasmáticos. O pH urinário, que se encontrava normal ou ácido, chega a valores acima de 7,00, devido à bicarbonatúria. Após eliminar o excesso de bicarbonato, produzindo uma acidose metabólica com os níveis de bicarbonato iguais ao novo limiar, a bicarbonatúria cessa.
Além da acidose, pode ocorrer a espoliação de uma série de substâncias, normalmente reabsorvidas pelo túbulo proximal, constituindo a síndrome de Fanconi. Estas são: aminoácidos, glicose, fosfato, ácido úrico. Portanto, além da bicarbonatúria, pode haver aminoacidúria, glicosúria, hiperfosfatúria, e hiperuricosúria. O EAS pode ajudar demonstrando glicosúria na ausência de hiperglicemia. A espoliação pode levar à hipofosfatemia (provocando raquitismo ou osteomalácia) e à hipocalemia, também causada pelo aumento no aporte de bicarbonato e sódio ao néfron distal. A lesão tubular proximal também pode levar à deficiência parcial de vitamina D, contribuindo para a hipofosfatemia e para a desmineralização óssea.
Entre as causas de acidose tubular tipo II, devemos citar a hereditária pura ou relacionada à cistinose, que se manifesta na infância, e as doenças tubulointersticiais que comprometem o túbulo proximal, como mieloma múltiplo, amiloidose, intoxicação por chumbo e rejeição ao transplante renal.
Particularidades das Principais Etiologias
Acidose Tubular Renal (ATR) tipo IV
Acidose Tubular Renal (ATR) tipo IV: é causada pela perda da ação aldosterônica, seja pela queda na produção do hormônio, seja pela resistência renal ao seu efeito. Pela deficiência aldosterônica, menos sódio é reabsorvido e menos potássio e H+ são secretados no túbulo coletor. O resultado é uma acidose hiperclorêmica e hipercalêmica. A hipercalemia sempre predomina sobre a acidose.
Esta última costuma ser leve e reverte com o controle da hipercalemia com diuréticos de alça.
ACIDOSE METABÓLICA
ALGORITMO DIAGNÓSTICO