Pancreatite crônica Flashcards
Definição e etiologia
- Processo inflamatório crônico e fibrótico irreversível do pâncreas, que envolve destruição tecidual, culminando em atrofia do parênquima pancreático
- Para lembrar dos fatores de risco e etiologias da pancreatite crônica, memorizar o acrônimo TIGAR-O ou M-ANNHEIM
- TIGAR-O
–> Tóxico e metabólico
–> Idiopático
–> Genético
–> Autoimune
–> Recorrente
–> Obstrutiva - M-ANNHEIM:
–> Múltiplos fatores de risco
–> Álcool - 42-77% dos casos
–> Nicotina/tabagismo
–> Nutricionais
–> Hereditária/genética - pancreatite familiar, pancreatite idiopática de início precoce, pancreatite idiopática de início tardio, pancreatite tropical - possíveis mutações nos genes PRESS1, CFTR e SPINK1
–> Efferent pancreatic duct (ex., pâncreas divisum, pâncreas anular, tumores obstrutivos, disfunção do esfíncter de Oddi)
–> Imunológico/autoimune (pancreatite autoimune por IgG4)
–> Metabólico - O álcool é disparado o fator causal mais importante na gênese da pancreatite crônica. Apresenta ação sinérgica com o cigarro de forma dose-dependente. Menos de 5% dos alcoolistas, no entanto, desenvolverão a pancreatite crônica, a depender de outros fatores de risco, genéticos e ambientais envolvidos
- As causas idiopáticas são as segundas mais importantes (28-80% dos casos). 50% dos casos envolvem mutações no gene SPINK1 (gene inibidor da codificação da tripsina) e no gene CFTR (gene do receptor transmembrana da fibrose cística). 1% dos casos estão relacionados com a mutação do PRESS1 (padrão de herança autossômica dominante - leva à atividade aumentada da tripsina, favorecendo a inflamação crônica)
Quadro clínico
- Dor abdominal crônica - 80% dos casos.
A intensidade da dor não tem associação com a magnitude da doença
Pode ser intermitente e relacionada à alimentação gordurosa ou ainda crônica contínua* - Dores abdominais crônicas, contínuas, normalmente se associam com uma elevada pressão intraductal, propiciada pela presença de cálculos e estenoses.
- Além disso, as dores crônicas podem determinar um estímulo nociceptivo repetitivo que acarreta em aumento da sensibilização central e/ou periférica à dor - hiperalgesia e alodínia. Portanto, desenvolve um componente NEUROPÁTICO da dor
*Se dor crônica, pensar em possível hipertensão ductal (cálculo biliar/estenose), dor neuropática, massa inflamatória na cabeça, tumores malignos ou não, pseudocisto…
- Insuficiência endócrina (ilhota) e exócrina (ácinos)
Insuficiência exócrina: diarreia crônica/esteatorreia, perda ponderal, sarcopenia deficiência de vitaminas ADEK (lipossolúveis) –> hipovitaminose D (osteopenia, osteoporose e risco de fraturas)
Insuficiência endócrina: diabetes mellitus secundária/adquirida ao longo de anos de destruição das ilhotas. Muitas vezes demandam insulinização como primeira linha. - Complicações da pancreatite crônica: massas inflamatórias em cabeça pancreática, pseudocisto, evolução para câncer de pâncreas
Diagnóstico
- Dores recorrentes em andar superior do abdome, pancreatite aguda prévia ou recorrente, sinais de insuficiência exócrina (esteatorreia*) ou ainda diabetes mellitus:
*Pode ser evidenciada pelo exame da dosagem de elastase fecal (< 100 mcg/g) ou teste de Sudam (> 7 g/dia ~ esses exames perderam o espaço com o aumento da disponibilidade dos exames de imagem)
1º Realizar exame de imagem de preferência a TC de abdome com contraste EV: a TC de abdome com contraste EV é A PRIMEIRA ESCOLHA SEMPRE. Se identificar calcificações, complicações ou ainda alterações ductais (dilatação ductal/estigmas de elevada pressão intraductal), está feito o diagnóstico. Preste atenção: a TC contrastada apresenta baixa sensibilidade para doença inicial, além de visualização subótima do ducto pancreático principal. Se a TC não detectar alterações, afastar hipótese se paciente de baixo risco/sem clínica sugestiva ou proceder investigação em casos de alto risco ou quadro clínico sugestivo
2º Solicitar RNM ou colangioRM: apresenta maior acurácia em identificar alterações específicas do ducto pancreático principal (dilatações, estenoses, envolvimento de ductos secundários). É capaz de realizar uma avaliação quantitativa do pâncreas (RNM com estímulo de secretina). Desvantagens incluem menor disponibilidade e maior custo. Caso houver alterações de parênquima ou ducto pancreático –> confirma diagnóstico. Não identificou alterações? Se paciente apresentar sintomas compatíveis ou elevados riscos para doença, continuar investigação. Caso contrário, afastar possibilidade da doença
3º Realizar exame endoscópico (ultrassom endoscópico - EUS): achou alterações sugestivas - lobularidade em favo de mel (honeycombing ~ é critério maior), cistos, focos hiperecoicos com sombra acústica posterior ~ é critério maior, cordões hiperecogênicos e mudanças ductais (dilatação, irregularidades, calcificações ou cálculos do ducto pancreático principal ~ é critério maior, ecogenicidade de paredes ductais e ductos secundários)? Se não, afastar diagnóstico de vez. Se sim, confirmar pancreatite crônica
CUIDADO! Amilase e lipase estão DIMINUÍDAS com o avançar da doença; a primeira linha do diagnóstico é A TOMOGRAFIA que identifica calcificações e atrofias do parênquima, tortuosidade e dilatação do ducto pancreático, entre outros.
*Não há mais evidência de realizar CPRE na propedêutica da pancreatite crônica. Seu principal achado é DILATAÇÃO DUCTAL DO DUCTO PANCREÁTICO PRINCIPL (WIRSUNG) FORMANDO “CADEIAS DE LAGOS”
**Pâncreas divisum: na colangioRNM, podemos observar a separação dos ductos pancreáticos, originando dois canais e dois orifícios com drenagem independente, por ocasião de um defeito na embriogênese. Isso leva a casos de obstrução e hipertensão intraductal, lesando cronicamente o pâncreas…
Tratamento de 1ª linha: conservadora
- Parar imediatamente o consumo de álcool e tabagismo
- Avaliar história familiar para hipertrigliceridemias (> 500), afastar neoplasias periampulares
- Dieta balanceada (< lipídeos), analgesia otimizada (evitar opioides como primeira linha, considerar duloxetina e gabapentina para dor neuropática), prescrever enzimas pancreáticas (lipase) +- IBP (contraditório)
Tratamento de 2ª linha: endoscópica (CPRE) +- litotripsia
- Caso o tratamento de primeira linha não surtir efeitos, pode-se tentar a terapia endoscópica para afastar e tratar obstruções intraductais.
- A terapia endoscópica via CPRE pode ser feita com ou sem litotripsia extracorpórea para pulverizar cálculos obstrutivos ou colocar stents para correção de estenoses ductais.
- Se não houver lesões, estenoses, cálculos ou dilatações do ducto pancreático identificadas, otimizar a terapia medicamentosa conservadora.
*Uma revisão sistemática realizada pela Cochrene em 2015 apontou a superioridade da cirurgia quando comparada à endoscopia para o controle álgico. Porém, para fins de prova, considerar tratamento endoscópico para obstruções ductais ou cálculos de ducto, se estes estiverem presentes.
Tratamento de 3ª linha: cirurgia
- Caso o tratamento conservador contínuo e otimizado, medicamentoso e endoscópico não surtirem efeito, pode-se realizar a cirurgia
- Qual o tratamento cirúrgico de escolha?
–> Ducto pancreático principal dilatado ≥ 7 mm: cirurgia de Puestow modificada ou cirurgia de Frey
–> Ducto pancreático principal não dilatado < 7 mm e pâncreas apresenta grande massa infilatória: gastroduodenopancreatectomia distal ou total (GDP, ressecção pancreática), duodenopancreatectomia (DPT) ou ainda ressecção da cabeça pancreática com preservação duodenal (cirurgia de Beger). Para doenças predominantes em cabeça do pâncreas, os pacientes podem se beneficiar da GDP ou DPT. - Cirurgia de Puestow-Partington-Rochele ou Puestow modificado: pancreatojejunostomia látero-lateral
- Cirurgia de Frey: bastante realizado em alguns serviços. Consiste na ressecção segmentar da cabeça do pâncreas e anastomose pancreatojejunal ampla. Alguns estudos evidenciaram melhora álgica maior após essas cirurgias, porém carece de evidências mais robustas.
- Complicações:
–> Fístulas pancreáticas e ascite pancreática: tratados com jejum + octreotide + colocação de stents
–> Estenoses duodenal e de via biliar: derivações de trato gastrointestinal (derivação biliodigestiva em casos de estenoses biliares)
Complicações da pancreatite crônica
- Pseudocisto:
–> Ocorre em cerca de 10% dos pacientes
–> Associado com piora da dor, gastroparesia, obstrução biliar e fistulização (para vísceras adjacentes ou vasos sanguíneos)
–> Se pacientes apresentarem sintomas intensos ou piora clínica, procede-se à cirurgia. - Ascite pancreática e derrame pleural:
–> Sugerem FÍSTULAS DO DUCTO PANCREÁTICO PRINCIPAL PARA CAVIDADE PERITONEAL OU PLEURAL!
–> É uma situação grave e de difícil controle clínico
–> O tratamento inicial se baseia em jejum, nutrição parenteral e uso de octreotide. A colocação de stent pancreático via CPRE pode ser necessária. Se paciente recuperar status nutricional com a terapia nutricional, no entanto não for possível fechar a fístula ou fístula persiste apesar do stent, considerar pancreatectomia.
–> No caso de derrame pleural, pode-se tentar drenagem via VATS ou decorticação em caso de encarceramento. - Trombose da veia esplênica:
–> A trombose dessa veia leva à hipertensão portal segmentar e formação de varizes de fundo gástrico, que podem acarretar em hemorragias digestivas altas. - Pseudoaneurisma de artéria esplênica ou da a. gastroduodenal:
–> Ocorre por fistulização vascular para o pseudocisto
–> Pode gerar sangramentos contidos ou livres para cavidade ou tubo digestivo (hemossucus pancreaticus - complicação rara) - Surgimento de câncer:
–> Perda ponderal, piora do padrão de dor e icterícia obstrutiva.