Controle de constitucionalidade Flashcards
Em que consiste a inconsticionalidade nomodinâmica?
Em consideração às teorias dinâmica e estática dos sistemas normativos (KELSEN), algumas bancas de concurso já têm se referido à inconstitucionalidade formal como inconstitucionalidade “nomodinâmica”. Embora ociosa, essa referência terminológica tem por fundamento a circunstância de que uma norma formalmente inconstitucional é aquela a apresentar problemas quanto ao cumprimento das etapas necessárias à completa observância do “critério da legalidade”, que regula as relações de criação de novas normas dentro de um mesmo sistema jurídico.
Caráter estático e dinâmico dos sistemas jurídicos:
Segundo KELSEN, os sistemas normativos podem ser classificados conformes as características com que as normas particulares são extraídas a partir de normas gerais pertencentes a um mesmo sistema normativo.
Nesse sentido, sistemas normativos estáticos são os que permitem extrair normas a partir do conteúdo de outras normas, por meio de simples operações lógicas, ou seja, à base de conclusões que partam “do geral para o particular”. Exemplo: da norma que determina agir com honestidade se pode extrair a norma que veda a apropriação indébita.
Já os sistemas normativos dinâmicos são aqueles que atribuem poder (competência) a um determinado órgão ou autoridade para editar outras normas que se somarão ao mesmo sistema, mas com conteúdo diverso daquele das normas pré-existentes. Assim, autorizados por normas de competência, certo órgãos ou autoridades podem promulgar novas normas independentemente do conteúdo daquelas que já existiam. Exemplo: com base em norma constitucional que lhe atribui competência à União para legislar sobre direito penal, o legislador federal edita lei a estabelecer novo tipo de crime.
Portanto, nos sistema normativos estáticos, as normas ligam-se entre si por atributos materiais (conteúdo), conforme critérios de dedutibilidade lógica, a exemplo do que ocorre com sistemas normativos formados por normas morais (Moral). Assim, as normas pertencentes a um sistema jurídico estático são somente aquelas que possam ser obtidas, mediante raciocínios logicamente consistentes, a partir de determinado conjunto finito de elementos que já integram o mesmo sistema.
Contudo, nos sistemas normativos dinâmicos, as conexões normativas derivam de atributos formais (delegação de competências) identificados a partir de critérios de legalidade, tais quais os sistemas normativos constituídos por normas jurídicas (Direito). Logo, embora o dinamismo do sistema possa alterar os elementos (normas) a partir dos quais outras normas poderiam ser extraídas pelo critério da dedutibilidade lógica, é preciso que eventuais alterações normativas (promulgação\derrogação de normas) se processem de acordo com critérios formais previstos pelo próprio sistema.
Enfim, os sisstemas normativos jurídicos podem ser estudados em perpectiva tanto estática como dinâmica. Isso porque, a partir das normas gerais produzidas por processo dinâmicos de critação normativa, é também possível extrair normas jurídicas particulares por meio de deduções lógicas. Afinal, como nenhum sistema jurídico está resumido só às normas que delegam competências para editar outras normas, todas eles acabam por incluir - ainda que implicitamente - as normas jurídicas extraídas de outras normas mediante operações lógicas.
Qual a diferença entre inconstitucionalidade formal subjetiva e inconstitucionalidade formal objetiva?
Parte da doutrina diferencia os seguintes tipos de inconstitucionalidade formal: (a) inconstitucionalidade formal subjetiva: se o defeito está relacionado à fase introdutória do processo legislativo, i.e., à etapa da da iniciativa legislativa. Exemplo: emenda constitucional cuja proposta foi enviada por menos de 1\3 dos Deputados Federais; e (b) inconstitucionalidade formal objetiva: quando a incompatibilidade se refere às fases constitutivas ou complementares da tramitação do processo legislativo. Exemplo: lei promulgada sem observância do quórum mínimo de votação.
O que é a inconstitucionalidade orgânica?
Vício de competência do órgão responsável pela edição do ato. Nesse sentido, uma lei será organizamente inconstitucional se aprovada por órgão incompetente. Exemplo: lei penal aprovada por Assembleia Legislativa, em manifesta contrariedade à competência privativa da União para legislar a respeito (art. 22, I). Outro exemplo: medida provisória baixada pelo Ministério da Justiça.
Obs: A maioria da doutrina nacional trata esse tipo de inconstitucionalidade como espécie de inconstitucionalidade formal.
Emenda constitucional que tenda a abolir cláusula pétrea incorre em inconstitucionalidade material ou formal?
Em relação às emendas constitucionais, como o § 4o do art. 60 proíbe até mesmo “deliberar” propostas tendentes a abolir quaisquer cláusulas pétreas, a inconstitucionalidade material a respeito equivale também a uma inconstitucionalidade formal.
O simples dever geral de edição de lei é suficiente para fundamentar omissão inconstitucional?
[…] o mero “dever geral de emanação de leis não fundamenta uma omissão inconstitucional” (CANOTILHO, 1994, p. 332). Do contrário, a simples e genérica distribuição de competências legislativas aos entes federados serviria de fundamento à fiscalização judicial em face da omissão de legislar sobre qualquer assunto. Daí se dizer que a inconstitucionalidade por omissão pressupõe o descumprimento de uma obrigação constitucional concreta de ação (CANOTILHO, 1994, p. 333).
Ademais, só propriciam o surgimento de omissão inconstitucional as lacunas que representem opção consciente do constituinte de transferir a outros órgãos a tarefas de dotar de plena aplicabilidade certas normas constitucionais. Assim, lacunas constitucionais que se traduzam em “silêncios eloquentes” ou em espaços temáticos que o constituinte intencionalmente não quis ocupar tampouco darão ensejo a omissões inconstitucionais.
Por fim, uma omissão inconstitucional pode ainda decorrer do descumprimento da tarefa de “melhorar” ou “corrigir” as medidas providenciadas, pois o dever de implementar a plena aplicabilidade das normas constitucionais possui caráter permanente.
Em resumo, uma inconstitucionalidade por omissão caracteriza-se quando a abstenção considerada se traduzir em:
a) impedimento à aplicabilidade imediata de normas constitucionais que apresentem lacuna técnica intencional por decorrência do inadimplemento de imposição constitucional concreta de agir; ou
b) inobservância quanto à necessidade constitucional de atualizar a norma ou a medida editada para cumprir alguma obrigação constitucional concreta de ação.
A existência de projeto de lei em trâmite no Congresso afasta a possibilidade de reconhecimento da omissão inconstitucional?
Pela atual jurisprudência do STF, configura-se a omissão inconstitucional, ainda que já apresentados projetos legislativos tendentes a reparar o problema, sempre que constatada demora injustificável na discussão e na votação deles. Para o STF, “a inertia deliberandi (discussão e votação) também poderia configurar omissão passível de vir a ser reputada morosa, no caso de os órgãos legislativos não deliberarem dentro de um prazo razoável sobre o projeto de lei em tramitação” (ADIn 3.682\MT).
Assertiva: “A inconstitucionalidade por ação e a por omissão têm como objeto comum tantos atos legislativo, como os atos administrativos, respectivamente, produzidos ou omitidos com inobservância da Constituição”.
Correta.
Em que consiste a inconstitucionalidade por omissão relativa? Qual a diferença entre ela e a inconstitucionalidade parcial?
Inconstituicionalidade por omissão relativa: incompleta isonomia na disciplina normativa. Manifesta-se nas hiopóteses em que, embora inexistisse prévia obrigação de aprovar determinado ato, aquele que posteriormente se aprovou fere o princípio constitucional da isonomia, por deixar de contemplar situações que igualmente deveriam estar incluídas no programa normativo. Exemplos: a lei que concedesse aumento salarial para servidores públicos do sexo masculino, sem o estender às mulheres em igual situação; no RE 580.963\PR, o Plenário do STF reconheceu a presença desse tipo de omissão no art. 34, parágrafo único, da Lei 10.574\2003, na parte em que assegurava tratamento privilegiado na concessão de benefício assistenciais a idosos, mas excluía, sem justificativa plausível, os deficientes físicos em idênticas circunstâncias.
Diferença entre a omissão parcial e a omissão relativa:
A doutrina em geral e a jurisprudência do STF acabam por englobar, indistintamente, os dois tipos de omissão sob a mesma denominação, ora como “omissões parciais”, ora como “omissões relativas”. Nesse sentido, por exemplo, no mencionado RE 580.963\PR, o Plenário do STF tratou um típico caso de omissão relativa como omissão parcial. Porém, as diferenças entre a omissão inconstitucional do tipo parcial e a do tipo relativa são importantes. Certo, ambas são espécies de omissões em sentido material, cuja presença é constatada a partir de um ato comissivo (omissão-produto) ao qual se agrega, porém, um juízo de valor acerca da respectiva adequação à constituição. Todavia, na omissão parcial, a inconstitucionalidade está no cumprimento insuficiente do preceito constitucional que impõe uma prévia obrigação de atuação normativa voltada a tornar efetiva alguma norma constitucional desprovida de aplicabilidade imediata. Por sua vez, na omissão relativa, a omissão está na inobservância do princípio constitucional da isonomia e das regras constitucionais que dele decorrem. Preceitos, portanto, já dotados de aplicabilidade imediata, mas que funcionam como elemento ulterior constitutivo de qualquer regulação normativa.
A não recepção é hipótese de inconstitucionalidade superveniente ou de revogação?
Explique os fundamentos das teorias que tratam do tema.
Existe controvérsia acadêmica sobre a natureza jurídica da não recepção. De um lado, há os que sustentam que a hipótese é de revogação, resolvendo-se o conflito entre norma constitucional (originária ou derivada) e lei anterior incompatível por meio da aplicação do critério cronológico, segundo o qual lei posterior revoga a anterior (lex posterior derogat priori). De outro, há os que advogam a tese de que o caso é de inconstitucionalidade superveniente. Para esses, a colisão resolver-se-ia com a utilização do critério hierárquico de resolução de conflitos normativos, segundo o qual a norma superior prevalece diante da inferior (lex superior derrogat inferiori). Existe ainda uma posição híbrida, que defende que o caso seria de “revogação por inconstitucionalidade”. Para todos, portanto, a Constituição prevalece diante de norma infraconstitucional anterior com ela incompatível. A divergência dá-se apenas em torno da justificação teórica mais adequada para esta prevalência, da qual o STF, porém, extraiu importantes consequências práticas, como se observará mais adiante.
[…]
Apesar da coincidência dos resultados entre revogação e inconstitucionalidade superveniente, a questão tinha grande importância no Brasil, até o advento da Lei 9.882\99, que disciplinou a ADPF. É que se o fenômeno da não recepção fosse enquadrado como hipótese de inconstitucionalidade superveniente, seria possível a propositura de ADI para impugnação de normas anterior à Constituição. Mas se ele fosse concebido como revogação, o ajuizamento de tal ação não seria admissível, uma vez que a ADI se volta ao controle de constitucionalidade, e não à resolução de questões de direito intertemporal. E até a regulamentação da ADPF, em 1999, a ADI era o único instrumento no ordenamento brasileiro que permita a impugnação abstrata de normas diretamente no STF, que, quando acolhia o pedido, declarava o ato normativo inconstitucional, em decisão dotada de eficácia contra todos.
Portanto, a controvérsia não era puramente teórica. A adoção da tese da inconstitucionalidade superveniente importava em fortalecimento dos mecanismos de garantia jurisdicional da Constituição. Já o endosso da posição em favor da revogação implicava fragilização dessa garantia. Nesse último caso, a não recepção até poderia ser verificada pelos juízes, no julgamento das lides concretas submetidas à sua apreciação, mas sem qualquer possibilidade de instauração do controle abstrato de constitucionalidade para análise da questão.
[…]
Sob o prisma conceitual, é certo que os critérios hierárquico e cronológicos para resolução de antinomias jurídica não têm a mesma força. Do ponto de vista lógico, o critério hierárquico é preferencial em relação ao critério cronológico. Em outras palavras, só se recorre ao critério cronológico - que preconiza a revogação da norma anterior pela posterior com ela incompatível - se não for possível resolver a antinomia com o emprego do critério hierárquico, o que apenas ocorre quando as normas em confronto situarem-se no mesmo patamar. Ora, a Constituição é superior aos demais atos normativos, localizando-se no escalão mais elevado do ordenamento positivo. Daí por que o conflito entre a Constituição e outras normas, mesmo as ques lhe forem anteriores, deve ser equacionado por meio do critério hierárquico de resolução de antinomias, e não do critério cronológico, o que aponta para a correção da tese da não recepção como inconstitucionalidade superveniente, e não como revogação.
Priorizar o critério cronológico em detrimento do hierárquico para resolução de conflitos entre Constituição e normas infraconstitucionais leva a conclusões absurdas, incompatíveis com o postulado básico do Direito Constitucional da supremacia da Constituição. Se aplicássemos este critério ao conflito entre lei posterior e Constituição anterior, a primeira prevaleceria sobre a segunda.
Nem se argumente que a tese da inconstitucionalidade superveniente levaria a que se invalidassem efeitos da norma jurídica produzidos antes do advento da Constituição, quando ela não padecia de qualquer vício, em razão da retroatividade das decisões declaratórias de inconstitucionalidade. É que a retroatividade da decisão que reconhece a inconstitucionalidade só se estende até o momento do surgimento do vício normativo, e, no caso da não recepção, esse só aparece com a edição da Constituição.
[…]
Portanto, o mais grave na linha adotada pelo STF não foi o erro lógico, mas a omissão política da Corte, que, com o endosso da tese da revogação, deixou de cumprir plenamente o seu papel constitucional de guardiã da Constituição, esquivando-se, por muito tempo, de apreciar questões constitucionais relevantíssimas, como as atinentes à subsistência, no novo regime constitucional, do “entulho autoritário” legado pelo regime militar. De qualquer sorte, a questão encontra-se hoje pacificada, e o principal problema gerado pela tese da revogação - a ausência de controle abstrato do direito pré-constitucional - já foi equacionado com a regulamentação da ADPF. Porém, como a ADPF se destina apenas à proteção de preceitos fundamentais da Constituição, e não da totalidade do texto constitucional, a adoção da tese da revogação continua impedindo o exercício do controle abstrado, pelo STF, do direito pré-constitucional que esteja em contradição com preceito constitucional desprovido de fundamentalidade.
Diferencie a declaração de inconstitucionalidade parcial horizontal da vertical.
No controle abstrato, a declaração de inconstitucionalidade parcial pode ser dividida em: (a) horizontal*: se a declaração gera efeito invalidatório de expressões linguísticas contidas no dispositivo, com o aproveitamento das normas decorrentes do restante do texto. Exemplo: declaração de inconstitucionalidade por meio da qual se suspende a eficácia de segmentos ou palavras do disposivo impugnado; ou (b) *vertical (ou qualitativa): caso em que a declaração, sem afetar o texto do dispositivo, repercute sobre determinada(s) interpretação(ões) [=norma(s)] que dele se extrai(em). Para exemplificar, esse é o caso da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto.
Em razão do princípio da presunção de constitucionalidade, os órgãos que realizam controle de constitucionalidade devem preservar ao máximo o trabalho de produção normativa. Daí, o reconhecimento da inconstitucionalidade deve restrigir-se às partes viciadas do ato normativo, preservando-se, sempre que possível, os demais segmentos não contaminados.
Contudo, por força do princípio da independência do Poderes, os juízes não devem deturpar a utilização da declaração de inconstitucionalidade parcial, a fim de obter normas incompatíveis com o programa normativo do ato examinado. Como já explicou o STF, descabe pretender que a Corte, “a partir da supressão seletiva de fragmentos do discurso normativo inscrito no ato estatal impugnado, proceda à virtual criação de outra regra legal, substancialmente divorciada do conteúdo material que lhe deu o próprio legislador” (ADInMC 1.063\DF).
Explique o que é e quais são os tipos de inconstitucionalidade consequente?
Anomalia que atinge um ato como consequência do reconhecimento da inconstitucional de outro ato com o qual ele mantém determinada relação de dependência normativa.
[…]
Tipos de inconstitucionalidade consequente. Teoricamente, é possível reconhecer duas vertentes desse tipo de inconstitucionalidade:
a) vertente hieráquica: contaminação de normas hierarquicamente inferiores, em decorrência da inconstitucionalidade da norma superior da qual extraem validade. Exemplo: regulamento afetado pela inconstitucionalidade da lei regulamentada; e
b) vertente não hierárquica: vício que atinge norma do mesmo status ou envergadura normativa daquela que dá origem à inconstitucionalidade. Subtipos:
b. 1) por dependência intríseca: hipótese em que a inconstitucionalidade de certa norma se reflete no processo de elaboração da que se lhe considera dependente (v.g. a dependência da lei de conversão da medida provisória em relação a esta; e da delegada em face da delegação normativa); e
b. 2) por dependência extrínseca: quando o reconhecimento da inconstitucionalidade de norma faz com que se esvazie a validade de outra norma, total ou parcialmente, seja porque esta daí perde seu significado autônomo (dependência unilateral), seja porquanto ambas as normas faziam parte de sistemática normativa comum e que restou incontornavelmente atingida pela declaração de inconstitucionalidade de um delas (interdepedência)
Em que consiste a inconstitucionalidade progressiva?
Inconstitucionalidade cuja caracterização já se iniciou, mas não está ainda consumada. Trata-se de nomenclatura utilizável também para as chamadas situações constitucionais imperfeitas, que se caracterizam quando um ato é considerado “ainda constitucional”, dada a necessidade de se mantê-lo eficaz, total ou parcialmente, enquanto se aguarda determinado período ou o implemento de alguma condição futura. Nessas hipótese, embora se pronuncie a desconformidade constitucional do ato, a declaração de inconstitucionalidade é adiada, para evitar maiores prejuízos ao plano normativo traçado pelo constituinte.
Exemplo do STF (além do art. 68 do CPP): no § 5º do art. 1 da Lei 1.060\50, com redação da Lei 7.871\89, na parte em que privilegiara órgãos da defensoria pública com prazo recursal dobrado em processos criminais. No HC 70.514\RS, a Corte reputou que a discriminação inconstitucional decorrente desse preceito não deveria ser reconhecida, até que a organização das defensorias estaduais alcançasse o mesmo nível de organização do Ministério Público que atua no polo processual contrário.
Quais são os pressupostos necessários para o reconhecimento do Estado de coisas inconstitucional, segundo AZEVEDO CAMPOS?
Embasado na experiência colombiana, AZEVEDO CAMPOS arrolou três pressupostos necessários ao reconhecimento do estado de coisas inconstitucional: (a) a constatação de quadro não simplesmente de proteção deficiente, mas de violação massiva, generalizada e sistemática de direitos fundamentais a afetar amplo número de pessoas; (b) a verificação da existência de “falha estatal estrutural”, em decorrência da falta de coordenação entre medidas legislativas, administrativas, orçamentárias e até judiciais, com a consequente perpetuação ou agravamento do problema, dada a existência de bloqueios políticos e institucionais persistentes e aparentemente insuperáveis; e (c) a necessidade de medidas judiciais estruturais a serem endereçadas a uma pluralidade de órgãos públicos. Ademais, um quarto requisito pode ser ainda lembrado, qual seja: (d) a potencialidade de congestionamento da justiça caso todas as vítimas do problema buscarem individualmente o Judiciário para superá-lo.
Daí, configurado essa grave conjuntura, a corte constitucional estaria autorizada a emitir provimentos revestidos de alto grau de ativismo judicial, incluindo intromissões na formulação e implementação de políticas públicas, a realocação de recursos orçamentários e a coordenação de medidas concretas necessárias a solucionar o problema. Afinal, cuida-se de situações excepcionalíssimas, nas quais se identificam “bloqueios institucionais” a impedir a superação do estado de inconstitucionalidade, o que justificaria a atuação judicial atipicamente invasiva da competência constitucional dos demais Poderes.
Todavia, como sustenta a doutrina colombiana, as soluções para esse estado de coisas inconstitucionais devem ser buscadas no ambito de um ativismo judicial “dialógico”, a envolver diálogos institucionais diretos e constantes entre os órgãos institucionais e sociais envolvidos, incluindo a participação ativa dos Poder Público, de setores acadêmicos, de organizações ligadas aos direitos humanos e dos próprios beneficiários das medidas judiciais estruturais (Ver VIEIRA e BEZERRA, 2015). Na mesma liha, AZEVEDO CAMPO defende tal ativismo “dialógico”, por entender que a superação do estado de coisa inconstitucional “apenas é possível por meio de ‘remédios estruturais’, dirigidos a um número abrangente de atores políticos e buscando coordenar as ações dessas autoridades na tarefa de assegurar a proteção eficiente de direitos. Para serem dialógicos, esses remédios estruturais, no entanto, devem ser caracterizados como ordens flexíveis, que fixem objetivos a serem alcançados sem excluir os espaços próprios de deliberação política e técnica dos outros poderes sobre os meios”.
DECISÃO DO STF: a) proibição de contingenciamento de valores disponíveis no Funpen, com ordem para que a União liberasse o saldo acumulado do fundo para ser utilizado com a finalidade para a qual foi criado; b) determinação da implementação da audiência de custódia; e c) determinação aos Estados para que encaminhassem informações sobre as respectivas situações prisionais.
Além dos regulamentos autônomos, que outros atos podem incorrer em inconstitucionalidade direta?
1) decretos delegados: pois mesmo que editados a pretexto de executar a lei, acabam por indevidamente ocupar o posto de atos normativos primários, e, por isso, geram inconstitucionalidade diretas. Como já decidiu o STF, são inconstitucionais não somente a “lei que autorize o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe dêem execução” (ADIn 3.232\TO);
2) atos normativos infralegais que integram o próprio conteúdo material da lei que os prevê e\ou os mandou editar: caso das portarias editadas em cumprimento à lei que delega, ao Ministro da Fazenda, a fixação de alíquotas de tributos. Nessa hipótese, a se impugnar a lei, cabe igualmente atacar o ato infralegal, sem que se aplique a tese da inconstitucionalidade indireta. Exemplo: portaria ministerial que, atendendo a delegação legislativa, fixa valores e prazo de recolhimento de taxa (ADIn 2.586\DF).
No concurso para Juiz do TRF\5 Região (2009\Cespe), o candidato deveria considerar errada a seguinte assertiva: “Não se submete ao controle concentrado de constitucionalidade, conforme entendimento do STF, o decreto que, dando execução a lei inconstitucional, cria cargos públicos remunerados e estabelece as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações”.
Para resolver questões pelo critério cronológico, é preciso observar a cláusula de reserva de plenário?
A cláusula de reserva de plenário, prevista no art. 97 da Constituição (v. intem 3 do Capítulo IIII), só incide nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade em sentido estrito reconhecida por tribunais. Assim, no âmbito do controle concreto de constitucionalidade, não será preciso observá-la nos casos em que se reconheça a contrariedade constitucional fundada em outros termos. Logo, a se tratar de questões que se resolvam pelo critério cronológico ou pelo critério da especialidade [aparente conflito entre normas da CF editadas na mesma data], a contrariedade constitucional será decidida por quorum de julgamento fixado em lei. Somente quando a contrariedade se deva resolver pelo critério hierárquico, haverá interseção em face do conceito estrito de inconstitucionalidade, o que exigirá quórum especial de julgamento.
O que argumenta a tese de declaração de simples incompatibilidade?
Entendimento segundo o qual, embora reconhecida a inconstitucionalidade do ato, é possível deixar de aplicar o regime das sanções que em princípio segue a declaração de invalidade, mantendo-se quase que inteiramente os efeitos jurídicos decorrentes do ato inconstitucional.
Criação da jurisprudência alemã, a tese é especialmente utilizada quando o reconhecimento da inconstitucionalidade, a despeito de necessário, deva vir acompanhado sem a pronúncia de nulidade ou de anulabilidade do preceito impugnado, porque isso agravaria o estado de desconformidade constitucional.
No direito alemão, a teoria se aplica, sobretudo, quando se reconhecem casos de inconstitucionalidade por omissão parcial ou por omissão relativa, hipóteses em que o regime da plena invalidação do ato traria consequências jurídicas danosas aos respectivos beneficiários, sem eliminar os problemas da insuficiência da medida (mas omissões parciais) ou da discriminação indevida (no caso da omissão relativa). A simples incompatibilidade pode ainda ser aplicada aos casos de inconstitucionalidade progressiva de normas.
[…]
No Brasil, diante da inovação representada pelo art. 27 da Lei 9.868\99 e pelo art. 11 da Lei 9.882\99, o legislador chancelou a possibilidade de aplicar a tese da simples incompatibilidade em casos excepcionais que se verificarem no controle abstrato de constitucionalidade. Aliás, essa tese foi utilizada pelo STF no julgamento da ADIn 3.489\SC e da ADIn 2.240\BA. Outro exemplo: para evitar vácuo legislativo na regulamentação dos parâmetros de distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE), o STF declarou a “inconstitucionalidade, sem pronúncia de nulidade, do art. 2, I e II, § § 1º, 2º e 3º, e do Anexo Único, da Lei Complementar 62\89, autorizando-se a aplicação da norma até 31.12.2012, lapso temporal que se entendeu razoável para o legislador reapreciar o tema” (ADIn 875;DF, ADIn 1.987\DF, ADIn 2.727\DF e ADin 3243\MT).
Quais são as vias adequadas para exercer-se o controle de convencionalidade?
[…] Assim, uma vez identificadas normas internacionais incorporadas com status normativo infraconstitucional, mas supralegal, é automática a conclusão de que não somente os juízes, mas as autoridade púublicas em geral, deverão atribuir-lhes prevalência normativa nas situações em que gerarem antinomias em face da legislação nacional inferior.
[…]
Contudo, no Brasil, à ausência de instrumento processuais específico de controle abstrato\concentrado de convencionalidade, tal fiscalização é feita somente de modo difuso, sempre que constatada, em casos concretos, antinomia entre alguma norma interna infraconstitucional e as normas internacionais incorporadas com status de supralegalidade.
No controle abstrato de constitucionalidade, é possível tomar como parâmetro normas constitucionais que não mais vigoram?
Numa acepção temporal mais ampla daquilo que se entende por bloco de constitucionalidade, a fiscalização de constitucionalidade pode trabalhar tanto com parâmetros constitucionais que não vigoram mais (normas revogadas) quanto com normas que já tenha esgotado seu período de eficácia (normas transitórias). Daí ser possível declarar, após a vigência da nova constituição, a inconstitucionalidade originária de norma aprovada ao tempo da constituição passada. Exemplo: em 1993, quando já vigente a Constituição de 1988, o STF declarou a inconstitucionalidade de decretos-leis com base na Constituição de 1969 (RE 148.754\RJ).
No direito brasileiro, contudo, esse tipo temporal mais amplo de parâmetro, porém, só pode ser inteiramente utilizado no controle concreto\difuso de constitucionalidade. Isso porque, em matéria de controle abstrato de constitucionalidade, a jurisprudência do STF adota certas restrições temporais referentes ao parâmetro utilizável.
OBSERVAÇÃO: a partir do julgamento da ADIn 2.158\PR, o Plenário do STF passou a entender que o parâmetro de controle abstrato da constitucionalidade alcança também os preceitos constituicionais que já tenham sido revogados sob a nova ordem constitucional.
Cite as hipóteses de controle político de constitucionalidade existentes no Brasil.
Numa visão restritiva, controle político de constitucionalidade é aquele exercido por órgão político de hierarquia superior e que não faz parte da estrutura de nenhum dos três Poderes clássicos. Nesse sentido, trata-se basicamente do controle feitos pelos tribunais constitucionais da Europa continental. É a posição de autores como MICHEL TEMER, ALEXANDRE DE MORAES e PEDRO LENZA.
No Brasil, entretanto, prevalece a tese extensiva. Daí se consideraram formas política de controle de constitucionalidade (i.e. não jurisdicionais):
(a) a fiscalização preventiva da constitucionalidade exercida pelo Congresso Nacional no curso do processo legislativo;
(b) o veto presidencial motivado por questões constitucionais (veto jurídico); bem como
(c) a possibilidade de sustação parlamentar dos atos normativo do Executivo, quando exorbitantes dos limites da delegação.
Julgue a assertiva: “A combinação dos critérios difuso e concentrado, este da competência do STF, sendo o controle exercido por via de exceção e por ação direta, declarando a inconstitucionalidade como ocorre no Brasil, e adotado pelo Constituição Federal vigente, configura o controle misto”.
FALSO.
Controle misto: Forma de controle de constitucionalidade mediante a qual certos atos somente se sujeitam a controle político (por órgãos não jurisdicionais), enquanto outros só podem ser controlados por órgãos jurisdicionais (controle judicial). Exemplo clássico: sistema de controle de constitucionalidade observado na Suiça.
O STF admite o controle preventivo de constitucionalidade de leis?
[…] excepcionalmente e só pela via concreta, admite-se o controle judicial preventivo, para defender a observância do devido processo legislativo.
O primeiro precedente do STF a respeito ocorreu no julgamento do MS 20.257\DF, ainda ao tempo da Constituição passada, quando a Corte reconheceu a possibilidade de controle judicial das vedações constitucionais a “apresentação” e de “deliberação” de propostas de emenda constitucional acerca de matérias proibidas (cláusulas pétreas). […] Ademais, com a evolução da jurisprudência, o STF passou a admitir o controle judicial preventivo não só das propostas de emenda à constituição, como ainda de projeto de leis, desde que alegado o desresrespeito às normas constitucionais que regulam o devido processo legislativo. Nesse sentido, já decidiu o STF que o “processo de formação das leis ou de elaboração de emendas à Constituição revela-se suscetível de controle incidental ou difuso pelo Poder Judiciário” (Pleno, MS 23.565).
O instrumento admitido para tal finalidade é o mandado de segurança, cuja legitimidade ativa, segundo o STF, pertence exclusivamente aos próprios parlamentares com assento na Casa Legislativa onde tramita a proposta questionada. […]
No caso de leis federais, o processo judicial é da competência do STF (Constituição, art. 102, I, “d”). Já os fundamentos da ação devem ater-se a inconstitucionalidade formais (vícios do processo legislativo). Isso porque, diferentemente do que ocorre com as propostas de emenda constitucional, cujos defeitos materiais se repercutem no próprio processo legislativo, descabem alegações baseadas no conteúdo dos projeto de lei (inconstitucionalidade material) (MS 24.138\DF).
OBSERVAÇÃO: A “superveniência da aprovação parlamentar do projeto de lei ou da proposta de emenda à Constituição implica a perda da legitimidade ativa dos membros do Congresso Nacional” (STF, decisão monocrática do Min. CELSO DE MELLO no MS 22.487\DF).
O controle judicial preventivo é abstrato ou concreto?
CONCRETO.
Cite hipóteses em que, excepcionalmente, o controle repressivo de constitucionalidade não é feito pelo Judiciário.
1) sustação parlamentar do ato normativo do Executivo que exorbite do poder que lhe fora delegado (Art. 49, inciso V);
2) rejeição parlamentar de medida provisória baixada pelo Presidente da República (art. 62, § 5º);
3) controle legislativo dos pressupostos constitucionais dos decretos de intervenção federal (Constitução, art. 36, § 1º), do estado de defesa (Constituição, art. 136, § § 4º a 7º), bem como a sustação do estado de sítio (Constituição, art. 49, IV);
4) controle de constitucionalidade em concreto, por parte dos tribunais de contas, no estrito exercício de suas funções técnicas (Súmula 347\STF).
OBSERVAÇÃO: Boa parte da doutrina sustenta ser outra exceção o caso, também previsto no inciso V do art. 49, do decreto legislativo que susta ato normativo do Executivo exorbitante do poder regulamentar. Todavia, não se trata de autêntico controle de constitucionalidade, pois tal sustação se limita ao reconhecimento da ilegalidade do regulamento.
No que toca à prevalência do controle, como pode ser classificado o controle de constitucionalidade?
1) Forte: tipo de fiscalização no qual pertence ao órgão judicial o monopólio da última palavra sobre questões constitucionais, de modo que a eventual superação de uma declaração judicial de inconstitucionalidade de normas só pode ocorrer mediante a aprovação de emenda à constituição utilizada como parâmetro de controle. Exemplo: sistema brasileiro, norte-americano e dos países da Europa continental.
2) Fraco: modelo em que não radica no Judiciário o monopólio da última palavra em matéria de controle de constitucionalidade, pois o Legislativo detém a prerrogativa de contornar ou sustar decisões judiciais declaratórias da inconstitucionalidade de normas. Trata-se da figura da superação legislativa de precedentes judiciais (“legislative override”), instituto que opera por expediente como resoluções suspensivas ou mesmo a repromulgação da norma declarada inconstitucional. Exemplo clássico, no Canadá, o sistema permite ao legislador reeditar a lei declarada inconstitucionalidade pela Suprema Corte, com a consequente suspensão do pronunciamento desta por até cinco anos (prorrogáveis). Assim, com base na chamada cláusula não obstante (“notwithstanding clause”), prevista na Carta de Direitos e Liberdades do Canadá, admite-se que atos legislativos supervenientes possam convalidar a aplicabilidade de determinada norma, não obstante sua inconstitucionalidade. Segundo autores como VIRGÍLIO AFONSA DA SILVA (2009), também se incluem nesse modelo fraco o sistema inglês de controle de constitucionalidade, tal como instituído pelo Human Rights Act (1998), bem como sistema neozelandês.
O chefe do Poder Executivo pode deixar de cumprir lei por considerá-la inconstitucional? Se sim, quais são as consequências desse ato? Trata-se de controle de constitucionalidade?
Há controvérsias sobre o tema, já que, diferente da Constituição anterior, a atual previu o chefe do executivo como legitimado para propositura da ADIn.
“Porém, a conctrovérsia a respeito contunua grande, seja porque o art. 103 da Constituição Federal não contemplou os chefes do Executivo municipal, seja porque chefes de outros Poderes (do Legislativo e até do Judiciário de alguns Estados) têm se valido da prerrogativa para recusar o cumprimento da lei, sem que tampouco tenham sido contemplados com legitimidade para propor ADIn perante o STF.
Contudo, de conformidade com anterior jurisprudência, já sob a égide da atual Constituição, o STF validou decreto de Governador de Estado que desobrigava a execução de normas legais consideradas inconstitucionais por medida cautelar concedida em ADIn (ADInMC 801\RJ). Além disso, como constou de ementa de precedente de Plenário, a Corte já acentuou que os chefes dos Poderes Executivos e Legislativo podem “determinar aos seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considerem inconstitucionais (ADInMC 221\DF).
Também o STJ, em precedente de 2009, decidiu que “chefes dos Poderes Executivo federal, estaduais e municipais, por tomarem posse com o compromisso de guardar especial observância à Constituição da República”, podem “deixar de cumprir lei que entendam por inconstitucional, ainda que sem manifestação do Judiciário a respeito, decisão esta que vincula toda a Administração Pública a eles subordinada e que importa na assunção dos riscos que decorrem de suas escolhas político-jurídicas” (2 Turma, RMS 24.675\RJ). Raciocício confirmado pela 2 Turma em 2016, no RMS 48.676\PR, conforme o qual, existindo “orientação pela inconstitucionalidade de determinada norma, é possível aos Chefes dos Poderes não observá-la, assumindo eles as consequências pela orientação firmada”.
De qualquer forma, é questionável afirmar que se trata de verdadeira forma de controle de constitucionalidade, sobretudo porque os chefes de Poder não têm competência para decretar a invalidação do ato que considerarem inconstitucional. Com efeito, como já decidira o STF em 1966, o chefe de Poder (no caso, um Governador de Estado), ao recusar o cumprimento a lei havida como inconstitucional, coloca-se “na mesma posição do particular que se recusa, a seu risco, a desobedecer a lei, aguardando as ações e medidas de quem tiver interesse no cumprimento dela (2 Turma, RMS 14.136\ES).
De fato, a efetiva invalidação e a expulsão do ato supostamente inconstitucional só competem ao Poder Judiciário, a quem cabe ainda apreciar a licitude da dispensa do cumprimento da norma impugnada, sem prejuízo da responsabilização pessoal dos chefes de Poder pelas consequências da ordem de descumprimento. E se o Judiciário decidir pela constitucionalidade da norma atacada, o chefe de Poder sujeitar-se-á a ampla responsabilização, não somente política (Que pode dar margem até a impeachment), mas também penal e civil, inclusive por meio de ação civil pública, popular e de improbidade administrativa. Daí prevalecer a tese de que a hipótese não passa da simples dispensa da observância do ato, à conta e risco pessoal dos próprios chefes de Poder, que acabam por se igualar aos particulares que resolvessem adotar a mesma atitude.
Qual a posição atual do STF quanto à possibilidade de o TCU realizar controle concreto de constitucionalidade?
[…] a partir de 2006, várias decisões monocrática do STF já acenam pela revogação da Súmula 347 do STF. Nessa linha, segundo decidiu recentemente o Min. ALEXANDRA DE MORAIS, a CF não permitira ao TCU sequer o exercício do controle difuso de constitucionalidade, pois isso “representaria usurpação de função jurisdicional, invasão à competência exclusiva do STF e desrespeito ao Poder Legilativo” (MC no MC 35.490\DF, j. em 6-2-2018).
Porém, como disse o Min. MARCO AURÉLIO em decisão monocrática na MC no MS 31.439\DF, a possibilidade de o TCU “deixar de observar, ante a óptica da inconstitucionalidade, certo ato normativo há de ser apreciada em definitivo pelo Colegiado [do STF], prevalecendo, até aqui, porque não revogado, o Verbete n. 347 da Súmula do Supremo”.
Ademais, embora em discussão ato do CNJ, a 2 Turma do STF acenou pela possibilidade de os tribunais de contas reconhecerem a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo cuja ilegitimidade constitucional já tenha sido reconhecida pelo próprio STF. Em tais hipóteses, como constou do voto do Min. GILMAR MENDES, “órgãos com essa autonomia estão apenas aplicando uma jurisprudência, um entendimento pacífico” (MS 26.739\Df, 1-3-2016).
Segundo o STF, o CNJ pode reconhecer a inconstitucionalidade de lei no exercício de suas atribuições?
[…] pela jurisprudência [antiga] do STF, o CNJ e o CNMP não disporiam de competência autônoma para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Entretanto, esse entendimento jurisprudencial foi abalado por dois julgados da Corte proferidos em 2016.
No primeiro deles (MS 26.739\DF, j. 1-3-2016), embora em discussão ato do CNJ que simplesmente reconhera a ilegalidade de provimento do TJMG, a 2 Turma do STF acenou que o conselho pode anular atos normativos, inclusive leis, cuja inconstitucionalidade já tenha sido reonhecida pela jursprudência do próprio STF. Em tais hipóteses, como constou voto do Min. GILMAR MENDES, “órgãos com essa autonomia estão apenas aplicando uma jurisprudência, um entendimento pacífico.” Nessa linha, o CNJ e o CNMP possuiriam competência secundária para, pelo menos, estender o reonhecimento de inconstitucionalidade declaradas pelo STF.
No segundo e mais importante, o Pleno do STF abrandou radicalmente a jurisprudência pela impossibilidade de o CNJ realizar controle de constitucionalidade de lei. No julgamento da Pet 4.656\PB (Plenário, j em 19-12-2016), por unanimidade, o STF tanto declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 5 da Lei paraibana n. 8.223\2007 quanto validou decisão do CNJ que determinara ao TJPB a não aplicação do mesmo dispositivo legal por motivo de inconstitucionalidade. Conforme voto vencedor da Ministra CÁRMEM LÚCIA, o Supremo já havia reputado inconstitucionais leis semelhantes da Paraíba, de modo que o CNJ agira licitamente ao determinar o afastamento administrativo de outra lei com o mesmo vício das anteriores. Contudo, a Ministra foi além e enfatizou doutrina pelo cabimento do controle de constitucionalidade de leis por parte de “órgão administrativos autônomos, constitucionalmente incumbidos da tarefa de controlar a validade dos atos administrativos, tais como o TCU, o CMP e o CNJ”. Para a Ministra CÁRMEM LÚCIA, está incluída “entre as competências constitucionalmente atribuídas ao CNJ a possibilidade de afastar, por inconstitucionalidade, a aplicação de lei aproveitada como base de ato administrativo objeto de controle e determinar aos órgãos submetidos a seu espaço de influência a observância do entendimento, por ato expresso e formal tomado pela maioria absoluta de seus membros” (Inf. 851\2016).
Todavia, esse voto vencedor na Pet 4.656\PB entendeu que, no ato do CNJ, não houve “declaração de inconstitucionalidade da qual resultasse a anulação ou revogação da lei discutida, com exclusão da sua eficácia”, mas simples “nulidade dos atos questionados por ser considerada inaplicável, administrativamente, lei estadual com vício de inconstitucionalidade, com a vinculação apenas da atuação de órgão judicial cujos atos administrativos foram submetidos ao controle do CNJ. Assim, não se haveria de cogitar de usurpação da competência do STF, a qual seria passível de impugnação por meio constitucional próprio”.
Quais são os fundamento que justificam reconhecer ao TCU a competência para realizar controle de constitucionalidade concreto?
Trata-se de prorrogativa que se atribui aos tribunais de contas, com base na teoria dos poderes implícitos, e que se parece justificada, mesmo após a Constituição de 1988. Afinal, para bem desenvolverem suas atribuições constitucionais, sobretudo as previstas nos incisos do art. 71, dispõem as cortes de contas de poder fiscalizador implícito da própria validade dos atos que examinam. Assim, ainda quando praticados tais atos em obediência à lei, é possível ao órgão fiscalizador de contas verificar a constitucionalidade dessa legislação sob parâmetros e racionalidades jurídicas.
Nessa linha, cuida-se de controle de constitucionalidade repressivo concedido, implícita e excepecionalmente, a órgão não judicial. Porém essa prerrogativa restringe-se ao exame da constitucionalidade em casos concretos, pois não há permissão constitucional implícita para quaisquer órgãos realizarem controle abstrato de constitucionalidade.
Se a parte deixou de interpor RE para discutir a constitucionalidade de lei, poderá depois se valer desse recurso novamente, caso seu REsp seja desprovido?
A tese da inexistência de preclusão acerca das questões constitucionais só é pacífica até a fase dos recursos ordinários. Ultrapassada esta fase, há fortes argumentos pela tese da preclusão do direito de suscitar questões constitucionais não discutidas ou que não tenham sido objeto de recurso de natureza extraordinária, a menos que elas tenham sido inauguradas no próprio julgamento do recurso especial (p. 388). Ver AgRg no RE 365.989\SP.
É possível alegar-se a violação à CF em REsp?
No STJ, é também cabível suscitar o incidente de inconstitucionalidade no âmbito do julgamento de recurso especial. Contudo, a Corte Especial do STJ já decidiu que a parte recorrente não pode pleitear a declaração de inconstitucionalidade no recurso especial, pois a via recursal própria para tal discussão é o recurso extraordinário dirigido ao STF. Esse entendimento está correto quanto ao mérito do recurso especial, mas parece defensável, todavia, que o recorrente possa alegar a inconstitucionalidade de atos normativos que interfiram nos requisitos de admissibilidade do próprio recurso especial.
Ao decidir incidente de inconstitucionalidade, o Plenário de Tribunal de Justiça deve levar em conta o caso concreto?
O incidente de inconstitucionalidade mantém certa autonomia em face do caso concreto do qual é suscitado. Daí a possibilidade de intervenção de sujeitos distintos daqueles que fazem parte da relação processual originária. Como ensina, AMARAL JÚNIOR, a decisão “é tomada em tese, iso é, o plenário julga tão-só a questão de constitucionalidade ou não da norma impugnada e o faz sem levar em consideração o caso concreto em que foi levantada”. Ademais, a “decisão plenária não se circunscreve aos autos do caso concreto em que foi suscitada, mas - por mecanismos legais ou regimentais - repercute sobre todos os demais feitos que envolvam a mesma questio iuris constitucional”.
A cláusula de reserva de plenário se aplica às turmas recursais?
Não.
A interpretação restritiva de dispositivo à luz da Constituição, para afastar-lhe a aplicação ao caso, requer a observância da cláusula de reserva de plenário?
Tema problemático.
“Na Rcl 27.068 (j. em 5-2-2018), em que se discutia negativa de vigência de norma de lei federal, a 1 Turma do STF entendeu violada a Súmula Vinculante 10, após considerar que a “literalidade do dispositivo”, seguida de “sua não aplicação à situação concreta” importaria em “negativa de vigência, sem a devida observância à reserva de plenário.” Porém, esse julgado parece equivocado, por confundir a inobservância da cláusula de plenário com a simples interpretação restritiva da disposição normativa. Nesse sentido, em voto vencido, a Ministra ROSA WEBER (relatora) entendeu, corretamente, “que a mera interpretação de determinada norma à luz da CF, por órgão fracionário de tribunal, não caracteriza violação da reserva de plenário”.
Conferir: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/gabriel-dias-marques-da-cruz/stf-interpretacao-conforme-a-constituicao-e-reserva-de-plenario
É necessária a observância da cláusula de reserva de plenário quando o tribunal, a pretexto de corrigir alguma incompletude da lei, acaba por reconhecer (implícita ou explicitamente) a presença de omissão inconstitucional e amplia o respectivo programa normativo, na linha das chamadas “sentenças aditivas”?
Sim. Nesse sentido, na Rcl 14.872\DF a 2 Turma do STF cassou acórdão do TRF1 que estendera, a outros servidores, aumento remuneratório concedido em menor extensão pela Lei 10.698\2003.
A invalidação de atos de efeitos concretos, por inconstitucionalidade, também deve observar a cláusula de reserva de plenário?
A cláusula incide qaunto a todo tipo de ato normativo primário, incluindo o de natureza individual e\ou o de efeitos concretos.
No AgRg na Rcl 18.165\RR (j. em 19-10-2016), 2 Turma do STF reputou desnecessário observar a cláusula de reserva de plenário para afastar aaplicação de decreto legislativo a sustar o andamento de ação penal contra parlamentar (art. 53, pár. 3, da CF), pois se tratava de ato individual e concreto, portanto, destintuído de caráter normativo. Porém, esse precedente foi revisto em nos ED no AgRg na Rcl 18.165\RR (j. em 22-8-2017), ocasião em que a 2 Turma entendeu que a cláusula incide mesmo em relação aos atos legislativos de efeitos concretos.
É possível utilizar a teoria dos motivos determinantes para afastar a necessidade de instauração de incidente de inconstitucionalidade?
Não. Embora tanto o CPC\1973 quanto CPC\2015 tenham dispensado a observância da cláusula de reserva de plenário quando o STF ou o próprio tribunal julgador já tiverem se pronunciado sobre a mesma “questão”, essas legislações devem ser interpretadas conforme o art. 97 da Constituição.
Para realizar-se interpretação conforme a CF, é necessária a observância da cláusula de reserva de plenário?
Não. […] se o tribunal, no exercício da jurisdição em casos concretos (controle concreto\difuso), simplesmente “restringe a aplicação de uma norma a alguns casos, mantendo-a com relação a outros”, ainda que a pretexto de realizar uma interpretação conforme a CF (RE 184.093\SP, AgRg no AG 220.508\RJ e RE 460.971), pois aí não há que se falar propriamente em declaração de inconstitucionalidade.
OBSERVAÇÃO: Em sentido contrário, a Rcl 14.872\DF (2 Turma do STF). A decisão impugnada fizera uso da interpretação conforme, mas se absteve de declarar a inconstitucionalidade da norma. Já o STF entendeu que “tal técnica de interpretação conforme configura claro juízo de controle de constitucionalidade”, razão pela qual cassou acórdão do TRF1, após reputar vilada a cláusula de reserva de plenário.
A rigor, contudo, a pretexto de realizar uma “interpretação conforme”, o acórdão do TRF1 procedera, de fato, a uma declaração de inconstitucionalidade por omissão relativa, para estender aumento remuneratório a outros destinatários não contemplados na lei. Porém, embora se possa concordar que cláusula de reserva de plenário deveria ter sido observada pelo TRF1 no caso, o precedente do STF fez nítida confusão entre o uso da “interpretação conforme”, no controle concreto (sem declaração de inconstitucionalidade), com a técnica da “interpretação conforme” utilizada (indevidamente, aliás) para declarar a inconstitucionalidade no controle abstrato. Daí equivocada conclusão do voto vencedor do STF, segundo o qual “não se utiliza a técnica da interpretação conforme à Constituição quando a norma é constitucional”.
A cláusula de reserva de plenário se aplica ao STF?
Há divergência quanto à exigência da reserva de plenário no julgamento de recurso extraordinário perante as turmas do STF. A doutrina geralmente afirma que a cláusula deve ser aplicada. No entanto, há precedente da 2ª Turma/STF no qual a Min. Ellen Gracie diz que ela não se aplica: “O STF exerce, por excelência, o controle difuso de constitucionalidade quando do julgamento do recurso extraordinário, tendo os seus colegiados fracionários competência regimental para fazê-lo sem ofensa ao art. 97[…]”[RE 361.829-ED].
Também se aplica ao STF o princípio segundo o qual o juiz deve abster-se de pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade da lei sempre que, sem fazê-lo, possa julgar o feito?
[…] em razão do princípio da presunção de constitucionalidade das normas, a prerrogativa de declarar a inconstitucionalidade, sobretudo de ofício, só deve ser exercitada quando a lide não puder ser decidida com base em fundamentos diversos. Se houver outros motivos capazes de levar à extinção do processo, com ou sem resolução de mérito, descabe reconhecer a anomalia constitucional que também pudesse ser utilizada para extingui-lo. […]
Excepcionalmente, porém, em se tratando de processo da competência originária do STF, o Plenário da Corte reputa possível atenuar o princípio da presunção de constitucionalidade em favor do pruncípio da supremacia constitucional. Como se entedeu em questão de ordem suscitada no MS 20.505\DF, os artigos 176 e 177 do RISTF afastam, no âmbito do STF, “o princípio clássico de que o juiz deve abster-se de se pronunciar sobre a inconstitucionalidade sempre que, sem fazê-lo, possa julgar o feito” (voto do suscitante. Min. MOREIRA ALVES). […] No mesmo sentido, no RE 420.816\PR, decidiu o Plenário: “Ainda que não seja essencial à solução do caso concreto, não pode o Tribunal - dado o seu papel de ‘guarda da Constituição’ - se furtar a enfrentar o problema de constitucionlidade suscitado incidentemente”.
Os Tribunais superiores podem examinar, em alguma hipótese, questão constitucional que não foi abordada nas instâncias inferiores?
[…] a preclusão referente às questões constitucionais não discutidas nem suscitadas em recurso de natureza extraordinária tanto impede a admissibilidade recursal (v. Súmula 283 do STF) quanto acaba por sufocar as possibilidade de o Tribunal Superior declarar a inconstitucionalidade ex officio.
Daí o entendimento segundo o qual, nas instância recursais extraordinárias, o efeito devolutivo só envolve questões enfrentadas na decisão recorrida e suscitadas na peça recursal, sem margem à aplicação de efeitos translativos. Como acentuado pelo STJ, o “efeito translativo é próprio dos recursos ordinários (apelação, agravo, embargos infringentes, embargos de declaração e recurso ordinário constituciona), e não dos recursos excepcionais, como é o caso do recurso especial” (REsp 1.366.921\PR, 3 Turma).
Nada obstante, esses limites não comprometem a possibilidade do reconhecimento ex officio da inconstitucionalidade do ato normativo, pelas instâncias recursais extraordinárias, nas seguintes hipóteses excepcionais:
a) em questão de ordem, na fase de admissibilidade recursal, se a inconstitucionalidade recair em norma que disciplina o processamento do próprio recurso examinado. Exemplo: a inconstitucionalidade da lei que instituísse nova modalidade de recurso especial ou extraordinário, com desrespeito às hipóteses constitucionais taxativas;
b) no julgamento do mérito recursal, nas situações em que, não fosse a declaração de inconstitutionalidade, alguma ato inconstitucional teria de ser aplicado pelo Tribunal Superior, ao prover ou desprover o recurso (v. RE 264.289\CR, Pleno do STF).
Em que hipóteses é cabível a apreciação de questão constitucional em REsp?
[…] mesmo no julgamento de REsp, parece cabível a declaração de inconstitucionalidade ex officio, mas apenas:
(a) em questão de ordem suscitada na fase de admissibilidade recursal, para reconhecer a inconstitucionalidade da legislação aplicável ao processamento do próprio recurso especial; ou
(b) quando o julgamento do recurso especial envolver questão constitucional que, prejudicial ao exame do mérito recursal, não desafiasse recurso extraordinário, nem tivesse sido decidida pelo tribunal inferior, incluindo as questões surgidas depois da decisão recorrida.
É possível a modulação de efeitos da declaração de constitucionalidade no controle concreto?
[…] ainda que as Lei 9.868\99 e 9.882\99 regulem mecanismos do controle abstrato de constitucionalidade, a jurisprudência do STF, na linha de precedentes anteriores, sentiu-se mais à vontade para fixar efeitos não retroativos (ex nunc) e até pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade, seja para proteger a boa-fé, seja por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social.
Daí por que, em julgamento realizado em 2002, com fundamento também no princípio da segurança jurídica e após entender que a “declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente”, o Plenário do STF, “em caráter de exceção”, concedeu até “efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade” (RE 197.917\SP).
Alguns acórdãos da 1 Turma do STF, contudo, passaram a impressão de que a modulação de efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade só seria viável no âmbito do controle abstrato\concentrado. Trata-se de evidente equívoco, mas que contaminou também a jurisprudência do STF (por todos, v. ED no AgRg no REsp 636.261\RJ e REsp 650.424\RJ).
Na verdade, o STF tem modulado os efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade em diversos casos concretos, além de já ter até confirmado modulação temporal realizada por tribunal inferior, mesmo em ralação a um norma que o próprio STF declarara inconstitucional com efeitos ex tunc. (p. 422)
Admite-se a modulação de efeitos da decisão proferida em caso concreto no caso de não recepção?
A jurisprudência do Plenário do STF, em sede de controle concreto, entendia que a manipulação temporal não poderia ser utilizada nos casos em que se reconhece simples conflito intertemporal entre a Constituição e a norma infraconstitucional (lex posterior derogat priori) - AgRg no AI 453.071\RJ. Contudo, em julgamento com “repercussão geral”, o Plenário do STF reputou possível modular também os efeitos da não recepção de ato normativo pré-constitucional. Nesse precedente, após invocar motivos de segurança jurídica, a Corte deicidu por manter, até 31-12-2011, a validade de concursos públicos realizados sob a regra do art. 10 da Lei 6.880\80, muito embora tal dispositivo não tivesse sido recepcionado pelo art. 142, pár. 3, inciso X, da CF (RE 600.885\RS). Ademais, no mesmo RE 600.885\RS, o STF resolveu até ampliar a modulação temporal em sede de embargos declaratórios, para dela excluir “os candidatos com ações ajuizadas nas quais se discute o mesmo objeto deste recurso extraordinário”.
Em que consiste a modulação derivada dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade?
É precisos diferenciar duas figuras distintas de modulação. De uma lado está a chamada “modulação originária”, conforme a qual o efeito ex tunc da declaração de inconstitucionalidade é excepcionado no próprio processo em que a declaração de inconstitucionalidade é proferida. […]
Contudo, há ainda a “modulação derivada”, aquela em que o órgão julgador resolver, noutro caso, a declaração de inconstitucionalidade, com efeitos retroativos, proferida num processo anterior. Essa, aliás, a modalidade utilizada nos primeiros casos de modulação decididos pelo STF, ainda na década de 1970 (RR.EE 78.209\SP e 79.628\SP, 1 Turma; e RE 78.594\SP, 2 Turma). Outro exemplo: no RE 442.683\RS, a 2 Turma do STF confirmou acórdão do TRF\4 Região que atribuíra efeitos meramente ex nunc, no caso concreto, à declaração de inconstitucionalidade ex tunc proferida em abstrato pelo STF na ADIn 837\DF.
Qual o quórum necessário para modular-se os efeitos de declaração de inconstitucionalidade emitida em controle difuso?
Assunto novo e ainda bastante controvertido.
1) Maiorida de 2\3 (por analogia à Lei 9.868\99) - Decisão do Plenário do STF: nas modulações decididas no julgamento de recursos extraordinário de repercussão geral.
2) Maioria absoluta (cláusula de reserva de plenário) - decisão do plenário ou da corte especial dos tribunais em geral (incluindo o STF): nas hipóteses de modulações decidida no próprio processo em que declarada a inconstitucionalidade (originária).
3) Maioria simples - De quaisquer órgão de tribunais em geral: nas hipóteses de modulação decidida em processo diverso daquele em que declarada a inconstitucionalidade (modulação derivada).
O senado, ao suspender lei declarada inconstitucional pelo STF em controle difuso (qualquer ação, não apenas RE), pode restringir ou ampliar o alcance da decisão?
Não, nem examinar o mérito delas.
O Senado pode revogar a resolução que determinou a suspensão da lei?
Discute-se […] se o Senado pode revogar esse tipo de resolução. SÉRGIO RESENDE DE BARROS (2003) defende a possibilidade, por entender que a resolução apenas “subtrai exequibilidade à lei, porém não a revoga”. Logo, como “a lei continua existindo para todos e, também, para o Supremo e o Senado, estes têm o dever constitucional de restaurar-lhe a execução, quando for o caso”. Contudo, há antigos precedentes do Pleno do STF a declarar a inconstitucionalidade da resolução revogadora. Segundo a Corte, uma vez editada a resolução, não pode o Senado revogá-la posteriormente (MS 16.512\DF, j. em 26-5-66), até porque não se trata de ato propriamente legislativo (MS 16.519\DF, j. em 20-6-66).
A resolução do Senado possui efeito ex nunc ou ex tunc?
Quanto à eficácia temporal da resolução do Senado, existem grandes controvérsias. Boa parte da doutrina sustenta ser meramente ex nunc, pois o Senado apenas suspenderia a execução da lei a partir do momento em que a resolução é editada. Nesse sentido, cf. ALEXANDRE DE MORAES, JOSÉ AFONSO DA SILVA, NAGIB SLAIBI FILHO, KILDARE CARBALHO, ADA PELLEGRINI, SÉRGIO RESENDE BARROS.
Todavia, a melhor doutrina é a que reconhece efeitos ex tunc à resolução do Senado (GILMAR MENDES, CLÈMERSON CLÈVE, MARCELLO CAETANO). Posição adotada pelo STF, segundo o qual a resolução que suspende “a vigência da lei por inconstitucionalidade torna sem efeito todos os atos praticados sob o império da lei inconstitucional (RMS 17.976\SP). No mesmo sentido, RE 86.056\SP e, mais recentemente, o julgamento do AgRg no AI 677.191\GO, no qual a 2 Turma do STF entende que a resolução do Senado Federal possuía efeito repristinatório da legislação revogada pela norma inconstitucional cuja eficácia fora suspensa.
[…]
Ocorre que essa extensão, porém, não gira em torno só da conveniência de dar tratamento isonômico a terceiros; tem a ver, também, com a preocupação de evitar que o Judiciário seja acionado desnecessariamente. Assim, a resolução produz efeitos ex tunc, tal qual a decisão judicial de que se origina, de modo a evitar o ajuizamento de ações judiciais a questionar a incidência da norma inconstitucional no período anterior à publicação da resolução (BERNARDES 2004). Todavia, excepecionalmente, se a decisão paradigma do STF não tiver eficácia retroativa (casos de resoluções decisória ex nunc ou pro futuro, por exemplo), a resolução do Senado tampouco poderá surtir efeitos diversos. Afinal, restringe-se a estender e a complementar, de modo erga omnes, os mesmos efeitos temporais assentados pelo STF no julgado paradigma.
Como está a jurisprudência do STF quanto à tese de mutação constitucional do art. 52, X, da CF?
[…] em 2017, a tese da mutação constitucional do inciso X do art. 52 da Constituição sagrou-se vencedora no Plenário do STF (ADIn 3.406\RJ e ADIn 3.470\RJ, j. em 29-11-2017). Nessa ações diretas, embora impugnada uma lei estadual, a Corte declarou a inconstitucionalidade incidental de lei federal (art. 2 da Lei 9.055\95), e o fez com efeitos vinculante e “erga omnes”. Para tanto, conforme Inf. 866\2017, a Corte acompanhou voto do Ministro GILMAR MENDES e “entendeu ser necessário, a fim de evitar anomias e fragmentação da unidade, equalizar a decisão que se toma tanto em sede de controle abstrato quanto em se de controle incidental,” algo que estaria reforçado pelo raciocínio do art. 535 do CPC\2015 (sobre o assunto, v. item 9).
Dessarte, por sete votos a um, foi acolhida pelo Plenário do STF a proposta de “releitura” do disposto no art. 52, X, da CF\88, “no sentido de que a Corte comunica ao Senado a decisão de declaração de inconstitucionalidade, para que ele faça a publicação, intensifique a publicidade.” Como defendeu o Min. CELSO DE MELLO, houve “verdadeira mutação constitucional” a expandir “os poderes do STF em tema de jurisdição constitucional”. Para o Ministro, “o que se propõe é uma interpretação que confira ao Senado Federal a possibilidade de simplesmente, mediante publicação, divulgar a decisão do STF, Mas a eficácia vinculante resulta da decisão da Corte.”
Porém, ainda persiste certa confusão sobre o tema. Menos de um mês após o julgamento mencionado, na própria ADIn 3.406\RJ, a Min. ROSA WEBER, em decisão monocrática (j. 19-12-2017), deferiu pedido de suspensão dos efeitos da declaração incidental de inconstitucionalidade. Em inusitada espécie de provimento monocrático suspensivo de acórdão do Plenário, a Ministra ROSA WEBER reputou presente o risco de ineficácia do pedido de modulação decisória apresentado em embargos declaratórios e, com fundamento no poder geral de cautela, decidiu “suspender, em parte, os efeitos da decisão, apenas no ponto em que se atribuiu eficácia erga omnes à declaração de inconstitucionalidade do art. 2 da Lei n. 9.055\1995, até a publicação do acórdão respectivo e fluência do prazo para oposição dos aventados embargos de declaração.”
[…]
De qualquer forma, ainda parece cedo para avaliar as repercussões dessa abrupta adesão à tese da mutação constitucional do inciso X do art. 52. A uma, porque a tese da mutação constitucional acabou adotada em declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum, mas no âmbito de ações do controle abstrado (ADIn). A duas, porque o STF, em jurisprudência defensiva contra a elevação do número de reclamações à Corte, vinha sempre a entender em sentido contrário à mesma tese da mutação constitucional. Daí ser prudente examinar se o novo entendimento será replicado em sede de ações e recursos próprios do controle concreto de constitucionalidade.
O reconhecimento da repercussão geral de questão pelo STF implica a imediata suspensão de todos os processos que tratem da matéria?
Ao tempo do CPC\1973, entendeu o Plenário do STF, o reconhecimento da repercussão geral da matéria constitucional não autorizava “a suspensão imediata de todos os processos que versem sobre o assunto, mas apenas determina a suspensão do envio dos autos de recursos extraordinários e de agravos de instrumento ao STF” (AgRg na Rcl 9.732\SP).
Já pelo CPC\2015, uma vez reconhecida a repercussão geral, o relator no STF “determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional” (art. 1.035, § 5º). Ou seja, pelo CPC\2015, enquanto se aguarda o julgamento do recurso pelo STF, a própria prestação jurisdicional ficará obstada nas instâncias ordinárias, ressalvada a possibilidade da realização de “atos urgentes a fim de evitar dano irreparável” (art. 314, aplicável por analogia).
Observação: Embora a determinação do § 5º do art. 1.035 do CPC\2015 esteja no imperativo (o relator “determinará” a suspensão), o Plenário do STF, ao resolver questão de ordem no RE 966.177\RS (j. em 7-6-2017), decidiu que “a suspensão de processamento prevista no § 5º do art. 1.035 do CPC não consiste em consequência automática e necessária do reconhecimento da repercussão geral realizada com fulcro no caput do mesmo dispositivo, sendo da discricionariedade do relator do recurso extraordinário paradigma determiná-la ou modulá-la”.
O STF admite a aplicabilidade de sua Súmula n. 343 quando se discute em rescisória a interpretação de norma constitucional?
Súmula 343: Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.
[…] Certo é que a eficácia preclusiva da coisa julgada “inconstitucional”, no direito brasileiro, vem sendo continuamente enfraquecida. Esse enfraquecimento decorre, em primeiro plano, da história jurisprudência do Plenário do STF acerca da não aplicação da Súmula 343\STF (“Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”), em face da coisa julgada que contrariar a interpretação dada pela Corte acerca da Constituição Federal, mesmo que a decisão objeto da rescisória seja anterior à orientação fixada pelo STF.
[…] Para o STF, “a manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada pelo STF revela-se afontrosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional”, daí por que caberia “ação rescisória por ofensa a literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida ou seja anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal” (RE 328.812\AM, com repercussão geral, Pleno).
Esse posicionamento foi atenuado, recentemente, nos casos em que a rescisória tenha por fundamento mudança jurisprudencial do STF ocorrida após a decisão impugnada. Num precedente ainda isolado, o Plenário da Corte não admitiu rescisória em que se pretendia ajustar, à posterior mudança de entendimento do STF (que passara a julgar pela inconstitucionalidade do ato normativo impugnado), acórdão prolatado segundo entendimento contrário, predominante à época. Para tanto, entendeu-se que a rescisória não se confundia com algum mecanismo de uniformização da jurisprudência, razão pela qual deveria ser reservada “a situações excepcionalíssimas”, ante “a natureza de cláusula de pétrea conferida pela constituinte ao instituto da coisa julgada”. Daí por que não se poderia afastar o cabimento da Súmula 343, “aprioristicamente”, mesmo em matéria constitucional. […] (p. 451-452)
Qual o objeto da ação direta interventiva?
O objeto da ação direta interventiva, no geral, incide sobre atos normativos estaduais ou distritais. Porém, admite-se ainda a impugnação de atos omissivos, incluindo atos concretos, desde que a medida não seja confundida nem utilizada para substituir a chamada representação para execução de lei federal. Nesse sentido, aliás, o art. 3 da Lei 12.562\2011 determina que a petição inicial da representação interventiva contenha a indicação tanto do princípio constitucional sensível que se considera violado quanto do “ato normativo, do ato administrativo, do ato concreto ou da omissão questionados”.
Essa característica torna ainda mais patente o enquadramento do ADIn interventiva entre as formas de controle concreto [tema polêmico na doutrina], pois nem sequer é preciso que o ato impregnado se revista de normatividade. Daí a razão por que o Plenário do STF conheceu de representação interventiva movida contra a omissão de autoridades estaduais em proteger a vida de presos custodiados no interior do Estado do Mato Grosso (IF 114\MT).
É cabível recurso extraordinário contra ação interventiva estadual?
Súmula 637 do STF: Não cabe recurso extraordinário contra acórdão de tribunal de justiça que defere pedido de intervenção estadual em município.
[…] ao contrário das ações diretas interventivas federais, cujas decisões finais são irrecorríveis (art. 12 da Lei 12.562\2011), os acórdãos dos tribunais de justiça que julgam ação interventiva estadual ainda estão sujeitos a recurso extraordinário dirigido ao STF (Constituição, art. 102, III, “a”), a despeito do raciocínio da Súmula 637 do STF.
A Súmula 637\STF diz respeito à intervenção de que trata o art. 34, VI, da CF [“VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial”]. Ou seja, refere ao ato político-administrativo dos TJs que defere a intervenção estadual. Nesse sentido, não se trata de uma ‘causa’ em sentido próprio, mas de simples ‘providência administrativa’. Logo, a decisão do TJ não pode ser atacada por RE. Já a ação direta interventiva estadual tem previsão constitucional diversa (art. 34, VII, da CF [princípios sensíveis]). E como se cuida de ‘causa’ propriamente dita, verdadeira ação judicial, o acórdão que a apreciar será ato jurisdicional, e não simplesmente ato político-administrativo do TJ. Daí se sujeitar a RE.
O Estado dispõe de legitimidade para interpor recurso em sede de controle abstrato?
Em razão do princípio da acessibilidade limitada, nem mesmo o Estado-membro “dispõe de legitimidade para interpor recurso em sede de controle normativo abstrato, ainda que a ação direta de inconstitucionalidade tenha sido ajuizada pelo respectivo Governador” (AgRg na AIn 2.130\SC e AgRg na ADIN 1.663\AL).