A anca Flashcards
ANATOMIA FUNCIONAL
Componentes da articulação
Inserções musculares
A articulação coxofemoral reúne a cabeça do fémur e o acetábulo do osso ilíaco (ou osso coxal). A profundidade do acetábulo é aumentada pelo /abrum acetabular, uma estrutura fibrocartilaginosa em anel, que forma um colar apertado em torno da cabeça do fémur. O labrum deixa um espaço na sua parte inferior, por onde passa o ligamento transverso, que conduz vasos sanguíneos ao interior da articulação.
A articulação está revestida por uma cápsula resistente que se insere no rebordo do acetábulo e no limite lateral do colo do fémur, que fica assim dentro da articulação. Alberga na sua espessura os ligamentos de reforço. A estabilidade é reforçada pelos músculos e pelo ligamento teres que se insere no vértice da cabeça do fémur e numa fosseta do fundo acetabular.
Tem localização profunda, rodeada por músculos poderosos, que unem o osso ilíaco e o fémur proximal. Nos bordos superior e posterior e ainda na face interna do trocânter, inserem-se vários músculos que promovem abdução e rotação externa da coxa (piriforme, obturador interno, gémeos superior e inferior, quadrado femoral). A face externa do grande trocânter é coberta pela bolsa serosa trocantérica dotada de extensões entre as fibras de inserção dos rotadores externos, no bordo posterior e superior do trocânter. Esta área é sede frequente de inflamação dolorosa.
O nervo ciático, originado das raízes de L4 a S3, abandona a pélvis através do grande foramen ciático formado entre o osso ilíaco e o sacro, passando por baixo do músculo piriforme, cuja inflamação pode dar origem a dor pseudociática.
No ísquion inserem-se os músculos ísquio-tibiais (semimembranoso, semitendinoso e bicipete femoral). Os dois primeiros unem o ilíaco à face ântero-interna da tíbia. O bicípete insere-se no côndilo lateral da tíbia e cabeça da fíbula. O ísquion é recoberto por uma bolsa serosa, que pode inflamar, causando dor local na posição de sentado.
A fascia iliotibial, continuação directa do tensor da fascia lata, estende-se ao longo da face lateral da coxa, desde a crista ilíaca até ao tubérculo externo da tíbia. Nela se inserem músculos poderosos, que podem induzir tensão excessiva e dor.
Anatomia Funcional
Movimentos
Músculos e nervos responsáveis
Dermatomos
A articulação é dotada de movimentos de flexão (120°, diminuindo com a idade), extensão (cerca de 30º), rotação externa (60º), rotação interna (30º a 40°), abdução (cerca de 45°) e adução (cerca de 30°).
A força de flexão depende principalmente do psoas iliaco, inervado pelas raízes L2-L3. A extensão está a cargo, primordialmente, do grande glúteo e dos ísquio tibiais, dependentes respectivamente de L4-L5 e S1 S2. A rotação externa é imposta pelo grande glúteo, piriforme e quadrado femoral (L4-L5 e S1 ). A rotação interna tem no pequeno glúteo o seu agente principal (L4-L5 e S1 ).
Anatomia radiológica
Na incidência ântero-posterior (figura 12.3A.) podemos apreciar as articulações coxofemorais: dimensão e regularidade do espaço e superfícies articulares, morfologia da cabeça do fémur, cobertura da cabeça pelo acetábulo. Esta é também a melhor incidência de rotina para apreciar as articulações sacroilíacas. Concentre-se no seu terço inferior: aprecie a dimensão da entrelinha, a definição, a densidade e a regularidade das superfícies articulares. Avalie ainda a existência de alterações focais na densidade óssea dos ilíacos e fémur proximal (lesões líticas ou osteocondensantes).
A incidência de falso perfil (figura 12.38.) pode mostrar alterações da entrelinha, da morfologia da cabeça ou mesmo fracturas, que não eram evidentes na incidência de frente.
CAUSAS COMUNS DE DOR NA ANCA.
Dor referida, burso-tendinites e artrose constituem as causas mais frequentes de dor isolada da anca (quadro 12.1.). A articulação é frequentemente envolvida em patologia poliarticular, caso em que o contexto clínico conduz a exploração diagnóstica. O estudo local minucioso será, em todo o caso, indispensável não só para esclarecer a natureza do envolvimento local, mas também para orientar as medidas locais adjuvantes ao tratamento sistémico.
INTERROGATÓRIO.
Localização da dor.
A localização da dor dá pistas importantes ao diagnóstico. A dor de origem articular é habitualmente localizada profundamente na face anterior, embora alguns doentes a refiram à região nadegueira.
As dores referidas da coluna e sacroilíacas, provavelmente as mais comuns em prática corrente, afectam difusamente a região nadegueira, com escassa focalização. Podem acompanhar-se, raramente, de sensação disestésica.
A burso-tendinite trocantérica pode ser extraordinariamente enganadora. Na maior parte das vezes, o doente (mais frequentemente, uma mulher de meia-idade e obesa) refere a dor na face externa da anca e na região nadegueira. Contudo, em alguns casos, a dor irradia para as nádegas e ao longo da face externa da coxa, podendo mesmo descer
abaixo do joelho.
Na tendinite dos adutores, a dor é bem localizada na região inguinal.
INTERROGATÓRIO.
Ritmo da dor.
Artrose e artrite têm os ritmos mecânico e inflamatório que seriam de esperar.
O ritmo associado às dores referidas depende da situação causal. Na maior parte dos casos será mecânico, associado a lombalgia mecânica crónica.
No entanto, a dor da sacroiliíte envolve com frequência as regiões nadegueiras, apresentando ritmo tipicamente inflamatório.
A dor devida a lesões dos tecidos moles é mais variável em ritmo, estando, sobretudo, associada a marcha e a posturas que levem à tensão ou à compressão das estruturas inflamadas.
INTERROGATÓRIO.
Factores de agravamento.
O agravamento em decúbito homolateral é fortemente sugestivo de burso-tendinite trocantérica.
A dor da tendinite dos adutores agrava com movimentos de abdução, como, por exemplo, ao entrar num automóvel. Ambas pioram com a marcha, mas não com os movimentos de flexão da coluna.
Este último aspecto sugere, pelo contrário, a dor irradiada da coluna lombar. O agravamento da dor com manobras de Valsava sugere origem lombar.
Note, contudo, que alguns doentes mais ansiosos descrevem esta característica em situações de outra natureza.
INTERROGATÓRIO.
Forma de instalação. Contexto clínico.
A artrose tem instalação muito lenta e progressiva. Em regra, o doente procura o médico depois de vários anos de dor recorrente, com intensidade crescente. A maior parte dos doentes com coxartrose é portadora de artrose de outras articulações de carga, com destaque para a coluna e joelhos. Surge habitualmente em idosos.
A monoartrite da coxofemoral é muito rara. Na maior parte dos casos, surge no contexto de doença inflamatória oligo ou poliarticular, podendo ser afectada em praticamente todos os tipos de artrite.
Uma monoartrite da anca deve ser considerada séptica até prova em contrário. Num e noutro caso, a instalação faz-se em dias ou semanas.
As dores irradiadas surgem no contexto de dor lombar crónica ou aguda recorrente, que deve ser devidamente valorizada, ainda que o doente concentre a sua descrição nas dores da anca, eventualmente mais recentes ou intensas.
Ocasionalmente, um doente com dor na anca e febre será portador de apendicite ou infecção urinária.
A burso-tendinite trocantérica é extraordinariamente frequente em prática corrente e surge muitas vezes na ausência de patologia associada. Pode adquirir o carácter de pseudociática: exclua esta hipótese sempre que pensar em ciatalgial
Pelo contrário, a tendinite dos adutores é mais frequentemente encontrada como acompanhante de patologia da articulação coxofemoral, recentemente agravada. Mesmo nestas situações domina, com frequência, o quadro clínico, pelo que a sua identificação e tratamento são altamente compensadores, ainda que persista a artropatia. A dor da anca é também comum em doentes com fibromialgia. Localizam-se aqui, aliás, quatro dos típicos pontos sensíveis da fibromialgia (capítulo 15). Valorize o contexto de dor generalizada.
INTERROGATÓRIO.
O que investigar? (4)
- Localização da dor.
- Ritmo da dor.
- Forma de instalação. Contexto clínico.
- Factores de agravamento.
EXAME CLÍNICO LOCO-REGIONAL.
Ver.
A inspecção é muito pouco produtiva na patologia da anca, visto tratar-se de uma articulação profunda, protegida por grandes massas musculares.
As lesões periarticulares não se acompanham de tumefacção ou rubor visíveis.
A avaliação clínica da articulação coxofemoral reside essencialmente na mobilização.
A dismetria dos membros inferiores, descrita no capítulo anterior, é também causa de dor na anca e deve ser apreciada.
EXAME CLÍNICO LOCO-REGIONAL.
Mobilizar
1º passo
A mobilização da anca descrita no exame reumatológico geral é suficiente para a exploração desta articulação. É feita de forma passiva, pedindo-se ao doente que esteja relaxado.
1. Começamos por executar a elevação passiva do membro interior em extensão, testando assim o ciático e procedemos depois à apreciaçáo da flexáo e extensão, rotação interna e externa, abdução e adução, como descrito no capitulo 6.
Note que os ângulos apontados como normais para estes movimentos são variáveis de uma pessoa para outra e tendem a diminuir com a idade. Faça sempre a comparação com o lado oposto.
A coxartrose começa por limitar, com dor, a rotação externa e a abdução, podendo, mais tarde, envolver os restantes movimentos. Não se esqueça de que a extensão se aprecia enquanto se força a flexão da anca contralateral (teste de Thomas).
Na artrite, todos os movimentos são dolorosos.
Na dor referida, a mobilização da anca, especialmente em flexão forçada, pode despertar dor na região lombar, eventualmente irradiando para as nádegas.
O doente com burso-tendinite trocantérica refere, com frequência, dor à rotação interna forçada, mas esta pode estar ausente.
Na tendinite dos adutores a dor é mais intensa na abdução forçada. Perante esta suspeita, poderemos proceder a manobras mais dirigidas.
EXAME CLÍNICO LOCO-REGIONAL.
Mobilizar
2º passo
- O doente cruza a perna colocando o pé do lado externo do joelho contralateral. O médico força a abdução.
Tipicamente esta manobra desperta dor na parte interna da região inguinal.
EXAME CLÍNICO LOCO-REGIONAL.
Mobilizar
3º passo
- Com o joelho flectido a cerca de 90 e o pé apoiado na marquesa, pede-se ao doente que proceda a adução do joelho, resistindo-lhe o observador. A dor na região inguinal sugere o diagnóstico.
EXAME CLÍNICO LOCO-REGIONAL.
Palpar
A articulação coxofemoral não é directamente palpável, pelo que não é possivel apreciarmos a existência de tumefacçáo, derrame, calor ou mesmo crepitação.
A palpação dirige-se, especialmente, aos pontos de envolvimento periarticular comum.
4. Bolsa serosa e inserções musculares trocantéricas. Deslize os seus dedos, palpando profundamente, na face externa da anca, a partir da crista ilíaca. Note o promontório ósseo constituído pelo grande trocãnter. Exerça pressão firme sobre a face externa deste promontório: é aqui que se localiza a bolsa serosa trocantérica. Palpe, de igual forma, ao longo do bordo superior e posterior do trocânter: esta é a localização mais trequente de dor, sugerindo inflamação das inserções musculares dos abdutores. Não é raro que a dor se estenda à palpação ao longo de toda a fascia lata.
Em caso de dúvida quanto à intensidade da dor e da palpação, controle por exame idêntico do lado oposto.
Note que a presença de dor à palpação não traduz necessariamente burso-tendinite trocantérica: pode fazer parte de um contexto geral de fibromialgia.
O estudo da anca não estará completo sem o exame da coluna lombar e do joelho. Por vezes, está também indicado um exame abdominal e pélvico cuidadoso.
ARTROSE DA ANCA-COXARTROSE.
DESTAQUES.
Situação comum em homens e mulheres de mais de 50 anos, embora possa surgir mais cedo.
Situações predisponentes incluem artropatias infantis da anca (doença de Legg-Perthes, epifisiólise, luxação congénita da anca), displasias acetabulares e trabalho físico pesado (agricuhores, mineiros).
Origina dor mecânica na região inguinal, que pode irradiar para o joelho ou para as nádegas. Rigidez de curta duração após repouso é comum. Está muitas vezes acompanhada de artrose de outras articulações de carga.
O exame objectivo revela dor e limitação de mobilidade, especialmente da rotação interna. Pode ocorrer encurtamento secundário da perna afectada.
A evolução é variável. A maior parte dos doentes terá agravamento progressivo, com limitação funcional crescente.
A radiografia apresenta as alterações típicas de artrose: perda polar de espaço articular, esclerose subcondral (por vezes com geodes e quistos subcondrais) e osteotitose.
O tratamento é conservador nas fases iniciais:
• analgésicos ou anti-inflamatórios;
• uso de calçado bem almofadado para absorber o choque da marcha;
• uso de bengala ou canadiana no braço oposto;
• estímulo ao exercício físicos à auto-suficiência;
• fisioterapia em casos mais avançados.
Embora não existam critérios sólidos quanto ao momento ideal da prótese total da anca, podemos considerá-la indicada sempre que o doente não consiga dormir, caminhar ou trabalhar em virtude da artrose. Os resultados são geralmente muito satisfatórios.