2. Embriologia, Divisões e Organização Geral do Sistema Nervoso Flashcards
Intro
O estudo do desenvolvimento embrionário (organogênese) do sistema nervoso é importante, uma vez que permite entender muitos aspectos de sua anatomia.
Diversos termos largamente usados para denominar
partes do encéfalo do adulto baseiam-se na embriologia.No estudo da embriologia do sistema nervoso, tra¬
taremos sobretudo daqueles aspectos que interessam à
compreensão da disposição anatômica do sistema ner¬
voso do adulto e das malformações que podem ocorrer
emrecém-nascidos.
DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA
NERVOSO
Vimos que, durante a evolução, os primeiros neurônios surgiram na superfície externa dos organismos,
fato este significativo, tendo em vista a função primor¬
dial do sistema nervoso de relacionar o animal com o
ambiente. Dos três folhetos embrionários, é o ectoder¬
ma aquele que está em contato com o meio externo e é
deste folheto que se origina o sistema nervoso. O pri¬
meiro indício de formação do sistema nervoso consiste
em um espessamento do ectoderma, situado acima da
notocorda, formando a chamadaplacaneuralpor volta
do 20° dia de gestação (Figura 2.1 A). Sabe-se que,
para a formação destaplacae a subsequente formação e
desenvolvimento do tubo neural, tem importante papel
a ação indutora da notocorda. Notocordas implantadas na parede abdominal de embriões de anfíbios induzem
aí a formação de tubo neural. Anotocorda se degenera
quase completamente, persistindo uma pequena parte
que forma o núcleo pulposo das vértebras.
A placa neural cresce progressivamente, toma-se
mais espessa e adquire um sulco longitudinal denomi¬
nado sulco neural (Figura 2.1 B), que se aprofunda
para formar & goteiraneural(Figura 2.1C). Os lábios
da goteira neural se fundempara formar o tubo neural
(Figura 2.1D). O ectoderma, não diferenciado, então
se fecha sobre o tubo neural, isolando-o, assim, do
meio externo. No ponto em que este ectoderma en¬
contra os lábios da goteira neural, desenvolvem-se
células que formam de cada lado uma lâmina longi¬
tudinal denominada crista neural, situada dorsolateralmente ao tubo neural (Figura 2.1). O tubo neural
dá origem a elementos do sistema nervoso central, ao
passo que a crista dá origem a elementos do sistema
nervoso periférico, além de elementos não pertencen¬
tes ao sistema nervoso. A seguir, estudaremos as mo¬
dificações que estas duas formações sofrem durante o
desenvolvimento.
Crista neural
Logo após sua formação, as cristas neurais são
contínuas no sentido craniocaudal(Figura 2.1 C). Ra¬
pidamente, entretanto, elas se dividem, dando origem
a diversos fragmentos que vão formar os gânglios es¬
pinhais, situados na raiz dorsal dos nervos espinhais
(Figura 2.1 D). Neles se diferenciam os neurônios
sensitivos, pseudounipolares, cujos prolongamentos
centrais se ligam ao tubo neural, enquanto os prolon¬
gamentos periféricos se ligam aos dermátomos dos so¬
mites. Várias células da crista neural migram e vão dar
origem a células em tecidos situados longe do sistema
nervoso central. Os elementos derivados da crista neu¬
ral são os seguintes: gânglios sensitivos; gânglios do
sistema nervoso autónomo (viscerais); medula da glân¬
dula suprarrenal; melanócitos; células de Schwann; anficitos; odontoblastos. Sabe-se hoje que as meninges,
dura-máter e aracnoide também são derivadas da crista
nervosa
TUBO NEURAL
O s fechamento da goteira neural e, concomitante¬
mente, a fusão do ectoderma não diferenciado é um
processo que se inicia no meio da goteira neural e é
mais lento em suas extremidades. Assim, em uma de¬
terminadaidade, temos tuboneuralno meio do embrião
e goteira nas extremidades (Figura 2.2). Mesmo em
fases mais adiantadas, permanecem nas extremidades
cranial e caudal do embrião dois pequenos orifícios que
são denominados, respectivamente, neuróporo rostral
e neuróporo caudal. Estas são as últimas partes do sis¬
tema nervoso a se fechar.
Paredes do tubo neural
Paredes do tubo neural
O crescimento das paredes do tubo neural e a dife¬
renciação de células nesta parede não são uniformes,
dando origem às seguintes formações (Figura 2.3):
a) duas lâminas alares;
b) duas lâminas basais;
c) uma lâmina do assoalho;
d) uma lâmina do teto.
Separando, de cada lado, as lâminas alares das
lâminas basais, há o chamado sulco limitante. Das lâ¬
minas alares e basais derivam neurônios e grupos de
neurônios (núcleos) ligados, respectivamente, à sensi¬
bilidade e à motricidade, situados na medula e no tron¬
co encefálico.
Alâmina do teto, em algumas áreas do sistema ner¬
voso, permanece muito fina e dá origem ao epêndima
da tela corioide e dosplexos corioides, que serão estu¬
dados a propósito dos ventrículos encefálicos.Alâmina
do assoalho, em algumas áreas, permanece no adulto,
formando um sulco, como o sulco mediano do assoalho
do IV ventrículo (Figura 5.2).
Dilatações do tubo neural
Desde o início de sua formação, o calibre do tubo
neural não é uniforme.Aparte cranial, que dá origem
ao encéfalo do adulto, toma-se dilatada e constitui o
encéfalo primitivo, ou arquencéfalo; a parte caudal,
que dá origem à medula do adulto, permanece com
calibre uniforme e constitui a medula primitiva do
embrião.
No arquencéfalo distinguem-se inicialmente três
dilatações, que são as vesículas encefálicas primiti¬
vas, denominadas prosencéfalo, mesencéfalo e rombencéfalo. Com o subsequente desenvolvimento do
embrião, o prosencéfalo dá origem a duas vesículas,
telencéfalo e diencéfalo. O mesencéfalo não se mo¬
difica, e o rombencéfalo origina o metencéfalo e o
mielencéfalo. Estas modificações são mostradas nas
Figuras 2.4 e 2.5 e esquematizadas na chave que se
segue:
O telencéfalo compreende uma parte mediana,
na qual se evaginam duas porções laterais, as vesícu¬
las telencefálicas laterais (Figura 2.4). Aparte me¬
diana é fechada anteriormente por uma lâmina que
constitui a porção mais cranial do sistema nervoso e
se denomina lâmina terminal. As vesículas telence¬
fálicas laterais crescem muito para formar os hemis¬
férios cerebrais e escondem quase completamente a
parte mediana e o diencéfalo (Figura 2.5). O estudo
dos derivados das vesículas primordiais será feito
mais adiante.
Cavidades do tubo neural
Cavidades do tubo neural
A luz do tubo neural permanece no sistema ner¬
voso do adulto, sofrendo, em algumas partes, várias
modificações (Figura 9.5). A luz da medula primiti¬
va forma, no adulto, o canal central da medula, ou
canal do epêndima, que no homem é muito estreito
e parcialmente obliterado. A cavidade dilatada do
rombencéfalo forma oIVventrículo. As cavidades do
diencéfalo e da parte mediana do telencéfalo formam
oIIIventrículo. A luz do mesencéfalo permanece es¬
treita e constitui o aqueduto cerebral que une o III
ao IV ventrículo. A luz das vesículas telencefálicas
laterais forma, de cada lado, os ventrículos laterais,
unidos ao III ventrículo pelos doisforames interventriculares. Todas estas cavidades são revestidas por
um epitélio cuboidal denominado epêndima e, com
exceção do canal central da medula, contêm o deno¬
minado líquido cérebro-espinhal, ou liquor.
DIFERENCIAÇÃO E ORGANIZAÇÃO
NEURONAL
No embrião de quatro meses, as principais estrutu¬
ras anatômicas já estão formadas. Entretanto, o córtex
cerebral e cerebelar é liso. Os giros e sulcos são for¬
mados emrazão da alta taxa de expansão da superfície
cortical. O córtex cerebralhumano mede cerca de 1.100
cm2 e deve dobrar-se para caber na cavidade craniana.
Após o conhecimento das principais transforma¬
ções morfológicas do Sistema Nervoso Central (SNC)
durante o desenvolvimento, vamos estudar as etapas
dos processos de diferenciação e organização do teci¬
do. São elas:
Proliferação neuronal; Migração neuronal; Diferenciação neuronal; Sinaptogênese e formação de circuitos; Mielinização; Eliminação programada de neurônios e sinapses.
Proliferação e migração neuronal
A proliferação neuronal se intensifica após a for¬
mação do tubo neural e ocorre paralelamente às trans¬
formações anatômicas. A partir de certo momento, as
células precursoras do neurônio passam a se dividir de
forma assimétrica, formando outra célula precursora e
umneurônio jovem que inicia, então, o processo demigração da região proliferativaperiventricular para a re¬
gião mais externa,para formar o córtex cerebral e suas
camadas (Figura 2.6).
A migração é umprocesso complexo. Precocemen¬
te, na superfície ventricular da parede do tubo neural
existe uma fileira de células justapostas da glia, cujos
prolongamentos estendem-se da superfície ventricular
até a superfície externa. Estas células são chamadas de
gliaradial,precursoras dos astrócitos. Os neurônios mi¬
gram aderidos a prolongamentos da glia radial, como
se estes fossem trilhos ao longo dos quais deslizam os
neurônios migrantes. Os neurônios migrantes de cada
camada param após ultrapassar a camada antecedente.
Sinais moleculares secretados pelos neurônios já mi¬
grados determinam o momento de parada
DIFERENCIAÇÃO NEURONAL
Após amigração, os neurônios jovens irão adquirir
as características morfológicas e bioquímicas próprias
da função que irão exercer. Começam a emitir seu axônio que tem que alcançar seu alvo às vezes em locais
distantes e aí estabelecer sinapses. A diferenciação em
um ou outro tipo de neurônio depende da secreção de
fatores por determinados grupos de neurônios que irão
influenciar outros grupos a expressar determinados ge¬
nes e desligar outros. Fatores indutores, ativando genes
diferentes em diversos níveis, aos poucos vão tomando
diferentes as células que inicialmente eram iguais.
Os axônios têm que encontrar o seu alvo correto
para poder exercer sua função. Por exemplo: os neurô¬
nios motores situados na área motora do córtex cerebral
referente à flexão do hálux têm que descer por toda a
medula e fazer sinapse com o motoneurônio específico,
que inerva o músculo responsávelpor esta função.Eas¬
sim ocorre com todas as funções cerebrais e os trilhões
de contatos sinápticos existentes que têm que encontrar
o alvo correto. A extremidade do axônio, chamada de
cone de crescimento, é especializada em “tatear o am¬
biente” e conduzir o axônio até o alvo correto, por meio
do reconhecimento de pistas químicas presentes no microambiente neural e que irão atraí-lo ou repeli-lo. Ao
chegar próximo à região alvo, a extremidade do axônio
ramifica-se e começa a sinaptogênese. Assim, axônios
de bilhões de neurônios devem encontrar seu alvo cor¬
reto, o que resultará nos trilhões de contatos sinápticos
envolvidos nas mais diversas funções cerebrais
MORTE NEURONAL PROGRAMADA E
ELIMINAÇÃO DE SINAPSES
Todas as etapas da embriogênese descritas até o
momento acabam resultando em um número maior de neurônios e sinapses do que caracteriza o ser humano
após o nascimento. Ocorre, então, uma morte neuronal
programada, que é reguladapela quantidade de tecido-
-alvo presente. O tecido-alvo e também os aferentes
produzem uma série de fatores neurotróficos que são
captados pelos neurônios.1Atuando sobre o DNAneu¬
ronal, os fatores neurotrópicos bloqueiam um processo
ativo de morte celular por apoptose (opróprio neurônio
secreta substâncias cuja função é matar a si próprio).
Diversos neurônios podem se projetar para o mesmo
tecido-alvo. Ocorre uma competição entre eles e aque¬
les que conseguem estabilizar suas sinapses e assegurar
quantidade suficiente de fatores tróficos sobrevivem,
enquanto os demais entram em apoptose e morrem.
Ocorre também a eliminação de sinapses não utilizadas
ou produzidas em excesso. Em caso de lesões, neurô¬
nios que normalmente morreriampodem ser utilizados
para recuperá-las. Portanto, esta reserva neuronal e de
sinapses determina o que é conhecido como plastici¬
dade neuronal, existente em crianças, e que vai dimi¬
nuindo com a idade, tendo em vista que cada função
cerebral possui o seu período crítico. É em razão da
plasticidade que, quanto mais nova a criança, melhor
o prognóstico em termos de recuperação de lesões. É
também por isso que crianças têm maior facilidade de
aprendizado.
O cérebro está em constante transformação, novas
sinapses estão continuamente sendo formadas. Estudos
recentes demonstraram que o cérebro continua crescen¬
do até o início da puberdade. Este crescimento não se
deve ao aumento do número de neurônios e sim do nú¬
mero de sinapses. Apartir daí começa um processo de
eliminação de sinapses desnecessárias e não utilizadas.
Éumprocesso de refinamento funcional, tendo em vis¬
ta que cada região tem um período de máximo cresci¬
mento e posterior eliminação de sinapses responsáveis
pelas funções psíquicas superiores.
MIELINIZAÇÃO
O processo de mielinização é considerado o final
da maturação ontogenética do sistema nervoso e será
descrito no próximo capítulo. Ele se completa em épo¬
cas diferentes e em áreas diferentes do sistema nervo¬
so central. A última região a concluir este processo é
o córtex da região anterior do lobo frontal do cérebro
(área pré-frontal), responsável pelas funções psíquicas superiores. Ela cresce até os 16, 17 anos, quando inicia
o processo de eliminação de sinapses. O processo de
mielinização no lobo frontal só está concluído próximo
aos 30 anos, ou seja, a maioridade do cérebro ocorre
bem mais tarde que a maioridade legal!
CORRELAÇÕES ANATOMOCLÍNICAS
O período fetal é importantíssimo para a forma¬
ção e desenvolvimento do sistema nervoso central.
Fatores externos como substâncias teratogênicas, irra¬
diação, alguns medicamentos, álcool, drogas e infecções congénitas podem afetar diretamente as diversas
etapas deste desenvolvimento. Quando ocorrem no
primeiro trimestre de gestação podem afetar a proli¬
feração neuronal, resultando na redução do número
de neurônios e microcefalia. No segundo ou tercei¬
ro trimestres podem interferir na fase de organização
neuronal, redução do número de sinapses e ocasionar
quadros de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e retardo mental.
A desnutrição materna ou nos primeiros anos de
vida da criança, agravada pela falta de estímulos do
ambiente, pode interferir de maneira diretano processo de mielinização. Esta etapa está diretamente relacio¬
nada à aquisição de habilidades e ao desenvolvimento
neuropsicomotor normal da criança, a qual poderá so¬
frer atrasos muitas vezes irreversíveis.
DEFEITOS DE FECHAMENTO
O fechamento da goteira neural para formar o tubo
neural é uma etapa importante para o desenvolvimen¬
to do sistema nervoso, e ocorre muito precocemente
na gestação (22 dias). Os defeitos do fechamento do
tubo neural são relativamente comuns, um em 500
nascimentos, ocasionando grave comprometimento
funcional. Falhas no fechamento da porção posterior
ocasionammalformações, tais como as espinhas bífidas
e as mielomeningoceles. Na espinha bífida, a meninge
dura-máter e a medula são normais. A porção dorsal
da vértebra, no entanto, não está fechada. Este quadro
é frequentemente assintomático. Nas meningoceles
ocorre um déficit ósseo maior. A dura-máter sobressai
como um balão e necessita de correção cirúrgica. Na
mielomeningocele, além da dura-máter, parte da medu¬
la e das raízes nervosas é envolvida. Mesmo após a cor¬
reção cirúrgica, irão permanecer déficits neurológicos
variáveis de acordo com o nível e extensão da lesão.
Podem ocorrer desde distúrbios no controle vesical até
a paraplegia O fechamento da porção anterior do tubo neural é
bastante sensível a teratógenos ambientais. Sua ação
pode dar origem a defeitos de fechamento muito gra¬
ves, como a anencefalia, com incidência aproximada
de 1:1.000 nascimentos. Caracteriza-se pela ausência
do prosencéfalo e do crânio, e é sempre fatal.
O uso de ácido fólico de rotina nas mulheres com
intenção de engravidar vemreduzindo a incidência dos
distúrbios de fechamento do tubo neural.
DISTÚRBIOS DE MIGRAÇÃO
NEURONAL
Em algumas situações, alguns neurônios não ter¬
minam sua migração ou o fazem de forma anómala.
Isto gera grupos de neurônios ectópicos (Figura 2.7)
que tendem a apresentar alta excitabilidade e potencial
epileptogênico. As epilepsias decorrentes de distúrbios
de migração tendem a ser de difícil controle, muitas
vezes intratáveis com medicamentos. Podem ter como
último recurso terapêutico a intervenção cirúrgica (ver
também Capítulo 3, item 5.4).
Em alguns casos, graves distúrbios de migração
envolvendo grandes áreas cerebrais podem ocasionar
quadros de retardo mental ou paralisia cerebral.