teste Flashcards
Os autores concordam com a tese da possibilidade de existência de conflitos entre princípio e regra?
[…] embora a grande parte dos casos em que se discuta a constitucionalidade de normas envolva a confrontação entre uma regra (infraconstitucional) e um princípio (constitucional), não há antinomia entre regras e princípios. As diferentes estruturas lógicas com que são formulados as regras e os princípios, sobretudo a peculiar indeterminação linguística destes, tornam impossível o confronto direto entre tais espécies de normas. Colisões entre regra e princípio só surgem quando o princípio já tenha sido alvo de concretização, de modo que dele se possa extrair uma regra (não expressa) a disciplinar a mesma classe de fatos alcançada pela outra regra (GUASTINI, 2009, p. 165-166). Logo, eventual conflito entre comandos advindos de regras em relação a mandamentos decorrentes de princípios circunscreve-se ao âmbito das regras. OBS: Autores como EROS GRAU também concordam que “não se manifesta jamais antinomia jurídica entre princípios e regras jurídica (1990, p. 134). Porém, para assim concluir, GRAU adota raciocínio inverso: se as regras são a concreção dos princípios, o problema se resume a conflito entre princípios, pois, “quando, em confrontos dois princípios, um prevalece sobre o outro, as regras que dão concreção ao que foi desprezado são afastadas” (idem). No mesmo sentido DANIEL SARMENTO (2003, p. 106-107).
O que significa ponderar princípios para Alexy?
Segundo ALEXY, ponderar é identificar, entre princípios colidentes, uma “relação de precedência condicionada” (2001, p. 92). O resultado de toda ponderação feita corretamente conduz à identificação de uma regra em face da qual o caso concreto deverá ser subsumido (intutilada lei de colisão). E o suporte fático dessa regra radica exatamente naquelas condições cuja exteriorização leva à precedência de um princípio em relação a outro(s).
É possível, no exercício do controle de constitucionalidade de lei, acrescentar um sentido ao dispositivo impugnado para evitar-lhe a declaração de inconstitucionalidade?
Não esquecer que, a despeito do princípio da presunção de constitucionalidade, o texto é o limite da interpretação. Assim, como o órgão de controle da constitucionalidade não pode agir como “legislador positivo” (STF, MS 22.690-CE; AgRg no AI 360.461-MG e QO na ADInMC 1.063-DF), o princípio da interpretação conforme a constituição tampouco poderá servir de justificativa para acrescentar algum sentido àqueles que efetivamente corresponderem à disposição interpretada, ainda que a pretexto de compatibilizá-la à constituição. Nesse caso, o princípio da interpretação conforme não se aplica. A disposição deverá ser julgada inconstitucional, incluindo todos os sentidos que porventura possua.
Quais são os atributos da eficácia mínima das normas constitucionais de aplicabilidade mediata?
1) eficácia conformadora: impõe o exercício das competências dos órgãos públicos (legislativas, executivas ou jurisdicionais) em conformidade com os fins e objetivos estabelecidos pela norma constitucional;
2) eficácia interpretativa: direciona a interpretação das demais normas jurídicas;
3) eficácia redutora da discricionariedade: reduz a margem de discricionariedade que os órgãos públicos possuem em relação à matéria abordada na norma; e
4) eficácia invalidatória: impede a recepção de normas infraconstitucionais pré-constitucionais, bem como serve de parâmetro para declarar a inconstitucionalidade das normas infraconstitucionais editadas posteriormente à norma constitucional.
Quais são as posições existentes a respeito da eficácia horizontal dos direitos fundamentais?
1) Teoria da eficácia indireta ou mediata: baseia-se em direito fundamental (liberdade privada) para negar a eficácia direta dos demais direitos fundamentais no âmbito das relações privadas. Defende que, embora o Estado deva proteger os particulares em face de outros particulares, essa proteção deve fazer-se por intermédio da lei. Os direito fundamentais são concebidos para regular a atuação dos órgãos estatais. Logo, não podem ser automaticamente aplicado às relações particulares, a não ser por meio das normas do próprio direito privado. Mesmo que o conteúdo das lei esteja vinculado à constituição e ainda que a interpretação do direito privado tenha de ser feita conforme os direitos fundamentais, elas não geram reflexos diretos nos atos e negócios jurídicos privados, pois os particulares não são seus destinatários originais. A possibilidade de os direitos fundamentais nortearem a interpretação das normas de direito privado, especialmente as que vinculam cláusulas gerais e conceitos indeterminados, não implica nenhuma vinculação direta à atuação dos particulares, sob pena de violência ao direito fundamental à liberdade e à autonomia privada.
2) Teoria da eficácia direta ou imediata: sustenta que a eficácia das normas de direitos fundamentais atinge, objetivamente, toda a ordem jurídica. Daí por que também se aplicam, direta e imediatamente, no âmbito das relações privadas, independentemente da intermediação do legislador. É necessário proteger os particulares não apenas contra o Estado, mas inclusive dos abusos cometidos por outros particulares.
3) Teoria intermediária da eficácia direta moderada ou atenuada: defende que os direitos fundamentais podem surtir eficácia horizontal nas relações privadas, a despeito da intermediação do legislador, mas somente quando houver assimetria substancial de poder jurídico ou poder de fato de uma das partes em face da outra. Nesses casos, a aplicação direta das normas constitucionais de direitos fundamentais passa a ser justificável, a fim de tanto proteger a parte que esteja em posição de vulnerabilidade quanto equilibrar a relação em que um dos polos tem poderio desproporcional comparável ao tipo de poder vertical exercido pelo Estado em face dos particulares. Exemplo dessas relações privadas: associação vs. associado; conveniado vs. plano de saúde; cooperativa vs. cooperado; grande empresa vs. empregado; partido político vs. filiado; condomínio vs. condômino. Posição de autores como o português VIEIRA ANDRADE e o espanhol BILBAO UBILLOS.
4) Teoria da eficácia diagonal: Eficácia direta dos direito fundamentais não ocorre de maneira “horizontal” (entre iguais), e sim de forma “diagonal” (entre partes portadoras de poderes assimétricos). Prestigiada entre estudiosos do direito trabalhista, a teoria equivale, na prática, à da eficácia horizontal moderada ou atenuada. OBS: No concurso para Juiz de Direito do TJPR (2017\Cesp), foi considerada correta a seguinte alternativa: “A eficácia imediata dos direito fundamentais encontra limites no núcleo irredutível da autonomia pessoal, situação em que se configura a eficácia moderada na relação entre os poderes privados e os indivíduos”.
STF: No Brasil, a Constituição é omissa sobre o tema. Contudo, isso não impediu o STF de promover a aplicação direta de direitos fundamentais no âmbito das relações privadas. Num primeiro momento, ainda sem grande profundidade nas discussões, decidiu o STF: (a) pela observância ao devido processo legal como requisito prévio à exclusão de cooperado ante a cooperativa (RE 158.215\RS); e (b) pela extensão, a empregado nacional, de vantagem salarial paga somente a empregado franceses por parte de filial brasileira de empresa francesa (RE 161.243\DF). Nesse precedente, entendeu a Corte que o princípio da autonomia da vontade não era fundamento a justificar a discriminação a trabalhador brasileiro. Atenção: A rigor, esse último exemplo, embora sempre lembrado pela doutrina, não evoca a teoria da eficácia horizontal. Isso porque, a despeito de a Constituição não proibir expressamente a discriminação remuneratória entre estrangeiros e brasileiros, assim já o fazia a CLT (art. 358 e 461), de modo a tornar desnecessária a invocação da eficácia direta dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas. Já num segundo momento, no RE 201.819\RJ, o STF analisou detidamenta a questão, sagrando-se vencedora a posição intermediária defendida pela teoria da eficácia direta moderada. O caso envolvia entidade um artista e uma associativa integrante do sistema Escritório Central de Arrecação e Distribuição -ECAD, cujas atividades são essenciais à cobrança de direito autorais. Conforme voto do Ministro GILMAR MENDES, a Corte reconheceu a presença do “caráter público ou geral da atividade”, o que foi decisivo para “legitimar a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (Art. 5, LIV e LV, da CF) ao processo de exclusão de sócio da entidade”.
Cite as diferentes posições quanto ao princípio da proibição do retrocesso.
1) Tendência radical: na linha jusnaturalista, a proibição do retrocesso é vista como limite suprapositivo a impedir até mesmo a atuação do constituinte originário, que não poderia ficar aquém de deteminados progressos reconhecidos em ordens constitucionais anteriores. Nesse rumo, sustenta JORGE MIRANDA (1997, p. 107) que os direito fundamentais imediatamente conexos com a dignidade da pessoa humana serviriam como “limites transcendentes” do poder constituinte originário. Daí por que seria “inválido ou ilegítimo” decretar normas constitucionais que gravemente ofendessem a liberdade de crenças ou a liberdade pessoal, que criassem desigualdades em razão da raça ou que restaurassem a pena de morte já abolida em constituições anteriores. Obs: embora JORGE MIRANDA, com relação aos direitos fundamentais imediatamente conexos com a dignidade da pessoa humana, pareça aderir à ora intitulada “teoria radical”, ele não aceita a proibição do retrocesso social como princípio geral, por entender que não existem direitos criados por lei que não possam ser extintos também por lei.
2) Tendência peremptória: embora não vincule o constituinte originário, a proibição do retrocesso é regra geral que limita tanto o constituinte derivado quanto o legislador ordinário, que ficariam peremptoriamente proibidos de suprimir ou revogar quaisquer normas que estabelecessem disciplinas acerca de direitos fundamentais, a menos que para substituí-las por regimes de proteção mais ampla e favorável.
3) Tendência intermediária: posição majoritária na doutrina, a proibição de retrocesso não é peremptória, mas princípio geral constitucional, que assim pode ser ponderado em face de outros princípios, desde que a involução preserve ao menos o “núcleo essencial” do direito fundamental considerado. É a posição majoritária na doutrina e pode ser subdividade em:
3.1) tendência intermediária forte: sem prejuízo das eventuais cláusulas pétreas a proteger o núcleo essencial dos direito fundamentais, autores como INGO SARLET defendem que as medidas a restringir direitos sociais devem passar “pelos testes da razoabilidade e da proporcionalidade”, além de respeitar “as barreiras do núcleo essencial e da dignidade da pessoa humana” (SARLET, 2009, p. 241). […] No mesmo sentido, em voto vencedor no RE 646.721\RS (Plenário do STF, j. em 10-5-2017), o Min. BARROSO consignou que o princípio da vedação do retrocesso “não significa, por óbvio, que nenhum passo atrás possa ser dado na proteção de direitos. Todavia, a proibição de retrocesso veda que, diante de uma mesma situação de fato, sejam implementadas involuções desproporcionais na proteção de direito ou que atinjam o seu núcleo essencial”.
3.2) tendência intermediária fraca: posição atual de CANOTILHO, para quem, nas “épocas de escassez e austeridade”, a probição não pode ser invocada para “neutralizar a liberdade de conformação do legislador”, já que “a chamada tese da ‘irreversibilidade de direito sociais adquiridos’ deve entender-se com razoabilidade e com racionalidade, pois poderá ser necessário, adequado e proporcional baixar os níveis de prestações essenciais para manter o núcleo essencial do próprio direito social” (2008, p. 64).
4) Tendência mitigada: a proibição do retrocesso não é princípio geral constitucional, porém espécie de regra excepcional de combate ao arbítrio. Para VIERA DE ANDRADE, por exemplo, a “liberdade constitutiva” e a “autorrevisibilidade” da atividade legislativa só poderão ser restringidas quando a disciplina anterior (mais favorável) estiver enraizada na “consciência jurídica geral” (2001, p. 394). Fora dessa hipóteses excepcionais, eventuais obstáculos ao retrocesso social não decorreriam de uma garantia específica, mas apenas da garantia do “conteúdo mínimo social” ou como medida impeditiva do arbítrio e da não razoabilidade manifesta.
Qual o fundamento constitucional do princípio da proibição do retrocesso?
No Brasil, o constituinte assegurou a irretroatividade da lei (art. 5, XXXVI), mas não acolheu explicitamente a proibição de retrocesso. No entanto, sustenta-se na doutrina que a vedação de retrocesso é um tipo de mandamento constitucional implícito (GEORGE MARMELSTEIN). Autores como INGO SARLET defendem a aplicação da cláusula no direito brasileiro, por entenderem que a Constituição Federal exige a maximização da proteção dos direitos fundamenais, protegendo a confiança dos indivíduos na estabilidade das relações jurídica, não somente em face de atos retroativos, mas também, implicitamente, contra retrocesso sociais. Assim, a proibição de retrocesso decorreria, sobretudo, de fundamentos constitucionais como: (a) o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1, III); (b) o princípio da garantia do desenvolvimento nacional (art. 3, II); (c) princípio do Estado democrático de direito (art. 1); (d) o princípio da máxima eficácia das normas definidoras de direitos fundamentais (§ 1º do art. 5º); e (e) do princípio da proteção da confiança (art. 5º, caput, 4º figura).
De fato, a cláusula de proibição do retrocesso não encontra previsão constitucional expressa no direito brasileiro. Mas pode ser extraída em articulação, seja como a garantia de proteção ao conteúdo essencial dos direitos fundamentais, seja como o direito mínimo de existência condigna (teoria do mínimo existencial). Nesse sentido, a vedação ao retrocesso surgiria a partir de determinados marcos de consolidação de posições de vantagem abstratamente asseguradas pelo sistema normativo, o que viria a solidificar aquilo que se deva considerar como o “núcleo essencial” do direito fundamental envolvido. Assim, a garantia de proteção ao conteúdo essencial impediria determinado retrocessos em face dos aspectos nucleares dos direitos fundamentais, incluindo aqueles padrões mínimos da manutenção existencial dos indivíduos (“mínimo vital intangível”).
Enfim, mesmo em tempos de crise, medidas estatais que impliquem regressão ao tratamento dos direito fundamentais não estão absolutamente vedadas “a priori”. Contudo, exigirão do Estado: (a) o ônus de demonstrar a impossibilidade material de manter o estágio de desenvolvimento até então alcançado (inversão da presunção de constitucionalidade); e (b) a preservação do conteúdo essencial dos direitos fundamentais afetados, garantindo assim o “mínimo existencial”.
Em que consiste a dimensão objetiva dos direitos fundamentais?
[…] a perspectiva objetiva transcende essa expressão simplesmente subjetiva e faz com que os direitos fundamentais sejam vistos como fontes de deveres de proteção. Os direitos fundamentais, então, assumem projeção valorativa de natureza superior, impondo diretrizes normativas à atuação dos órgãos estatais. Nesse sentido, o Estado deixa de ser encarado somente como o adversário\inimigo, em relação aos titulares dos direitos fundamentais (perspectiva subjetiva), para ser visto também como o garantidor\guardião desses direitos - i.e., aquele que tem o dever de protegê-los -, até mesmo contra a vontade eventual dos próprios titulares. […] Segundo GILMAR MENDES, a doutrina alemã subdivide o dever de proteção estatal aos direitos fundamentais (perspectiva objetiva) em: a) dever de proibição: consistente no dever de proibir uma determinada conduta; b) dever de segurança: que impõe ao Estado o dever de proteger o indivíduo contra ataques de terceiros mediante a adoção de providências diversas; e c) dever de evitar riscos: que autoriza o Estado a atuar com o escopo de evitar riscos ao cidadão em geral, especialmente em relação ao desenvolvimento técnico ou tecnológico.
INGO SARLET: Como um dos mais importantes desdobramentos da força jurídica objetiva dos direitos fundamentais, costuma apontar-se para o que boa parte da doutrina e da jurisprudência constitucional na Alemanha denominou de eficácia irradiante ou efeito de irradiação dos direitos fundamentais, no sentido de que estes, na sua condições de direito objetivo, fornecem impulsos e diretrizes para a aplicação e interpretação do direito infraconstitucional, implicando uma interpretação conforme aos direitos fundamentais de todo o ordenamento jurídico. […. obs: o papel fundamental dessa constitucionalização do direito é desenpenhado pela supremacia da constituição] Outra função que tem sido reconduzida à dimensão objetiva está vinculada ao reconhecimento de que os direitos fundamentais implicam deveres de proteção do Estado, impondo aos órgãos estatais a obrigação permanente de, inclusive preventivamente, zelar pela proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos, não somente contra os poderes públicos, mas também contra agressões por parte de particulares e até mesmo por parte de outros Estados. […] Por força dos deveres de proteção, aos órgão estatais incumbe assegurar níveis eficientes de proteção para os diversos bens fundamentais, o que implica não apenas a vedação de omissões, mas também a proibição de uma proteção manifestamente insuficiente, tudo sujeito a controle por parte dos órgãos estatais, inclusive por parte do Poder Judiciário. Assim, os deveres de proteção implicam dever de atuação (prestação) do Estado e, no plano da dimensão subjetiva - na condição de direitos à proteção -, inserem-se no conceito de direitos a prestações (direitos à proteção) estatais. Uma terceira função, ingualmente vinculada à dimensão objetiva, […] pode ser genericamente designada de função organizatória e procedimental. Neste sentido, sustenta-se que a partir do conteúdo das normas de direitos fundamentais é possível extrair consequências para a aplicação e interpretação das normas procedimentais, mas também para uma formatação do direito organizacional e procedimental que auxilie na efetivação da proteção aos direitos fundamentais, evitando-se os riscos de uma redução de seu significado e conteúdo material.
Qual a diferenteça entre reserva do possível em sentido estrito e reserva do possível em sentido amplo.
[…] para se referir a todas essas dificuldades que cercam a implementação dos direitos fundamentais, sob inspiração da cláusula civilista “ad impossibilia nemo tenetur” (ninguém é obrigado a fazer o impossível), a doutrina específica utiliza a expressa reserva do possível. Num sentido amplo, a reserva do possível tem a ver tanto com as impossibilidade fáticas e materiais quanto com as impossibilidades jurídicas que possam interditar, adiar ou até mesmo impedir a aplicação dos direitos fundamentais. A primeira ordem de impossibilidade tem a ver com os obstáculos fáticos, tais como problemas físicos ou tecnológicos, de estruturação de órgãos administrativos etc. Para exemplificar, se alguém pleiteia tratamento médico experimental e ainda indisponível ao público ou se pretende remédio que não seja mais fabricado, o direito à saúde não poderá ser implementado, ante a impossibilidade fática de se prestar a obrigação respectiva; se um bairro ficou isolado em razão da cheia de um rio, o Estado não pode garantir a plena liberdade de ir e vir etc. Já a segunda ordem de impossibilidades está relacionada aos obstáculos jurídicos que servem como escusas lícitas para justificar a impossibilidade de cumprir os deveres impostos pelos direitos fundamentais. Exemplo: uma norma de direito social, quando necessariamente depender de lei que a regulamente, não terá como ser aplicada antes da edição dos regulamentos pertinentes; a norma que garanta a prestação de um medicamento pode não se aplicar pela falta da licitação necessária à compra do produto etc. […] Já num sentido estrito, a reserva do possível (gênero) costuma ser vista como a reserva do financeiramente possível (espécie). Nessa acepção diz somente com os obstáculos econômico-financeiros inerentes à efetivação dos direitos fundamentais que envolvam prestações materiais (direitos sociais, sobretudo). Como recorda GONET BRANCO, a “escassez de recursos econômicos implica a necessidade de o Estado realizar opções de alocação de verbas, sopesadas todas as coordenadas do sistema econômico do país” (200, p. 146). Exemplo: ausência de cobertura, pelo Sistema Único de Saúde -SUS, de caro tratamento médico realizado somente no exterior.
As reservas legislativas qualificadas podem ser relativizadas?
Com base em juízos de ponderação, parte da doutrina defende a possibilidade de “relativização” até mesmo dessas condicionantes especiais contidas em cláusulas de reserva qualificada. Para ALEXY, por exemplo, o “princípio da sujeição ao texto constitucional” faz com que as determinações adotadas pelas regras postas em reservas legislativas precedam as determinações alternativas decorrentes de princípios contrapostos (2001, p. 134). Porém, essa precedência não se aplica caso militem razões, baseadas nesses princípios contrapostos, que “sejam tão fortes que também desloquem o princípio da sujeição ao texto da Constituição” (2001, p. 135). Ou seja, para ALEXY, em situações excepcionais, é admissível ampliar as hipóteses de incidência das restrições a direitos fundamentais para além daquelas previstas pelo constituinte mediante reservas qualificadas.
Na jurisprudência, aliás, isso não é novidade, como se pode ver nos seguintes casos:
(a) no Inquérito 2.424\RJ, o Plenário do STF considerou que um espaço protegido a priori pelo direito à inviolabilidade do domicílio (no caso, escritório de advocacia) poderia sofrer intervenção policial no período noturno, para cumprimento de mandado judicial de instalação de escuta ambiental, mesmo que a reserva qualificada prevista no inciso XI do art. 5 da Constituição só permitisse tal diligência “durante o dia”. Para o STF, a intervenção se justificava porque se tratava do “único meio de prova” utilizável para demonstrar o fato delituoso;
(b) a 7 Câmara Cível do TJRS (Processo n. 70018683508-Porto Alegre) deferiu quebra de sigilo telefônico, em processo cível, embora o inciso XII do art. 5 da Constituição só a permitisse “para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Reputou-se que esse era o único meio de localizar devedor de pensão alimentícia com prisão civil decretada, bem como que, na ponderação entre o direito à vida dos alimentados e o direito à intimidade do executado, a “própria possibilidade da prisão civil no caso de dívida alimentar evidencia o caráter superior da verba alimentar”.
De que norma é possível extrair o mínimo existencial?
[…] os constitucionalistas em geral sustentam que o direito ao mínimo existencial decorre, implicitamente, não só de sua matriz originária (princípio da dignidade da pessoa humana - inciso III do art. 1º), como de múltiplas disposições constitucionais, tais como o inciso III do art. 3º e o inciso X do art. 23 (objetivo de erradicação da pobreza e integração social dos “setores desfavorecidos”); o art. 203, V (direitos de idosos e deficientes a benefício assistencial de natureza continuada), entre outras.
A pretensão de reparação de danos decorrentes de atos de exceção praticados durante o regime militar está sujeita à prescrição?
No Brasil, a polêmica da imprescritibilidade dos direitos fundamentais é ilustrada pelas decisões dos tribunais sobre pedidos de indenização por danos decorrentes de atos de exceção praticados durante o Regime Militar. O Plenário do STF rejeitou a tese geral da imprescritibilidade sustentada pelos Ministros LUIZ FUX, AYRES BRITTO e CELSO DE MELLO (ver AOE 25-DF, j. em 10-8-2011). Já a jurisprudência do STJ, todavia, não somente quanto às hipóteses de prisão e tortura (AgRg no AG 1.428.635-BA, AgRg no AG 1.392.493-RJ e REsp 1.374.376-CE), tem reconhecido, genericamente, ser “imprescritível a pretensão de reparação de danos sofridos durante o regime exceção” (EREsp 816.209-RJ) 1 Seção).
STJ:
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRISÃO POLÍTICA. REGIME MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO 20.910/1932. ANISTIADO POLÍTICO. CONDIÇÃO RECONHECIDA. DANOS MORAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. ART. 1º-F DA LEI 9.494/1997. MP 2.180-35/2001. LEI 11.960/2009. NATUREZA PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA. IRRETROATIVIDADE.
1. As ações indenizatórias por danos morais decorrentes de atos de tortura ocorridos durante o Regime Militar de exceção são imprescritíveis. Inaplicabilidade do prazo prescricional do art. 1º do Decreto 20.910/1932. Precedentes do STJ.[…]
(REsp 1374376/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/05/2013, DJe 23/05/2013)
Dizer direito STJ:
Não se deve confundir imprescritibilidade da ação de reintegração com imprescritibilidade dos efeitos patrimoniais e funcionais dela decorrentes, sob pena de prestigiar a inércia do autor, que poderia ter buscado seu direito desde a publicação da Constituição da República.
Isso significa dizer que:
- João terá direito de ser reintegrado;
- ele terá direito à remuneração retroativa, mas limitada aos últimos 5 anos, contados para trás, tendo marco o ajuizamento. Como o pedido foi formulado em 2011, ele terá direito à remuneração retroativa desde 2006.
Assim, são imprescritíveis as ações de reintegração a cargo público decorrentes de perseguição, tortura e prisão, praticadas durante o regime militar, por motivos políticos, ficando, contudo, eventuais efeitos retroativos, sujeitos à prescrição quinquenal.
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. REGIME MILITAR. ANISTIA POLÍTICA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. HERDEIROS. LEGITIMIDADE. PRESCRIÇÃO. INAPLICABILIDADE. CONDENAÇÃO. REVISÃO DO QUANTUM. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7 DO STJ. INCIDÊNCIA.
- O Plenário do STJ decidiu que “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (Enunciado Administrativo n.
2) . 2. De acordo com a jurisprudência desta Corte, o direito à indenização por danos morais ostenta caráter patrimonial, sendo, portanto, transmissível ao cônjuge e aos herdeiros do de cujus. - O prazo quinquenal previsto no Decreto n. 20.910/1932 é inaplicável às ações que objetivam reparação por danos morais ocasionados por torturas sofridas durante o período do regime militar, demandas que são imprescritíveis, tendo em vista as dificuldades enfrentadas pelas vítimas para deduzir suas pretensões em juízo.
- A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite, em caráter excepcional, a alteração do quantum arbitrado a título de dano moral caso se mostre irrisório ou exorbitante, em clara afronta aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
- Na espécie, a parte recorrente não logrou demonstrar que o valor arbitrado, a ser repartido entre seis autores, seria excessivo, de forma que o acórdão recorrido deve ser mantido. 6. Manifestamente improcedente a irresignação, é de rigor a aplicação da sanção prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015. 7. Agravo interno desprovido, com imposição de multa. (STJ; AgInt-REsp 1.524.498; Proc. 2015/0081755-2; PE; Primeira Turma; Rel. Min. Gurgel de Faria; DJE 20/02/2019)
Qual a função exercida pelo mínimo existencial e qual seu conteúdo?
A grande relevância da teoria do mínimo existencial está em driblar, ao menos em parte, o caráter meramente programático que se costuma atribuir às normas definidoras dos direitos sociais. Assim, independentemente da intermediação legislativa, as prestações abrangidas pelo conceito de mínimo existencial tornam-se juridicamente exigíveis, em certa medida, inclusive pela via judicial.
[…]
Certo é que o conceito de mínimo existencial não deve ser reduzido à noção de “mera sobrevivência física”. Como explica GEORGE MARMELSTEIN LIMA (2008), “se o mínimo existencial fosse apenas o mínimo necessário à sobrevivência, não seria preciso constitucionalizar os direitos sociais, bastando reconhecer o direito à vida”
Nessa linha, pode-se dizer que o direito ao mínimo existencial alcança ao menos aquelas condições materiais sem as quais restaria inviabilizado, por falta de seus pressupostos fáticos mais básicos, o exercício dos demais direitos fundamentais previstos na constituição.
De outro lado, grande parte dos autores concorda que nem todos os direitos sociais são exigíveis “em termos de direitos sociais fundamentais mínimos” (ALEXY, 2001, p. 496). E nomes importantes como VIEIRA DE ANDRADE sustentam que a garantia judicial do “conteúdo mínimo” dos direitos sociais só pode ser retirada diretamente da constituição “em casos excepecionais”, como nas “situações de necessidade ou injustiça extremas, de tal modo que, a verificarem-se, permitam configurar este recurso judicial como uma ‘válvula de segurança’ da ordem jurídico-constitucional”, ou ainda em hipótese de “insuficiência manifesta ou de incompletude discriminatória da actuação legislativa” (2001, p. 384-385).
Ademais, não se podem fixar padrões universais de atendimento ao mínimo existencial, pois as condições socioeconômicas de cada Estado, que não são as mesmas, haverão de ser necessariamente consideradas. Assim, a fixação do mínimo existencial deve ser ponderada ante o contexto histórico e socioeconômico de cada Estado. […]
Na doutrina nacional, de sua vez, há certo consenso em que o direito ao mínimo existencial cobre, pelo menos, aquelas posições de vantagem asseguradas pelas normas definidoras dos seguintes direitos: direito à saúde, direito à assistência social, direito à educação fundamental, bem como o direito de acesso à justiça.
Contudo, não chega a ser inusitado ver autores como KAZUO WATANABE a defender a amplicação desses rol a outros direitos, tais como os direitos à moradia, ao trabalho, ao salário mínimo, à proteção à maternidade e à infância.
STF: No AgRg no ARE 639.337\SP, a 2 Turma consignou: “A noção de ‘mínimo existencial’, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1, III, e art. 3, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar à pessoa acesso efetiva ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básico, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assitência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV)”.
Explique a teoria dos quatro status de JELLINEK.
Concebida pelo alemão GEORGE JELLINEK no final do século XIX, essa teoria defende que os indivíduos podem ver colocados sob quatro posições (status) perante o Estado:
1) status subjectionis ou passivo: os indivíduos encontram-se posicionados passivamente, i.e., em situação de mera sujeição ou subordinação aos deveres que lhe podem ser atribuídos pelo Estado;
2) status negativus ou negativo: o poder estatal não é ilimitado, de modo que as pessoas dipõem de certas liberdades em relação ao Estado, ou seja, são titulares de pretensões de resistência contra a intromissão de agentes estatais;
3) status civitatis ou positivo: os indivíduos podem estar em posição que lhes permita exigir prestações, a seu favor, a serem adimplidas pelo Estado;
4) status activus ou ativos: as pessoas detêm o poder de interferir ou influenciar na formação da vontade do Estado.
O que são direitos prestacionais originários e direitos prestacionais derivados?
Os direitos prestacionais originários (ou direitos originários a prestações) são aqueles que, extraídos de normas dotadas de aplicabilidade imediata, geram posições de vantagem garantidas juridicamente, mesmo quando não haja regulmanetação ou ainda que o Poder Público sequer tenha colocado o serviço à disposição dos particulares. São direitos fundamentais cuja incidência implica direitos subjetivos a seus titulares, o que lhes permite exigir judicial ou extrajudicialmente as devidas prestações do sujeito passivo de forma direita, ou seja, sem necessidade de aguardar providências ulteriores. Nesse sentido, o § 1º do art. 208 da Constituição estabelece que o “acesso ao ensino obrigatório é direito público subjetivo”, a viabilizar, por exemplo, determinações judiciais para que se matriculem crianças em escolas de ensino fundamental, a despeito da alegação de falta de vagas, sem prejuízo da responsabilização do Estado (§ 6º do art. 37, c\c § 2º do art. 208). Também são exemplos de direitos prestacionais originários: (a) o direito das crianças ao atendimento em creches e pré-escolas (inciso IV do art. 2018 da Constituição) - 2 Turma do STF, ArGr no RE 410.715\SP; (b) a gratuidade do transporte coletivo urbano às pessoas idosas (§ 2º do art. 230) - Plenário do STF, ADIn 3.768\DF; (c) a garantia de gratificação natalina a aposentados e pensionistas (§ 6º do art. 201) - 1º Turma do STF, RE 206.074\SP.
Já os direitos prestacionais derivados (ou direitos derivados a prestações) são os que “não se realizam, inteiramente, sem a prévia regulamentação, ou seja, sem a prévia existência de uma política, de um serviço e\ou de um rubrica orçamentária” (CLÉVE, 2006, p. 34). Nessa categoria inclui-se a maior parte dos direitos sociais, por dependerem de prévia providências legislativas e administrativas para se tornarem exigíveis e serem adimplidos. Daí que, à falta dessas providências, tais direitos não geram posições de vantagem qualificadas como direitos subjetivos, o que impede sejam exigidos judicialmente. São aqueles direitos a prestação cujos deveres correspondente estão diretamente sediados em normas infraconstitucionais, de acordo com as previsões ditadas pelo poder de conformação legislativa. Exemplo: os direitos sociais previstos no art. 6º, com exceção daquelas prestações que se considerem abrangidas pelo mínimo existencial.
STF: Além dos precedentes do STF indentificado no texto acima, cumpre transcrever parte da ementa do AgRg no RE 393.175\RS, pela qual a 2 Turma da Corte acabou por reconhecer o caráter originário do direito das pessoas carentes ao fornecimento gratuito de medicamentos considerados indispensáveis: “O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa consequência constitucional indissociável do direito à vida”.
A garantia do mínimo existencial está sujeita a limitações financeiras?
Para alguns, os direitos inerentes ao “mínimo existencial” configuram posições jurídica de vantagens absolutas e, portanto, insuscetíveis de quaisquer restrições, incluindo de natureza orçamentária. Todavia, ensina DANIEL SARMENTO, a “escassez é um fato e, se não existerem na sociedade os recursos necessários para a garantia de prestações ligadas ao mínimo existencial, simplesmente não haverá alquimia jurídica que possa contornar o limite, que não é imposto pelo Direito, mas pela própria realidade” (2016, p. 231).
Dessarte, não se pode reconhecer a absoluta prevalência do mínimo existencial em face da reserva do financeiramente possível. Contudo, sustenta o próprio DANIEL SARMENTO (2016, p. 232), “pode-se afirmar pelo menos a forte prioridade das prestações concernentes ao mínimo existencial em relação a todas as demais despesas estatais, suscetível inclusive de controle judicial”. […]
Ademais, as preocupações com a reserva do possível remetem a outro limitador do direito ao mínimo existencial: o princípio da igualdade. É que a disponibilidade de recursos econômicos não deve ser mensurada apenas a partir de contextos concretos ou individualizados. Sob pena de ferir o princípio da isonomia, o Estado não pode ser obrigado a prestar algo, em benefício de alguém, ainda que a título de garantir o mínimo existencial, caso também devesse e não pudesse suportar a mesma prestação em favor de todas as pessoas em semelhante situação de necessidade.
OBS: No concurso para Analista Judiciário do STF (2015, Cespe), foi considerada correta a afirmação segundo a qual “A garantia do mínimo existencial, que decorre da proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, restringe a invocação da reserva do possível como óbice à concretização do acesso aos direitos sociais”.
Quais são os limites judiciais referentes à definição dos rumos das política públicas quando se trata de assegurar o adimplemento dos direitos fundamentais à prestação?
Sobre o assunto, sustenta VIEIRA DE ANDRADE (2001, p. 386), “na maior parte dos casos, o juiz tem de aceitar o poder de conformação do legislador e só em casos excepcionais ou em aspectos limitados se poderá concluir pela violação, que terá de ser manifesta, das normas constitucionais.” Também para CANOTILHO (2008, p. 15-68), embora os tribunais não possam “ficar alheios à concretização das normas directoras da constituição social, também não deveriam impor “à metódica constitucional a criação de pressupostos de facto e de direitos claramente fora da sua competência ou extravasando os limites jurídicos-funcionais”. Daí, conclui CANOTILHO, os “tribunais não podem neutralizar a liberdade de conformação do legislador, mesmo num sentido regressivo, em épocas de escassez e de austeridade”. STF: No AgRg no RE 410.715\SP, a 2 Turma do STF decidiu que, embora “resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional”
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Direitos fundamentais concedem a seus titulares pretensões juridicamente tuteláveis pelo Judiciário e suficientemente legítimas para alterar a vinculação ou a alocação de recursos decidida pelo Legislador e pelo Executivo?
Para GONET BRANCO, em opinião compartilhada pela maioria de doutrina, na “medida em que a Constitução não oferece comando indeclinável para as opções de alocação de recursos, essas decisões devem ficar a cargo de órgão político, legitimado pela representação popular, competente para fixar as linhas mestras da política financeira e social”. […] Porém, ao tratar da escassez de recursos estatais e a necessidade de garantir o “mínimo existencial”, DANIEL SARMENTO lembra que o Estado “não poderá denegar prestações voltadas ao atendimento de necessidades básicas das pessoas, sob a invocação de ausência de recursos, se estiver realizando despesas supérfluas - obras de embelezamento, publicidade, promoção de festas e eventos etc.” (2016, p. 232).
Direitos fundamentais concedem a seus titulares pretensões juridicamente tuteláveis pelo Judiciário e suficientemente legítimas para alterar a vinculação ou a alocação de recursos decidida pelo Legislador e pelo Executivo?
Se a reserva do financeiramente possível pode ser entendida como princípio que se contrapõe à efetividade dos direitos a prestações materiais, a doutrina passou a construir raciocínios pelos quais esse princípio não é absoluto, nem serve de desculpa peremptória para desonerar o Estado do cumprimento, pelos menos das prestações compreendidas pelo direito ao mínimo existencial. Os fundamentos de uma e outra teoria já foram expostos anteriormente, o que dispensa novos detalhamentos.
Contudo, segundo lições de ALEXY, cabe enfatizar que:
(a) a dependência dos direitos sociais a questões orçamentárias não significa a ineficácia nem a inexistência desses direitos, senão apenas reforça a necessidade de juízos de ponderação que considerem, também, a reserva do financeiramente possível;
(b) a própria identificação dos direitos abrangido pelo mínimo existencial passa pela prévia ponderação de princípios e bens constitucionais colidentes, entre os quais se insere o problema do financeiramente possível;
(c) os direitos ligados ao mínimo existencial são aqueles que implicam deveres “definitivos” do Estado, contra os quais já não caberá invocar a reserva do possível, pois a ponderação terá revelado não existirem razões suficientemente fortes, tampouco aquelas de ordem orçamentária, que justifique a recusa em cumpri-los.
Virgílio Afonso da Silva sobre o mínimo existencial:
[…] Quando se analisou o suporte fático dos direitos sociais, o resultado foi um suporte nos seguintes moldes: se x é uma ação estatal que fomenta a realização de um direito social (DSx) e a inércia (ou insuficiência) estatal em relação a x não é fundamentalmente constitucional (¬FC(IEx)), então, a consequência jurídica deve ser o dever de realizar x (Ox). O conteúdo essencial de um direito social, portanto, está intimamente ligado, a partir da teoria relativa, a um complexo de fundamentações necessárias para a justificação de eventuais não-realizações desse direito. Em outras palavras: tanto quanto qualquer outro direito, um direito social também deve ser realizado na maior medida possível, diante das condições fáticas e jurídicas presentes. O conteúdo essencial, portanto, é aquilo realizável nessas condições. Recursos a conceitos como “mínimo existencial” ou a “reserva do possível” só fazem sentido diante desse arcabouço teórico. Ou seja, o mínimo existencial é aquilo que é possível realizar diante das condições fáticas e jurídica, que, por sua vez, expressam a noção, utilizadas às vezes de forma extremamente vaga, de reserva do possível. (p. 205)
Em que consiste a assim chamada metodologia fuzzy e qual sua relação com a aplicação dos direitos fundamentais?
As ciências sociais são frequentemente criticadas por utilizarem metodologia “fuzzy” - métodos confusos, indeterminados e vagos - para tratar dos respectivos objetos de estudo. E, no âmbito da ciência jurídica, é sobretudo a teoria dos direitos fundamentais que recebe mais críticas dessa ordem. Segundo CANOTILHO (2004, p. 100), “paira sobre a dogmática e teoria jurídica dos direitos econômicos, sociais e culturais a carga metodológica da ‘vaguidez’, ‘indeterminação” e “impressionismo” que a teoria da ciência vem apelidando, em termos caricaturais, sob a designação de ‘fuzzysmo’ ou ‘metodologia fuzzy’.” Ainda para CANOTILHO, ao “falarem de direitos económicos, sociais e culturais os juristas não sabem muitas vezes do que estão a falar” (2004, p. 124). Daí por que os constitucionalistas haveriam de “ter consciência dos seus limites e reconhecer com humildade que a constituição já não é o lugar do superdiscurso social” (2004, p. 125). De fato, embora admita as sérias dificuldades que envolvem a efetivação dos direitos a prestação, a doutrina jurídica não aponta soluções claras à questão. Em geral, não aceita mais o caráter “meramente” programático das normas definidoras de direitos a prestações, porém tampouco reconhece que delas surjam direitos subjetivos plenamente exigíveis em face do Estado. Fica-se, então, num desconfortável meio-termo, entre o caráter jurídico-vinculante das normas de direitos fundamentais a prestação e os obstáculos que lhe são contraposto, como a reserva do financeiramente possível e a liberdade de conformação legislativa do conteúdo desses direitos fundamentais. […] Infelizmente, parece que o atual estágio da teoria dos direitos fundamentais não conseguiu ainda afastar por completo essa metodologia fuzzy. Decerto porque não se trata de problema somente jurídico, mas que envolve a ciência política e, sobretudo, a economia. […] Uma das mais bem-sucedidas tentativas de estruturar um método “coerente” a respeito dos direitos fundamentais é aquela elaborada por ALEXY, no clássico Teoria dos Direitos Fundamentais. Nada obstante, mesmo uma teoria muito bem elaborada, como a de ALEXY, parece não fugir do camaleão normativo identificado por CANOTILHO, pois tampouco deixa de padecer daquela “confusão entre conteúdo de um direito juridicamente definido e determinado e sugestão de conteúdo sujeita a modelações político-jurídicas cambiantes” (2004, p. 101).
Cite hipóteses em que o STF seguiu uma linha menos garantista e não interpretou a presunção de inocência como uma regra, mas como um princípio.
[…] o STF decidiu:
(b. 1) no RE 568.030\RN, embora não houvesse sequer sentença condenatório de 1 grau, reputou-se sem capacitação moral, para o exercício da atividade policial, pessoa submetida ao cumprimento das exigências decorrentes da suspensão condicional do processo (Lei 9.099\95, art. 89);
(b. 2) que não atenta contra “a garantia constitucional da chamada presunção de inocência o afastamento do cargo de magistrado contra o qual é recebida denúncia ou queira”, por se tratar de medida “aconselhável de resguardo ao prestígio do cargo e à própria respeitabilidade do juiz” (Inq. 2.424\DF);
(b. 3) inexistitr violação do “princípio da presunção da inocência (CF\1988, art. 5, LVII) no fato de a lei não permitir a inclusão de oficial militar no quadro de acesso à promoção em razão de denúncia em proceso criminal” (AgRg no RE 459.320\PI);
(b. 4) pela constitucionalidade da Lei 9.840\99, na parte em que modificara a Lei 9.504\97, abrindo possibilidade de execução imediata da decisão judicial que cancela registro ou diploma de candidato condenado por captação ilícita de sufrágio (“compra de votos”), independentemente do trânsito em julgado (ADIn 3.592\DF e MS 25.458\DF); (b.5) pela validade da chamada “Lei da Ficha Limpa” (LC 135\2010, que alterou a LC 64\90), na parte em que torna inelegíveis, em determinadas hipóteses, pessoas condenadas por órgãos judiciais colegiados, independentemente do trânsito em julgado (Plenário, ADC 29\DF, ADC 30\DF e ADIn 4.578\DF).
É cabível ação penal privada subsidiária da pública em crime cometido contra a administração pública?
[…] conforme a doutrina processual, a ação privada subsidiária da pública só pode ser intentada pela vítima ou por seu representante legal. Todavia, numa interpretação sistemática, é possível defender que todos cidadão tenha legitimidade para propor ação penal privada subsidiária nas hipóteses de crime cuja vítima seja o Estado (ou entidade de que este participe), sempre que atingidos os bens protegidos pelo inciso LXIII do art. 5 da CF. Nesse sentido, o TSE já admitiu ação penal privada subsidiária da pública, em matéria de crime eleitoral, a despeito da ausência da condição de “vítima” do querelante, por considerar que o tema é de interesse público (REsp 21.295\SP).
INTERNET:
Seguindo a ordem, quanto à superposição do Procurador Geral da República ao Procurador Geral de Justiça do Estado no Decreto – Lei 201/67, há evidente problema de não recepção constitucional, uma vez que se leva a efeito uma alteração de atribuição não prevista constitucionalmente, provocando uma verdadeira mixórdia entre as esferas estadual e federal. Mas, sendo assim, como fazer em caso de inércia do Procurador Geral de Justiça do Estado? A única solução aparentemente viável seria o emprego da ação penal privada subsidiária da pública. O problema dessa aparente solução é que os crimes previstos no artigo 1º., I a XXIII, do Decreto – Lei 201/67 são invariavelmente “vagos”, ou seja, não possuem ofendido determinado. Aí surge a questão: quem seria legitimado a ingressar com a ação penal privada subsidiária? A resposta é ninguém. Lima trata dessa dificuldade originada pelos crimes vagos no que tange à titularidade da ação penal privada subsidiária:
“Apesar de a Constituição Federal e o Código de Processo Penal não disporem expressamente acerca do assunto, só se pode falar em ação penal privada subsidiária da pública se a infração penal contar com um ofendido. Como observa Feitoza, ‘sujeito passivo eventual, ofendido ou sujeito passivo material é o titular do bem jurídico protegido penalmente, ou seja, o titular do bem jurídico lesado ou posto em perigo pela conduta típica, por exemplo, a pessoa humana (arts. 121, 129 etc., do CP), a pessoa jurídica (art. 171, § 2º., V, CP), próprio Estado (crimes contra a administração pública) ou uma coletividade destituída de personalidade jurídica (arts. 209, 210 etc. Do CP – crimes contra o respeito aos mortos). Nem toda infração penal tem a figura do ofendido e, portanto, não há ação penal privada subsidiária da pública, como é, de modo geral, o caso dos crimes de drogas ou entorpecentes’”. De fato, nem todo crime possui um ofendido determinado. Basta pensar nos chamados crimes de perigo (v. G., porte ilegal de arma de fogo). Se o delito não possui uma vítima determinada, não haveria pessoa física ou jurídica que pudesse oferecer a respectiva queixa – crime subsidiária”.
Sobre o sigilo de dados, aponte as correntes que tratam do tema, a posição da jurisprudência e as normas editadas pelo legislador.
Sobre a concorrência da proteção proporcionada pelo incisos X e XII do art. 5 da Constituição, alinham-se três posições básicas:
1) teoria da proteção ampla: o sigilo de dados está assegurado genericamente no inciso X e também, mais especificamente, no inciso XII do art. 5, que protege não só a comunicação de dados, como também os dados sigilosos em si, incluindos os bancários e fiscais. É a posição majoritária da doutrina. Posicionamento acolhido pelo Plenário do STF quanto aos dados bancários (RE 389.808\PR, entendimento hoje superado) e aos dados sigilosos constantes em processos judiciais (Rcl 9.428\DF). Com exceção dos dados cadastrais (referentes à qualificação pessoal, filiação e endereço), foi a teoria adotada pelo legislador acerca das informações sigilosas armazenadas pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas administradoras de cartão de crédito (ver art. 17-B da Lei 9.613\98, incluído pela Lei 12.683\2012, e art. 15 da Lei 12.850\2013).
2) teoria da proteção restrita: conforma vários precedentes do STF, o sigilo de dados só está protegido pelo inciso X, pois o inciso XII só se refere ao sigilo de comunicação\transparência de dados (fluxo de informações), e não aos dados propriamente ditos (resultado do fluxo das informações). Trata-se de posição doutrinária minoritária, mas dominante no STF (Plenário: RE 418.416\SC, QO na Pet 577\DF e ADIn 2.407\SC; 2 Turma: RE 219.780\PE). É também a teoria que torna desnecessária a observância da reserva absoluta da jurisdição em matéria de obtenção de dados telefônicos, bancários e fiscais por parte das CPIs (por todos, v. MS 23.652\DF, Plenário do STF). Adotada pelo TRFs da 1 e 4 Regiões, o que ao Ministério Público obter (sic), diretamente, dados telefônicos de pessoas sob investigação, sem confundir o assunto com a cláusula do inciso XII do art. 5. Teoria reafirmada pelo Plenário do STF, em 24-2-2016, no julgamento do RE 601.314 (com repercussão geral) e da ADIn 2.390\DF.
3) teoria intermediária: parte da doutrina defende que o inciso XII protege as comunicações pessoais, incluindo os dados delas resultantes. Porém, os “dados constantes dos arquivos pessoais ou privados (“não transmitidos”)”, a exemplo dos dados fiscais, bancários e telefônicos, só contam com proteção genérica do inciso X do art. 5 (NOVELINO, 2009, p. 400-404).
Atenção: (a) Com relação aos dados sigilosos armazenados pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito, o legislador adotou a teoria da proteção restrita, em matéria de dados cadastrais (qualificação pessoal, filiação e endereço), mas adotou a teoria da proteção ampla, quanto às demais informações sigilosas mantidas por tais entidades. Ver o art. 17-A da Lei 9.613\98, incluído pela Lei 12.683\2012, bem como art. 15 da Lei 12.850\2013.
(b) Quanto aos dados telefônicos em si, o art. 17 da Lei 12.850\2013 passa a impressão de que se trata de informações disponíveis também aos delegados de polícia e ao Ministério Público. Porém, o próprio dispositivo remete ao art. 15 da mesma lei, que torna imprescindível autorização judicial para acessá-los. Nada obstante, o § 4º do art. 13-B do CPP, com redação da Lei 13.344\2016, permite que delegados de polícia e órgãos do Ministério Público possam obter, diretamente das empresas concessionárias, dados telefônicos ou telemático (sinais, informações e outros) que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos de crimes relacionados ao tráfico de pessoas. Contudo, essa previsão legal de acesso direito pressupõe prévio pedido à autoridade judicial, cuja resposta não tenha sido providenciada em até 12 horas.
(c) Com relação aos bancos de dados de reservas e registros de viagens arquivados em empresas de transporte, o legislador adotou a teoria da proteção restrita: tais informações podem ser diretamente acessadas, sem autorização judicial, pelo Ministério Público ou por delegados de polícia (art. 16 da Lei 12.850\2013).
CPI tem poder para quebrar sigilo de correspondência?
Embora o sigilo de correspondência tenha sido tratado de maneira aparentemente inexpugnável pelo inciso XII do art. 5, é possível relativizá-lo, mediante autorização judicial, pois o sistema constitucional não admite direitos fundamentais de natureza absoluta. […] Nesse sentido, após entender que o sigilo epistolar “não pode constituir instrumento de salvaguarda de prática ilícitas’, o STF já admitiu até que a administração penitenciária procedesse a interceptação de correspondências, sem autorização judicial, com base no art. 41 da LEP (HC 70.814\SP). Também quanto aos correios eletrônicos, o STJ já entendeu possível a interceptação, desde que autorizada judicialmente (HC 315.220\RS, 6 Turma). Via de regra, portanto, a quebra e a transferência do sigilo de correspondências, incluindos as eletrônicas, pressupõem ordem judicial devidamente fundamentada. Nem mesmo as CPIs dispõem de competência para decretar a quebra desse sigilo, pois o assunto se enquadra no círculo da intimidade, o que exige reserva absoluta de jurisdição. A violação não permitida do sigilo de correspondências implica crime tipificado nos artigos 151 e 152 do CP. (p. 87)
OBSERVAÇÃO: a proteção é só do fluxo de correspondências em geral. Assim, quanto a cartas e correspondências ainda não postadas, incluindo aquelas já recebidas pelo destinatário, não se aplica o sigilo específico do inciso XII. Incidirá ou o sigilo garantido pelo direito à intimidade (art. 5, XI), cujo âmbito de proteção é menor; ou então o sigilo do art. 5, XI, se estiverem guardadas em local protegido pela inviolabilidade do domicílio, caso em que necessária ordem judicial para busca e apreensão.
Como se define a competência para o MS no caso de atos complexos?
Considera-se autoridade coatora aquela que intervém para o aperfeiçoamente final do ato. Esse é o fundamento da Súmula 627 do STF, segundo a qual, no MS contra a nomeação de magistrado atribuída ao Presidente da República, este é considerado autoridade coatora, ainda que a impetração ataque nulidade ocorrida em fase anterior do procedimento.
Cabe MS para controlar a constitucionalidade de atos do Poder Público?
SIM. “[…] o MS pode ser utilizado não somente para questionar a ‘ilegalidade’, como também para controlar a constitucionalidade de atos do Poder Público”.
A interposição de recurso administrativo impede a fluência do prazo decadencial do MS?
Conforme legislação que regulamento o writ, o direito de requerer MS sujeita-se ao prazo decadencial de 120 dias, contados a partir “da ciência, pelo interessado, do ato impugnado” (art. 23 da Lei 12.016\2009).
[…] Contudo, a contagem dos 120 dias só se inicia a partir do momento em que o interessado tiver como saber que o ato é capaz de lhe gerar lesão. Por tal motivo, considera-se que a interposição de recurso administrativo com efeito suspensivo impede o início da contagem do prazo de decadência.
OBS: o Plenário do STF já considerou tempestiva a impetração ocorrida dentro dos 120 dias, porém perante juízo incompetente, a despeito da data de remessa dos autos ao juízo competente (MS 21.325\DF).
No MS coletivo, pode associação defender interesses de apenas parte dos associados?
Sim. É o teor do Súmula 630 do STF. (“A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria.”)
Obs: Há acórdão a entender pela ilegitimidade ativa do substituto processual a patrocinar a defesa de somente parte dos interesses dos membros ou associados, quando em colisão com os interesses de outra parte destes (v. ROMS 23.868\ES, 6 Turma do STJ).
A prova emprestada pode ser recebida no processo com a mesma “natureza” que possuía no processo anterior?
[…] embora se admita o empréstimo de prova antes produzida em ação a envolver partes distintas, a prova daí emprestada será sempre do tipo documental. Ela só manterá sua “natureza originária” quando houver coincidência de partes em ambos os processos (JOSÉ MIGUEL G. MEDINA). Assim, por exemplo, em outra ação na qual litigam partes diversas, uma perícia anteriormente produzida poderá servir como prova emprestada, mas com valor de simples documento (prova documental), e não com aquele de sua natureza originária (prova técnica).
É cabível a impetração de MI para regulamentação de norma programática?
Um dos requisitos do MI é a “existência de norma constitucional que, desprovida de aplicabilidade imediata, consagre direitos, liberdades e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.
“O parâmetro de controle utilizado pelo MI acaba reduzido às normas constitucionais de princípio institutivo, de aplicabilidade mediata e eficácia limitada, mas somente quando ‘impositivas’, e não apenas ‘facultativas’. Isso porque, tratando-se de normas constitucionais de aplicabilidade imediata e eficácia plena ou mesmo contida, não há utilidade no MI, pois já são juridicamente efetivos os direitos, as liberdades e as prerrogativas por elas assegurados. E se a norma constitucional for de aplicabilidade mediata e de eficácia limitada, mas programática, tampouco caberá MI. Como ensina JORGE HAGE (1999, p. 226), normas desse naipe “não conferem direito, e não dependem, portanto, apenas de regulamentação”. (p. 299)
A edição da norma cujo suprimento da falta era busca em MI prejudica esse remédio constitucional?
[…] nos MIs 943\DF, 1.010\DF, 1.074\DF e 1.090\DF, decidira o STF que, durante a tramitação do writ (i.e., no curso da ação, mesmo que após iniciado o julgamento, ou na fase de execução do julgado), a eventual edição da legislação reclamada não impedia a apreciação do mérito da causa, que deveria ser decidida mediante a aplicação, ao caso concreto, dos parâmetros normativos retirados da legislação superveniente. Para o STF, como as normas aprovadas no curso do processo não surtem efeitos retroativos, não havia que se falar em perda do objeto do MI, já que subsistiria interesse de agir quanto ao período anterior.
Contudo, esse último entendimento também parece comprometido diante da recente regulamentação do instituto. Nos termos do art. 11, parágrafo único, da Lei 13.300\2016, considera-se prejudicado o MI caso a norma regulamentadora seja editada antes da decisão final. Hipótese em que o processo deverá ser extinto, sem resolução do mérito, independentemente da questão relativa ao período anterior à edição da norma.
“Efetivada a integração normativa necessária ao exercício da disciplinação normativa, exaure-se a função jurídico-constitucional para a qual foi concebido (e instituído) o remédio constitucional do mandado de injunção” (ED no MI 1.194\DF).
Com relação à finalidade do MI, cite e explique as teorias existente.
a) Corrente não concretista: defendida por autores como FERREIRA FILHO e HELY LOPE MEIRELLES, sustenta que o Judiciário não pode invadir a competência institucional dos demais Poderes para suprir a omissão inconstitucional, nem sequer para editar uma norma individual que viabilizasse o exercício concreto de direitos, liberdades ou prerrogativas comprometidos pela inércia estatal. Em observância ao princípio da separação dos Poderes, a concessão do MI deve limitar-se ao reconhecimento da omissão inconstitucional, seguido da simples comunicação, aos órgãos responsáveis, para que corrijam o problema, a exemplo da sistemática da queixa constitucional alemã.
b) Corrente concretista: adotada pela doutrina majoritária, advoga que o MI é uma ação do tipo “mandamental”. Assim, após o reconhecimento da inconstitucionalidade omissiva do Poder Público, o Judiciário deve conceder a ordem da injunção e, então, “concretizar” (i.e., editar ou pelo menos identificar) a norma a ser aplicada a fim de viabilizar o exercício dos direitos, liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Essa corrente concretista comporta outras duas subdivisões. Em relação à necessidade de concessão prévia de prazo para que o órgão ou autoridade omisso resolva o problema, há duas posições:
b.1) posição concretista indireta: ao reconhecer a omissão inconstitucional, o Judiciário concederá ao órgão ou autoridade impetrados prazo para regulamentar a norma constitucional e, somente se persistir a inércia, após o decurso desse prazo, é que a norma será concretizada judicialmente;
b.2) posição concretisa direta: ao julgar procedente o pedido do MI, o Judiciário já pode concretizar a norma, diretamente, sem necessidade de assinalar prazos prévios ou aguardar que o órgão\autoridade inadimplente se disponha a corrigir a omissão inconstitucional.
Pour outro lado, em relação à eficácia da decisão judicial que concretiza a norma a viabilizar o exercício de direitos, liberdades ou prerrogativas, a corrente concretista bifurca-se em:
b.1) posição concretista geral (erga omnes): a decisão concessiva do mandado de injunção surte efeitos erga omnes, de modo que a concretização judicial da norma a viabilizar o exercício de direitos, liberdades ou prerrogativas valerá (genérica e abstratamente) para todos os que se incluírem na mesma situação decidida, até que a omissão inconstitucional seja corrigida pelo órgão ou autoridade competente para editar a normatização exigida pelo constituinte;
b.2) posição concretista individual (inter partes): a decisão a conceder MI concretiza a norma regulamentar aplicável ao caso, mas surte efeitos apenas inter partes - i.e., restritos à relação jurídica examinada em concreto. Nessa linha, o MI visa a “realizar concretamente, em favor do impetrante, o direito, a liberdade ou a prerrogativa”; porém, não serve para “obter a reulamentação prevista na norma constitucional”, pois “ não é sucedâneo da ação de inconstitucionalidade por omissão” (JOSÉ AFONSO DA SILVA, 1990, p. 399).
C) Corrente alternativa: uma vez reconhecido o “estado de mora constitucional”, a sentença concessiva do mandado de injunção não obriga o Poder Público a suprir a omissão, nem invade a competência institucional dos demais órgãos estatais. Contudo, serve para afastar a necessidade de aguardar a norma regulamentadora, propriciando a superação concreta da omissão, ainda que por meio de medidas compensatórias em favor do impetrante. Assim, conquanto a decisão judicial não supra a omissão inconstitucional, ela remove os obstáculos decorrentes da exigência da regulamentação como pressuposto para o gozo do direito, da liberdade ou da prerrogativa constitucional, abrindo a possibilidade, ainda que pelas vias processuais ordinárias, seja da preservação, seja da reparação dos direitos subjetivos cujo exercício estava antes inviaiblizado pela inércia do Poder Público.
Essa também a corrente apontada como alternativa por certo adeptos de corrente concretista. Para CELSO AGRÍCOLA BARBI, por exemplo, o Judiciário deve “criar” uma norma especial para o caso concreto “ou adotar uma medida capaz de proteger o direito do autor da demanda” (1990, p. 391).
OBS: o STF já adotou a corrente alternativa. “[…] no MI 232\RJ, ultrapassado o prazo previsto no art. 59 do ADCT para regulamentação da imunidade de que trata o pár. 7 do art. 195 da CF, o Plenário da Corte, além de declarar o “estado de mora” do Congresso Nacional, assinalou o prazo de seis meses para que a norma constitucional fosse regulamentada, “sob pena de, vencido esse prazo”, “passar o requerente a gozar da imunidade requerida”. Também em caso de mora qualificada, o Pleno do STF fixou prazo para regulamentação de dispositivo constitucional (art. 8, pár. 3, do ADCT) e ainda decidiu que, não observado tal prazo, ficava assegurada ao impetrante “a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença líquida de condenação à reparação constitucional decida, pelas perdas e danos que se arbitrarem” (MI 283\DF). Ademais, em outro MI fundamentado no mesmo dispositivo, o STF deferiu parcialmente o pedido e assegurou ao impetrante o direito à imediata ação de liquidação do valor prometido pela norma não regulamentada, independentemente de sentença condenatória (MI 543\DF, Plenário).
Qual a posição adotada pela Lei 13.300\2016 quanto à eficácia do Mandado de Injunção?
Com a regulamentação feita pela Lei 13.300\2016, o legislador adotou múltiplas correntes quanto à vocação processual do MI.
Nada obstante, a concessão do MI, via de regra, surte efeitos apenas inter partes. Pelo art. 9, a “decisão terá eficácia subjetiva limitada às partes”. Ademais, conforme o artigo 8, reconhecido o “estado de mora legislativa”, o deferimento da injunção deverá “determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora” (inciso I).
Assim, regra geral, a legislação adotou a corrente concretista intermediária individual. É dizer: embora o Judiciário possa concretizar a norma aplicável inter partes, só poderá fazê-lo depois de esgotado o prazo inicialmente fixado para que o órgão ou a autoridade impetrada possam suprir a omissão inconstitucional. Mas o legislador previu algumas exceções à regra geral.
Com efeito, a Lei 13.300\2016 permite dispensar a fixação prévia de prazo ao órgão inadimplente, caso fique comprovado que a fixação de prazo semelhante, em impetração anterior, não tenha sido atendida (parágrafo único do art. 8). Trata-se, portanto, de previsão da corrente concretista direta.
[…] Por outro lado, o art. 9 da Lei 13.300\2016 permite que a concessão do mandado de injunção tenha efeitos ultra partes ou erga omnes, “quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração” (pár. 1 do art. 9). Nessas hipóteses, a opção legislativa é, claramente, a corrente concretista geral.
Ademais, a lei prevê que o deferimento da injunlção consistirá, “se for o caso”, no estabelecimento das “condições em que poderá o interessado promover ação própria” para exercer os direitos, as liberdades ou as prerrogativas reclamados (inciso II do art. 8). Logo se vê, cuida-se de técnica decisória da chamada corrente alternativa.
Assim, mesmo que excepcionalmente, a lei permite decisões típicas das correntes concretista direta e concretista geral, e até da denominada corrente alternativa.
É possível estabelecer-se, por via judicial, restrições a priori à liberdade de imprensa?
[…] nos casos de colisão com outros diretos fundamentais, sobretudo com aqueles previstos no § 1º do art. 220, o problema diz com a possibilidade e o momento em que se podem estabelecer outras restrições à liberdade de impensa. Há, basicamente, duas teorias a respeito:
1) teoria da ponderação simples: na hipótese de colisão com os direitos ressalvados pelo § 1º do art. 220, e desde que atendidas diretrizes ligadas ao princípio da proporcionalidade, a liberdade de imprensa poderá sofrer restrições em casos concretos, incluindo a eventual proibição de publicações consideradas abusivas;
2) teoria da relativização somente “a posteriori”: a liberdade de imprensa e a livre circulação de ideias não podem ser restringidas a priori, nem mesmo pelo Judiciário, mas isso não impede a aplicação, a posteriori, de medidas contra os excessos cometidos, tais como a garantia do direito de resposta e a responsabilização civil e penal. […]
Por sua vez, a legislação civil optou, explicitamente, pela teoria da ponderação simples. O artigo 20 do CC admite a proibição da própria “divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa” - salvo se autorizadas ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. E o artigo seguinte do mesmo CC prevê que o juiz, “a requerimento do interessado”, poderá adotar as providências necessárias também para impedir - e não só para fazer cessar - atos contrários à inviolabilidade da vida privada da pessoa natural.
Na mesma linha, mais recentemente, em adesão à teoria da ponderação simples, a legislação processual civil previu o cabimento de medida cautelar, em ação civil pública, para evitar dano “à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos” (Art. 5 da Lei 7.347\85, com redação da Lei 13.004\2014). De outro lado, a legislação eleitoral adota a teoria da relativização somente “a posteriori”. Basta notar a Lei 9.504\97, que terminantemente veda a censura prévia “sobre o teor dos programas a serem exibidos na televisão, no rádio ou na Internet” (art. 41, § 2º), bem como “cortes instantâneos ou qualquer tipo de censra prévia nos programas eleitorais gratuitos” (art. 53, caput).
[…] Pois bem. A despeito dessa indefinição legislativa, parece mais correta a linha adotada pelo Ministro BARROSO em decisão monocrática tomada na RclMC 18.638\CE (j. em 14-9-2014). Para ele, embora a liberdade de expressão possua natureza preferencial (i.e., deve preponderar na maior parte dos casos), não se pode excluir, ainda que em termos absolutamente excepecionais, a possibilidade “da proibição prévia de publicações, reservando-se essa medida aos raros casos em que não seja possível a composição posterior do dano que eventualmente seja causado aos direitos da personalidade”.
Contudo, na ementa da ADInMC 4.451\DF, em que se discutia dispositivo da legislação eleitoral que proibia emissoras de rádio e televisão de veicularem programas que degradassem ou ridicularizassem candidato, partido ou coligação (Art. 45, II, da Lei 9.504\97), o Min. AYRES BRITTO voltou a consignar, em obiter dicta, que a “crítica jornalística em geral, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura”. Ademais, na ADIN 4.815 (j. em 16-10-2015), em que se questionava a necessidade de prévia autorização para publicar obras biográficas, o Plenário do STF deu interpretação conforme a constituição aos artigos 20 e 21 do Código Civil e declarou inexigível o consentimento de pessoa biografada. Nesse precedente, conquanto a questão não versasse proppriamente sobre a liberdade de imprensa, e sim o direito genérico à liberdade de expressão e manifestação do pensamento, prevaleceu a teoria da relativização somente “a posteriori”. Entendeu a Corte que qualquer interveção jurisdicional, em relação a eventuais abusos cometidos pelo autor da biografia no exercício da liberdade de expressão, terá de incidir após a publicação da obra.
Esse o quadro, a despeito da legislação e dos precedentes importantes em sentido contrário, a tendência atual da jurisprudência do STF parece aderir à ideia segundo a qual a liberdade de expressão só pode ser restringida a posteriori, sobretudo no que diz respeito aos órgão de comunicação social.
DIZER DIREITO 2018: Rcl 223328\RJ, Rel. Min. Barroso (Info 893). “[…] prefência por sanções a posteriori, que não envolvam a proibição prévia da divulgação: o uso abusivo da liberdade de expressão pode ser reparado por mecanismos diversos, que incluem a retificação, a retratação, o direito de resposta, a responsabilização civil ou penal e a proibição da divulgação. Somente em hipóteses extremas se deverá utilizar a última possibilidade. Nas questões envolvendo honra e imagem, por exemplo. como regra geral será possível obter reparação satisfatória após a divulgação, pelo desmentido - por retificação, retratação ou direito de resposta - e por eventual reparação do dano, quando seja o caso”.
A legitimação para propositura de ação popular é ordinária ou extraordinária?
[…] a natureza da legitimidade ativa para a ação popular é bastante peculiar. Para autores como JOSÉ AFONSO DA SILVA e RODOLFO MANCUSO, na que parece ser a doutrina majoritária, cuida-se de legitimidade ordinária. O cidadão age na defesa dos próprios direitos políticos de participação que a Constituição lhe reconhece no rol dos direitos fundamentais. Nesse sentido, embora o sucesso da ação beneficie outras pessoas por via reflexa, o autor da ação popular apenas exerce “sua quota-parte no direito geral a uma administração proba e eficaz” (MANCUSO, 1993, p. 109).
Contudo, para o Plenário do STF (Rcl 424\RJ), na linha da doutrina de FREDERICO MARQUES e de SEABRA FAGUNDES, trata-se de legitimidade extraordinária. Não há negar que o cidadão age, processualmente, em nome próprio, a partir dos direito políticos que a Constituição lhe atribui. Porém, ele o faz na defesa de pretensões materiais de outrem (i.e., da União, Estados, DF, Municípios ou respectivas autarquias). Afinal, a própria pessoa jurídicade direito público lesada poderia defender judicialmente a mesma pretensão, em nome próprio, ou até proceder à anulação administrativa do ato questionado. Logo, a legitimação do cidadão se dá em nome próprio, “mas na defesa do patrimônio público: caso singular de substituição processual”. No mesmo sentido. ED no MS 25.743\DF, da 1 Turma.
O discurso de ódio é crime no Brasil?
No Brasil, a despeito de o constituinte não haver reproduzido preceito da Constituição anterior segundo o qual a liberdade de manifestação de pensamento não tolerava “preconceitos de religião, raça ou de classe” (quarta parte do § 8º do art. 153), prevalece a tese de que os discursos de ódio não contam com a proteção jurídica. A Constituição repudia o racismo expressamente (art. 4, VIII; e inciso XLII do art. 5) e há normas infraconstitucionais que penalizam os atos de indução, incitação, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (A lei 7.716\89 proíbe não só qualquer publicação de discursos de ódio, inclusive pelos meios de comunicação social como a própria fabricação, comercialização, distribuição ou veiculação de símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo (Art. 20, § 1º). […] No Plenário do STF, em precedente a discutir o caráter criminoso de publicação literária preconceituosa e antissemita, venceu a posição pela antijuridicidade dos discursos de ódio. Para a Corte, o “preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra”. Considerou-se que a “edição e publicação de obras escritas veiculando idéias anti-semitas” eram equivalentes “à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas consequências históricas dos atos em que se baseiam” (HC 82.424\RS, caso ELLwanger).
Em que hipóteses admite-se a impetração de HC contra punições disciplinares militares?
Em razão de norma constitucional expressa (art. 142, § 2º), não cabe habeas corpus contra punições disciplinares militares.
Atenção:
Com apoio em doutrinadores como PONTES DE MIRANDA, a jurisprudência tem atenuado essa restrição, de modo a admitir habeas corpus quanto aos aspectos formais da decisão punitiva, quais sejam: (a) hierarquia; (b) poder disciplinar da autoridade; (c) relação de causalidade entre o fato e função; e (d) pena abstratamente aplicável.
Cite hipóteses em que, excepcionalmente, o controle repressivo de constitucionalidade não é feito pelo Judiciário.
1) sustação parlamentar do ato normativo do Executivo que exorbite do poder que lhe fora delegado (Art. 49, inciso V);
2) rejeição parlamentar de medida provisória baixada pelo Presidente da República (art. 62, § 5º);
3) controle legislativo dos pressupostos constitucionais dos decretos de intervenção federal (Constitução, art. 36, § 1º), do estado de defesa (Constituição, art. 136, § § 4º a 7º), bem como a sustação do estado de sítio (Constituição, art. 49, IV);
4) controle de constitucionalidade em concreto, por parte dos tribunais de contas, no estrito exercício de suas funções técnicas (Súmula 347\STF).
OBSERVAÇÃO: Boa parte da doutrina sustenta ser outra exceção o caso, também previsto no inciso V do art. 49, do decreto legislativo que susta ato normativo do Executivo exorbitante do poder regulamentar. Todavia, não se trata de autêntico controle de constitucionalidade, pois tal sustação se limita ao reconhecimento da ilegalidade do regulamento.
Se o ato secundário exorbitar do conteúdo do ato normativo primário que deveria simplesmente regulamentar, poderá ele ser alvo de ADIn?
[…] a despeito de o constituinte não diferenciar as duas figuras, o STF separa a inconstitucionalidade direta da inconstitucionalidade indireta. Assim, nada obstante incluírem-se os atos normativos secundário na acepção genérica de “ato normativo”, o STF não admite ADIn ou ADC para questioná-los, ainda que possam exorbitar do conteúdo do ato normativo primário a que deveriam simplesmente regulamentar.
Observação: Conforme já entendeu o STF, podem ser impugnados, por via das ações direta, os atos normativos infralegais (portanto, formalmente secundários) que integram o próprio conteúdo material da lei que os prevê e\ou os mandou editar, para complementar-lhe os comandos legais. Esse o caso das portarias editadas em cumprimento à lei que delega, ao Ministério da Fazenda, a fixação de alíquotas de tributos. Nessa hipótese, a se impugnar a lei, cabe igualmente atacar o ato infralegal, sem que se aplique a tese da inconstitucionalidade indireta.
Qual o quórum necessário para modular-se os efeitos de declaração de inconstitucionalidade emitida em controle difuso?
Assunto novo e ainda bastante controvertido.
1) Maiorida de 2\3 (por analogia à Lei 9.868\99) - Decisão do Plenário do STF: nas modulações decididas no julgamento de recursos extraordinário de repercussão geral.
2) Maioria absoluta (cláusula de reserva de plenário) - decisão do plenário ou da corte especial dos tribunais em geral (incluindo o STF): nas hipóteses de modulações decidida no próprio processo em que declarada a inconstitucionalidade (originária).
3) Maioria simples - De quaisquer órgão de tribunais em geral: nas hipóteses de modulação decidida em processo diverso daquele em que declarada a inconstitucionalidade (modulação derivada).
Admite-se o controle abstrato de constitucionalidade de política públicas no Brasil?
É preciso distinguir a política pública das normas e atos que ela acaba por englobar como componentes ou instrumentos de ação comuns. Nesse sentido, sustentou COMPARATO, as políticas públicas equivalem a uma “atividade, isto é, um conjunto organizado de normas e ato tendentes à realização de um objetivo determinado” (1997, p. 18). Daí, os atos, decisões ou normas que integram uma mesma política pública devem ser considerados isoladamente, embora possam ser vistos de maneira unificada, à luz da finalidade do programa político a que simultaneamente pertencem.
Assim, o juízo de validade de uma política pública não se confunde com o das normas e atos que dela fazem parte. É possível, v.g., que lei editada para cumprir determinada política pública possa ser considerada inconstitucional, sem que esta também o seja, assim como se reputar inconstitucional certa política pública, a despeito da validade isolada dos atos e normas a partir dos quais foi concebida.
Por tais razões, como a constitucionalidade de uma política pública independe da constitucionalidade dos atos e normas respectivos, não seria possível o controle judicial abstrato de constitucionalidade das políticas públicas em si, pois a atual configuração da Constituição brasileira só permite fiscalizar os atos normativos que fazem parte de determinada política pública, e não esta propriamente.
[…]
No STF, porém, nota-se a clara tendência pela admissão do controle de constitucionalidade das políticas públicas. Nesse sentido, em decisão monocrática proferida em ação do controle abstrato de constitucionalidade (ADPF 45\DF), o Min. CELSO DE MELLO já fez constar na ementa ser possível ao Judiciário controlar em tese a implementação das políticas públicas, de modo a garantir o cumprimento do “mínimo existencial” em matéria de direito sociais, econômicos e culturais.
Ademais, em MC na ADPF 347\DF, precedente em que incorporou ao direito brasileiro a teoria do estado de coisas inconstitucional, o Plenário do STF acabou por por reconhecer a inconstitucionalidade das política públicas aplicadas ao sistema penitenciário brasileiro, pelo que determinou a adoção de “providêncais estruturais” com objetivo de sanar graves, constantes e generalizadas lesões a preceitos fundamentais sofridas pelo presos em decorrência de ações e omissões dos Poderes da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal.
Emenda constitucional que tenda a abolir cláusula pétrea incorre em inconstitucionalidade material ou formal?
Em relação às emendas constitucionais, como o § 4o do art. 60 proíbe até mesmo “deliberar” propostas tendentes a abolir quaisquer cláusulas pétreas, a inconstitucionalidade material a respeito equivale também a uma inconstitucionalidade formal.
A não recepção é hipótese de inconstitucionalidade superveniente ou de revogação?
Explique os fundamentos das teorias que tratam do tema.
Existe controvérsia acadêmica sobre a natureza jurídica da não recepção. De um lado, há os que sustentam que a hipótese é de revogação, resolvendo-se o conflito entre norma constitucional (originária ou derivada) e lei anterior incompatível por meio da aplicação do critério cronológico, segundo o qual lei posterior revoga a anterior (lex posterior derogat priori). De outro, há os que advogam a tese de que o caso é de inconstitucionalidade superveniente. Para esses, a colisão resolver-se-ia com a utilização do critério hierárquico de resolução de conflitos normativos, segundo o qual a norma superior prevalece diante da inferior (lex superior derrogat inferiori). Existe ainda uma posição híbrida, que defende que o caso seria de “revogação por inconstitucionalidade”. Para todos, portanto, a Constituição prevalece diante de norma infraconstitucional anterior com ela incompatível. A divergência dá-se apenas em torno da justificação teórica mais adequada para esta prevalência, da qual o STF, porém, extraiu importantes consequências práticas, como se observará mais adiante.
[…]
Apesar da coincidência dos resultados entre revogação e inconstitucionalidade superveniente, a questão tinha grande importância no Brasil, até o advento da Lei 9.882\99, que disciplinou a ADPF. É que se o fenômeno da não recepção fosse enquadrado como hipótese de inconstitucionalidade superveniente, seria possível a propositura de ADI para impugnação de normas anterior à Constituição. Mas se ele fosse concebido como revogação, o ajuizamento de tal ação não seria admissível, uma vez que a ADI se volta ao controle de constitucionalidade, e não à resolução de questões de direito intertemporal. E até a regulamentação da ADPF, em 1999, a ADI era o único instrumento no ordenamento brasileiro que permita a impugnação abstrata de normas diretamente no STF, que, quando acolhia o pedido, declarava o ato normativo inconstitucional, em decisão dotada de eficácia contra todos.
Portanto, a controvérsia não era puramente teórica. A adoção da tese da inconstitucionalidade superveniente importava em fortalecimento dos mecanismos de garantia jurisdicional da Constituição. Já o endosso da posição em favor da revogação implicava fragilização dessa garantia. Nesse último caso, a não recepção até poderia ser verificada pelos juízes, no julgamento das lides concretas submetidas à sua apreciação, mas sem qualquer possibilidade de instauração do controle abstrato de constitucionalidade para análise da questão.
[…]
Sob o prisma conceitual, é certo que os critérios hierárquico e cronológicos para resolução de antinomias jurídica não têm a mesma força. Do ponto de vista lógico, o critério hierárquico é preferencial em relação ao critério cronológico. Em outras palavras, só se recorre ao critério cronológico - que preconiza a revogação da norma anterior pela posterior com ela incompatível - se não for possível resolver a antinomia com o emprego do critério hierárquico, o que apenas ocorre quando as normas em confronto situarem-se no mesmo patamar. Ora, a Constituição é superior aos demais atos normativos, localizando-se no escalão mais elevado do ordenamento positivo. Daí por que o conflito entre a Constituição e outras normas, mesmo as ques lhe forem anteriores, deve ser equacionado por meio do critério hierárquico de resolução de antinomias, e não do critério cronológico, o que aponta para a correção da tese da não recepção como inconstitucionalidade superveniente, e não como revogação.
Priorizar o critério cronológico em detrimento do hierárquico para resolução de conflitos entre Constituição e normas infraconstitucionais leva a conclusões absurdas, incompatíveis com o postulado básico do Direito Constitucional da supremacia da Constituição. Se aplicássemos este critério ao conflito entre lei posterior e Constituição anterior, a primeira prevaleceria sobre a segunda.
Nem se argumente que a tese da inconstitucionalidade superveniente levaria a que se invalidassem efeitos da norma jurídica produzidos antes do advento da Constituição, quando ela não padecia de qualquer vício, em razão da retroatividade das decisões declaratórias de inconstitucionalidade. É que a retroatividade da decisão que reconhece a inconstitucionalidade só se estende até o momento do surgimento do vício normativo, e, no caso da não recepção, esse só aparece com a edição da Constituição.
[…]
Portanto, o mais grave na linha adotada pelo STF não foi o erro lógico, mas a omissão política da Corte, que, com o endosso da tese da revogação, deixou de cumprir plenamente o seu papel constitucional de guardiã da Constituição, esquivando-se, por muito tempo, de apreciar questões constitucionais relevantíssimas, como as atinentes à subsistência, no novo regime constitucional, do “entulho autoritário” legado pelo regime militar. De qualquer sorte, a questão encontra-se hoje pacificada, e o principal problema gerado pela tese da revogação - a ausência de controle abstrato do direito pré-constitucional - já foi equacionado com a regulamentação da ADPF. Porém, como a ADPF se destina apenas à proteção de preceitos fundamentais da Constituição, e não da totalidade do texto constitucional, a adoção da tese da revogação continua impedindo o exercício do controle abstrado, pelo STF, do direito pré-constitucional que esteja em contradição com preceito constitucional desprovido de fundamentalidade.
A revogação da lei impugnada por ADIn induz à perda de objeto dessa ação?
[…] ainda que a revogação ou o exaurimento da eficácia tenham ocorrido posteriormente à propositura da ação, a Corte sempre julgava extinto o processo, por perda superveniente do objeto, indpendentemente dos efeitos concretos decorrentes do ato impugnado.
Todavia, em revisões jurisprudênciais, a Corte passou a entender cabível o julgamento de mérito da ação direta movida contra preceitos revogados ou com eficácia exaurida nos casos em que: (a) a revogação do ato atacado, ocorrida no curso do processo, seja considerada fraude processual; (b) emendada a petição inicial, antes de apreciada a liminar, para incluir no objeto da causa a lei revogadora que, editada na pendência do processo, haja reproduzido a norma impugnada; (c) a ação já tenha sido julgada anteriormente à notícia da revogação da norma questionada; e (d) a norma impugnada tiver sido reproduzida por texto posterior de ato normativo equivalente (ADIn 2.418\DF, j. em 4-5-2016; e ADIn 5.122\DF, j. em 3-5-2018).
OBS: […] a decisão na ADIn 2.418\DF foi bastante curiosa. Nesse precedente, o Pleno do STF decidiu que a ação direta (proposta em 2001, contra dispositivos acrescentados ao CPC\73), além de não ter sido prejudicada pela revogação dos dispositivos impugnados por força de lei posterior (no caso, o CPC\2015), ainda poderia atingir os próprios dispositivos da lei revogadora, no qual a matéria disciplinada recebera “tratamento normativo semelhante, embora não igual” (voto vencedor do Min. Teori Zavaski).
A ADIn 5.122\DF impugnava preceito de resolução do TSE já revogada e com eficácia restrita a período eleitoral passado (eleições de 2014). Porém, o STF entendeu que a ação não perdera seu objeto, já que o dispositivo impugnado possuía “relevância transcendente”, pois ainda produzia “efeitos sobre processos ainda em trâmite na Justiça Eleitoral”, além de ter seu conteúdo “reproduzido em outras resoluções relativas a eleições posteriores” (info. 900\2018).
A revogação da lei impugnada por ADIn induz à perda de objeto dessa ação?
[…] ainda que a revogação ou o exaurimento da eficácia tenham ocorrido posteriormente à propositura da ação, a Corte sempre julgava extinto o processo, por perda superveniente do objeto, indpendentemente dos efeitos concretos decorrentes do ato impugnado.
Todavia, em revisões jurisprudênciais, a Corte passou a entender cabível o julgamento de mérito da ação direta movida contra preceitos revogados ou com eficácia exaurida nos casos em que: (a) a revogação do ato atacado, ocorrida no curso do processo, seja considerada fraude processual; (b) emendada a petição inicial, antes de apreciada a liminar, para incluir no objeto da causa a lei revogadora que, editada na pendência do processo, haja reproduzido a norma impugnada; (c) a ação já tenha sido julgada anteriormente à notícia da revogação da norma questionada; e (d) a norma impugnada tiver sido reproduzida por texto posterior de ato normativo equivalente (ADIn 2.418\DF, j. em 4-5-2016; e ADIn 5.122\DF, j. em 3-5-2018).
OBS: […] a decisão na ADIn 2.418\DF foi bastante curiosa. Nesse precedente, o Pleno do STF decidiu que a ação direta (proposta em 2001, contra dispositivos acrescentados ao CPC\73), além de não ter sido prejudicada pela revogação dos dispositivos impugnados por força de lei posterior (no caso, o CPC\2015), ainda poderia atingir os próprios dispositivos da lei revogadora, no qual a matéria disciplinada recebera “tratamento normativo semelhante, embora não igual” (voto vencedor do Min. Teori Zavaski).
A ADIn 5.122\DF impugnava preceito de resolução do TSE já revogada e com eficácia restrita a período eleitoral passado (eleições de 2014). Porém, o STF entendeu que a ação não perdera seu objeto, já que o dispositivo impugnado possuía “relevância transcendente”, pois ainda produzia “efeitos sobre processos ainda em trâmite na Justiça Eleitoral”, além de ter seu conteúdo “reproduzido em outras resoluções relativas a eleições posteriores” (info. 900\2018).
Qual a diferença entre antinomia abstrata e antinomia concreta?
[…] a melhor doutrina diferencia as antinomias em abstrato das antinomias em concreto, bem como o plano abstrato abstrato de validade do plano concreto de aplicação normativas (v.g. PRIETRO SANCHÍS e KLAUS HUNTHER). Assim, embora abstratamente constitucional, uma norma infraconstitucional, após consideradas todas as circunstâncias do caso concreto, poderá entrar em antinomia concreta com alguma norma constitucional, daí surgindo a necessidade de não se aplicá-la a determinadas situações, sob pena de comprometer a supremacia das constituição. Esse tipo de antinomia aparece somente em concreto, no plano de aplicação das normas, e deve ser resolvido sem juízo de invalidação da norma que deixou de ser aplicada ao caso, a qual segue válida (e vigente) para todos os demais efeitos.
Trata-se de uma das faces do fenômeno conhecido como derrotabilidade das normas, tese que - no que ora interessa - pode ser utilizada para identificar exceções implícitas, baseadas na Constituição Federal, as quais tornariam inconstitucional a aplicação concreta de uma norma, mesmo que esta seja abstratamente constitucional.
Caso paradigmático dessa ideia envolve a aplicação do pár. 3 do art. 20 da Lei 8.742\92, que proíbe a concessão de benefício assistencial a pessoas cuja renda mensal familiar per capita supera o limite de 1\4 (um quarto) do salário mínimo. Embora julgado constitucional peleo STF na ADIn 1.232\DF, juízes federais de todo Brasil têm analisado, caso a caso, a aplicabilidade dessa disposição, por entenderem que a simples verificação aritmética da renda bruta familiar pode não refletir a real condição da miserabilidade da família. […[ (p. 533)
Explique o que é e quais são os tipos de inconstitucionalidade consequente?
Anomalia que atinge um ato como consequência do reconhecimento da inconstitucional de outro ato com o qual ele mantém determinada relação de dependência normativa.
[…]
Tipos de inconstitucionalidade consequente. Teoricamente, é possível reconhecer duas vertentes desse tipo de inconstitucionalidade:
a) vertente hieráquica: contaminação de normas hierarquicamente inferiores, em decorrência da inconstitucionalidade da norma superior da qual extraem validade. Exemplo: regulamento afetado pela inconstitucionalidade da lei regulamentada; e
b) vertente não hierárquica: vício que atinge norma do mesmo status ou envergadura normativa daquela que dá origem à inconstitucionalidade. Subtipos:
b. 1) por dependência intríseca: hipótese em que a inconstitucionalidade de certa norma se reflete no processo de elaboração da que se lhe considera dependente (v.g. a dependência da lei de conversão da medida provisória em relação a esta; e da delegada em face da delegação normativa); e
b. 2) por dependência extrínseca: quando o reconhecimento da inconstitucionalidade de norma faz com que se esvazie a validade de outra norma, total ou parcialmente, seja porque esta daí perde seu significado autônomo (dependência unilateral), seja porquanto ambas as normas faziam parte de sistemática normativa comum e que restou incontornavelmente atingida pela declaração de inconstitucionalidade de um delas (interdepedência).
É cabível a moduçação de efeitos da decisão de não recepção de norma pré-constitucional?
[…] inclusive em relação à ADPF, não parece viável a modulação temporal decisória a respeito. Isso porque, muito embora o conceito de descumprimento de preceito fundamental seja mais amplo que o da inconstitucionalidade, ao se referir à modulação temporal no processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental, o art. 11 da Lei 9.882\99 restringiu a utilização do mecanismo somente à hipótese de o STF “declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo”. Ou seja, mesmo na ADPF, a manipulação temporal da sentença restringe-se aos casos em que o STF resolve a controvérsia à luz do critério hierárquico e, ainda assim, só quando o objeto da ação recair sobre “lei ou ato normativo”.
IMPORTANTE:
Até 2011, também a jurisprudência do Plenário do STF, em sede de controle concreto, entendia que a manipulação temporal não poderia ser utilizada nos casos em que se reconhece o simples conflito intertemporal entre a Constituição e a norma infraconstitucional. Para o Supremo, “a não-recepção de ato estatal pré-constitucional, por não implicar a declaração de inconstitucionalidade - mas o reconhecimento de sua pura e simples revogação -, descaracteriza um dos pressupostos indispensáveis à utilização da técnica da modulção temporal, que supõe, para incidir, dentre outros elementos, a necessária existência de um juízo de inconstitucionalidade” (AgRg no AI 453.071\RJ). Contudo, no RE 600.885\RS (j. em 9-2-2011), em julgamento com “repercussão geral”, o Plenário do STF modulou os efeitos da não recepção de ato normativo pré-constitucional e decidiu manter, até 31-12-2011, a eficácia de regra legal incompatível com a atual Constituição.
O STF admite o controle jurisdicional preventivo de constitucionalidade de leis?
[…] excepcionalmente e só pela via concreta, admite-se o controle judicial preventivo, para defender a observância do devido processo legislativo.
O primeiro precedente do STF a respeito ocorreu no julgamento do MS 20.257\DF, ainda ao tempo da Constituição passada, quando a Corte reconheceu a possibilidade de controle judicial das vedações constitucionais a “apresentação” e de “deliberação” de propostas de emenda constitucional acerca de matérias proibidas (cláusulas pétreas). […] Ademais, com a evolução da jurisprudência, o STF passou a admitir o controle judicial preventivo não só das propostas de emenda à constituição, como ainda de projeto de leis, desde que alegado o desresrespeito às normas constitucionais que regulam o devido processo legislativo. Nesse sentido, já decidiu o STF que o “processo de formação das leis ou de elaboração de emendas à Constituição revela-se suscetível de controle incidental ou difuso pelo Poder Judiciário” (Pleno, MS 23.565).
O instrumento admitido para tal finalidade é o mandado de segurança, cuja legitimidade ativa, segundo o STF, pertence exclusivamente aos próprios parlamentares com assento na Casa Legislativa onde tramita a proposta questionada. […]
No caso de leis federais, o processo judicial é da competência do STF (Constituição, art. 102, I, “d”). Já os fundamentos da ação devem ater-se a inconstitucionalidade formais (vícios do processo legislativo). Isso porque, diferentemente do que ocorre com as propostas de emenda constitucional, cujos defeitos materiais se repercutem no próprio processo legislativo, descabem alegações baseadas no conteúdo dos projeto de lei (inconstitucionalidade material) (MS 24.138\DF).
OBSERVAÇÃO: A “superveniência da aprovação parlamentar do projeto de lei ou da proposta de emenda à Constituição implica a perda da legitimidade ativa dos membros do Congresso Nacional” (STF, decisão monocrática do Min. CELSO DE MELLO no MS 22.487\DF).
É possível a modulação dos efeitos da decisão que reconhece a constitucionalidade de norma?
É certo que o legislador só previu a modulação temporal nas hipóteses em que a decisão final do STF declara a inconstitucionalidade (art. 27 da Lei 9.868\99). Contudo, também nos casos em que a sentença final seja declaratória da constitucionalidade, parece defensável a modulação “invertida” em pelo menos uma situação: para convalidar os efeitos decorrentes da observância de eventual medida cautlar que, concedida no mesmo processo, tivesse declarado o ato provisoriamente inconstitucional.
De qualquer forma, os ED na ADIn 1.040\DF, o Plenário do STF, por unanimidade, negou pedido de modulação temporal a julgamento em que se concluíra pela constitucionalidade do preceito atacado. Para a Corte, o pedido de modulação configurava, na verdade, “pretensão de declaração de constitucionalidade da norma com efeitos ex nunc”, o que seria juridicamente impossível, plis implicaria “inversão do princípio da presunção da constitucionalidade das leis.”
Todavia, ao julgar os ED na ADIn 3.756\DF, embora a Corte já tivesse reputado constitucionais os preceitos impugnados, permitiu que eles continuassem a ser descumpridos nos “dois quadrimestres seguintes à decisão final”. O STF reputou que a hipótese concreta era “sui generis”, porque o Legislativo do Distrito Federal descrumprira o precedito impugnado movido pela “boa-fé”. Daí ter a Corte conferido uma inusitada eficácia pro futuro à declaração de constitucionalidade (?!), o que se traduz, pragmaticamente, na aplicação do art. 27 da Lei 9.868\99 em caso de improcedência do pedido da ADIn.
Em matéria de controle concreto de constitucionalidade, a mesma discussão foi travada, no Pleno do STF, quando do julgamento do RE 370.682\SC e do RE 353.657\PR. A Min. ELLEN GRACIE e o Min. CEZAR PELUSO (implicitamente), bem como os Min. MARCO AURÉLIO, EROS GRAU, JOAQUIM BARBOSA e CARLOS BRITTO (explicitamente) concluíram que a prospectividade só poderia ser utilizada quando se declarasse a inconstitucionalidade do ato impugnado; já os Min. RICARDO LEWANDOWSKI, GILMAR MENDES, SEPÚLVEDA PERTENCE e CELSO DE MELLO votaram no sentido da possibilidade teórica de adotar a prospectividade nos casos de revisão substancial da jurisprudência em matéria constitucional (“virada” jurisprudencial), a despeito de haver ou não declaração de inconstitucionalidade.
Quais são os pressupostos necessários para o reconhecimento do Estado de coisas inconstitucional, segundo AZEVEDO CAMPOS?
Embasado na experiência colombiana, AZEVEDO CAMPOS arrolou três pressupostos necessários ao reconhecimento do estado de coisas inconstitucional: (a) a constatação de quadro não simplesmente de proteção deficiente, mas de violação massiva, generalizada e sistemática de direitos fundamentais a afetar amplo número de pessoas; (b) a verificação da existência de “falha estatal estrutural”, em decorrência da falta de coordenação entre medidas legislativas, administrativas, orçamentárias e até judiciais, com a consequente perpetuação ou agravamento do problema, dada a existência de bloqueios políticos e institucionais persistentes e aparentemente insuperáveis; e (c) a necessidade de medidas judiciais estruturais a serem endereçadas a uma pluralidade de órgãos públicos. Ademais, um quarto requisito pode ser ainda lembrado, qual seja: (d) a potencialidade de congestionamento da justiça caso todas as vítimas do problema buscarem individualmente o Judiciário para superá-lo.
Daí, configurado essa grave conjuntura, a corte constitucional estaria autorizada a emitir provimentos revestidos de alto grau de ativismo judicial, incluindo intromissões na formulação e implementação de políticas públicas, a realocação de recursos orçamentários e a coordenação de medidas concretas necessárias a solucionar o problema. Afinal, cuida-se de situações excepcionalíssimas, nas quais se identificam “bloqueios institucionais” a impedir a superação do estado de inconstitucionalidade, o que justificaria a atuação judicial atipicamente invasiva da competência constitucional dos demais Poderes.
Todavia, como sustenta a doutrina colombiana, as soluções para esse estado de coisas inconstitucionais devem ser buscadas no ambito de um ativismo judicial “dialógico”, a envolver diálogos institucionais diretos e constantes entre os órgãos institucionais e sociais envolvidos, incluindo a participação ativa dos Poder Público, de setores acadêmicos, de organizações ligadas aos direitos humanos e dos próprios beneficiários das medidas judiciais estruturais (Ver VIEIRA e BEZERRA, 2015). Na mesma liha, AZEVEDO CAMPO defende tal ativismo “dialógico”, por entender que a superação do estado de coisa inconstitucional “apenas é possível por meio de ‘remédios estruturais’, dirigidos a um número abrangente de atores políticos e buscando coordenar as ações dessas autoridades na tarefa de assegurar a proteção eficiente de direitos. Para serem dialógicos, esses remédios estruturais, no entanto, devem ser caracterizados como ordens flexíveis, que fixem objetivos a serem alcançados sem excluir os espaços próprios de deliberação política e técnica dos outros poderes sobre os meios”.
DECISÃO DO STF: a) proibição de contingenciamento de valores disponíveis no Funpen, com ordem para que a União liberasse o saldo acumulado do fundo para ser utilizado com a finalidade para a qual foi criado; b) determinação da implementação da audiência de custódia; e c) determinação aos Estados para que encaminhassem informações sobre as respectivas situações prisionais.
Cite hipóteses de declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade.
Certo que, na casuística do modelo brasileiro de controle abstrato de constitucionalidade, essa declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade só encontrava exemplo no âmbito da ADO, ante o reconhecimento de omissões inconstitucionais dos tipos parcial e relativa, seguido da simples comunicação da mora ao legislativo.
Porém, mesmo em sede de ADIn e ADC, nada impediriu que o STF adotasse tal técnica decisória em casos de inconstitucionalidade progressiva, como já o havia feito no controle concreto de constitucionalidade. E para quem ainda tivesse dúvidas a respeito, o art. 27 da Lei 9.868\99 as sepultou definitivamente.
É que referido preceito conferiu ao STF poderes para restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Assim, o ordenamento jurídico nacional passa expressamente a admitir, por exceção, também no controle abstrato contra atos omissivios, a ténica de decisão consistente na declaração da inconstitucionalidade da norma, sem sanção de nulidade. Nesse sentido, é possível ao STF, inclusive, optar por fazer o chamado apelo ao legislador, a exemplo do direito alemão.
NA ADIn 2.240\BA, o STF aplicou a tese da declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade do ato impugnado, para manter a Lei estadual baiana 7.619\2000, pelo prazo de 24 meses, até que o legislador estadual estabeleça nova disciplina a respeito. A Corte utilizou, no caso, a faculdade do art. 27 da Lei 9.868\99, por considerar prevalente o princípio da segurança jurídica em face do princípio da leis inconstitucionais. No mesmo sentido, a ADIn 3.489\SC.
No concurso para Juiz Federal do TRF\5 Região (2015\Cespe), foi considerado incorreto o seguinte enunciado: “A técnica da declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade é utilizada para considerar inconstitucional apenas determinada hipótese de aplicação da lei, sem proceder à alteração de seu programa normativo”.
OU SEJA, trata-se de caso diferente da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto.