Lei 9.455/1997 - Tortura Flashcards
No Brasil, como é o tratamento dado à punição da tortura, ou melhor, quais são os diplomas legais que tratam e disciplinam o assunto?
Nós temos normas constitucionais, normas internacionais e a Lei de Tortura.
O que a CF diz sobre a tortura?
Art. 5º, III: Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante.
Art. 5º, XLIII: A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.
Interessante observar que a Constituição não define o que é tortura.
O que é tortura?
A definição de tortura está em alguns atos internacionais. Nós somos subscritores de dois atos internacionais: a Convenção Interamericana para prevenção e punição da tortura, que foi internalizada pelo Decreto nº 98.386/1989, e a Convenção contra a tortura e outros tratamentos desumanos ou degradantes, que é de 1991.
A primeira define tortura como todo ato pelo qual você inflige intencionalmente a uma pessoa sofrimentos que podem ser de natureza física ou de natureza mental, com algumas finalidades.
A segunda é mais específica: para a Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos Desumanos ou Degradantes, de 1991, tortura é “qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa, com determinadas finalidades ou motivações, quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de suas funções públicas”.
Por que há quem questione se é legítimo punir a tortura quando praticada por um particular? Em outras palavras, que o crime de tortura é um crime próprio?
Porque um dos instrumentos internacionais dos quais o Brasil é signatário define tortura como o ato intencional que inflige dor praticado por um funcionário público. Assim, no âmbito internacional a ideia de tortura tem a ver com a ideia de um uso excessivo do poder, no sentido de que nós já teríamos instrumentos para punir atos de tortura praticadas entre particulares, como a lesão corporal grave, tem a tentativa de homicídio, todos os atos ligados a lesões de uma maneira geral, os constrangimentos ilegais, que poderiam ser encaixados, e sempre foram encaixados quando a gente ainda não tinha a tortura autônoma.
Aqueles que defendem essa posição, que é uma posição inclusive política, dizem que punir a tortura assim, genericamente, representaria banalizar o uso de um instrumento legal que deveria ser muito forte, contra um ato muito grave.
Todavia, a Lei n. 9.455/1997, que disciplinou o tratamento de tortura no Brasil, não faz tal distinção, a jurisprudência do STJ é pacífica sobre a licitude da ampliação da figura da tortura pela legislação pátria (em relação à internacional).
De que forma a Lei de Tortura rompeu com a teoria monista da ação?
Porque ela dá tratamento diverso para a tortura por ação e para a tortura por omissão. A tortura por omissão ela é punida de forma diferente e mais branda do que a tortura realizada diretamente pelo executor da medida.
Quais são as duas ações que, de acordo com a nossa Lei n. 9.455/1997, constituem tortura? Qual a pena para tal crime?
Art. 1º Constitui crime de tortura:
I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental [não há elemento de intensidade, mas que normalmente acontece no caso da tortura, e o modo de empregar é violência física ou a grave ameaça, então vis compulsiva ou vis corporalis]
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
A partir da definição legal de tortura, a doutrina cunhou diferentes tipos de tortura, definidas a partir de suas finalidades, e um quarto definido a partir da relação entre torturador e torturado. Quais são elas?
Tortura Prova (com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa)
Tortura Crime ou Coação (para provocar ação ou omissão de natureza criminosa)
Tortura Discriminatória (em razão de discriminação racial ou religiosa)
Tortura Castigo (praticado contra pessoa sob guarda, poder ou autoridade do torturador, para infligir castigo)
Quais são as principais características comuns aos três tipos de crime tortura, previstos no inciso I do artigo 1º da Lei n. 9.455/1997 (excluído, portanto, aquele praticado contra alguém sob sua guarda, poder ou autoridade)? É crime comum, próprio ou de mão própria? Qual o momento de sua consumação? É crime material, formal ou de mera conduta? Há elemento subjetivo especial? Ele admite tentativa?
- Crime comum
- Admite dupla sujeição passiva (O agente pode, por exemplo, torturar o filho para obter uma finalidade do pai ou infligir sofrimento a ambos - torturar um filho significa torturar psicologicamente o pai e vice-versa)
- Conduta vinculada pelo emprego de violência ou grave ameaça
- Consuma-se com a ocorrência do sofrimento (físico ou mental)
- Não exige a causação de lesões corporais
- Plurissubsistente (logo, admite tentativa)
- Crime Formal
- Exige a presença do elemento subjetivo especial
Qual a crítica que se faz à tortura discriminatória, tal como definida na lei?
A adstrição à discriminação racial ou religiosa, excluindo, desta forma, qualquer outra discriminação. O sofrimento infligido, por exemplo, por discriminação quanto à orientação sexual, a regionalismos (nordestino, sulista, etc.) ou qualquer outra forma de discriminação, que não seja a racial ou religiosa, não configura tortura. A mais atual concepção de “raça”, realizada no crime de racismo pelo STF, permite superar tal dificuldade:
“Dado o entendimento amplo adotado pelo STF no Habeas Corpus nº 82.424/RS e recentemente na ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) 26/DF, orientado pela noção de racismo social, passou-se a compreender o racismo como um gênero do qual são espécies a discriminação e o preconceito contra grupos étnicos, negros e indígenas, mas também contra judeus, homossexuais e transsexuais. A despeito dos graves problemas do ponto de vista da legalidade penal que esse entendimento apresenta, por coerência dogmática, seria possível argumentar que eventual tortura praticada, por exemplo, contra homossexuais, configuraria o tipo do art. 1º, I, “c”, desde que motivada pela visão segregacionista que busca inferiorizar o grupo ao qual as vítimas pertencem”.
Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo é crime de tortura?
Elemento de intensidade: tem que ser um intenso sofrimento físico ou mental. Nisso, se difere da tortura tratada no inciso 1º (tortura-prova, crime/coação e discriminatória).
Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo é crime de tortura?
Elemento de intensidade: tem que ser um intenso sofrimento físico ou mental. Nisso, se difere da tortura tratada no inciso 1º (tortura-prova, crime/coação e discriminatória).
A criança de dois anos que fazia xixi à noite, molhava a fralda, molhava o colchão e a mãe a queimou toda de cigarro de manhã, com o desiderato declarado de ensiná-la a não fazer mais xixi fora de hora e lugar. É crime de tortura-castigo ou de maus tratos?
Tortura-castigo. A diferença essencial entre ambos, além da intensidade do sofrimento, é o elemento volitivo. Nos maus tratos, o objetivo é a disciplina, é ensinar algo. Na tortura, o objetivo é causar sofrimento (castigo). Na prática, você diferencia um de outro pelo meio empregado. Neste caso, o meio é absolutamente inadequado para a declarada intenção de correção.
Além dos crimes de tortura, a Lei n. 9.455/1997 também prevê uma forma equiparada a tortura. Qual é?
Art. 1º, § 1º: Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.
Além dos crimes comissivos de tortura, a Lei n. 9.455/1997 também prevê uma forma omissiva. Qual é, e qual apena prevista?
§ 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos. (a tortura normal é de 2 a oito)
Quais são as formas qualificadas de tortura?
§ 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.
Quais são as causas de aumento para o crime de tortura, e qual é a fração de aumento?
§ 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:
I - se o crime é cometido por agente público;
II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 anos;
III - se o crime é cometido mediante seqüestro.