Ilicitude Flashcards
O que é ilicitude?
Ilicitude é a relação de contrariedade entre o fato típico praticado por alguém e o ordenamento jurídico, capaz de lesar ou de colocar em perigo de lesão um bem jurídico penalmente protegido.
Em suma, o fato é contrário ao direito. Ex.: matar alguém é crime, mas pode ser que a pessoa esteja em legítima defesa, hipótese em que o fato deixa de ser ilícito.
Quais são as formas de ilicitude?
1) Ilicitude formal: é a mera relação de contrariedade entre o fato e o direito. Ou seja, não se faz nenhum juízo de valor sobre a conduta do agente. Durante anos, o entendimento que prevaleceu era de que a ilicitude era apenas formal.
2) Ilicitude material (substancial): é o conteúdo antissocial (injusto) do comportamento, sua capacidade de lesar ou de expor a lesão o bem jurídico tutelado. Apenas a ilicitude material é que permite a criação das causas supralegais de exclusão da ilicitude.
3) Ilicitude unitária: entende que a ilicitude é composta pela ilicitude formal e pela ilicitude material.
Qual a diferença entre ilicitude e antijuridicidade?
A maioria dos doutrinadores brasileiros usam as expressões ilicitude e antijuridicidade como sinônimas, grande equívoco. O Prof. Cleber Masson salienta que NUNCA se deve usar a expressão antijuridicidade em provas discursivas e orais, o correto é ilicitude. Não há no Código Penal a expressão antijuridicidade, trata-se de uma palavra autofágica.
Os fatos jurídicos podem ser naturais (ex.: a morte natural) e voluntários (dependem da intervenção do ser humano), os quais se subdividem em atos lícitos e atos ilícitos (crime e contravenção penal).
O crime é um fato jurídico, voluntário, ilícito. Por isso, não pode ser chamado de antijurídico. Foi Francesco Carnelutti o primeiro a explicar que não se poderia dizer que um fato jurídico é antijurídico, não há lógica.
O que é ilicitude genérica e ilicitude específica?
A ilicitude genérica se encontra fora do tipo penal, pois a redação típica apenas prevê determinada conduta sem mencionar o caráter ilícito que, todavia, deve ser interpretado pelo aplicador da lei. Por exemplo, matar alguém.
Já a ilicitude específica está situada no interior do tipo penal, que contém em sua estrutura algum elemento ligado à ilicitude do fato. Ou seja, na ilicitude específica, o tipo narra o modo pelo qual a conduta afronta o ordenamento. Por exemplo, o crime de violação de correspondência (art. 151 do CP).
Art. 151 - Devassar indevidamente (o crime só existe quando a devassa for indevida, sendo devida, não haverá crime) o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Toda a ilicitude interessa ao Direito Penal?
O Direito Penal não se interessa por toda ilicitude.
A divisão entre ilicitude penal e ilicitude extrapenal está relacionada ao caráter fragmentário do Direito Penal. Assim, Apenas as ilicitudes mais graves interessam ao Direito Penal.
Cite cinco sinônimos de causas de exclusão da ilicitude.
As causas de exclusão da ilicitude também são chamadas de:
1) Causa de justificação;
2) Justificantes;
3) Descriminantes;
4) Tipos penais permissivos;
5) Eximentes.
Cuidado: eximentes não se confundem com dirimentes (causas excludentes da culpabilidade).
Quais são as excludentes de ilicitude genéricas?
São aquelas previstas na parte geral do Código Penal e aplicadas aos crimes em geral, são elas (art. 23):
- Estado de necessidade;
- Legitima defesa;
- Estrito cumprimento do dever legal;
- Exercício regular de direito.
O que são e quais são as excludentes de ilicitude específicas?
São as causas previstas na parte especial do Código Penal e na legislação penal especial, sendo aplicadas apenas para os crimes em que são expressamente previstas. São elas:
1) Art. 128 do CP: hipóteses de aborto permitido.
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
2) Art. 142 do CP: exclusão de ilicitude nos crimes contra a honra.
Art. 142 - Não constituem INJÚRIA ou DIFAMAÇÃO punível:
I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;
II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;
III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício.
3) Art. 37 da Lei 9.605/98: modalidade específica de estado de necessidade.
Art. 37. Não é crime o abate de animal, quando realizado:
I - em estado de necessidade, para saciar a fome do agente ou de sua família;
II - para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora de animais, desde que legal e expressamente autorizado pela autoridade competente;
IV - por ser nocivo o animal, desde que assim caracterizado pelo órgão competente.
O que são elementos objetivos e subjetivos das excludentes de ilicitude?
Elementos objetivos dizem respeito ao preenchimento dos requisitos exigidos pelo Direito Penal, a exemplo da agressão injusta, atual ou iminente, na legítima defesa (art. 25).
Elementos subjetivos dizem respeito à vontade do agente, ao seu conhecimento de que está atuando acobertado de uma causa excludente de ilicitude.
Para que as excludentes de ilicitude estejam presentes é necessário a presença dos elementos objetivos e subjetivos?
Ou estando presente apenas elementos objetivos as causas excludentes já estarão caracterizadas?
1ª Corrente (Magalhães Noronha, Frederico Marques): as excludentes da ilicitude se esgotam nos elementos objetivos exigidos pela lei, não se exige do agente o conhecimento de estar agindo acobertado.
2ª Corrente (Mirabete, Francisco de Assis Toledo e doutrina moderna): é necessário que o agente tenha o conhecimento que está agindo amparado por uma causa excludente da ilicitude, além da presença dos elementos objetivos. Adotar em concursos.
Existem causas supralegais de exclusão da ilicitude?
O Código Penal Português, em seu art. 31, 1, expressamente prevê causas supralegais de exclusão da ilicitude.
O Código Penal brasileiro não proíbe e nem permite. Porém, é pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que é possível a construção de causas supralegais, não previstas em lei, da exclusão da ilicitude.
Ressalta-se que, para se admitir, é imprescindível que se adote um conceito de ilicitude que abarque a ilicitude material.
Ademais, não há que se falar em desrespeito ao princípio da reserva legal (por ser uma causa supralegal), tendo em vista que as causas de exclusão são para beneficiar o réu. Adota-se, portanto, uma analogia in bonam partem.
Quais são as causas supralegais de exclusão da ilicitude?
De acordo com Nelson Hungria, na elaboração do CP/1940, o consentimento do ofendido estava previsto como uma causa de exclusão da ilicitude, mas, por ser tão óbvio, foi retirado. Por isso, acabou sendo considerado de forma pacífica como uma causa supralegal de exclusão da ilicitude.
Quais bens jurídicos admitem o consentimento do ofendido como causa supralegal de exclusão da ilicitude?
Só é possível o consentimento do ofendido, como causa supralegal de exclusão da ilicitude, quando os bens jurídicos forem disponíveis, a exemplo de crimes contra o patrimônio, de crimes contra a honra, contra a liberdade individual.
Quais ofendidos podem dar um consentimento apto a excluir a ilicitude?
O titular do bem jurídico tutelado pela norma penal precisa ser pessoa física ou jurídica. Não existe consentimento quando o bem jurídico tutelado pertencer a uma coletividade (direito metaindividual).
Quais são os requisitos para o consentimento do ofendido como causa supralegal de exclusão da ilicitude?
1) É necessário que o consentimento do ofendido seja EXPRESSO, pouco importa a sua forma (verbal ou escrito).
2) O consentimento deve ser LIVRE, não pode ser fruto de coação ou fraude.
3) Deve estar de acordo com a MORAL E OS BONS COSTUMES.
4) O consentimento deve ser ANTERIOR à consumação do fato.
5) Por fim, o ofendido precisa ser PESSOA CAPAZ.
O consentimento do ofendido terá sempre natureza jurídica de causa de exclusão da ilicitude?
Há certos crimes em que o tipo penal reclama o dissenso da vítima. Por exemplo, no estupro o núcleo é constranger (fazer algo contra a sua vontade), caso a vítima concorde não há crime, pois seu consentimento exclui a tipicidade. Portanto, nesses crimes o consentimento do ofendido acaba excluindo a própria tipicidade.
O que é estado de necessidade?
O Estado de Necessidade está previsto no art. 24 do CP:
CP. Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato (típico) para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.
Qual a natureza jurídica do estado de necessidade?
Trata-se de uma causa legal (prevista em lei) e genérica (aplicada aos crimes em geral) de exclusão da ilicitude.
Para a doutrina, o estado de necessidade é um DIREITO, caracterizado pelo conflito de interesses lícitos. Ex.: Pedro quebra o vidro de um carro para se esconder, a fim de fugir da perseguição de cachorros ferozes.
Há, ainda, quem defenda que o estado de necessidade é uma FACULDADE, eis que o agente não está obrigado a agir.
Atualmente, é pacífico que o estado de necessidade é um direito subjetivo (frente ao Estado, que não poderá punir) E uma faculdade (frente ao titular do bem jurídico).
Cite as teorias existentes acerca do estado de necessidade?
- Teoria unitária;
- Teoria diferenciadora.
Discorra sobre a teoria diferenciadora.
Adotada pelo Código Penal Militar.
Há divisão do estado de necessidade em:
a) Estado de necessidade justificante: é aquele que exclui a ilicitude, ocorre quando o bem jurídico sacrificado é de valor igual ou inferior ao bem jurídico preservado. Previsto no art. 43 do CPM.
b) Estado de necessidade exculpante: é aquele que exclui a culpabilidade. Ocorre quando o bem jurídico sacrificado é de valor superior ao bem jurídico preservado, desde que não seja razoavelmente exigível conduta diversa. Previsto no art. 39 do CPM.
Portanto, a teoria diferenciadora considera a variação de valor dos bens em conflito (balanço de bens).
Discorra sobre a teoria unitária.
Foi adotada pelo Código Penal.
Sustenta que o estado de necessidade somente pode ser admitido como causa excludente da ilicitude (estado de necessidade justificante). Assim, ou exclui a ilicitude e não há crime ou não exclui e há crime.
Destaque-se que o art. 24 do CP NÃO considera expressamente o balanço de bens, exigindo-se apenas o critério da razoabilidade.
Quais os requisitos do estado de necessidade?
Estão previstos no art. 24, caput e §1º, do CP.
Pode-se dividir os requisitos em dois grupos: situação de necessidade e fato necessitado. É a situação de necessidade que autoriza o agente a praticar o fato necessitado.
1) Situação de necessidade:
a) Perigo atual;
b) Perigo não provocado pelo agente;
c) Ameaça a direito próprio ou alheio;
d) Ausência do dever legal de enfrentar o perigo.
2) Fato necessitado:
a) Inevitabilidade do perigo por outro modo;
b) Proporcionalidade/Razoabilidade.
O perigo iminente (aquele que está prestes a ocorrer) caracteriza o estado de necessidade?
Embora o Código Penal tenha silenciado a respeito, a doutrina majoritária entende que o perigo iminente se equipara ao perigo atual, por isso autoriza o estado de necessidade (Cleber Masson).
Rogério Sanches, diversamente de Cleber Masson, afirma que a maioria da doutrina entende que não haverá estado de necessidade quando o perigo for iminente, uma vez que o CP não previu tal hipótese (p. 279 – Manual de Direito Penal – parte geral).
Rogério Grego afirma que: “a razão se encontra com a maioria dos autores, que concluem que na expressão perigo atual também está incluído o perigo iminente”.
Perigo futuro e perigo passado geram estado de necessidade?
Perigo futuro (aquele que irá ocorrer, em que não há uma possibilidade imediata de dano) e perigo passado (aquele que já ocorreu) não autorizam o reconhecimento do estado de necessidade.
A vedação da aplicação do estado de necessidade a quem voluntariamente cria a situação de perigo abrange a situação em que o perigo é provocado por culpa do agente?
Primeiramente, destaca-se que quando o perigo for provocado dolosamente pelo agente, obviamente, não caberá estado de necessidade.
Em relação ao perigo provocado de forma culposa, a doutrina, amplamente majoritária, afirma que NÃO caberá estado de necessidade, tendo em vista que no crime culposo, como visto acima, a conduta também é voluntária (apenas o resultado é involuntário). Além disso, ao art. 24 do CP deve ser interpretado em conjunto com o art. 13, § 2º, c, do CP (interpretação sistemática), no sentido de que, aquele que cria uma situação de perigo tem o dever de evitar o resultado, portanto, não pode invocar estado de necessidade.
Para o agente agir em estado de necessidade de terceiro, ele precisa da prévia autorização deste?
- 1ª Corrente: Dispensa-se a autorização de terceiro, pois a lei não exige (Doutrina Majoritária - Posição que prevalece).
- 2ª Corrente: dispensa-se a autorização do terceiro somente se o bem jurídico em perigo for INDISPONÍVEL. (Rogério Greco - Posição Minoritária).
Quais as espécies de estado de necessidade quanto ao efeito jurídico gerado?
O estado de necessidade pode ser:
a) Justificante: causa de exclusão da ilicitude. O Código Penal adota a Teoria Unitária, logo, só se admite no Direito Penal o estado de necessidade justificante.
b) Exculpante: causa de exclusão da culpabilidade. Ocorre quando o bem sacrificado é de valor superior ao bem preservado. É adotada pelo Código Penal Militar (Teoria Diferenciadora).
Quais as espécies de estado de necessidade quanto à titularidade do bem preservado?
a) Próprio: o agente sacrifica um bem jurídico de terceira pessoa para preservar um bem jurídico de que é titular.
b) De terceiro: o agente sacrifica um bem jurídico de terceira pessoa para preservar bem jurídico alheio. Está fundamentado no princípio da solidariedade humana.
Quais as espécies de estado de necessidade quanto à origem da situação de perigo?
a) Agressivo: o agente sacrifica bem jurídico pertencente a terceiro inocente (aquele que não causou a situação de perigo).
b) Defensivo: o agente sacrifica um bem jurídico pertencente ao causador do perigo. Não há, aqui, a obrigação de indenizar os prejuízos causados.
O estado de necessidade agressivo é lícito no Direito Civil?
O estado de necessidade agressivo é lícito no Direito Penal e lícito no Direito Civil. No entanto, o agente terá de reparar o dano causado ao terceiro, podendo ajuizar ação regressiva contra o causador do perigo.
É tratado pelos art. 929 e 930 do Código Civil:
Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188 (estado de necessidade), não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.
Art. 930. No caso do inciso II do art. 188 (estado de necessidade), se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.
Quais as espécies de estado de necessidade quanto ao aspecto subjetivo do agente?
a) Real: todos os requisitos legais do estado de necessidade estão presentes.
b) Putativo: o agente pensa que os requisitos legais estão presentes, mas, na realidade, não estão. Trata-se de descriminante putativa.
O que é estado de necessidade recíproco?
Ocorre quando duas ou mais pessoas estão, simultaneamente, em estado de necessidade. Não há crime para ninguém, todos são acobertados pela excludente de ilicitude.
O estado de necessidade se comunica no concurso de pessoas?
O estado de necessidade possui natureza objetiva, por isso se comunica para todos os envolvidos na prática do fato típico. Desta forma, excluindo o crime para um irá excluir para todos.
O que é legítima defesa?
Está prevista no art. 25 do CP:
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.