SP 2.2 - TUTORIA Flashcards
Defina ‘Sepse’
Sepse é uma síndrome definida como uma disfunção orgânica ameaçadora à vida secundária a uma resposta inflamatória sistêmica descontrolada, desregulada e autossustentável a uma infecção. O foco da infecção pode estar localizada em apenas um órgão, mas a sepse ocorre quando a liberação de mediadores pró-inflamatórios excede os limites do local da infecção, acarretando lesão celular e disfunção orgânica generalizada. O diagnóstico de sepse é feito quando há infecção presumida ou confirmada + disfunção orgânica, caracterizada pelo aumento de 2 ou mais pontos no escore SOFA (Sequential Sepsis-related Organ Failure Assessment).
Aceita-se ainda que a sepse faz parte de um continuum de gravidade, que se inicia na infecção não complicada, perpassa a sepse, o choque séptico e culmina na síndrome de disfunção de múltiplos órgãos (SDMOS) e morte.
Descreva o protocolo no pronto-atendimento para sepse e sua importância para um bom prognóstico.
A sepse tem taxa de mortalidade de 55% nos pacientes acometidos pela síndrome em unidades de terapia intensiva no Brasil. O impacto da sepse se estende para além da internação: a síndrome é
associada com declínio cognitivo e funcional novos e persistentes em idosos, redução da capacidade dos sobreviventes de viverem sozinhos e aumento do risco de doenças psiquiátricas em sobreviventes e seus familiares. No departamento de emergência, a necessidade de exames complementares para o estabelecimento do diagnóstico associado ao tratamento precoce, torna necessária a instituição de ferramentas utilizando parâmetros clínicos para o rastreio de pacientes com sepse.
Quais os fatores de risco para pior evolução de um paciente com sepse? E qual a estratificação de risco?
Fatores de risco para pior evolução incluem extremos de idade, doenças imunossupressoras, câncer, medicamentos imunossupressores, diabetes, abuso de álcool, cateteres venosos ou outras condições que envolvam integridade cutânea.
Qual a etiologia da sepse?
A causa mais comum de sepse é pneumonia. Além do pulmão (que representa 63,5% dos casos de sepse), outros focos são: abdome (19,6%), corrente sanguínea (15,1%), trato urinário (14,3%), pele (6,6%), relacionados ao uso de cateter (4,7%) e sistema nervoso central (2,9%).
A sepse pode ter origem na comunidade, no ambiente hospitalar (nosocomial) ou associada a cuidados de saúde. Cerca de 80% dos casos de sepse são da comunidade.
Os microrganismos mais frequentemente identificados são: Staphylococcus aureus, Pseudomonas e Escherichia coli.
Por que as novas definições de sepse não exigem a presença de SRIS (síndrome de resposta inflamatória sistêmica)?
A SIRS nem sempre apresenta foco infeccioso, podendo ser secundária ao trauma ou à cirurgia de grande porte, bem como pacientes imunossuprimidos ou com idade avançada podem manifestar disfunção orgânica, e mesmo choque séptico, sem a presença dos sinais clássicos da SRIS. Assim, as manifestações da SRIS não são fundamentais para definir a presença de sepse.
Defina o qSOFA
Denominado quick Sepsis Organ Failure Assessment (qSOFA) é um novo escore que serve para avaliar a gravidade da sepse. A presença de duas das três variáveis que compõe esse escore, a saber, rebaixamento de nível de consciência, frequência respiratória (FR) acima de 22 ipm e pressão artéria sistólica (PAS) menor que 100 mmHg, seria preditiva de maior mortalidade entre pacientes com suspeita de sepse. Esse escore não faz parte do diagnóstico da sepse, pois trata-se apenas de um alerta a respeito da gravidade da doença que o paciente já apresenta.
Considerando a fisiopatologia, estabeleça uma relação entre resposta inflamatória normal e a resposta inflamatória na sepse.
Infecção acontece quando um microrganismo patogênico invade um
local estéril do corpo do hospedeiro. A resposta do hospedeiro à infecção é a inflamação, que é iniciada quando as células imunes inatas, particularmente os macrófagos, reconhecem e se ligam aos componentes microbianos. Receptores de reconhecimento de padrões (PRRs), (como os toll-like receptors) na superfície das células imunes do hospedeiro podem reconhecer e se ligar aos padrões moleculares associados a patógenos (PAMPs) de micro-organismos e os chamados padrões moleculares associados a danos (DAMPs), que são liberados durante o insulto inflamatório. Esses processos iniciam uma série de etapas que resultam na fagocitose e morte do invasor, fagocitose de detritos do tecido lesionado e liberação de citocinas (TNF-a e IL-1) e quimiocinas (ICAM-1, VCAM-1) levando ao recrutamento e ativação de células inflamatórias adicionais. Essa resposta é altamente regulada por um equilíbrio de mediadores pró-inflamatórios e anti-inflamatórios, que irão destruir o agente infeccioso, bem como reparação e cicatrização tecidual. A resposta inflamatória local do hospedeiro é geralmente suficiente para resolver o processo infeccioso.
A sepse ocorre quando há desregulação dos mediadores pró e anti-inflamatórios em resposta a uma infecção, e a resposta inflamatória ultrapassa os limites do ambiente local, levando a uma resposta mais generalizada, envolvendo tecidos normais afastados do local da lesão ou infecção, causando disfunção orgânica.
Por que a resposta inflamatória, que geralmente permanece localizada, se dissemina além do ambiente local na sepse?
A causa é provavelmente multifatorial, envolvendo o agente infeccioso e o hospedeiro:
1. liberação de grandes quantidades de mediadores pró-inflamatórios para além da infecção local (TNF-a e IL-1);
2. efeito direto dos micro-organismos invasores ou de seus produtos tóxicos, como componentes da parede celular bacteriana (endotoxina, peptideoglicano e ácido lipoteicoico), toxinas bacterianas (enterotoxina estafilocócica B, exotoxina A de pseudomonas e proteína M de estreptococos hemolíticos do grupo A);
3. ativação do sistema complemento;
4. suscetibilidade genética individual para o desenvolvimento de sepse.
Cite e explique os principais mecanismos geradores de disfunção orgânica na sepse
-> Diminuição da oferta de oxigênio para os tecidos;
-> Lesão celular
A redução da oferta tecidual de oxigênio é derivada das alterações da circulação sistêmica, regional e da microcirculação, incluindo a trombose, que reflete as alterações do sistema de coagulação.
A lesão celular pode ser decorrente da redução de oferta de oxigênio, mas também pode ser mediada de forma direta por outros mecanismos como lesão mitocondrial e apoptose.
Elucide de maneira geral as alterações circulatórias (sistêmica, regional e da microcirculação) da sepse
A alteração circulatória mais grave da sepse é a hipotensão, que é derivada da vasodilatação difusa e extravasamento capilar (que gera hipovolemia relativa). Além disso, existem as alterações do sistema de coagulação.
A vasodilatação difusa ocorre devido a incubação de endotoxina das bactérias no endotelio e no músculo liso, o que induz a produção de óxido nítrico e prostaciclina (que são vasodilatadores).
A resposta inflamatória também leva ao extravasamento capilar por meio do aumento de permeabilidade endotelial e redução do tônus vascular arterial (vasodilatação). Tudo isso contribui para a hipotensão.
As alterações da coagulação reflete a trombose da microcirculação, configurando um quadro de coagulação intravascular disseminada.
Elucide especificamente as alterações circulatórias sistêmicas (centrais) da sepse
Na circulação central (ou seja, coração e grandes vasos), a diminuição do desempenho ventricular sistólico e diastólico devido à liberação de substâncias depressoras do miocárdio pode ser uma manifestação precoce da sepse.
Elucide especificamente as alterações circulatórias regionais da sepse
Na circulação regional (isto é, pequenos vasos dentro dos órgãos), há hiporresponsividade vascular, ou seja, incapacidade de vasoconstrição adequada, com consequente incapacidade de distribuir adequadamente o fluxo sanguíneo sistêmico entre os sistemas orgânicos.
Elucide especificamente as alterações da microcirculação da sepse
A resposta inflamatória na sepse leva à estase sanguínea e a formação de microtrombos (gerando CIVD e hipoperfusão). Além disso, os eritrócitos perdem a sua capacidade normal de se deformar dentro da microcirculação, assim ficam rígidos, apresentando dificuldade para circular. Ademais, o aumento do permeabilidade capilar leva ao edema disseminado tecido, prejudicando a difusão do oxigênio. Por consequência, há diminuição do número de capilares funcionais e diminuição da oferta de oxigênio tecidual.
Caracterize as alterações do sistema de coagulação na sepse
As alterações da coagulação no contexto da sepse são muito frequentes. A exacerbação da coagulação (estado de hipercoagulabilidade) e comprometimento concomitante da anticoagulação e fibrinólise levam à trombose da microcirculação, configurando quadro de coagulação intravascular disseminada (CIVD), que gera hipoperfusão dos tecidos e conquentenente disfunção orgânica.
Em condições fisiológicas nosso organismo vive em pleno equilíbrio entre coagulação e anticoagulação. A resposta inflamatória alterada durante a sepse leva ao predomínio de funções pró-coagulantes. Nesse sentido, a liberação descontrolada de IL-6 induz a expressão do fator tecidual (FT) na superfície das células endoteliais, células inflamatórias como linfócitos e macrófagos, e plaquetas. Essa via inicia o processo da cascata de coagulação, gerando, finalmente a trombina e a fibrina, que é o composto essencial da rede matricial do coágulo. Além disso, os sistemas responsáveis pela autorregulação e controle na formação dos trombos, como as moléculas anticoagulantes endógenas e a fibrinólise (antitrombina, proteína C e S, entre outros) estão deficitários, em parte, por TNF-a, redução da produção hepática e por extravasamento capilar.
Vale ressaltar que a trombina, além de converter o fibrinogênio em fibrina, tem propriedades inflamatórias, ao estimular a quimiotaxia e adesão de leucócitos e também produção de PAF (fator ativador de plaquetas), que permite ativação plaquetas e neutrófilos. Tudo isso amplifica resposta inflamatória da sepse, gerando mais disfunção em outros órgãos.
Quais as consequências da coagulação intravascular disseminada (CIVD)?
Suas manifestações podem variar desde discretas alterações laboratoriais até quadros de hemorragia intratável e, como vimos, hipercoagulabilidade sanguínea . Trata-se, pois, de uma doença paradoxal, onde podemos ter ao mesmo tempo exacerbação da coagulação e hemorragia. Entretanto, o quadro predominante nos pacientes sépticos é o de hipercoagulabilidade, ou seja, trombose da microcirculação, com consequente disfunção orgânica.