19. Poliartrite crônica aditiva simétrica e periférica Flashcards
Poliartrite crônica aditiva simétrica e periférica
O que é preciso verificar-se para confirmar esta síndrome?
O conceito exige que se demonstre a presença de inflamação articular (artrite), afectando 5 ou mais articulações (poliartrite), de forma persistente (> 6 semanas) e aditiva (ao invés de migratória ou recorrente), com distribuição aproximadamente simétrica (as mesmas articulações ou áreas articulares afectadas de um e outro lado do corpo), com envolvimento preferencial das articulações dos punhos, das mãos, das tíbio-társicas e dos pés.
Estabelecida com segurança esta síndroma, teremos dado o primeiro passo diagnóstico.
Poliartrite crônica aditiva simétrica e periférica
Qual a causa mais comum?
A artrite reumatóide (A.A.) é causa predominante desta síndroma, não só por ser a mais frequente, mas também porque as restantes situações que a podem causar se acompanham, na maior parte dos casos, de indícios adicionais sugestivos: manifestações sistémicas, psoriase ou antecedentes de gota monoarticular, que as colocam noutros contextos clínicos.
O diagnóstico diferencial é essencialmente clínico, mas vanos exames auxiliares podem ser úteis para o estabelecimento do diagnóstico e para a avaliação da actividade, evolução e prognóstico da doença.
Poliartrite crônica aditiva simétrica e periférica
Artrite Reumatoide
Epidemiologia
A artrite reumatóide é uma doença sistémica de causa desconhecida, que atinge principalmente as articulações. A este nível traduz-se por uma inflamação crónica da sinovial, que conduz, com o tempo, a destruição articular por vezes maciça e incapacidade acentuada. Pode ocorrer envolvimento de múltiplos órgãos e sistemas extra-articulares, mas, em regra, as manifestações articulares dominam a apresentação clinica.
Tem uma prevalência de 0,5% a 1 % da população, consoante os países. Afecta mais frequentemente mulheres do que homens, numa proporção de dois para um. Esta diferença intersexual é maior na idade reprodutiva, tornando-se menos marcada em idosos. O seu início dá-se, mais frequentemente, entre os 35 e os 50 anos, mas pode surgir em qualquer idade.
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Artrite Reumatoide
Implicações práticas da patogenia.
O processo inflamatório tem sede na sinovial, podendo afectar múltiplas articulações simultaneamente. A inflamação sinovial justifica os sinais inflamatórios articulares e a reacção de fase aguda, traduzida em aumento da V.S. e proteína C-reactiva, por exemplo.
A sinovial liberta mediadores inflamatórios, que induzem destruição progressiva da cartilagem articular, o que resulta em perda de mobilidade articular e diminuição da interlinha articular radiográfica, tipicamente uniforme, como é comum nas artrites.
O tecido sinovial inflamado ganha capacidades invasivas, causando erosão do osso na periferia articular (visível na radiografia). O processo inflamatório envolve ainda, directa ou indirectamente, o osso subcondral (determinando osteopenia periarticular) e tecidos moles periarticulares, determinando, com frequência, bursites, ligamentites e tenosinovites, bem como lassidão do tecido conjuntivo, com resultante tendência a subluxação e desvio articular.
Estes aspectos contribuem para a dor e limitação funcional.
O compromisso funcional depende, em cada momento, da actividade inflamatória da doença (que justifica dor, tumefacção, rigidez e limitação de mobilidade) e do dano estrutural constituído.
O dano estrutural (erosões, perda de cartilagem, etc.) começa a Instalar-se desde os primeiros meses de doença reumatóide. As alterações estruturais são, em princípio, irreversíveis. Uma vez instaladas, criam condições para o desenvolvimento de artrose secundária, mesmo que consigamos controlar, mais tarde, o processo inflamatório. Por outro lado, a artrite reumatóide grave tem importantes repercussões vasculares e viscerais: está associada a um excesso de mortalidade comparável ao da doença de Hodgkin ou da doença coronária de três vasos!
O reconhecimento deste facto levou a uma mudança de paradigma no tratamento da artrite reumatóide ao longo dos últimos anos.
É essencial que o tratamento de fundo da artrite reumatóide seja Iniciado tão precocemente quanto possível, Isto é, logo que o diagnóstico possa ser afirmado com certeza!
Para que isto seja possível é indispensável que o médico generalista, a quem primeiro recorre a esmagadora maioria destes doentes, seja capaz de fazer o diagnóstico precocemente, antes da instalação de dano irreversível, e que promova o seu tratamento por médico experiente na terapêutica desta patologia.
Por esse motivo, focamos este capítulo nas fases precoces da artrite reumatóide, referindo os aspectos tardios apenas para exemplificar o tipo de sofrimento e incapacidade funcional que pretendemos, e podemos, evitar.
Poliartrite crônica aditiva simétrica e periférica
Artrite Reumatoide
Fases iniciais
A artrite reumatóide apresenta-se, na esmagadora maioria dos casos, como uma poliartrite crónica, aditiva, simétrica e periférica. Adicionalmente, pode acompanhar-se de manifestações extra-articulares e radiológicas.
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Artrite Reumatoide
Fases iniciais
Poliartrite
A poliartrite é traduzida por artralgias (dores de localização articular), com ritmo inflamatório, a que se associam sinais inflamatórios articulares observados pelo médico: calor, tumefacção elástica ou flutuação articular, dor à palpação e à mobilização (activa e passiva), com eventual limitação de mobilidade (activa e passiva). A afirmação destes aspectos pressupõe exame físico cuidadoso e competente de todas as áreas articulares afectadas
. A elevação da V.S. e da proteína C-reactiva reforçam a convicção de que estamos na presença de um processo inflamatório significativo.
O processo atinge 5 ou mais articulações (poliartrite). Este aspecto opõe a A.R. a um conjunto de outras artrites, que atingem tipicamente apenas uma (monoartrite • gota, artrite séptica, etc.) ou poucas articulações (oligoartrite • algumas espondilartropatias seronegativas, artrites reactivas etc.).
Mantém em consideração outras poliartrites, como as associadas ao lúpus e outras doenças do tecido conjuntivo, certas formas de artrite psoríátíca e algumas artrites reactivas
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Artrite Reumatoide
Fases iniciais
Crónica
A partir de quanto tempo podemos firmar o diagnóstico?
A artrite reumatóide tem um início habitualmente progressivo (em semanas) e persistência crónica (> 6 semanas).
Algumas artrites reactivas, nomeadamente pós-virais, podem dar um quadro semelhante à A.R. Contudo, o seu início é geralmente abrupto e, na sua maioria, cedem espontaneamente ou sob terapêutica em menos de seis semanas. Por outro lado, a A.R. pode começar por atingir apenas uma ou poucas articulações, levando algumas semanas a adquirir o seu padrão poliarticular típico. Por estes motivos, se requer que a poliartrite seja crónica, isto é, persista por mais de seis semanas, antes de afirmar este diagnóstico.
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Artrite Reumatoide
Fases iniciais
Aditiva
Esta característica opõe a artrite reumatóide a certas artrites que podem atingir múltiplas articulações de forma sucessiva ou migratória, com (caso típico da gota) ou sem intervalo livre de doença, como ocorre na febre reumática e noutras artrites reactivas.
Nestes casos, em cada momento, não estão afectadas mais do que uma ou duas articulações.
É também tipicamente aditivo o envolvimento articular no lúpus e na artrite psoriática, bem como em algumas outras espondilartropatias seronegativas.
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Artrite Reumatoide
Fases iniciais
Simétrica
A artrite reumatóide tem uma marcada tendência à simetria. Esta simetria é por vezes notável, mesmo que consideremos cada uma das articulações MCFs ou IFPs, mas é quase constante se considerarmos apenas as áreas articulares: MCFs de um e outro lado, IFPs ou punhos de um e outro lado.
Este aspecto ajuda a distingui-la das espondilartropatias seronegativas, em geral, e, em especial, da artrite psoriática, que apresentam, na maioria dos casos, distribuição assimétrica.
A simetria é também comum na artrite do lúpus e outras doenças do tecido conjuntivo.
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Artrite Reumatoide
Fases iniciais
Periférica
A artrite reumatóide pode atingir virtualmente todas as articulações do esqueleto, com excepção da coluna lombar.
No entanto, nas fases iniciais, tem fortíssima tendência a afectar, sobretudo, as MCFs, as IFPs e as metatarso falângicas.
Punhos e tibio-társicas seguem-se, em frequência. O envolvimento das articulações proximais pode estar, adicionalmente, presente desde o início, mas quase sempre é mais tardio.
Pelo contrário, artrite psoriática e espondilartropatias seronegativas, incluindo a maior parte das artrites reactivas, têm clara tendência a envolver preferencialmente articulações mais proximais e mesmo as sacroilíacas e coluna lombar.
- *A A.R. envolve com frequência as primeiras vértebras cervicais mas não as dorsais ou lombares.**
- *Também a artrite do lúpus e outras doenças do tecido conjuntivo têm carácter habitualmente periférico.** Enganadoramente, a artrite psoriática apresenta-se, por vezes, de forma semelhante à artrite reumatóide (forma pseudo-reumatóide).
Note que, nas mãos, a A.R. raramente envolve as interfalângicas distais, uma localização frequente da artrite psoriática.
Em alguns doentes com artrite reumatóide podem predominar, no inicio, as tenosinovites dos tendões flexores dos dedos das mãoslID, com sinais articulares relativamente discretos - suspeite sempre de A.R. nestas condições.
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Artrite Reumatoide
Fases iniciais
Manifestações sistémicas
Não é raro que o doente com artrite reumatóide em fase inicial se apresente também com febre, perda de peso ou poliadenopatias, especialmente nas formas graves, com instalação abrupta e poliarticular ab initio. Quando estas manifestações são predominantes, outros diagnósticos merecem consideração reforçada, incluindo, neste caso, a hipótese de artrite paraneoplásica se o grupo etário o justificar.
Os nódulos reumatóides, descritos mais adiante, podem estar presentes desde fases iniciais, reforçando sobremaneira o diagnóstico.
As restantes manifestações extra-articulares desta doença surgem, geralmente, em fases mais evoluidas, sendo abordadas ulteriormente.
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Artrite Reumatoide
Diagnóstico Diferencial (5)
Esta caracterização exige, obviamente, que o interrogatório e o exame objectivo tenham sido realizados com rigor e sensibilidade. Contudo, se pudermos afirmar com segurança as característícas acima expostas, o diagnóstíco diferencial fica essencialmente limitado a cinco possibilidades.
• Artrtte reumatóide.
NOTE BEM: artrite reumatóide, com características em tudo idênticas, pode surgir na infância (artrite reumatóide juvenil).
• Lúpus eritematoso sistémico e outras doenças do tecido conjuntivo - quase sempre a artrite virá acompanhada de manifestações sistémicas sugestivas, como eritema malar, fotossensibilidade e outras alterações cutâneas, ulcerações orais, serosite, fenómeno de Raynaud, falta de força proximal. .. A secura ocular e oral, sugestiva de síndroma de Sjõgren, é mais difícil de valorizar, já que esta síndroma se associa muitas vezes a A.R. A artrite é, em regra, mais discreta do que na A.R.
Na dúvida, alguns exames complementares ajudarão a formular o diagnóstico: alterações do hemograma e função renal, anticorpos antinucleares, teste de Schirmer, electromiograma …
• Artrtte psorlátlca pseudo-reumatóide - a maior parte dos doentes será portadora de psoríase. Na sua ausência, os antecedentes familiares de psoríase reforçam esta hipótese diagnóstica. O factor reumatóide será tipicamente negativo, mas o mesmo se observa em 25% dos doentes com A.R., pelo que o diagnóstico diferencial pode ser difícil.
É tranquilizante, contudo, saber que o tratamento das duas situações é muito sobreponível.
- *• Artrose nodal** • a apreciação clínica rigorosa é habitualmente suficiente para distinguir as duas situações: na artrose nodal, o ritmo de dor pode ser misto, mas raramente é tipicamente inflamatório. A instalação é lenta e progressiva. Na palpação predominam os nódulos duros, pétreos (ao invés da tumefacção fusiforme e flutuação elástica) que afectam as IFPs, mas também, quase sempre, as IFDs. Ocasionalmente podem, contudo, observar-se sinais inflamatórios enganadores, ainda que, em regra, se limitem a uma ou duas articulações. Surge, geralmente, depois da menopausa.
- *• Condrocalclnose** • o quadro clínico pode ser bastante semelhante ao da artrite reumatóide. Em regra, contudo, existe uma história mais ou menos longa de artralgias de ritmo mecânico, com surtos inflamatórios recorrentes. Ocorre mais frequentemente em idosos.
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Artrite Reumatoide
Exames complemnetares de diagnóstico
Laboratório
Perante a hipótese clínica de artrite reumatóide, justifica-se o pedido de hemograma completo, enzimas hepáticas, creatinina e sumária da urina: embora estes testes sejam habitualmente normais na fase inicial da doença, servirão de base para apreciar eventuais efeitos secundários da terapêutica subsequente. Por outro lado, podem observar-se alterações que reforçam ou obrigam a considerar hipóteses alternativas de diagnóstico.
Nas fases iniciais da artrite reumatóide, é também importante pesquisar anticorpos antinucleares (por imunofluorescência) para excluir outras doenças do tecido conjuntivo que, como o lúpus, podem cursar com poliartrite muito similar.
Note, contudo, que cerca de 15% dos doentes com AR podem apresentar anticorpos antinucleares positivos.
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Artrite Reumatoide
Factor reumatoide
O factor reumatóide é um auto-anticorpo. Trata-se de uma imunoglobulina com reactividade anti-lgG. Os testes habituais para a sua detecção - RA teste, Waaler-Rose e nefelometria - apenas despistam o subtipo lgM, mas podem também ser do subtipo lgA e lgG. O seu papel na patogenia da artrite reumatóide continua controverso, mas a sua presença está associada a pior prognóstico funcional e estrutural.
Surge positivo em cerca de 75% a 80% dos doentes com artrite reumatóide, sendo negativo nos restantes. A percentagem de resultados negativos é bastante maior na fase inicial da doença, já que muitos pacientes virão a apresentar factor reumatóide com o tempo.
Importa notar que o lactar reumatóide não é especílico da artrite reumatóide, podendo estar presente numa multiplicidade de situações, incluindo o lúpus eritematoso sistémico (quadro 19.2.). Observa-se mesmo em cerca de 5% da população normal, uma percentagem que aumenta em idosos. Contudo, na maior parte destas situações, a concentração (ou título) de factor reumatóide é bastante mais baixa do que na A.R.: quanto mais alta a concentração, maior a probabilidade de artrite reumatóide.
- *Algumas regras práticas fundamentais devem ser retiradas desta informação:
1. é fundamental que o factor reumatóide seja quantificado e não apenas indicado como positivo ou negativo;
2. a presença de factor reumatóide não faz o diagnóstico de artrite reumatóide, se não existir clínica compatível;
3. a sua negatividade não exclui o diagnóstico, se a clínica for compatível.**
Outros auto-anticorpos podem ser identificados em doentes com artrite reumatóide, dotados de diferentes graus de sensibilidade e especificidade, mas o seu uso cabe melhor no âmbito da especialidade.
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Artrite Reumatoide
Quais as alterações radiográficas iniciais e mais tardias?
DD
Neste contexto, devemos sempre pedir exames radiográficos das mãos e pés e ainda de quaisquer outras articulações afectadas.
Idealmente, estes exames serão normais: isto significará que estabelecemos o diagnóstico antes da instalação de lesões irreversíveis. As anomalias comuns na fase inicial incluem a tumefacção de tecidos moles (aliás, apreciável clinicamente) e osteopenia periarticular.
A perda de espaço articular é já uma manifestação algo tardia, que gostaríamos de evitar.
Nas fases iniciais pode ser diflcil de apreciar: compare com as restantes articulações da mesma área e com o lado oposto.
As erosões traduzem-se por lesões líticas afectando a cortical do osso na vizinhança da articulação. Surgem mais precocemente nas metacarpo-falângicas, no processo estilóide do ulnar e nas metatarso falângicas.
Embora possam surgir nos primeiros meses de doença, devem considerar-se manifestações tardias no sentido em que traduzem perda da melhor oportunidade terapêutica.
Todas as lesões têm, tipicamente, distribuição aproximadamente simétrica.
Se presentes, as alterações radiológicas apoiam o diagnóstico diferencial: a artrite das restantes doenças do tecido conjuntivo não é, geralmente, erosiva e não causa perda de espaço articular.
- *Na artrite psoriática, podem surgir erosões e perda de espaço, mas haverá forte tendência à assimetria e ao envolvimento das IFDs. Na artrose nodal, a perda de espaço é assimétrica em cada articulação, não havendo erosões, antes ocorrendo formação de osteófitos.**
- *A osteopenia é substituída por esclerose subcondral e o envolvimento das IFDs é quase universal**