Febre reumática Flashcards
Febre reumática definição
complicação tardia, não supurativa, que pode ocorrer 2 a 3 semanas após uma infecção das vias aéreas superiores por estreptococos beta-hemolítico do grupo A (estreptococcia - amigdalite, faringite)
Doença inflamatória sistêmica (articulações, coração, cérebro e pele).
Grande mortalidade e morbidade
1º episódio de febre reumática
surto reumático → se tiver cardite = cardite reumática aguda
Se ficou com alguma sequela cardíaca após o surto = cardite reumática crônica
Epidemiologia
Faixa etária dos 5 aos 18 anos
Distribuição universal, com destaque para sua relação com a pobreza
A incidência caiu drasticamente em países desenvolvidos, mas há áreas pobres de países ricos com alta incidência
Afeta qualquer raça
Sem predisposição sexual, exceto a manifestação clínica de coréia (meninas > meninos)
Países em desenvolvimento afeta cerca de 20 milhões de pessoas
Faringoamigdalite etiopatogênese
Estreptococos não é causador da FR, mas da faringoamigdalite bacteriana (desencadeante da FR).
Vírus são responsáveis por aproximadamente 80% dos casos de faringoamigdalite.
O EBGA é responsável por 15-20% das faringoamigdalites, e por quase todas aquelas de origem bacteriana
Manifestações clínicas
febre alta, dor, odinofagia, mal estar geral, linfonodomegalia → os sinais e sintomas muito mais intensos nas faringoamigdalites bacterianas.
Faringoamigdalite viral: febre baixa; odinofagia leve; dificilmente tem linfonodomegalia
Etiopatogênese da FR
Ambiente + condições socioeconômicas (alimentação inadequada, habitação em aglomerados, atendimento médico deficiente)
Infecção orofaríngea (estreptococos na pele causam impetigo, mas impetigo não leva à FR) → quanto maiores os episódios de infecção orofaríngea, maior a chance de se desenvolver FR (mais comum de infecções repetitivas).
Cepa específica do EBGA com proteína M.
Indivíduo com fatores genéticos de susceptibilidade (HLA DR7): sequência antigênica comum entre o Streptococcus e tecidos humanos.
Teoria dos epítopos compartilhados ou teoria do mimetismo molecular: antígeno da bactéria é muito semelhante a uma sequência antigênica própria do organismo
HLA é marcador de susceptibilidade
No Brasil: HLA DR7, DR53
A FR não é uma doença autoimune porque não há perda de tolerância, apenas uma reação cruzada entre o antígeno da bactéria e o auto-antígeno. Os anticorpos só são produzidos durante a infecção, mas são produzidas células de memória; em um segundo contato com a bactéria, a produção de anticorpos seria muito maior, por isso é importante fazer a profilaxia após o primeiro surto
Se o tratamento da amigdalite bacteriana é feito de forma efetiva e eficaz, o organismo não chega ao nível de produção de anticorpos. O ideal é iniciar a antibioticoterapia nos primeiros sinais e sintomas da criança
É importante evitar que a criança crie memória imunológica com os repetitivos episódios de faringoamigdalites para não aumentar a probabilidade de autoagressão do organismo com os anticorpos produzidos
⅓ a ⅔ dos casos de FR irão desenvolver cardite (atribui morbimortalidade dessa doença)
Sequência genética bacteriana antigênica (non-self) estimula produção do anticorpo, que afeta a bactéria, mas pode também afetar o epítopo semelhante (self) → tecidos são afetados. É preciso ter uma suscetibilidade genética para que isso ocorra!
O anticorpo só é formado contra antígeno que está na superfície celular. Na bactéria, está na superfície → anticorpo só é produzido quando entra em contato com a bactéria (depende do reconhecimento pelo linfócito B)! A partir desse contato, anticorpos passam a também atacar os antígenos de células próprias do organismo.
Características clínicas
Processo infeccioso: 5 a 7 dias
Período latente: do fim do processo infeccioso até o início dos primeiros sinais e sintomas da FR aguda = surto reumático
Surto reumático: 2 a 3 semanas entre o início do processo (no 1º surto). No 2º surto, esse período é menor devido a memória imunológica
Já teve produção de anticorpo durante processo infeccioso, tanto que há melhora do quadro de amigdalite. Entretanto, o pico de produção de anticorpo é no período latente (apesar de não haver mais bactéria estimulando a produção de anticorpos).
Antibioticoterapia precoce: evita que ocorra produção expressiva de anticorpos e consequente reconhecimento de antígenos. Tempo que um anticorpo permanece no organismo = 3 anos → surto de febre reumática pode durar até 3 meses.
Manifestações em ordem crescente de incidência: artrite, cardite, coréia reumática, nódulos subcutâneos, eritema marginatum.
➤ Artrite
Sintoma mais comum: 60 a 85%
Classicamente poliartrite (≥ 5 articulações comprometidas).
Monoartrite = 1 articulação. Oligoartrite = até 4 articulações. Poliartrite = a partir de 5 articulações
Migratória: ≠ aditivo (articulações dolorosas vão se somando - a dor aparece em um novo local, mas é mantida no primeiramente acometido). Na migratória, as articulações vão sendo inflamadas de forma sequencial. Conforme a inflamação vai surgindo em uma articulação, vai melhorando a inflamação de outra que surgiu antes, e quando a terceira articulação começa a doer, a primeira articulação não dói mais nada ➜ o quadro é considerado poliarticular
Assimétrica: lado direito e esquerdo podem não ser comprometidos igualmente - justamente por ser migratória
Curta duração: quadro articular dura pouco em cada articulação, mas o surto em si pode durar semanas a meses (≠ artrite reumatóide, em que a dor a prolongada)
Dor desproporcional ao processo inflamatório encontrado na articulação
Boa resposta a AINEs (inclusive AAS)
Axial é incomum: comprometimento da coluna vertebral (axial) é incomum, mas no Brasil, até 30% das crianças podem apresentar dor na coluna cervical ou lombar durante a exacerbação da FR
Não leva a nenhum tipo de sequela nas crianças
Artropatia de Jaccoud: única deformidade que pode acontecer em paciente com febre reumática; desvio redutível dos dedos por frouxidão ligamentar após surtos repetitivos de artrite. Também pode ser causada por LES
Não confundir com artrite reumatóide: na artrite reumatóide, há destruição da articulação → deformidades não redutíveis (não volta ao normal quando aperta).
➤ Cardite
Manifestação mais grave: 41 a 83%
Duração de 3 meses (média da duração do surto reumático) → tempo que o anticorpo demora para ser clareado / totalmente destruído
Qualquer folheto pode ser afetado, sendo o principal o endocárdio (doença valvar). Sequência do comprometimento das valvas: mitral > aórtica > tricúspide > pulmonar (mais rara!). Não se sabe a explicação para a mitral ser mais frequentemente acometida
Manifestações clínicas: dependem do folheto acometido, podendo ser sopros, taquicardia, arritmias, atrito pericárdico, dor torácica , cardiomegalia , insuficiência cardíaca
Endocárdio: sopro - sopro de insuficiência seguido de sopro de estenose valvar
Miocárdio: arritmia, cardiomegalia com insuficiência cardíaca
Pericárdio: atrito pericárdico, dor torácica
Imagens: alterações da válvula mitral por acometimento do endocárdio durante surto de FR. O paciente apresenta cardite reumática crônica com estenose mitral
Estenose mitral (diminuição do óstio por fusão das comissuras) → turbilhonamento do sangue → formação de trombo (extremamente grave); hipertensão pulmonar → pode ocorrer TVP, embolia pulmonar
Na gestação, há aumento do débito cardíaco: muitas pacientes só descobrem insuficiência valvar na gestação
O tecido inflamado faz fibrose que forma vegetações (como mostrada na seta à direita). Essa vegetação é inicialmente asséptica, mas pode se tornar infectada por bactérias, em caso de procedimentos com grande potencial infeccioso (extrações dentárias, biópsia do cólon) → endocardite bacteriana
Anticorpos reativos ao tecido cardíaco, por reação cruzada, se fixam à parede do endotélio valvar e aumentam a expressão da molécula de adesão VCAM I. Esta atrai quimiocinas que favorecem a infiltração celular por neutrófilos, macrófagos, principalmente linfócitos T, gerando inflamação local, destruição tecidual e necrose central. Núcleo de células (macrófagos ao redor da fibrose) são chamadas de nódulos de Aschoff
Estenose mitral (diminuição do óstio por fusão das comissuras) → turbilhonamento do sangue → formação de trombo (extremamente grave). Se o miocárdio está normal → óstio reduzido → sobrecarga atrial → hipertensão pulmonar. Gestante: embebição gravídica (aumenta débito cardíaco) → edema, cardiomegalia, descompensação cardíaca.
➤ Coréia reumática ou coréia de Sydenham ou Dança de São Vito
Principal causa de coreia adquirida na infância no Brasil
Manifestação tardia da FR (semanas a meses após IVAS)
Ocorre em 30 a 40% das crianças
Mais comum nas meninas
Idade entre 3 a 12 anos de idade
Duração média de 3 meses, podendo ocorrer até 6 meses depois do processo infeccioso das vias aéreas superiores
Curso insidioso (aparece lentamente)
Movimentos arrítmicos irregulares rápidos que são acompanhados de hipotonia muscular. Não ocorre durante o sono
Predomínio distal nas extremidades e face. Também pode se manifestar na língua, impedindo que a criança converse e se alimente de forma efetiva
Labilidade emocional relacionada ao movimento, e não à FR (a pessoa fica irritada com os movimentos)
Não conhecemos o mecanismo fisiopatológico ao certo, mas sabemos que há um predomínio de imunidade humoral, ao invés de imunidade celular
Há acometimento do núcleo caudado e putamen
Pode ser feita coleta de líquor, mas em nada altera no diagnóstico de FR
Duração: também até 3 meses → não deixa nenhuma sequela!
Há crianças que somente perdem a destreza para escrever, enquanto há quadros muito exacerbados, em que a coréia é perceptível o tempo todo. Desaparece durante o sono!
Remédios são usados para diminuir o desconforto, mas o quadro é autolimitado.
➤ Nódulos subcutâneos
Incidência de 9% (manifestação rara)
Apresentam relação com cardite ativa!
Duração de dias
Indolores, firmes, isolados ou não
Não precisa biopsiar
Localização: superfícies extensoras e em cima de proeminências ósseas
Não são patognomônicos!
➤ Eritema Marginatum
Incidência de 7%
Lesão de pele eritematosa, centro claro, borda serpiginosa (eritema na margem forma ondulações, parecendo o caminhar de serpente)
Não dói, não coça
Evanescente: sempre fotografar quando encontrar, pois a lesão some rapidamente
Acomete tronco e região proximal das extremidades, poupa a face!
OBS. A pele saudável é a pele da parte interna.
Na primeira imagem, a lesão é tão grande que a pele normal tem extensão menor que a pele doente.
Outros sinais e sintomas: menos frequentes, não pertencem aos critérios de Jones - Ex: dor abdominal
Critérios de Jones (usar os revisados)
Permitem a separação dos pacientes em grupos, importante sobretudo para a realização de ensaios clínicos.
Populações de baixo risco: países desenvolvidos
Risco moderado a alto: países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento
- Em populações cujo risco é alto, além da poliartrite, que é o quadro clássico, é aceito também monoartrite e poliartralgia.
- Nos critérios maiores, considera-se poliartralgia e monoartralgia e os marcadores de atividade inflamatória são quantificados.
- Em países cujo risco é alto, são aceitas características além das clássicas
Exames laboratoriais
Infecção estreptocócica prévia:
SWAB de orofaringe com crescimento em cultura
Presença de ASLO
Provas de atividade inflamatória: são critérios menores, mas são importantes para o acompanhamento dos pacientes
Proteína C reativa (PCR): aumentam no início do quadro
Velocidade de hemossedimentação (VHS): aumenta no início do quadro
Alfa-1-glicoproteína: proteína produzida pelo fígado, que demora um pouco mais para começar a ser produzida. Baixa no início do quadro de FR, mas a grande vantagem é que ela só desaparece quando o surto acaba (geralmente após 3 meses) → boa para decidir em qual momento devemos suspender a terapia
Anti-DNAse: feito em alguns casos de coréia
Exames gerais: hemograma, uréia e creatinina, fator antinuclear (afastar LES), mielograma (afastar neoplasias)
Exames de imagem
RX de tórax: avaliar cardiomegalia
ECG: avaliar aumento do espaço PR e arritmias
Ecocardiograma / Ecodoppler: avaliar estado funcional das valvas, avaliar DC
Complementam a ausculta cardíaca para investigação do coração
Complicações
Complicações na gravidez: embebição gravídica com aumento do volume sanguíneo e DC, podendo ter maior número de complicações
Endocardite bacteriana: valva fica com vegetações no endocárdio, que podem ser contaminadas por bactérias após procedimentos com alta contaminação
AVC
Cirurgia cardíaca: seja para substituição ou correção valvar
Morte
Tratamento
Profilaxia primária
Objetivos: erradicar o estreptococo do grupo A da orofaringe e prevenir a FR
Prescrever ATB quando há suspeita de faringoamigdalite de origem bacteriana (observação de placas de pus nas amígdalas)
Penicilina benzatina dose única
Crianças até 25 kg: 600.000 UI IM
Crianças mais de 25 kg: 1.200.000 UI IM
Penicilina oral durante 10 dias (igualmente eficaz se bem feita)
Alérgicos: eritromicina, azitromicina, claritromicina
Reações anafiláticas verdadeiras à penicilina são raras (0,01%)
Profilaxia secundária
Objetivo: evitar recorrências (criança já teve o 1º surto)
Evitar novos episódios de infecções de vias aéreas superiores
Evitar que a lesão cardíaca surja (se ainda não surgiu) ou progrida (se já teve um pouco)
Antibioticoterapia de forma crônica
Penicilina benzatina
Crianças até 25 kg: 600.000UI IM
Crianças mais de 25 kg: 1.200.000UI IM
Em países desenvolvidos, com baixa prevalência de FR: 4/4 semanas
Áreas endêmicas, países em desenvolvimento com alta prevalência de FR: 3/3 semanas
Em caso de negação da Benzetacil: penicilina oral todos os dias
Alérgicos: sulfadiazina, eritromicina
Antibioticoterapia oral menos eficaz: difícil adesão tomar 3 cp/dia durante anos
Duração da profilaxia: sempre escolher o esquema mais longo
Se FR sem cardite: até 21 anos de idade ou até 5 anos após último surto
Se FR com cardite e sem sequela: até 25 anos ou 10 anos após último surto
Se FR com cardite e com sequela: até 40 anos ou 10 anos após último surto. Existe o questionamento acerca da profilaxia por toda a vida, no entanto, há estudos que revelam uma diminuição da incidência de infecções de vias aéreas superiores com o avançar da idade
OBS. Não há resistência à penicilina para estreptococos!
Saber as doses de penicilina benzatina para as provas!
Exemplo: paciente teve quadro de FR sem cardite ao 15 anos - em tese, faria profilaxia até os 21 anos, mas, aos 18 anos, para a profilaxia e tem novo quadro, de novo somente artrite e artralgia, por exemplo → vai ter que fazer profilaxia por mais 5 anos (até os 23).
Sequelas: não precisa determinar imediatamente se houve ou não sequela. Sopro, por exemplo, pode ir desaparecendo com o tempo.
➞ Quanto maior a adesão nos primeiros anos de profilaxia, menor a chance de recidiva.
Tratamento dos sinais e sintomas agudos
Tratamento da artrite:
AAS por 4-6 semanas (ou outros AINEs)
Repouso na fase aguda é ideal
Obs. Quando damos anti-inflamatório em um quadro monoarticular, cortamos o ciclo de poliartrite e perdemos a oportunidade de diagnosticar FR → no PS: perguntar se a criança já foi medicada, se foi mono ou poliarticular e dar analgésico e não AINEs
Tratamento da cardite
Prednisona com dose alta por 10-14 dias
Diminuição gradual
Tratamento dura de 8 a 12 semanas
Repouso relativo no mínimo por 4 semanas
Reumatologistas optam por corticóide em qualquer estágio de cardite - não reduz o tempo do surto, mas melhora os sintomas
Cardiologistas optam por usar corticóide só na cardite moderada a grave
Tratar sintomas que venham a ter seja com antiarrítmicos, digitálicos e/ou diuréticos → tratamento das manifestações cardíacas propriamente ditas da doença (AAS é para a inflamação apenas)
Tratamento da coreia
Ácido valpróico, haloperidol, clorpromazina, fenobarbital
Repouso relativo
Ambiente tranquilo
Sempre interessante ter um neurologista pediátrico acompanhando a criança