HEPATO Vol 3 - Cirrose hepática e suas complicações Flashcards
Cirrose hepática e suas complicações
1 – Uma paciente de 64 anos, portadora de cirrose hepática alcoólica e encefalopatia hepática crônica em uso de espironolactona e lactulona, inicia quadro de ascite, oligúria e elevação de ureia e creatinina, além de sódio urinário de 8 mEq/L, sem proteinúria. De acordo com a principal hipótese diagnóstica, podem ser instituídos os seguintes regimes terapêuticos para essa paciente, EXCETO:
a) Furosemida.
b) Midodrina.
c) Octreotida.
d) Albumina.
Temos um paciente com cirrose hepática descompensada (encefalopatia crônica) e piora progressiva da função renal associada ao surgimento de ascite! Logo, somos obrigados a pensar na Síndrome Hepatorrenal (SHR)! TODA VEZ QUE UM HEPATOPATA, GERALMENTE COM ASCITE VOLUMOSA, MANIFESTAR OLIGÚRIA E ELEVAÇÃO DAS ESCÓRIAS NITROGENADAS, DEVEMOS PENSAR NESSA SÍNDROME.
Os critérios diagnósticos da SHR são:
(1) cirrose com ascite;
(2) creatinina > 1,5 mg/dl (ou aumento absoluto ≥ 0,3 mg/dl em 48h ou aumento relativo > 50% do valor basal em até 7 dias);
(3) ausência de melhora da creatinina após dois dias de retirada de diuréticos e expansão volêmica com albumina (1 g/kg/dia) ;
(4) ausência de choque;
(5) ausência de uso recente ou atual de drogas nefrotóxicas;
(6) ausência de doença parenquimatosa renal, a qual pode ser definida por: proteinúria > 500 mg/dia, hematúria > 50 células por campo de grande aumento e ultrassonografia renal alterada.
A melhor terapia para a SHR é sem dúvida o transplante hepático. O tratamento clínico é menos efetivo, porém, serve como medida contemporizadora para “ganhar tempo” até que se consiga um transplante. Ele consiste no seguinte: uso de vasoconstritores (ex.: terlipressina ou noradrenalina ou octreotida + midodrina) associado à albumina humana venosa (1 g/kg/dia). Além disso, é claro, temos que suspender os diuréticos em uso, pois tal manobra faz parte dos próprios critérios diagnósticos da SHR.
Enfim, resposta certa: A.
2 – Assinale o procedimento cirúrgico utilizado para descomprimir varizes de esôfago considerado uma derivação seletiva:
a) Esplenorrenal distal.
b) Mesentérico-cava calibrada.
c) Esplenorrenal laterolateral de pequeno diâmetro.
d) Porto-cava calibrada.
e) Esplenorrenal central.
O grande exemplo de uma derivação seletiva para tratamento cirúrgico da hipertensão porta é a derivação ESPLENORRENAL DISTAL (cirurgia de Warren), na qual a veia esplênica é desconectada da veia porta e anastomosada na veia renal esquerda, enquanto as veias gástrica esquerda e as gastroepiploicas são ligadas, o que provoca uma descompressão portal “compartimentalizada” (somente o território esofagogástrico e esplênico). Neste procedimento, o fluxo pela veia mesentérica é mantido em sua totalidade, logo, o restante da circulação porta continua “drenando” para o fígado. Conclusão: ao mesmo tempo em se descomprimem as varizes esofagogástricas, o fluxo portal em direção ao fígado é mantido, evitando-se a encefalopatia e a própria degeneração da função hepática decorrente da perda do fluxo porta, problemas frequentes nas derivações não seletivas! No entanto, é bom lembrar que o procedimento não é perfeito. Como a hipertensão intrassinusoidal é mantida, a ascite persiste e inclusive pode piorar, o que de fato acontece se houver lesão de vias linfáticas retroperitoniais durante a dissecção da veia renal esquerda.
Gabarito: A.
3 – Pacientes com cirrose hepática e ascite devem receber profilaxia para peritonite bacteriana primária em caso de:
a) Síndrome hepatorrenal.
b) Encefalopatia hepática.
c) Trombose de veia porta.
d) Hemorragia digestiva alta.
Em um paciente que tem cirrose hepática complicada por ascite, a chance de INFECÇÃO após um episódio de hemorragia digestiva alta (ex.: rotura de varizes de esôfago) gira em torno de 70%, ou seja, é mais provável que ele desenvolva infecção do que o contrário. Na realidade, a literatura mostra que 20% desses pacientes JÁ TÊM infecção no momento da HDA, e os 50% que restam desenvolvem alguma infecção nos dias subsequentes à HDA. Diversas formas de infecção podem aparecer nesse contexto (ex.: ITU, PNM), porém, na grande maioria das vezes, o que se observa é a PBE: Peritonite Bacteriana Espontânea. De fato, a literatura também já deixou claro que o uso de antimicrobianos efetivamente diminui a morbimortalidade infecciosa associada à HDA no paciente que tem cirrose hepática + ascite e, curiosamente, também diminui a chance de ressangramento. Sendo assim, é praxe nesses doentes prescrever a chamada “profilaxia primária aguda para PBE”! Vale dizer, no entanto, que o termo mais correto não seria “profilaxia primária aguda”, e sim “tratamento preemptivo” (já que, como vimos, muitos pacientes JÁ TÊM infecção no momento da apresentação, ainda que a mesma seja assintomática). Diferentemente da profilaxia primária crônica da PBE, prescrita em longo prazo e com baixas doses de antimicrobiano para o paciente cirrótico avançado que tem níveis reduzidos de proteína no líquido ascítico (< 1 g/dl), aqui o que se prescreve é um curso de antibiótico em DOSES TERAPÊUTICAS (ex.: norfloxacino 400 mg 12/12h por 7 dias, ou ceftriaxona 1 g/dia por 5 dias). Seja como for, tenha em mente que este benefício específico só está confirmado para os casos de hemorragia digestiva, e não em outras complicações, como as demais opções de resposta.
Resposta certa: D.
4 – Na hipertensão portal por cirrose alcoólica, com varizes esofágicas sangrantes, qual o melhor procedimento, após estabilização hemodinâmica?
a) Cirurgia de Warren.
b) Derivação esplenorrenal proximal e esplenectomia.
c) Desconexão ázigo-portal e esplenectomia.
d) Derivação porta-cava.
e) Ligadura elástica endoscópica e betabloqueador.
A questão está se referindo à profilaxia secundária das varizes de esôfago, isto é, aquela que visa evitar novos sangramentos em pacientes que já tiveram um sangramento prévio controlado. Sabemos que a opção de primeira escolha para estes casos consiste na associação de betabloqueadores não seletivos com erradicação das varizes por meio de sessões repetidas de ligadura elástica endoscópica! Os betabloqueadores não seletivos (propranolol, nadolol) reduzem a hipertensão porta por 2 mecanismos:
(1) diminuição do débito cardíaco (bloqueio dos receptores beta-1 no coração) e
(2) vasoconstrição esplâncnica (bloqueio dos receptores beta-2 nos vasos do território da veia porta). A ligadura elástica endoscópica constitui um tratamento “local” para as varizes, isto é, elimina as varizes individuais sem modificar a pressão no território porta. As sessões são feitas a cada 7-14 dias até que todas as varizes sejam erradicadas. Posteriormente, revisões endoscópicas serão feitas a cada 6 meses. Somente para os pacientes que ressangram a despeito dessa estratégia de profilaxia secundária é que se indica uma abordagem mais agressiva. O método de
escolha, nesta situação, é o TIPS. Na ausência deste podemos recorrer às cirurgias para hipertensão porta (logo, de A a D, todos constituem medidas de exceção)
Resposta certa: E.
5 – ”Foi realizada uma Endoscopia Digestiva Alta (EDA) em um paciente portador de cirrose hepática e hipertensão portal. Como já era de se esperar, a EDA mostrou varizes no esôfago. Neste momento, optou-se por profilaxia primária de sangramento das varizes.”
Qual é o método de escolha na profilaxia primária?
a) Ligadura elástica.
b) Betabloqueador seletivo beta-2.
c) Betabloqueador seletivo beta-1.
d) Betabloqueador não seletivo.
Todo paciente com o diagnóstico de cirrose hepática deve ser avaliado por Endoscopia Digestiva Alta (EDA) para verificarmos a presença de varizes e avaliarmos sua extensão (calibre e outros sinais de alto risco de sangramento, como a presença de manchas vermelhas ou pontos hematocísticos)! A EDA deve ser repetida a cada 2-3 anos na ausência de varizes, 1-2 anos na presença de pequenas varizes, e anualmente se Child-Pugh B/C. A profilaxia PRIMÁRIA (para o paciente que NUNCA sangrou) está indicada
(1) nas varizes de médio e grande calibre (F2/F3); e
(2) varizes de pequeno calibre em pacientes com alto risco de sangrar (Child B/C ou “pontos avermelhados” à EDA).
A profilaxia PRIMÁRIA é feita com BETABLOQUEADORES não seletivos (propranolol e nadolol) OU LIGADURA ELÁSTICA ENDOSCÓPICA!
Os betabloqueadores não seletivos diminuem a hipertensão porta, por reduzirem o débito cardíaco (bloqueio beta-1) e por levarem à vasoconstrição esplâncnica (bloqueio beta-2). A ligadura elástica é o método de escolha quando o paciente NÃO TOLERA OS BETABLOQUEADORES. É feita a cada 1-2 semanas, até a obliteração completa de todas as varizes (ressaltando-se que este último tratamento não diminui os níveis de pressão na veia porta, por isso não constitui a terapia ideal). Assim, o importante aqui era ter em mente o seguinte: diferentemente da profilaxia secundária (pacientes que já sangraram antes), na qual a conduta consiste em betabloqueadores não seletivos
JUNTO com erradicação endoscópica das varizes, na profilaxia primária (aquela que é feita no paciente que nunca sangrou) a conduta consiste em betabloqueador (preferencial) ou erradicação endoscópica, ou seja, um ou outro, e não os dois juntos.
Gabarito: D.
6 – Em relação à fisiopatologia da formação da ascite na cirrose, assinale a alternativa INCORRETA:
a) O aumento da resistência intra-hepática com aumento da pressão sinusoidal é o evento inicial.
b) Para formação de ascite é necessário que a pressão na veia portal seja superior a 12 mmHg.
c) A vasodilatação esplâncnica causa diminuição do volume arterial efetivo e consequente ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona com retenção de água e sódio.
d) Pacientes com cirrose e ascite apresentam aumento da resistência vascular sistêmica e diminuição do débito cardíaco.
e) Com a evolução do quadro há liberação do hormônio antidiurético, levando a piora da ascite e hiponatremia.
Na medida em que o parênquima hepático “cirrotiza”, ocorre um aumento progressivo na resistência vascular INTRA-HEPÁTICA (o que se reflete na pressão da veia porta, fazendo-a aumentar) levando a um aumento na pressão sinusoidal e “transudação” de líquido para o interstício hepático (líquido esse que sobrecarrega o sistema linfático local gerando derrame intraperitonial). Sistemicamente, todo esse processo se acompanha dos
seguintes eventos:
(1) vasodilatação esplâncnica progressiva,
(2) desvio volêmico para o território enteromesentérico, com diminuição do volume circulante efetivo (volume de sangue no leito arterial), ativação reflexa do SRAA, do sistema nervoso simpático e secreção “não osmótica” de ADH, causando hiperaldosteronismo secundário (retenção renal de sal e água) e retenção renal de um excesso adicional de água livre (hiponatremia), fenômenos combinados que formam um ciclo vicioso de piora progressiva da ascite e da anasarca. Essa vasodilatação esplâncnica leva a uma redução da resistência vascular sistêmica, o que faz aumentar o débito cardíaco!
Logo, resposta certa: D.
7 – Paciente com cirrose alcoólica, classificado como Child-Pugh C, evoluiu com platipneia e ortodeoxia. Qual síndrome de comprometimento orgânico extra-hepática está presente neste caso?
a) Encefalopatia hepática.
b) Gastropatia hepática.
c) Cardiomiopatia cirrótica.
d) Síndrome hepatorrenal.
e) Síndrome hepatopulmonar.
Platipneia (dispneia na posição ortostática que melhora com o decúbito) e ortodeoxia (dessaturação arterial na posição ortostática que melhora com o decúbito) são manifestações características da síndrome hepatopulmonar, condição que pode aparecer na cirrose hepática avançada de qualquer etiologia! Seu mecanismo é o seguinte: ocorre uma intensa vasodilatação de capilares pulmonares, geralmente nas bases do pulmão (as chamadas DVIPs - Dilatações Vasculares Intrapulmonares). Lembre-se que os capilares pulmonares possuem diâmetro suficiente para a passagem de uma hemácia de cada vez, fato que maximiza a oxigenação do sangue. Quando esses capilares se transformam em DVIPs (cujo diâmetro chega a ser 50x maior que o dos capilares), um grande número de hemácias acaba passando ao mesmo tempo pela membrana alveolocapilar, reduzindo de forma expressiva a oxigenação do sangue (isto é, forma-se um “shunt direita-esquerda” intrapulmonar, com sangue desoxigenado passando pelos pulmões sem receber oxigênio). Uma vez que esses vasos dilatados predominam nas bases pulmonares, uma maior quantidade de sangue vai passar por eles justamente quando o paciente assumir a posição ortostática. Resposta certa: letra E.
8 – A peritonite bacteriana espontânea do adulto ocorre, com mais incidência, no paciente cirrótico. Nestes casos, os agentes patogênicos mais frequentemente envolvidos são:
a) Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae.
b) Streptococcus faecalis e Bacteroides fragilis.
c) Staphylococcus aureus e Streptococcus faecalis.
d) Streptococcus pneumoniae e Staphylococcus aureus
Os principais patógenos envolvidos na gênese da peritonite bacteriana espontânea associada à cirrose hepática são justamente as principais enterobactérias (Gram-negativas) presentes na microbiota intestinal: E. coli e K. pneumoniae.
O motivo para esta associação é fácil de entender: na cirrose avançada e complicada por hipertensão porta existe maior translocação bacteriana intestinal, havendo, por conseguinte, maior chance de bacteremia e infecções metastáticas a distância pelos referidos germes. Não se esqueça que na maioria das vezes a PBE da cirrose hepática é monobacteriana, sendo o patógeno mais prevalente a E. coli. Vale lembrar ainda que os anaeróbios (apesar de serem enterobactérias igualmente numerosas na microbiota intestinal) raramente estão envolvidos com a translocação intestinal na cirrose hepática.
Resposta certa: A.
9 – Todas as opções abaixo são indicações para o transplante hepático, EXCETO:
a) Fibrose hepática congênita.
b) Hepatite viral crônica.
c) Cirrose alcoólica.
d) Protoporfiria.
e) Colangiocarcinoma.
Dentre as doenças neoplásicas que podem ser tratadas com transplante hepático, temos: - Hepatocarcinoma (desde que respeitados os critérios de Milão, isto é:
(1) tumor único < 5 cm,
(2) até três tumores com < 3 cm,
(3) ausência de metástases a distância e invasão linfovascular do hilo hepático);
- Hemangioendotelioma epitelioide;
- Adenomas gigantes.
O colangiocarcinoma intra-hepático é, na verdade, uma CONTRAINDICAÇÃO ao transplante hepático! Todas as demais doenças listadas podem vir a se tornar uma indicação de transplante.
Gabarito: alternativa E.
10 – F.Q.L., 58 anos, gênero masculino, pintor, alcoolista, queixa-se de dor abdominal e febre. Ao exame, nota-se ascite volumosa, sendo indicada paracentese. A análise do líquido ascítico revelou 400 neutrófilos/mm³ e baixo teor de albumina. Em relação a este caso e com seu conhecimento sobre o assunto, assinale a alternativa CORRETA:
a) A administração de albumina não altera o prognóstico nesse tipo de paciente.
b) A baixa concentração prévia de proteínas no líquido ascítico impede o eficaz clearance de bactérias pelos macrófagos e neutrófilos.
c) Certamente, ele é portador de cirrose hepática, já que outras causas de ascite como ICC e síndrome nefrótica não evoluem esse quadro.
d) Em paciente que responde mal à antibioticoterapia, o isolamento de flora mista, particularmente com organismos Gram-negativos entéricos, é típico de peritonite bacteriana espontânea.
Quando o autor fala em “ascite com albumina baixa no líquido ascítico”, ele está nos induzindo a pensar em ascite com GASA alto (> 1,1 mg/dl), ou seja, ascite transudativa, secundária a uma hipertensão porta. Quando ele diz que essa ascite foi encontrada num homem alcoólatra, ele basicamente não precisa dizer mais nada para considerarmos que este é o diagnóstico (isto é, cirrose alcoólica descompensada com ascite). Ora, dor abdominal e febre nesses doentes são achados que nos fazem pensar em PBE (Peritonite Bacteriana Espontânea), uma das principais complicações da ascite cirrótica. O diagnóstico de PBE é empiricamente CONFIRMADO pela demonstração da presença de 250 ou mais polimorfonucleares (neutrófilos) por ml de líquido ascítico. Pois bem, vamos então às alternativas! Já está mais do que estabelecido na literatura médica que no tratamento da PBE associada à cirrose hepática existe benefício com a administração de albumina no primeiro e no terceiro dias de tratamento (1,5 g/kg de peso e 1 g/kg de peso, respectivamente). Tal conduta mostrou reduzir a morbimortalidade em ensaios clínicos prospectivos, controlados e randomizados (A errada).
ICC e síndrome nefrótica também podem cursar com ascite transudativa, de GASA alto (> 1,1 mg/dl). Logo, tais entidades fazem parte do diagnóstico diferencial, ainda que, como vimos, o mais provável aqui é cirrose hepática alcoólica (C errada).
Sabemos que a PBE da cirrose é tipicamente monomicrobiana, sendo causada, na imensa maioria das vezes, pela E. coli. Outras etiologias podem ser encontradas raramente, e mais raramente ainda a flora pode ser mista. Este último achado, vale lembrar, é mais sugestivo de peritonite bacteriana secundária, isto é, peritonite por perfuração de víscera oca (D errada).
Enfim, um dos grandes marcos fisiopatológicos da ascite com GASA alto é justamente o que está sendo descrito na letra B: a baixa concentração de proteínas (“opsoninas”) no líquido ascítico facilita a invasão do fluido peritoneal por germes que eventualmente “ganham” a corrente circulatória (ex.: em um episódio de bacteremia transitória associada à translocação bacteriana intestinal, evento relativamente mais frequente no cirrótico do que na população geral). O resultado, por suposto, é a ocorrência de PBE, tal qual no caso apresentado.
Resposta certa: B.
11 – Paciente de 48 anos, internado devido à cirrose hepática descompensada com ascite, evoluiu com encefalopatia hepática, com queda do leito e entorse do cotovelo direito cursando com dor importante. Ultrassonografia abdominal revelou fígado diminuído de tamanho com bordas irregulares, ascite volumosa e veia porta de calibre normal. Endoscopia digestiva alta sem alterações. Paracentese diagnóstica revelou proteína total do líquido ascítico de 1 g/dl sem sinais de Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE). Albumina sérica de 2,5 g/dl. Sem relato de PBE anteriormente. Sobre o caso clínico descrito, assinale a alternativa CORRETA:
a) A analgesia deve ser realizada devido a entorse de cotovelo com anti-inflamatório não esteroidal.
b) A presença de veia porta de calibre normal e a ausência de varizes esofagianas exclui a possibilidade de hipertensão portal.
c) A profilaxia primária para PBE pode beneficiar esse paciente.
d) A albumina deve ser infundida após toda paracentese independente da quantidade de líquido retirada com impacto na redução da disfunção renal aguda.
A profilaxia primária (para quem nunca teve) da Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE) está indicada em pacientes cirróticos com níveis de proteína total no líquido ascítico ≤ 1 g/dl. Ela é feita com norfloxacino 400 mg/dia ou sulfametoxazol + trimetoprima 800 mg/160 mg, por tempo indeterminado.
Em relação à alternativa B: o diagnóstico de hipertensão portal não se dá pelo calibre da veia, e sim pelo gradiente de pressão venosa hepática > 5 mmHg, só havendo a formação de varizes esofagogástricas com gradiente de pressão > 10 mmHg. A albumina só será administrada quando retirarmos 5 litros ou mais nas paracenteses, administrando 6-8 g para cada litro retirado (contando com os 5 L iniciais).
Gabarito: C.
12 – Em relação às complicações agudas da hepatopatia crônica, assinale a alternativa CORRETA:
a) A peritonite bacteriana espontânea ocorre, com frequência, em cirróticos sem ascite, principalmente quando a etiologia for alcoólica.
b) A vasodilatação venosa proposta para explicar a retenção de sal e água na cirrose é a hipótese mais aceita na etiopatogenia da síndrome hepatorrenal.
c) O desvio de sangue portossistêmico, impedindo a passagem de várias substâncias nitrogenadas procedentes do intestino, constitui um dos fatores preponderantes na etiologia da encefalopatia hepática.
d) Hemorragia digestiva alta varicosa pode ocorrer em qualquer segmento do tubo digestivo, predominando no fundo gástrico.
e) Dentre os fatores predisponentes mais importantes da encefalopatia hepática destacam-se a hemorragia digestiva alta, peritonite bacteriana, constipação e acidose.
A peritonite bacteriana espontânea ocorre em cirróticos COM ascite. É justamente a presença de um líquido ascítico pobre em “opsoninas” (proteína total < 1 g/dl) que favorece a proliferação bacteriana após translocação intestinal (A errada).
O principal modelo fisiopatogênico da síndrome hepatorrenal começa uma vasodilatação esplâncnica exagerada, por efeito da translocação bacteriana intestinal e elevada exposição ao LPS das enterobactérias Gram-negativas, o que induz a uma hiperprodução local de óxido nítrico e outros vasodilatadores. Esta vasodilatação desvia parte do volume circulante efetivo para o território abdominal, provocando hipovolemia relativa. Esta hipovolemia, por sua vez, é sentida por barorreceptores periféricos (bifurcação carotídea e crossa da aorta), levando a uma hiperestimulação reflexa do sistema nervoso simpático, além de ativar também o sistema renina-angiotensina-aldosterona (devido à hipoperfusão renal) e estimular a secreção “não osmótica” de ADH. O excesso de mediadores desses três sistemas hiperativados (catecolaminas, angiotensina II/aldosterona e ADH) promove uma intensa vasoconstrição periférica que acaba afetando também a circulação arterial renal, ou seja: dito de outro modo, o que acontece na SHR é uma “vasodilatação esplâncnica acentuada, associada a uma intensa vasoconstrição renal”. Tais fenômenos vasomotores predominam em vasos arteriais (B errada).
Um dos principais fenômenos fisiopatológicos que acontecem na encefalopatia hepática é a passagem de toxinas nitrogenadas absorvidas no intestino (ex.: amônia) diretamente para a circulação sistêmica (afetando o cérebro), sem passar pelo “filtro” hepático. Isso acontece tanto pelo shunt portossistêmico observado em casos de hipertensão porta, quanto pela própria deficiência de função hepatocelular (cirrose hepática)
- C certa!
A hemorragia digestiva alta varicosa predomina nas varizes de esôfago, presentes no terço distal do órgão (D errada).
E, dentre os fatores precipitantes de encefalopatia hepática, um dos mais frequentes é a ALCALOSE, e não a acidose (os demais citados na alternativa E estão corretos).
Lembre-se de que a alcalose faz o H+ se desligar do amônio (NH4+), gerando amônia (NH3). O primeiro não atravessa membranas celulares, pois é um cátion. Já o segundo é lipossolúvel, cruzando com facilidade a barreira hematoencefálica (a amônia é uma das principais toxinas envolvidas na encefalopatia hepática).
Logo, resposta certa: C.
13 – A respeito da Síndrome Hepatorrenal (SHR), é INCORRETO afirmar que:
a) É uma forma de insuficiência renal que ocorre em pacientes com cirrose em fase avançada e apresentam hipertensão portal e ascite, mas também pode ocorrer em pacientes com insuficiência hepática aguda.
b) Ocorrem alterações histológicas renais em decorrência de distúrbios significativos da circulação arterial renal.
c) Os distúrbios da circulação arterial renal incluem intenso aumento da resistência vascular renal e grande redução da resistência vascular sistêmica (principalmente esplâncnica).
d) Embora não existam exames específicos para o seu diagnóstico, tanto no tipo 1 quanto no tipo 2, observa-se deterioração progressiva da função renal, redução da taxa de filtração glomerular e elevação dos níveis séricos de creatinina.
e) Independentemente do tipo (SHR tipo 1 ou 2), a melhor terapia é o transplante de fígado.
A Síndrome Hepatorrenal (SHR) é uma forma de insuficiência renal aguda FUNCIONAL que acontece em portadores de cirrose hepática avançada e, mais raramente, em portadores de insuficiência hepática fulminante (A correta).
O termo “funcional” significa que não se observam alterações na estrutura renal! O que ocorre, na realidade, é uma intensa vasoconstrição das arteríolas renais, aumentando a resistência vascular renal e reduzindo a TFG (B errada).
Sabe-se que junto a essa vasoconstrição renal ocorre intensa vasodilatação esplâncnica (levando à queda da resistência vascular periférica). Acredita-se que esta última seja o evento inicial, sobrevindo a vasoconstrição renal em resposta à hipovolemia secundária à vasodilatação esplâncnica (C correta).
Existem dois subtipos de SHR: tipo 1 e tipo 2. Em ambos há uma perda progressiva da função renal, com queda da TFG e elevação das escórias nitrogenadas. O que diferencia um do outro é o tempo de evolução da disfunção renal, que é mais curto na SHR tipo 1 (nesta última, por definição, os níveis de creatinina duplicam em duas semanas, ultrapassando o valor absoluto de 2,5 mg/dl, ao passo que na SHR tipo 2 o quadro evolui de forma bem mais gradual, não raro se apresentando inicialmente como uma “ascite refratária” à diureticoterapia) - D correta.
O melhor tratamento para qualquer tipo de SHR é o transplante hepático, sendo esperada a reversão completa da disfunção renal após o procedimento (E correta).
Resposta certa: B.
14 – Sobre cirurgia de emergência em sangramento agudo de varizes esofágicas, considere as afirmativas a seguir.
I. A anastomose porto-cava é uma cirurgia de derivação comumente realizada no cenário de emergência;
II. A secção esofágica com grampeador pode ser utilizada, porém apresenta altas taxas de recidiva de sangramento;
III. A taxa de mortalidade é de 5% a 10%;
IV. O tratamento cirúrgico é a alternativa terapêutica de escolha na vigência do sangramento ativo.
Assinale a alternativa CORRETA:
a) Somente as afirmativas I e II são corretas.
b) Somente as afirmativas I e IV são corretas.
c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.
Vamos analisar cada assertiva separadamente, a respeito do tratamento cirúrgico da hipertensão portal e de suas complicações:
I – o shunt porto-cava é uma cirurgia de emergência realizada nas HDA refratárias ao tratamento endoscópico, sendo um método eficaz e de rápida execução. Contudo, tem como principal complicação o agravamento da encefalopatia hepática, que ocorre de forma reduzida quando se realiza o shunt calibrado com enxerto de 8 mm (alternativa correta).
II – a transecção esofágica com grampeador (técnica de Sugiura-Futagawa) é um método simples e rápido, mas as taxas de ressangramento são elevadas (alternativa correta).
III – as taxas de mortalidade em pacientes com cirrose descompensada podem chegar a 50% quando não tratados corretamente (alternativa incorreta).
IV – o tratamento endoscópico associado ao tratamento clínico com vasoconstritores esplâncnicos (ex.: terlipressina, octreotida) constitui a escolha terapêutica nesses casos, sendo a cirurgia reservada para casos graves, refratários.A cirurgia de urgência está indicada apenas na falha do tratamento endoscópico agudo ou crônico, na hemorragia por varizes gástricas, cujo tratamento endoscópico é ineficiente e não recomendado, no sangramento por gastropatia hipertensiva e na falha de implante do TIPS (shunt portossistêmico intra-hepático transjugular) - alternativa incorreta.
Gabarito: alternativa A, assertivas I e II corretas.
15 – Utilizando o GASA como diagnóstico diferencial da ascite, é verdadeiro afirmar:
a) GASA ≥ 1,1 é compatível com hipertensão portal.
b) GASA ≥ 1,1 é compatível com síndrome nefrótica.
c) GASA ≤ 1,1 é compatível com carcinomatose.
d) GASA ≤ 1,1 é compatível com pancreatite crônica.
e) Todas as alternativas estão corretas.
O GASA (gradiente soro-ascite de albumina) é um parâmetro considerado o primeiro grande “divisor de águas” na investigação diagnóstica da ascite! Por definição, um GASA ≥ 1,1 mg/dl indica que a ascite é um transudato e está sendo causada por hipertensão porta ou por outras condições edemigênicas, ao passo que um GASA menor que 1,1 mg/dl indica que a ascite é um exsudato e está sendo causada por uma doença do peritônio (ou por síndrome nefrótica, que apesar de ter mecanismo transudativo cursa com GASA < 1,1 mg/dl, já que existe importante hipoalbuminemia nesta condição).
Ora, a banca deu como gabarito a letra E! Perceba, no entanto, que isso não é possível.
Como sublinhamos anteriormente, um valor ≥ 1,1 indica transudato (A correta), enquanto um valor “menor que 1,1” indica exsudato (B incorreta, C e D também incorretas, pois dizem ≤ 1,1 - evidentemente, a letra E também está incorreta).
A banca deu como gabarito a letra E, mas a melhor resposta seria a letra A.
16 – Assinale a alternativa ERRADA:
a) Pacientes hepatopatas crônicos candidatos à cirurgia
para tratamento de obesidade extrema são melhores tratados pela gastrectomia vertical.
b) A escala MELD é calculada usando bilirrubina, INR e
ascite.
c) Hipertensão portal é definida como pressão esplênica
maior que 15 mmHg.
d) O melhor tratamento para paciente de 42 anos de idade com cirrose Child B e um único carcinoma hepatocelular de 4 cm no lobo direito é transplante hepático.
e) O fígado tem duplo suprimento sanguíneo: 25% pela
artéria hepática e 75% pela veia porta.
O escore MELD é calculado com creatinina sérica (mg/dl), bilirrubina total (mg/dl) e INR. Portanto,
a alternativa B está incorreta.
Letra A correta, em pacientes hepatopatas crônicos, a morbidade cirúrgica da gastrectomia vertical é menor, não causa má absorção relevante e permite acesso endoscópico a árvore biliar.
Letra C correta, hipertensão portal é definida como pressão na veia hepática ou diretamente na veia porta maior que 5 mmHg da pressão na veia cava inferior (gradiente portossistêmico > 5 mmHg) ou pressão na veia esplênica maior que 15 mmHg.
Letra D correta, o transplante hepático está indicado em paciente com carcinoma hepatocelular nas seguintes situações: - Child A, B, C; critérios de Milão * tumor < 5 cm * até 3 tumores, sendo nenhum maior que 3 cm; - Ausência de invasão vascular macroscópica; - Ausência de metástases.
Letra E correta e autoexplicativa.
17 – O paciente cirrótico descompensado apresenta
diversas complicações correlacionadas entre si, quer
através de seus mecanismos fisiopatológicos, quer
secundárias aos seus respectivos tratamentos/profilaxias.
Neste contexto, marque a alternativa MENOS
adequada:
a) Ruptura de varizes esofágicas é fator de risco para peritonite bacteriana espontânea e encefalopatia hepática.
b) Paracentese de alívio é fator de risco para síndrome
hepatorrenal e encefalopatia hepática.
c) Expansão volêmica visando evitar lesão renal é fator de
risco para ascite e ruptura de varizes esofágicas.
d) Peritonite bacteriana espontânea é fator de risco para
encefalopatia, ruptura de varizes esofágicas e síndrome
hepatorrenal.
e) Diureticoterapia para ascite é fator de risco para encefalopatia hepática e síndrome hepatorrenal, sendo esse risco mais pronunciado com furosemida do que com espironolactona.
Vamos analisar cada alternativa?
A questão pede a incorreta.
Letra A: CORRETA. O sangramento gastrointestinal fornece matéria-prima proteica para a produção de amônia (no caso, a hemoglobina das hemácias), sendo fator precipitante da encefalopatia hepática. A depleção volêmica e o aumento da flora bacteriana favorecem a translocação e a Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE), sendo mandatória sua profilaxia (inicialmente com ceftriaxona, e em seguida com norfloxacino, quando a via oral estiver liberada) em casos de sangramento por varizes gastroesofágicas.
Letra B e E: CORRETAS. Qualquer fator que
possa causar depleção volêmica e redução do volume
circulante efetivo é fator de risco tanto para Síndrome
Hepatorrenal - SHR (funciona como uma insuficiência
pré-renal não responsiva a volume, que ocorre por vasodilatação esplâncnica e vasoconstrição renal), quanto para Encefalopatia Hepática - EH (hipovolemia também é fator precipitante)! Os diuréticos de alça causam maior depleção volêmica que os poupadores de potássio, e ainda produzem mais alcalose metabólica e hipocalemia, outros fatores de risco para a EH!
Letra C: CORRETA. A expansão volêmica elevará a perfusão renal, sendo protetora para este órgão. Porém, o ingurgitamento das varizes aumentará o sangramento.
Letra D: INCORRETA. A PBE é fator de risco tanto para a EH quanto para a SHR, mas não para a ruptura de varizes esofágicas. É exatamente o contrário. A ruptura de varizes esofágicas é que é um importante fator de risco para PBE, como explicado acima.
Gabarito: D.
18 – Paciente de 50 anos, com cirrose pelo vírus da hepatite B, apresenta aumento do volume abdominal. Está ictérico, desorientado, desnutrido, com PA: 100 x 60 mmHg, FC: 90 bpm, ascite volumosa e edema de membros inferiores com cacifo de 4+. Avaliação laboratorial: Na+: 128 mEq/L; K+: 6,1 mEq/L; albumina: 2,2 g/dl; creatinina: 3,2 mg/dl; hemoglobina: 10,0 g/dl. Em relação ao líquido de ascite deste paciente, pode-se afirmar que:
a) Decorre da hipotensão sinusoidal e retenção de sódio.
b) A dosagem da proteína total do líquido > 1 g/dl indica
peritonite bacteriana espontânea.
c) A paracentese de 6 L deve ser acompanhada de reposição de albumina.
d) O diurético a ser prescrito é a espironolactona, quando
indicado.
e) A contagem de eosinófilos superior a 1.000 céls/mm³
no líquido é indicativa de peritonite tuberculosa.
Vejamos as alternativas:
A - INCORRETA. A ascite na cirrose hepática decorre
da hipertensão sinusoidal com transudação de líquido
para a cavidade.
B - INCORRETA. O diagnóstico de Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE) é feito quando a contagem de células no líquido é maior que 250 polimorfonucleares. O simples aumento de proteína pode indicar um exsudato de outra natureza.
C - CORRETA. Sem a reposição da albumina depois da retirada de tamanha quantidade de líquido (> 5 litros), há um desequilíbrio coloidosmótico com possível hipovolemia intravascular grave. Nestes casos está indicada a reposição de albumina humana (6-8 g por litro de líquido ascítico retirado).
D - INCORRETA. Com tal hipercalemia e hiponatremia
acompanhadas de anasarca grave, o uso de diurético de alça está indicado.
E - INCORRETA. A peritonite tuberculosa costuma cursar com linfocitose, sem relação com a contagem de eosinófilos.
Resposta: C.
19 – Homem de 48 anos, com diagnóstico de cirrose
secundária à hepatite C, estava internado devido a
sangramento digestivo por ruptura de varizes esofagianas. No oitavo dia de internação, passou a apresentar confusão mental, piora de icterícia, redução de volume urinário e piora de ascite; submetido à paracentese, mostrou 900 leucócitos/mm³, com 90% de polimorfonucleares. A respeito desse caso, assinale a alternativa INCORRETA:
a) A complicação adquirida é peritonite bacteriana espontânea.
b) O antibiótico de escolha para tratamento desse caso é o ciprofloxacino.
c) No sangramento digestivo em cirróticos, o uso de antibióticos profiláticos reduz a incidência dessa complicação.
d) Nesse caso, está indicado uso de albumina intravenosa com aumento de sobrevida.
e) A ocorrência dessas complicações pode ter se manifestado pelo uso de doses altas de inibidor de bomba de prótons para tratamento de sangramento digestivo.
Este paciente apresenta agora um quadro de PBE (Peritonite Bacteriana Espontânea), pois cumpriu seu principal requisito diagnóstico: presença de 250 ou mais polimorfonucleares por ml de líquido ascítico! Lembre-se de que a hemorragia digestiva alta é fator de risco para PBE em cirróticos com ascite, haja vista que acentua o fenômeno de translocação bacteriana intestinal. Tanto é assim que o uso de antibióticos como
parte do tratamento da HDA no cirrótico efetivamente
diminui a ocorrência de PBE (a chamada “profilaxia
primária aguda”). A droga de escolha é o norfloxacino
400 mg de 12/12h por 7 dias, tendo como alternativa
o ceftriaxona 1 g IV, pelo mesmo período. O CIPROFLOXACINO não deve ser usado! Pacientes com PBE confirmada devem expandir sua volemia com albumina humana intravenosa. O protocolo que mostrou aumentar sobrevida na literatura é: 1.5 g/kg/dia no primeiro dia, seguido de 1 g/kg/dia no terceiro dia. O uso crônico de IBP vem sendo considerado fator de risco para PBE em cirróticos!
Resposta certa: B.
20 – Em portadores de hipertensão portal, na vigência
de hemorragia digestiva alta de etiologia varicosa, com
o objetivo de diminuir a chance de ressangramento, a
modalidade terapêutica endoscópica e a droga de escolha são, respectivamente:
a) Escleroterapia e octreotida.
b) Ligadura elástica e terlipressina.
c) Clampeamento metálico e somatostatina.
d) Termoterapia e terlipressina.
e) Escleroterapia e terlipressina.
Frente a um paciente com Hemorragia Digestiva Alta (HDA) nossa primeira conduta consiste na estabilização hemodinâmica e respiratória do paciente. Antes de se realizar a Endoscopia Digestiva Alta (EDA), devemos iniciar a terapia farmacológica com vasoconstritores esplâncnicos intravenosos, como a terlipressina ou a octreotida. Feito isso, a EDA deve ser realizada preferencialmente nas primeiras 12 horas, visto que a terapia endoscópica é a conduta de escolha para a HDA decorrente da ruptura de varizes de esôfago, podendo ser feita através de ligadura elástica (método com menos complicações, portanto de escolha na maioria dos casos) ou escleroterapia (útil nos sangramentos
ativos devido a sua maior facilidade de execução,
mas com risco maior de perfuração).
Melhor combinação e portanto, opção B.
21 – Uma paciente do sexo feminino, 28 anos, relata
2 gestações prévias, pré-natal normal, nega transfusões
de sangue ou cirurgias prévias. Ao fazer exame
de rotina ultrassonográfico, encontra como único achado anormal esplenomegalia. Solicitados exames de laboratório, único achado foi plaquetopenia. Sorologias
para hepatite B e C negativas. Na sequência da investigação, realiza endoscopia que evidencia varizes de
fundo gástrico. Qual a provável causa?
a) Cirrose hepática macronodular.
b) Colangite esclerosante.
c) Pancreatite crônica idiopática.
d) Trombose de veia esplênica.
e) Púrpura trombocitopênica idiopática.
A trombose de veia esplênica causa a chamada hipertensão porta segmentar. Devemos suspeitar de trombose de veia esplênica quando nos deparamos com sinais de hipertensão portal, particularmente hemorragia por varizes gástricas, em pacientes com função hepatocelular normal e plaquetopenia por hiperesplenismo. Devido à anatomia do sistema porta, este distúrbio geralmente cursa com varizes de fundo gástrico isoladas. Entretanto, a identificação de varizes gastroesofágicas não é incomum.
A escleroterapia com cianoacrilato é especialmente útil
no tratamento das varizes de fundo gástrico, onde apresenta melhores resultados do que a ligadura elástica ou a escleroterapia.
Resposta: D.
22 – A cirurgia atualmente mais realizada para o tratamento cirúrgico da hipertensão portal esquistossomótica é:
a) Esplenectomia.
b) Derivação esplenorrenal distal.
c) TIPS.
d) Desconexão Ázigo-Portal mais Esplenectomia (DAPE).
e) Ligadura de varizes esofágicas.
A hipertensão porta esquistossomótica ocorre por mecanismo pré-sinusoidal, em virtude de formação de granulomas sobre os ovos disseminados pelas
fêmeas e impactados nos espaços-porta do parênquima
hepático. As principais consequências são a dilatação dos vasos do sistema porta e das colaterais porto-cava, culminando com a formação das varizes esofagianas. Há importante esplenomegalia, tanto pela congestão (em virtude da hipertensão portal), quanto pela ativação do sistema retículo-endotelial. Pode haver hiperesplenismo. A desconexão ázigo-portal + esplenectomia foi desenvolvida por Vasconcelos, um brasileiro. É a cirurgia de escolha para a profilaxia secundária do sangramento varicoso na esquistossomose hepatoesplênica, com bons resultados a curto e longo prazos (80-85%). Na cirurgia, é realizada ligadura da veia gástrica esquerda, desconectando a veia porta da veia ázigos, além de desvascularização da grande curvatura gástrica, do esôfago distal e esplenectomia.
Gabarito: D.
23 – A paracentese é procedimento cirúrgico muito útil
para, entre outras indicações, aliviar o desconforto respiratório provocado por ascites volumosas, como as que ocorrem em pessoas que sofrem de cirrose hepática. Sobre a técnica deste procedimento é CORRETO afirmar que:
a) Para se evitar uma fístula permanente se utiliza a técnica de curativo oclusivo.
b) É um procedimento que atualmente recomenda-se ser guiado por ultrassom.
c) O ponto de punção mais adequado é 4 a 5 cm superior e medial à espinha ilíaca anterossuperior.
d) Um ponto de punção alternativo é 5 cm acima da cicatriz umbilical.
Quando vamos fazer uma paracentese, devemos localizar o ponto de punção a 3-4 cm medialmente à espinha ilíaca anterossuperior e 3-4 cm acima desta. A linha média é sempre evitada pela potencial presença de vasos de circulação colateral.
Na presença de ascite volumosa, o US é desnecessário,
uma vez que o procedimento é de baixo risco para
complicações. O US acaba auxiliando na paracentese
diagnóstica de pacientes com ascite de pequeno volume.
A principal complicação da paracentese (observada em
5% dos casos) é a persistência de “vazamento” do líquido ascítico pelo orifício de punção, o que geralmente acontece quando a técnica em Z não é realizada.
Alternativa C correta.
O caso clínico abaixo refere-se às questões da prova de
Residência Médica 2015 - Acesso Direto Discursiva - Universidade de São Paulo - SP.
Questões 24 a 25 a seguir: Mulher de 56 anos de idade foi internada em enfermaria para investigação de aumento de volume abdominal e icterícia. O quadro teve início há 2 meses e há 3 semanas houve piora com aparecimento de dor abdominal leve, obstipação, confusão mental e sonolência. Nega sangramentos. Nega doenças conhecidas. Etilismo social. Ao exame clínico de entrada, apresentava-se em regular estado geral, frequência cardíaca = 90 bpm; temperatura = 36,9°C; frequência respiratória = 20 irpm; pressão arterial = 104 x 56 mmHg; ictérica +3/+4; desidratada +2/+4; desorientada
temporoespacialmente, calma, escala de coma de Glasgow 14; flapping presente; glicemia capilar = 92 mg/dl; semiologias cardíaca e pulmonar normais, abdome com ascite +3/+4, MMII sem edemas. Coletados os seguintes exames: Hb = 12,1 g/dl; Ht = 39%; leucócitos = 4.800/mm³; plaquetas = 110 mil/mm³; Na = 136 mEq/L; K = 3,6 mEq/L; ureia = 65 mg/dl; creatinina = 1,6 mg/dl. Proteínas totais séricas de 4,5 g/dl e AIb = 2,0 g/dl; bilirrubina total de 3,5 mg/dl; bilirrubina direta de 3,0 mg/dl e bilirrubina indireta de 0,5 mg/dl; tempo de protrombina (INR) = 2,1. A punção diagnóstica do líquido ascítico revelou 900 células (40% linfócitos, 60% neutrófilos); AIb = 0,6 g/dl; Gram = flora bacteriana ausente, cultura em análise.
24 – Cite os diagnósticos para o caso acima.
Ascite volumosa, icterícia, plaquetopenia, hipoalbuminemia e INR alargado. Cremos que ninguém teve dúvida quanto ao diagnóstico de base: cirrose hepática “descompensada”, haja vista que, além
dos indícios de disfunção hepatocelular (deficit sintético
e deficit de detoxificação), existem ascite e outros sinais
de hipertensão porta (ex.: hiperesplenismo, manifesto
pela presença de plaquetopenia). Nos últimos dias a
paciente vem apresentando deterioração clínica com o
surgimento de dor abdominal, alteração do estado mental e flapping. Logo, deve-se estabelecer de imediato um diagnóstico clínico de ENCEFALOPATIA HEPÁTICA, o que não é nenhuma surpresa dado o contexto geral. Então, a pergunta de ouro: o que está causando a encefalopatia? Lembre-se de que sempre temos que procurar por uma causa para a EH, pois na grande maioria das vezes um ou mais fatores desencadeantes serão encontrados — e precisam ser resolvidos, a fim de melhorar a própria encefalopatia. Um dos procedimentos obrigatórios perante o paciente com ascite e EH aguda é a paracentese diagnóstica. Neste caso, como a paciente ainda não tinha sido investigada para a etiologia da ascite, este exame também acabou sendo útil para confirmar o diagnóstico de ascite por hipertensão porta: seu GASA (Gradiente de Albumina Soro-Ascite) foi > 1.1 g/dl (ascite “transudativa”, cuja principal etiologia é a cirrose hepática, sendo este achado novamente condizente com o contexto clínico geral). Pois bem, acontece que além de calcular o GASA esta paracentese permitiu a realização de outro diagnóstico: temos aqui uma PERITONITE BACTERIANA ESPONTÂNEA, pois existem mais de 250 neutrófilos (PMN) por ml de líquido ascítico. A PBE é um desencadeante frequente de EH, ou seja, estamos diante de um caso típico de cirrose hepática descompensada que está evoluindo com complicações clássicas. Chamamos sua atenção para mais um detalhe importante: existe também Injúria Renal Aguda (IRA), pois o laboratório revela a presença de azotemia (aumento das escórias nitrogenadas: ureia > 50 mg/dl e creatinina > 1,5 mg/dl). Cirróticos com ascite têm redução do volume circulante efetivo, o que aumenta a propensão à IRA pré-renal. A sobreposição de algum processo infeccioso, como a PBE (que agrava agudamente o “sequestro” de líquidos na cavidade abdominal), pode ser o “peteleco” que faltava para produzir uma hipoperfusão renal grave, culminando em queda da TFG.
O caso clínico abaixo refere-se às questões da prova de
Residência Médica 2015 - Acesso Direto Discursiva - Universidade de São Paulo - SP.
Questões 24 a 25 a seguir: Mulher de 56 anos de idade foi internada em enfermaria para investigação de aumento de volume abdominal e icterícia. O quadro teve início há 2 meses e há 3 semanas houve piora com aparecimento de dor abdominal leve, obstipação, confusão mental e sonolência. Nega sangramentos. Nega doenças conhecidas. Etilismo social. Ao exame clínico de entrada, apresentava-se em regular estado geral, frequência cardíaca = 90 bpm; temperatura = 36,9°C; frequência respiratória = 20 irpm; pressão arterial = 104 x 56 mmHg; ictérica +3/+4; desidratada +2/+4; desorientada
temporoespacialmente, calma, escala de coma de Glasgow 14; flapping presente; glicemia capilar = 92 mg/dl; semiologias cardíaca e pulmonar normais, abdome com ascite +3/+4, MMII sem edemas. Coletados os seguintes exames: Hb = 12,1 g/dl; Ht = 39%; leucócitos = 4.800/mm³; plaquetas = 110 mil/mm³; Na = 136 mEq/L; K = 3,6 mEq/L; ureia = 65 mg/dl; creatinina = 1,6 mg/dl. Proteínas totais séricas de 4,5 g/dl e AIb = 2,0 g/dl; bilirrubina total de 3,5 mg/dl; bilirrubina direta de 3,0 mg/dl e bilirrubina indireta de 0,5 mg/dl; tempo de protrombina (INR) = 2,1. A punção diagnóstica do líquido ascítico revelou 900 células (40% linfócitos, 60% neutrófilos); AIb = 0,6 g/dl; Gram = flora bacteriana ausente, cultura em análise.
25 – Faça a prescrição para o caso.
Cirrose hepática avançada, “descompensada” por hipertensão porta e ascite, agudamente complicada por PBE, encefalopatia hepática e injúria renal aguda.
Como tratar esta paciente?
Em primeiro lugar, precisamos esclarecer uma coisa:
apesar de a paciente ter ascite, a prescrição de diuréticos está absolutamente CONTRAINDICADA neste
momento, pois o volume circulante efetivo encontra-se
criticamente reduzido em consequência ao processo infeccioso agudo, e o uso de diuréticos visando à resolução da ascite sem dúvida alguma só vai agravar o quadro, piorando a disfunção renal (que pode se tornar grave o bastante para requerer diálise de urgência). Além disso, no atual contexto, os diuréticos podem acabar produzindo franca instabilidade hemodinâmica, desencadeando um quadro de choque circulatório que com certeza matará a paciente. Descartada então a ideia psicopática de prescrever diuréticos neste momento, vamos ao que efetivamente deve ser feito para salvar a vida da paciente!
1) Visando à melhora do volume circulante efetivo, temos que expandir a volemia. No entanto, fazer solução salina isotônica é bobagem, pois no cirrótico com hipoalbuminemia a salina infundida não vai permanecer no espaço intravascular, fazendo a reexpansão ser totalmente ineficaz (devido à queda da pressão coloidosmótica do plasma em consequência à hipoalbuminemia, o líquido infundido vai quase todo para o “terceiro espaço”, aumentando a ascite e produzindo edema periférico). O melhor a fazer é albumina IV, que aliás teria indicação de qualquer
forma, haja vista que a paciente apresenta PBE: a
literatura já mostrou que o uso de albumina IV (1,5 g/kg
de peso no primeiro dia, seguido de 1 g/kg de peso no
terceiro dia) reduz mortalidade em portadores de PBE,
além de diminuir a chance de síndrome hepatorrenal em
consequência à PBE!
2) Como existe PBE, temos que fazer antimicrobianos, sendo as drogas de escolha as cefalosporinas de terceira geração (ex.: em nosso meio, a mais comumente empregada é o ceftriaxona). As cefalosporinas de terceira geração “cobrem bem” os germes mais provavelmente envolvidos na PBE, que são as enterobactérias Gram-negativas (com destaque para a E. coli ), além de eventuais Gram-positivos como Streptococcus.
3) Focando agora no controle sintomático da encefalopatia, sabemos que conduta de escolha é a lactulona oral. Este dissacarídeo sintético não é metabolizado pelas dissacaridases intestinais, sendo “entregue” às bactérias colônicas que o transformam em ácidos graxos de cadeia curta. Estes ácidos graxos acidificam as fezes, reduzindo o pH do lúmen colônico (que cai de 7.0 para 5.0). Com um pH fecal mais ácido, a amônia produzida pela microbiota colônica é transformada em amônio (NH4+) substância que, por ser iônica, não é absorvida pela mucosa intestinal, sendo prontamente eliminada do corpo junto com as fezes. Além disso, a lactulona é um osmólito efetivo, que “puxa” água para o lúmen colônico, exercendo efeito catártico. O objetivo é que o paciente tenha de 2 a 3 evacuações pastosas ao dia, o que comprovadamente melhora a encefalopatia na grande maioria das vezes. Pacientes que não respondem à lactulona isolada podem associar antimicrobianos específicos
que visam reduzir a densidade populacional da microbiota colônica. Estes antimicrobianos devem ser eficazes contra os referidos germes, e idealmente devem ser pouco absorvidos sistemicamente quando ministrados pela via oral (seu intuito é prover um efeito tópico sobre a mucosa).
A droga tradicional é a neomicina (um aminoglicosídeo),
com a opção de se utilizar em seu lugar (ou de forma alternada com ela) o metronidazol. Vale lembrar que nos dias de hoje diversos estudos têm mostrado que a rifamixina é tão ou mais eficaz que neomicina/metronidazol, apresentando menos efeitos colaterais. Para os pacientes que não toleram a lactulona só resta a opção de fazer neomicina (ou metronidazol/rifamixina).
O caso clínico abaixo refere-se às questões da prova de
Residência Médica 2015 - Acesso Direto Discursiva - Universidade Federal de São Paulo - SP.
Questões 26 a 27 a seguir:
Homem de 45 anos de idade, portador de cirrose hepática alcoólica, chega à emergência com quadro de hematêmese de grande volume. Nega episódios semelhantes a esse. Estava em acompanhamento ambulatorial regular, em uso de furosemida 40 mg e espironolactona 100 mg. Nega episódios prévios de encefalopatia hepática. Ao exame: hipocorado ++; afebril; ictérico ++; consciente e orientado; ACV: FC = 98 bpm; RCR (2T); PA = 100 x 70 mmHg; AR: FR = 16 irpm; MV+; redução de MV em bases; ABD: RHA+; indolor; semicírculo de Skoda presente; MMII: edema +/4.
26 – Cite duas complicações que poderiam ocorrer neste caso relacionadas à doença de base.
Mesmo nos dias de hoje, a mortalidade dos episódios de hemorragia digestiva alta por varizes esofagogástricas rotas em portadores de cirrose hepática complicada por hipertensão porta é significativamente elevada. Estima-se que entre 15-20% desses pacientes acabam morrendo nos primeiros 30 dias do evento. Em cerca de metade dos casos, o sangramento inicial cessa espontaneamente (geralmente quando a pressão sistêmica do paciente
cai, diminuindo a força com que o sangue jorra a partir
do ponto de rotura vascular), um desfecho que tende a
ser menos provável quanto mais avançada for a cirrose
(e, consequentemente, a discrasia sanguínea que a
acompanha). No restante, o sangramento necessita
de algum procedimento médico para estancar, sendo a
ligadura elástica das varizes, por meio de uma endoscopia digestiva alta, a técnica de escolha. O fato é
que podemos afirmar o seguinte: a primeira grande
complicação relacionada à HDA (de qualquer tipo) é a
hipovolemia por exsanguinação (choque hemorrágico),
que acontecerá em boa parte dos cirróticos com varizes
esofagogástricas rotas se eles não receberem cuidados
médicos em tempo hábil. No contexto de uma hemorragia aguda grave, costumam sobrevir também insuficiência renal aguda (pré-renal) e insuficiência hepática aguda (isquemia aguda sobre um fígado já cronicamente lesado). Como o volume de sangue no estômago pode vir a ser muito grande, causando distensão e vômitos, e como o paciente pode ter sua consciência obnubilada durante o episódio, outra complicação possível na fase aguda é a broncoaspiração maciça de sangue (que pode ser evitada por meio de uma intubação orotraqueal oportuna, visando proteger as vias aéreas do paciente). Não podemos nos esquecer ainda de uma clássica complicação aguda da HDA em cirróticos: a encefalopatia hepática. A presença de sangue na
luz do tubo digestivo aumenta a produção de amônia
pelas bactérias da microbiota intestinal (a amônia é um
subproduto da metabolização de proteínas por essas
bactérias). Pois bem, pacientes que sobrevivem a
esta fase inicial continuam sob risco de desenvolver
complicações tardias que podem levá-los ao óbito
nos primeiros 30 dias. Uma das mais frequentes é a
ocorrência de infecções secundárias, como a Peritonite
Bacteriana Espontânea (PBE). O sangue no tubo
digestivo, aliado ao comprometimento hemodinâmico
sistêmico, aumenta a taxa de translocação bacteriana
intestinal, o que resulta em maior risco de bacteremia
e infecções metastáticas. A HDA também é um importante desencadeante da temível síndrome hepatorrenal, um quadro em que a combinação de intensa vasodilatação esplâncnica com intensa vasoconstrição renal promove uma injúria renal aguda de tipo pré-renal não reversível somente com a reposição volêmica. Outra complicação comum nos dias subsequentes à HDA é o ressangramento das varizes , evento cujo risco persiste elevado pelas próximas 6 semanas, sendo máximo nas primeiras 48-72h (cerca de metade dos ressangramentos ocorre nos primeiros 10 dias após o evento inicial). Enfim, a banca pediu somente duas complicações; em nosso comentário, destacamos, em itálico e negrito, pelo menos oito.
O caso clínico abaixo refere-se às questões da prova de
Residência Médica 2015 - Acesso Direto Discursiva - Universidade Federal de São Paulo - SP.
Questões 26 a 27 a seguir:
Homem de 45 anos de idade, portador de cirrose hepática alcoólica, chega à emergência com quadro de hematêmese de grande volume. Nega episódios semelhantes a esse. Estava em acompanhamento ambulatorial regular, em uso de furosemida 40 mg e espironolactona 100 mg. Nega episódios prévios de encefalopatia hepática. Ao exame: hipocorado ++; afebril; ictérico ++; consciente e orientado; ACV: FC = 98 bpm; RCR (2T); PA = 100 x 70 mmHg; AR: FR = 16 irpm; MV+; redução de MV em bases; ABD: RHA+; indolor; semicírculo de Skoda presente; MMII: edema +/4.
27 – Paciente evoluiu bem, recebendo alta 3 semanas
após. Cite duas orientações pós-alta.
Este paciente cirrótico e portador de hipertensão porta possui história recente de hemorragia digestiva alta por varizes de esôfago rotas, o que é nada menos que um dos maiores fatores de risco para um novo sangramento. Considerando que ele deve ter sido
submetido ao tratamento de escolha (ligadura endoscópica das varizes sangrantes), é preciso, após a alta hospitalar, reavaliá-lo endoscopicamente em um prazo de 4 a 6 semanas, que é o intervalo de tempo recomendado para a repetição do procedimento. Entenda que as varizes que apresentavam sangramento ativo ou sinais de sangramento recente devem ter sido “ligadas” naquela primeira endoscopia, resolvendo o episódio de HDA. No entanto, muito provavelmente existem outras varizes visíveis, que não foram (e não precisavam ser) abordadas no procedimento inicial, mas que agora necessitam ser tratadas no contexto do “programa de erradicação das varizes esofagogástricas”, que representa a base da profilaxia secundária da HDA na hipertensão porta.
A estratégia de profilaxia secundária, na realidade,
engloba dois componentes:
(1) uso de um betabloqueador não seletivo, como propranolol ou nadolol, cujo objetivo é reduzir a pressão hidrostática no território da veia porta e
(2) ligadura elástica das varizes encontradas, visando
à erradicação de todas elas. Pois bem, a ocorrência de
um episódio de hemorragia digestiva alta por varizes
esofagogástricas rotas em um portador de cirrose hepática é um evento prognosticamente nefasto que sinaliza uma expectativa de elevada mortalidade em curto prazo, representando, clinicamente, a fase DESCOMPENSADA da cirrose (o que geralmente corresponde a um Child B ou C). Fazendo uma estimativa do Child deste paciente com as informações fornecidas pelo enunciado, podemos concluir que se trata, no mínimo, de um Child B8. Vamos conferir? Ausência de encefalopatia = 1 ponto; Ascite importante (presença do semicírculo de Skoda) = 3 pontos; Presença de icterícia corresponde a uma bilirrubina > 2,5 mg/dl. Vamos supor que o paciente está na faixa intermediária, que é entre 2-3 mg/dl. Logo, o fator bilirrubina aqui deve somar, no mínimo, 2 pontos; Albumina = não sabemos, mas vamos colocar > 3,5 g/dl = 1 ponto; tempo de protrombina = idem, vamos colocar
também 1 ponto. Somando tudo, dá 8, o que categorizaria o paciente como Child B (entre 6 e 9 pontos). Ora, cirróticos Child B ou C devem sempre ser listados na fila de transplante hepático na ausência de contraindicações, logo, esta é uma medida também prioritária para o caso! Duas outras medidas básicas que não devem ser negligenciadas são: (como o paciente é portador de cirrose alcoólica, nunca é demais lembrar) o etilismo tem que ser abandonado e todo cirrótico com edema e ascite que faz uso de diureticoterapia deve restringir também a ingestão de sódio na dieta. Enfim, a banca aceitou como gabarito ainda o “controle do TI PS, caso um TI PS tenha sido colocado”. Todo paciente que implanta um TIPS como forma de tratamento da HDA refratária deve ser periodicamente reavaliado quanto à patência do conduto, ou seja, deve fazer o “controle” periódico do TIPS (ex.: USG com Doppler após a colocação do TIPS, repetindo a cada 6 meses).
28 – O Gradiente de Ascite para Albumina no Soro (GAAS) < 1.1 g/dl sugere o diagnóstico de:
a) Cirrose hepática.
b) Carcinomatose peritoneal.
c) Pericardite constritiva.
d) Síndrome de Budd-Chiari.
O GASA (Gradiente de Albumina Soro-Ascite) é o primeiro grande “divisor de águas” na investigação diagnóstica da ascite. Um GASA ≥ 1,1 g/dl indica que a ascite é transudativa . A principal etiologia de ascite transudativa é a hipertensão porta que, por sua vez, na maioria das vezes, é secundária à cirrose hepática. Outras etiologias possíveis são a síndrome de Budd-Chiari (oclusão trombótica aguda das veias supra-hepáticas) e pericardite constritiva (com cirrotização hepática cardiogênica). Já um GASA < 1,1 g/dl indica que a ascite é exsudativa. As principais etiologias de ascite exsudativa são as infecções do peritônio (ex.: tuberculose) e a carcinomatose peritoneal. Resposta certa: B.
29 – Sobre a realização do TIPS (Shunt Portossistêmico
Intra-Hepático) em paciente com hemorragia digestiva
alta, assinale a alternativa que apresenta um diagnóstico
para o qual esse procedimento NÃO é indicado:
a) Sangramento agudo não responsivo à terapêutica clínica e/ou endoscópica ou com ligadura elástica por endoscopia.
b) Ascite refratária.
c) Úlcera gástrica com classificação de Forrest IA.
d) Hidrotórax hepático refratário.
e) Síndrome de Budd-Chiari.
A utilização do TIPS (Shunt Portossistêmico Intra-Hepático) tem como objetivo descomprimir o sistema porta por meio da criação de uma derivação do fluxo sanguíneo do sistema porta para a circulação venosa sistêmica. Este procedimento é muito utilizado como “ponte” para o transplante hepático. As indicações
documentadas para o TIPS são as seguintes: - Sangramento por varizes esofagogástricas não controladas por terapia medicamentosa ou endoscópica; - Sangramento recidivante por varizes esofagogástricas não controladas por terapia medicamentosa ou endoscópica; - Ascite refratária; - Hidrotórax refratário de origem hepática; - Hipertensão porta por obstrução pós-hepática (como na síndrome de Budd-Chiari).
Resposta: C.
30 – Paciente masculino de 55 anos vem ao pronto-
-socorro trazido por familiares por quadro de confusão
mental, letargia e apatia há 3 dias. Filha refere que não
conhece detalhes sobre histórico médico do pai, pois mora longe, apenas sabe que tinha hábito de beber muito
e teve episódio de vômitos com sangue há 3 meses.
Ao exame físico: MEG; ictérico 3+/4+; afebril; presença
de “Spiders ”; rarefação de pelos e ginecomastia em tórax; ascite volumosa com semicírculo de Skoda; edema em membros inferiores 3+/4+. Com relação ao caso descrito, a conduta CORRETA no pronto-socorro é:
a) Internação hospitalar, paracentese e introdução de ciprofloxacino por profilaxia primária para PBE.
b) Realização de paracentese e alta hospitalar com prescrição de norfloxacino contínuo, furosemida e espironolactona.
c) Internação hospitalar com hidratação venosa, lactulona
e paracentese.
d) Internação hospitalar com furosemida endovenosa, lactulona, restrição hídrica e paracentese.
A história clínica e o exame físico
permitem estabelecer um diagnóstico operacional de
cirrose hepática, veja: (1) há relato de etilismo (provável
cirrose de Laennec) e hemorragia digestiva alta recente
(provável rotura de varizes esofagogástricas); (2) o
paciente apresenta icterícia, ascite e edema periférico,
além de clássicos estigmas de disfunção hepatocelular
(aranhas vasculares, pilificação reduzida, ginecomastia).
Neste contexto, considerando seu quadro clínico atual
(alterações agudas do estado mental), outra hipótese diagnóstica que se impõe é a de encefalopatia hepática aguda.
A questão pergunta então: O QUE FAZER AGORA, NO
PRONTO-SOCORRO? Bem, como o paciente está em
mau estado geral e com rebaixamento do sensório, é óbvio que o primeiro passo é admiti-lo para internação hospitalar, pois ele só vai poder ir embora após confirmação dos diagnósticos e melhora do estado clínico (por experiência, podemos prever uma internação de alguns dias neste caso). É claro que nosso paciente terá que puncionar um acesso venoso periférico, pois ele ficará inicialmente em dieta zero devido à encefalopatia (necessitando de hidratação e reposição calórica pela veia), e durante a internação realizará exames invasivos como a endoscopia
digestiva alta (para diagnóstico e tratamento das
varizes esofagogástricas), o que pode requerer sedação. O tratamento sintomático da encefalopatia hepática é feito com lactulona oral, e deve ser iniciado de imediato, pois seu efeito pode demorar alguns dias para ser notado. A lactulona é metabolizada pelas bactérias da microbiota colônica, sendo transformada em substâncias ácidas que reduzem o pH fecal e com isso catalisam a transformação da amônia (NH3) em amônio (NH4+), uma escória nitrogenada que não consegue ser absorvida pela mucosa, sendo prontamente eliminada do corpo junto com as fezes. Caso o paciente não melhore com a lactulona, podemos acrescentar certos antimicrobianos orais de baixa absorção sistêmica e boa eficácia contra os germes da microbiota, porém, NO PRONTO-SOCORRO não vamos fazer isso, pois ainda não sabemos se ele vai responder à lactulona em monoterapia ou não. Dentre os
procedimentos necessários para investigação da causa
da EH, existe um (fácil de fazer) que deve ser realizado
agora: a paracentese diagnóstica! Lembre-se de que, na
grande maioria das vezes, é possível identificar um ou
mais fatores desencadeantes para a EH, e a Peritonite
Bacteriana Espontânea (PBE) é um dos mais frequentes
(outros exemplos são: hipocalemia, alcalose metabólica,
hemorragia digestiva alta, excesso de diuréticos,
outras infecções etc.). O diagnóstico de PBE é dado
pela demonstração de > 250 PMN/ml de líquido ascítico
(a cultura demora no mínimo 2 dias para ficar pronta,
e pode ou não ser positiva, o que não mudaria a conduta inicial de tratar como PBE caso o líquido ascítico tenha mais de 250 PMN/ml). Seja como for, somente após o resultado da paracentese é que poderemos traçar uma conduta segura: o paciente deverá iniciar TRATAMENTO ou PROFILAXIA da PBE? Logo, as opções que já definem qual conduta seguir neste momento, antes de se realizar a paracentese, evidentemente estão erradas. Enfim, a prescrição
de diuréticos está absolutamente contraindicada
neste momento, pois o paciente se encontra agudamente enfermo. Cirróticos com ascite por definição têm volume circulante efetivo reduzido, e qualquer evento mórbido agudo costuma agravar esse fenótipo (pelo sequestro de líquidos no “terceiro espaço” em consequência ao insulto inflamatório sistêmico). Associar diuréticos neste momento vai com certeza piorar a hemodinâmica do paciente, podendo desencadear choque circulatório ou injúria renal aguda grave. A restrição hídrica também não deve ser realizada no cirrótico agudamente enfermo, a não ser que exista hiponatremia importante. Ora, levando
em conta que a questão quer a conduta a ser tomada NO PRONTO-SOCORRO, podemos adiantar a vida do doente realizando os procedimentos descritos na letra C.
31 – Na anastomose esplenorrenal distal:
a) Ocorre regressão completa do hiperesplenismo.
b) A encefalopatia hepática ocorre frequentemente.
c) As varizes esofagogástricas geralmente desaparecem.
d) O baço deve ser preservado.
A cirurgia de Teixeira-Warren ou anastomose esplenorrenal distal é uma derivação venosa
portal seletiva, pela anastomose da veia esplênica à veia
renal esquerda, associada à ligadura da veia gástrica
esquerda e desconexão esplenopancreática, não se manipulando a região do hilo hepático e preservando o baço. Diminui a pressão venosa do plexo esôfago-cardiotuberositário e, por consequência, os episódios de sangramento varicoso (porém não há regressão completa das varizes). Além disso, evita a completa fuga de fluxo sanguíneo da veia porta, preservando parcialmente a perfusão e, portanto, a função hepática, graças à manutenção da hipertensão venosa no território intestinal, reduzindo a incidência de encefalopatia hepática. Pelo fato do baço ser preservado, algum grau de hiperesplenismo é observado nestes doentes.
Gabarito: opção D.
32 – O gradiente hepatoportal é uma medida indireta da
pressão portal. Admite-se que o gradiente hepatoportal
superior a determinado valor, em mmHg, significa risco de sangramento iminente. Qual seria este valor em mmHg?
a) 10.
b) 11.
c) 12.
d) 13.
e) 14.
O gradiente venoso hepatoportal é medido de forma invasiva através do cateterismo das veias hepáticas. Trata-se do método padrão-ouro para o diagnóstico e quantificação da hipertensão porta, porém, na maioria das vezes não é necessário na prática (hoje em dia ele é medido quando da colocação de um TIPS, por exemplo, ou em pacientes que estão sendo acompanhados em estudos científicos). O primeiro passo deste exame consiste na medida da pressão “livre” da veia hepática, e em seguida infla-se um balão na ponta do cateter, até a oclusão da veia hepática em que o cateter se encontra, obtendo-se a medida da pressão “encunhada”, que corresponde indiretamente à pressão intrassinusoidal (e, consequentemente, à própria pressão no interior da veia porta). O normal é um valor entre 1-5 mmHg, e valores >
10 mmHg são necessários para a formação de varizes.
A literatura demonstrou que o risco de rotura e hemorragia varicosa torna-se significativo a partir de valores maiores ou iguais a 12 mmHg, o que, por conseguinte, tornou-se um clássico “ponto de corte”. Inclusive, gradientes venosos hepatoportais > 12 mmHg conseguem prever elevada mortalidade em curto prazo, revestindo-se de valor prognóstico também. Outros fatores que contribuem na previsão do risco de sangramento das varizes são: disfunção hepática (Child B e C), calibre vascular aumentado (F2/F3), sinais “vermelhos” endoscópicos, presença de ascite volumosa.
Resposta: letra C.
33 – H.S.W., 48 anos, sexo masculino, alcoolista crônico, com cirrose hepática etanólica descompensada e ascite volumosa, dá entrada no pronto atendimento com dor abdominal difusa e melena. Para pesquisa de Peritonite Bacteriana
Espontânea (PBE) foram solicitados exames do
líquido ascítico, que evidenciaram: dosagem de proteínas de 0,3 g/dl e ausências de bactérias coráveis pelo Gram. A citometria revelou predomínio de polimorfonucleares (mais que 50%) com 450 céls/ml. Cultura em andamento. Sobre este caso, assinale a alternativa CORRETA:
a) Essa dosagem de proteínas exclui o diagnóstico de
PBE.
b) A melena não tem influência no aparecimento da PBE.
c) O resultado do Gram exclui o diagnóstico de PBE.
d) O predomínio de polimorfonucleares (mais que 50%)
com mais de 250 céls/ml presume PBE.
O diagnóstico de PBE deve ser imediatamente confirmado à beira do leito quando um simples critério laboratorial for satisfeito: POLIMORFONUCLEARES > 250/ml DE LÍQUIDO ASCÍTICO! Mesmo com cultura negativa, só com isso já podemos confirmar que existe PBE, iniciando sem demora o tratamento antimicrobiano empírico (cefalosporina de terceira geração).
Resposta certa: D.
34 – Paciente com cirrose hepática apresenta-se com dor
abdominal acompanhada de ascite e febre. No estudo do
líquido ascítico evidencia-se: bactérias Gram-negativas à
bacterioscopia, glicose 5 vezes menor quando comparada ao seu nível sérico e contagem de neutrófilos aumentada.
Qual o diagnóstico MAIS PROVÁVEL?
a) Ascite neutrocítica.
b) Peritonite bacteriana espontânea.
c) Peritonite bacteriana secundária.
d) Punção inadvertida de alça intestinal.
Na ascite neutrocítica há elevação de neutrófilos (polimorfonucleares), mas a cultura é negativa. Bacterascite é uma situação em que a cultura do líquido é positiva, porém, a contagem de neutrófilos é baixa (< 250/mm³). Como diferenciar Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE) de Peritonite Bacteriana Secundária (PBS)? Na PBS, a contagem proteica é muito elevada, assim como o nível de LDH, e ocorre acentuada redução da glicose do líquido ascítico. Essa última característica se justifica principalmente pelo fato de que, na PBS, geralmente a contagem de neutrófilos é maior e estes são tipos celulares capazes de consumir grandes quantidades de glicose. Outra diferença é que na PBS a infecção é polimicrobiana, ao contrário da PBE (monomicrobiana). A PBE, como o próprio nome indica, ocorre de forma espontânea, sem perfuração de víscera oca associada (o mecanismo é a infecção do líquido ascítico por germes que ganharam a corrente circulatória após translocação intestinal e bacteremia). Já a PBS acontece no contexto de uma perfuração de víscera oca, necessitando, geralmente, de correção cirúrgica além da antibioticoterapia, o que faz seu prognóstico ser ainda mais adverso que o da PBE. Resposta certa: C.
35 – Encefalopatia hepática ocorre em pacientes com cirrose e pode se manifestar com alterações de personalidade, redução do nível de consciência e alteração no ciclo sono-vigília. Sobre a encefalopatia hepática, assinale a alternativa ERRADA:
a) São fatores precipitantes: hipovolemia, infecção, sangramento digestivo, constipação e distúrbios metabólicos.
b) Medicamentos como diuréticos e benzodiazepínicos
podem precipitar a encefalopatia hepática.
c) Para controle de agitação é contraindicado o uso de
haloperidol devido à metabolização hepática da droga.
d) A dose da lactulona deve ser ajustada para que o paciente tenha 2 a 4 evacuações por dia.
Vamos analisar as alternativas:
a) Todas as situações descritas podem funcionar
como fatores precipitantes da encefalopatia hepática.
Logo, o reconhecimento e o tratamento destas
condições é de suma importância para a reversão do
quadro neurológico (CORRETA);
b) Benzodiazepínicos, diuréticos e narcóticos representam fármacos que funcionam como potenciais desencadeadores de encefalopatia hepática (CORRETA);
c) Na verdade, o haloperidol é a droga de escolha para o controle de agitação psicomotora desses pacientes (INCORRETA);
d) A dose da lactulona é titulada visando 2-3 evacuações pastosas por dia, o que geralmente é obtido com a administração de 30-40 ml 2-4 vezes por dia. Alguns autores se referem a “2-4 evacuações por dia” (CORRETA).
Resposta: letra C.
36 – Homem, 42 anos de idade, internado com queixas
de que, há 6 meses, vem apresentando perda ponderal,
com astenia. Há 2 meses notou aumento do volume abdominal, discreta icterícia e colúria e, há 15 dias, notou
aparecimento de discreto edema de MMII bilateral. Nega
HAS e DM. Etilista desde 16 anos de idade, ingere 70 g/dia de álcool. Ao exame físico, emagrecido, lúcido, orientado, ictérico +/IV; IMC: 17; PA: 100 x 60 mmHg; PR: 60 bpm. Presença de telangiectasias, ginecomastia bilateral simétrica. Maciez móvel presente. Hepatimetria de 4 cm abaixo do rebordo costal. Exames laboratoriais mostram TP: 43% com RNI: 1,7; albumina: 2,8 mg%; bilirrubina total: 3,1 mg%. Diante do quadro exposto, indique a hipótese diagnóstica com suspeita etiológica e dois diagnósticos diferenciais possíveis para o caso:
Num paciente com história de etilismo crônico importante, o surgimento de icterícia, ascite e edema já é mais do que suficiente para nos fazer pensar na hipótese de cirrose hepática, no caso, uma cirrose alcoólica (ou cirrose de Laennec). O encontro de
estigmas periféricos de cirrose, como telangiectasias e
ginecomastia, apenas reforça tal hipótese, assim como
alterações laboratoriais do tipo hiperbilirrubinemia direta, alargamento do INR e hipoalbuminemia (todas sugestivas de disfunção hepatocelular). Ora, é claro que este paciente deverá ser submetido a uma série de exames diagnósticos, pois além da EVIDENTE cirrose hepática ele pode ter outras complicações associadas ao etilismo. Uma delas, por exemplo, é a pancreatite alcoólica crônica, um comemorativo relativamente frequente nesses doentes. Exames de imagem como a tomografia ou RM de abdome ajudarão a avaliar melhor o parênquima hepático, avaliando “de quebra” o parênquima pancreático. Não se esqueça que em toda ascite devemos calcular o GASA (gradiente de albumina soro-ascite), o grande “divisor de águas” da avaliação inicial. Valores > 1.1 g/dl são compatíveis com ascite por hipertensão porta, cuja principal etiologia é a cirrose hepática. Valores < 1.1 g/dl sugerem doenças do peritônio, como TB ou carcinomatose peritoneal. Logo, conceitualmente falando, APESAR DO QUADRO CLÍNICO DO PACIENTE SER TOTALMENTE COMPATÍVEL APENAS COM CIRROSE ALCOÓLICA “DESCOMPENSADA” POR HIPERTENSÃO PORTAL E ASCITE, podemos considerar que todas as outras entidades que citamos fazem parte do “diagnóstico
diferencial”. Ainda que por si mesma nenhuma delas
consiga explicar a totalidade dos sinais e sintomas apresentados pelo nosso paciente, elas podem COEXISTIR com a hipótese diagnóstica principal (ex.: a cirrose aumenta a chance de tuberculose em geral, que pode raramente acometer o peritônio; este paciente pode ter um câncer extra-hepático ou mesmo um CHC, com metástases para o peritônio). Na prática, o encontro de GASA < 1.1 g/dl nos levaria a pensar na coexistência
destes últimos diagnósticos, por exemplo.
37 – Em pacientes com cirrose e ascite, é CORRETO
afirmar que:
I. Quando ocorre ascite pela primeira vez, é recomendada a realização de paracentese diagnóstica para determinar
a concentração de proteínas, albumina, citológico diferencial e cultural do líquido ascítico;
II. Quando a concentração de proteínas no líquido de ascite for muito baixa, há risco aumentado do paciente desenvolver peritonite bacteriana espontânea;
III. A presença de altas concentrações de eritrócitos pode
significar a presença de hepatocarcinoma.
Quais estão CORRETAS?
a) Apenas II.
b) Apenas I e II.
c) Apenas I e III.
d) Apenas II e III.
e) I, II e III.
Toda ascite recém-detectada deve ser submetida a uma paracentese diagnóstica para esclarecimento da etiologia. O grande divisor de águas inicial é o GASA (Gradiente de Albumina Soro-Ascite). Valores > 1.1 g/dl indicam ascite transudativa, cuja principal etiologia
é a cirrose hepática. Valores < 1.1 g/dl indicam ascite
exsudativa, cujas principais etiologias são as doenças peritoneais (ex.: infecções como tuberculose, carcinomatose peritoneal). Pois bem, é claro que além da dosagem de albumina no líquido ascítico e no soro, devemos solicitar também outros marcadores laboratoriais, como a dosagem de proteínas totais (valores < 1 g/dl, na cirrose hepática, significam chance aumentada de infecção do líquido ascítico, indicando profilaxia primária crônica para PBE) e estudos celulares incluindo contagem de neutrófilos (> 250 PMN/ml confirma-se PBE, que pode ser assintomática) e citologia oncótica (confirmação de carcinomatose
peritoneal). Nos estudos celulares a contagem de hemácias é feita de rotina, e valores aumentados podem ter dois significados:
(1) acidente de punção ou
(2) carcinomatose peritoneal.
Logo, todas as assertivas estão CORRETAS.
Resposta certa: E.
38 – Paciente do sexo masculino, de 47 anos de idade,
relata aumento abdominal difuso, progressivo, há dois meses. Nega dor abdominal associada. Nega comorbidades. História de tabagismo 43 anos/maço e etilismo de um litro de destilado ao dia por 23 anos. Ao exame, apresenta FC = 100 bpm; FR = 24 irpm; PA = 98 x 64 mmHg; telangiectasias em tronco e ginecomastia bilateral, ausência de alteração neurológica e abdome difusamente aumentado com piparote positivo e macicez móvel. Levando em consideração o diagnóstico mais provável, o tratamento mais indicado neste momento é:
a) Restrição de sal, seguida de furosemida e espironolactona via oral.
b) Restrição de sal e diuréticos de alça por via intravenosa.
c) Restrição de água e diuréticos por via oral.
d) Paracentese seriada de grande volume.
e) Shunt porto-cava.
O enunciado descreve um quadro de aumento de volume abdominal cujo exame clínico revela ser uma ascite. Este paciente grande etilista (1 litro de destilado ao dia por 23 anos) apresenta ainda outros estigmas de cirrose hepática, como telangiectasias em tronco e ginecomastia bilateral. Ora, o diagnóstico de base, evidentemente, só pode ser cirrose, no caso, provavelmente, de etiologia alcoólica. Lembre-se
de que uma análise do líquido ascítico é muito útil como
“divisora de águas” na investigação inicial: um GASA
(Gradiente de Albumina Soro-Ascite) > 1,1 g/dl confirma
se tratar de transudato, cuja principal etiologia, na prática, é a cirrose hepática. Como tratar a ascite relacionada à cirrose? Em primeiro lugar, reduzindo a ingestão de sal! A fim de promover um balanço negativo efetivo de sal e água, instituímos diureticoterapia de alça (ex.: furosemida) associada a um diurético bloqueador do receptor de aldosterona (espironolactona), titulando suas doses em função da resposta terapêutica observada (o paciente deve ser
pesado diariamente, objetivando perder de 500 mg de
peso/dia se só houver ascite, e 1.000 mg de peso/dia se
além de ascite houver edema periférico). Idealmente, a
via de administração dos medicamentos deve ser ORAL.
Resposta certa: A.
39 – Paciente do sexo masculino, 47 anos de idade, portador de cirrose hepática de etiologia alcoólica, chega para atendimento médico trazido pela família, referindo que há um dia o paciente apresentou hematêmese seguido de confusão mental. Ao exame, apresenta-se com fala lentificada, localizado no tempo e no espaço, descorado ++, com icterícia discreta, flapping +, fígado percutido do sexto espaço intercostal até 3 cm do rebordo costal direito, espaço de Traube ocupado e sem macicez móvel. Exames laboratoriais mostram albumina = 3,2 g%; INR = 1,2; bilirrubina direta = 1,5 mg%; bilirrubina indireta = 0,8 mg% e creatinina = 2,4 mg%. Assinale a alternativa que apresenta, corretamente, a classificação de Child, modificada por Pugh, em relação ao prognóstico deste paciente:
a) A.
b) B.
c) C.
d) D.
e) E.
Decoramos a classificação de Child-Pugh através do mnemônico “BEATA”. B = bilirrubina; E = encefalopatia; A = ascite; T = tempo de protrombina; A = albumina. Cada parâmetro pode receber três pontuações diferentes: 1, 2 ou 3. Bilirrubina < 2 mg/dl soma 1 ponto. Encefalopatia moderada (flapping, fala lentificada, porém, orientado no tempo e espaço) soma 2 pontos. Ausência de macicez móvel descarta ascite clínica (1 ponto). INR < 1,7 também é
uma alteração leve, que soma 1 ponto. Enfim, albumina
entre 3,5 e 2,8 g/dl soma 2 pontos. Ao final, nosso paciente tem Child em função da pontuação? Até 6 pontos = Child A. Entre 7-9 pontos = Child B. Com 10-15 pontos é Child C.
Logo, resposta certa: B.