Controle de constitucionalidade Flashcards
Em que consiste a inconsticionalidade nomodinâmica?
Em consideração às teorias dinâmica e estática dos sistemas normativos (KELSEN), algumas bancas de concurso já têm se referido à inconstitucionalidade formal como inconstitucionalidade “nomodinâmica”. Embora ociosa, essa referência terminológica tem por fundamento a circunstância de que uma norma formalmente inconstitucional é aquela a apresentar problemas quanto ao cumprimento das etapas necessárias à completa observância do “critério da legalidade”, que regula as relações de criação de novas normas dentro de um mesmo sistema jurídico.
Caráter estático e dinâmico dos sistemas jurídicos:
Segundo KELSEN, os sistemas normativos podem ser classificados conformes as características com que as normas particulares são extraídas a partir de normas gerais pertencentes a um mesmo sistema normativo.
Nesse sentido, sistemas normativos estáticos são os que permitem extrair normas a partir do conteúdo de outras normas, por meio de simples operações lógicas, ou seja, à base de conclusões que partam “do geral para o particular”. Exemplo: da norma que determina agir com honestidade se pode extrair a norma que veda a apropriação indébita.
Já os sistemas normativos dinâmicos são aqueles que atribuem poder (competência) a um determinado órgão ou autoridade para editar outras normas que se somarão ao mesmo sistema, mas com conteúdo diverso daquele das normas pré-existentes. Assim, autorizados por normas de competência, certo órgãos ou autoridades podem promulgar novas normas independentemente do conteúdo daquelas que já existiam. Exemplo: com base em norma constitucional que lhe atribui competência à União para legislar sobre direito penal, o legislador federal edita lei a estabelecer novo tipo de crime.
Portanto, nos sistema normativos estáticos, as normas ligam-se entre si por atributos materiais (conteúdo), conforme critérios de dedutibilidade lógica, a exemplo do que ocorre com sistemas normativos formados por normas morais (Moral). Assim, as normas pertencentes a um sistema jurídico estático são somente aquelas que possam ser obtidas, mediante raciocínios logicamente consistentes, a partir de determinado conjunto finito de elementos que já integram o mesmo sistema.
Contudo, nos sistemas normativos dinâmicos, as conexões normativas derivam de atributos formais (delegação de competências) identificados a partir de critérios de legalidade, tais quais os sistemas normativos constituídos por normas jurídicas (Direito). Logo, embora o dinamismo do sistema possa alterar os elementos (normas) a partir dos quais outras normas poderiam ser extraídas pelo critério da dedutibilidade lógica, é preciso que eventuais alterações normativas (promulgação\derrogação de normas) se processem de acordo com critérios formais previstos pelo próprio sistema.
Enfim, os sisstemas normativos jurídicos podem ser estudados em perpectiva tanto estática como dinâmica. Isso porque, a partir das normas gerais produzidas por processo dinâmicos de critação normativa, é também possível extrair normas jurídicas particulares por meio de deduções lógicas. Afinal, como nenhum sistema jurídico está resumido só às normas que delegam competências para editar outras normas, todas eles acabam por incluir - ainda que implicitamente - as normas jurídicas extraídas de outras normas mediante operações lógicas.

Qual a diferença entre inconstitucionalidade formal subjetiva e inconstitucionalidade formal objetiva?
Parte da doutrina diferencia os seguintes tipos de inconstitucionalidade formal: (a) inconstitucionalidade formal subjetiva: se o defeito está relacionado à fase introdutória do processo legislativo, i.e., à etapa da da iniciativa legislativa. Exemplo: emenda constitucional cuja proposta foi enviada por menos de 1\3 dos Deputados Federais; e (b) inconstitucionalidade formal objetiva: quando a incompatibilidade se refere às fases constitutivas ou complementares da tramitação do processo legislativo. Exemplo: lei promulgada sem observância do quórum mínimo de votação.
O que é a inconstitucionalidade orgânica?
Vício de competência do órgão responsável pela edição do ato. Nesse sentido, uma lei será organizamente inconstitucional se aprovada por órgão incompetente. Exemplo: lei penal aprovada por Assembleia Legislativa, em manifesta contrariedade à competência privativa da União para legislar a respeito (art. 22, I). Outro exemplo: medida provisória baixada pelo Ministério da Justiça.
Obs: A maioria da doutrina nacional trata esse tipo de inconstitucionalidade como espécie de inconstitucionalidade formal.
Emenda constitucional que tenda a abolir cláusula pétrea incorre em inconstitucionalidade material ou formal?
Em relação às emendas constitucionais, como o § 4o do art. 60 proíbe até mesmo “deliberar” propostas tendentes a abolir quaisquer cláusulas pétreas, a inconstitucionalidade material a respeito equivale também a uma inconstitucionalidade formal.
O simples dever geral de edição de lei é suficiente para fundamentar omissão inconstitucional?
[…] o mero “dever geral de emanação de leis não fundamenta uma omissão inconstitucional” (CANOTILHO, 1994, p. 332). Do contrário, a simples e genérica distribuição de competências legislativas aos entes federados serviria de fundamento à fiscalização judicial em face da omissão de legislar sobre qualquer assunto. Daí se dizer que a inconstitucionalidade por omissão pressupõe o descumprimento de uma obrigação constitucional concreta de ação (CANOTILHO, 1994, p. 333).
Ademais, só propriciam o surgimento de omissão inconstitucional as lacunas que representem opção consciente do constituinte de transferir a outros órgãos a tarefas de dotar de plena aplicabilidade certas normas constitucionais. Assim, lacunas constitucionais que se traduzam em “silêncios eloquentes” ou em espaços temáticos que o constituinte intencionalmente não quis ocupar tampouco darão ensejo a omissões inconstitucionais.
Por fim, uma omissão inconstitucional pode ainda decorrer do descumprimento da tarefa de “melhorar” ou “corrigir” as medidas providenciadas, pois o dever de implementar a plena aplicabilidade das normas constitucionais possui caráter permanente.
Em resumo, uma inconstitucionalidade por omissão caracteriza-se quando a abstenção considerada se traduzir em:
a) impedimento à aplicabilidade imediata de normas constitucionais que apresentem lacuna técnica intencional por decorrência do inadimplemento de imposição constitucional concreta de agir; ou
b) inobservância quanto à necessidade constitucional de atualizar a norma ou a medida editada para cumprir alguma obrigação constitucional concreta de ação.
A existência de projeto de lei em trâmite no Congresso afasta a possibilidade de reconhecimento da omissão inconstitucional?
Pela atual jurisprudência do STF, configura-se a omissão inconstitucional, ainda que já apresentados projetos legislativos tendentes a reparar o problema, sempre que constatada demora injustificável na discussão e na votação deles. Para o STF, “a inertia deliberandi (discussão e votação) também poderia configurar omissão passível de vir a ser reputada morosa, no caso de os órgãos legislativos não deliberarem dentro de um prazo razoável sobre o projeto de lei em tramitação” (ADIn 3.682\MT).
Assertiva: “A inconstitucionalidade por ação e a por omissão têm como objeto comum tantos atos legislativo, como os atos administrativos, respectivamente, produzidos ou omitidos com inobservância da Constituição”.
Correta.
Em que consiste a inconstitucionalidade por omissão relativa? Qual a diferença entre ela e a inconstitucionalidade parcial?
Inconstituicionalidade por omissão relativa: incompleta isonomia na disciplina normativa. Manifesta-se nas hiopóteses em que, embora inexistisse prévia obrigação de aprovar determinado ato, aquele que posteriormente se aprovou fere o princípio constitucional da isonomia, por deixar de contemplar situações que igualmente deveriam estar incluídas no programa normativo. Exemplos: a lei que concedesse aumento salarial para servidores públicos do sexo masculino, sem o estender às mulheres em igual situação; no RE 580.963\PR, o Plenário do STF reconheceu a presença desse tipo de omissão no art. 34, parágrafo único, da Lei 10.574\2003, na parte em que assegurava tratamento privilegiado na concessão de benefício assistenciais a idosos, mas excluía, sem justificativa plausível, os deficientes físicos em idênticas circunstâncias.
Diferença entre a omissão parcial e a omissão relativa:
A doutrina em geral e a jurisprudência do STF acabam por englobar, indistintamente, os dois tipos de omissão sob a mesma denominação, ora como “omissões parciais”, ora como “omissões relativas”. Nesse sentido, por exemplo, no mencionado RE 580.963\PR, o Plenário do STF tratou um típico caso de omissão relativa como omissão parcial. Porém, as diferenças entre a omissão inconstitucional do tipo parcial e a do tipo relativa são importantes. Certo, ambas são espécies de omissões em sentido material, cuja presença é constatada a partir de um ato comissivo (omissão-produto) ao qual se agrega, porém, um juízo de valor acerca da respectiva adequação à constituição. Todavia, na omissão parcial, a inconstitucionalidade está no cumprimento insuficiente do preceito constitucional que impõe uma prévia obrigação de atuação normativa voltada a tornar efetiva alguma norma constitucional desprovida de aplicabilidade imediata. Por sua vez, na omissão relativa, a omissão está na inobservância do princípio constitucional da isonomia e das regras constitucionais que dele decorrem. Preceitos, portanto, já dotados de aplicabilidade imediata, mas que funcionam como elemento ulterior constitutivo de qualquer regulação normativa.
A não recepção é hipótese de inconstitucionalidade superveniente ou de revogação?
Explique os fundamentos das teorias que tratam do tema.
Existe controvérsia acadêmica sobre a natureza jurídica da não recepção. De um lado, há os que sustentam que a hipótese é de revogação, resolvendo-se o conflito entre norma constitucional (originária ou derivada) e lei anterior incompatível por meio da aplicação do critério cronológico, segundo o qual lei posterior revoga a anterior (lex posterior derogat priori). De outro, há os que advogam a tese de que o caso é de inconstitucionalidade superveniente. Para esses, a colisão resolver-se-ia com a utilização do critério hierárquico de resolução de conflitos normativos, segundo o qual a norma superior prevalece diante da inferior (lex superior derrogat inferiori). Existe ainda uma posição híbrida, que defende que o caso seria de “revogação por inconstitucionalidade”. Para todos, portanto, a Constituição prevalece diante de norma infraconstitucional anterior com ela incompatível. A divergência dá-se apenas em torno da justificação teórica mais adequada para esta prevalência, da qual o STF, porém, extraiu importantes consequências práticas, como se observará mais adiante.
[…]
Apesar da coincidência dos resultados entre revogação e inconstitucionalidade superveniente, a questão tinha grande importância no Brasil, até o advento da Lei 9.882\99, que disciplinou a ADPF. É que se o fenômeno da não recepção fosse enquadrado como hipótese de inconstitucionalidade superveniente, seria possível a propositura de ADI para impugnação de normas anterior à Constituição. Mas se ele fosse concebido como revogação, o ajuizamento de tal ação não seria admissível, uma vez que a ADI se volta ao controle de constitucionalidade, e não à resolução de questões de direito intertemporal. E até a regulamentação da ADPF, em 1999, a ADI era o único instrumento no ordenamento brasileiro que permita a impugnação abstrata de normas diretamente no STF, que, quando acolhia o pedido, declarava o ato normativo inconstitucional, em decisão dotada de eficácia contra todos.
Portanto, a controvérsia não era puramente teórica. A adoção da tese da inconstitucionalidade superveniente importava em fortalecimento dos mecanismos de garantia jurisdicional da Constituição. Já o endosso da posição em favor da revogação implicava fragilização dessa garantia. Nesse último caso, a não recepção até poderia ser verificada pelos juízes, no julgamento das lides concretas submetidas à sua apreciação, mas sem qualquer possibilidade de instauração do controle abstrato de constitucionalidade para análise da questão.
[…]
Sob o prisma conceitual, é certo que os critérios hierárquico e cronológicos para resolução de antinomias jurídica não têm a mesma força. Do ponto de vista lógico, o critério hierárquico é preferencial em relação ao critério cronológico. Em outras palavras, só se recorre ao critério cronológico - que preconiza a revogação da norma anterior pela posterior com ela incompatível - se não for possível resolver a antinomia com o emprego do critério hierárquico, o que apenas ocorre quando as normas em confronto situarem-se no mesmo patamar. Ora, a Constituição é superior aos demais atos normativos, localizando-se no escalão mais elevado do ordenamento positivo. Daí por que o conflito entre a Constituição e outras normas, mesmo as ques lhe forem anteriores, deve ser equacionado por meio do critério hierárquico de resolução de antinomias, e não do critério cronológico, o que aponta para a correção da tese da não recepção como inconstitucionalidade superveniente, e não como revogação.
Priorizar o critério cronológico em detrimento do hierárquico para resolução de conflitos entre Constituição e normas infraconstitucionais leva a conclusões absurdas, incompatíveis com o postulado básico do Direito Constitucional da supremacia da Constituição. Se aplicássemos este critério ao conflito entre lei posterior e Constituição anterior, a primeira prevaleceria sobre a segunda.
Nem se argumente que a tese da inconstitucionalidade superveniente levaria a que se invalidassem efeitos da norma jurídica produzidos antes do advento da Constituição, quando ela não padecia de qualquer vício, em razão da retroatividade das decisões declaratórias de inconstitucionalidade. É que a retroatividade da decisão que reconhece a inconstitucionalidade só se estende até o momento do surgimento do vício normativo, e, no caso da não recepção, esse só aparece com a edição da Constituição.
[…]
Portanto, o mais grave na linha adotada pelo STF não foi o erro lógico, mas a omissão política da Corte, que, com o endosso da tese da revogação, deixou de cumprir plenamente o seu papel constitucional de guardiã da Constituição, esquivando-se, por muito tempo, de apreciar questões constitucionais relevantíssimas, como as atinentes à subsistência, no novo regime constitucional, do “entulho autoritário” legado pelo regime militar. De qualquer sorte, a questão encontra-se hoje pacificada, e o principal problema gerado pela tese da revogação - a ausência de controle abstrato do direito pré-constitucional - já foi equacionado com a regulamentação da ADPF. Porém, como a ADPF se destina apenas à proteção de preceitos fundamentais da Constituição, e não da totalidade do texto constitucional, a adoção da tese da revogação continua impedindo o exercício do controle abstrado, pelo STF, do direito pré-constitucional que esteja em contradição com preceito constitucional desprovido de fundamentalidade.
Diferencie a declaração de inconstitucionalidade parcial horizontal da vertical.
No controle abstrato, a declaração de inconstitucionalidade parcial pode ser dividida em: (a) horizontal*: se a declaração gera efeito invalidatório de expressões linguísticas contidas no dispositivo, com o aproveitamento das normas decorrentes do restante do texto. Exemplo: declaração de inconstitucionalidade por meio da qual se suspende a eficácia de segmentos ou palavras do disposivo impugnado; ou (b) *vertical (ou qualitativa): caso em que a declaração, sem afetar o texto do dispositivo, repercute sobre determinada(s) interpretação(ões) [=norma(s)] que dele se extrai(em). Para exemplificar, esse é o caso da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto.
Em razão do princípio da presunção de constitucionalidade, os órgãos que realizam controle de constitucionalidade devem preservar ao máximo o trabalho de produção normativa. Daí, o reconhecimento da inconstitucionalidade deve restrigir-se às partes viciadas do ato normativo, preservando-se, sempre que possível, os demais segmentos não contaminados.
Contudo, por força do princípio da independência do Poderes, os juízes não devem deturpar a utilização da declaração de inconstitucionalidade parcial, a fim de obter normas incompatíveis com o programa normativo do ato examinado. Como já explicou o STF, descabe pretender que a Corte, “a partir da supressão seletiva de fragmentos do discurso normativo inscrito no ato estatal impugnado, proceda à virtual criação de outra regra legal, substancialmente divorciada do conteúdo material que lhe deu o próprio legislador” (ADInMC 1.063\DF).
Explique o que é e quais são os tipos de inconstitucionalidade consequente?
Anomalia que atinge um ato como consequência do reconhecimento da inconstitucional de outro ato com o qual ele mantém determinada relação de dependência normativa.
[…]
Tipos de inconstitucionalidade consequente. Teoricamente, é possível reconhecer duas vertentes desse tipo de inconstitucionalidade:
a) vertente hieráquica: contaminação de normas hierarquicamente inferiores, em decorrência da inconstitucionalidade da norma superior da qual extraem validade. Exemplo: regulamento afetado pela inconstitucionalidade da lei regulamentada; e
b) vertente não hierárquica: vício que atinge norma do mesmo status ou envergadura normativa daquela que dá origem à inconstitucionalidade. Subtipos:
b. 1) por dependência intríseca: hipótese em que a inconstitucionalidade de certa norma se reflete no processo de elaboração da que se lhe considera dependente (v.g. a dependência da lei de conversão da medida provisória em relação a esta; e da delegada em face da delegação normativa); e
b. 2) por dependência extrínseca: quando o reconhecimento da inconstitucionalidade de norma faz com que se esvazie a validade de outra norma, total ou parcialmente, seja porque esta daí perde seu significado autônomo (dependência unilateral), seja porquanto ambas as normas faziam parte de sistemática normativa comum e que restou incontornavelmente atingida pela declaração de inconstitucionalidade de um delas (interdepedência)
Em que consiste a inconstitucionalidade progressiva?
Inconstitucionalidade cuja caracterização já se iniciou, mas não está ainda consumada. Trata-se de nomenclatura utilizável também para as chamadas situações constitucionais imperfeitas, que se caracterizam quando um ato é considerado “ainda constitucional”, dada a necessidade de se mantê-lo eficaz, total ou parcialmente, enquanto se aguarda determinado período ou o implemento de alguma condição futura. Nessas hipótese, embora se pronuncie a desconformidade constitucional do ato, a declaração de inconstitucionalidade é adiada, para evitar maiores prejuízos ao plano normativo traçado pelo constituinte.
Exemplo do STF (além do art. 68 do CPP): no § 5º do art. 1 da Lei 1.060\50, com redação da Lei 7.871\89, na parte em que privilegiara órgãos da defensoria pública com prazo recursal dobrado em processos criminais. No HC 70.514\RS, a Corte reputou que a discriminação inconstitucional decorrente desse preceito não deveria ser reconhecida, até que a organização das defensorias estaduais alcançasse o mesmo nível de organização do Ministério Público que atua no polo processual contrário.
Quais são os pressupostos necessários para o reconhecimento do Estado de coisas inconstitucional, segundo AZEVEDO CAMPOS?
Embasado na experiência colombiana, AZEVEDO CAMPOS arrolou três pressupostos necessários ao reconhecimento do estado de coisas inconstitucional: (a) a constatação de quadro não simplesmente de proteção deficiente, mas de violação massiva, generalizada e sistemática de direitos fundamentais a afetar amplo número de pessoas; (b) a verificação da existência de “falha estatal estrutural”, em decorrência da falta de coordenação entre medidas legislativas, administrativas, orçamentárias e até judiciais, com a consequente perpetuação ou agravamento do problema, dada a existência de bloqueios políticos e institucionais persistentes e aparentemente insuperáveis; e (c) a necessidade de medidas judiciais estruturais a serem endereçadas a uma pluralidade de órgãos públicos. Ademais, um quarto requisito pode ser ainda lembrado, qual seja: (d) a potencialidade de congestionamento da justiça caso todas as vítimas do problema buscarem individualmente o Judiciário para superá-lo.
Daí, configurado essa grave conjuntura, a corte constitucional estaria autorizada a emitir provimentos revestidos de alto grau de ativismo judicial, incluindo intromissões na formulação e implementação de políticas públicas, a realocação de recursos orçamentários e a coordenação de medidas concretas necessárias a solucionar o problema. Afinal, cuida-se de situações excepcionalíssimas, nas quais se identificam “bloqueios institucionais” a impedir a superação do estado de inconstitucionalidade, o que justificaria a atuação judicial atipicamente invasiva da competência constitucional dos demais Poderes.
Todavia, como sustenta a doutrina colombiana, as soluções para esse estado de coisas inconstitucionais devem ser buscadas no ambito de um ativismo judicial “dialógico”, a envolver diálogos institucionais diretos e constantes entre os órgãos institucionais e sociais envolvidos, incluindo a participação ativa dos Poder Público, de setores acadêmicos, de organizações ligadas aos direitos humanos e dos próprios beneficiários das medidas judiciais estruturais (Ver VIEIRA e BEZERRA, 2015). Na mesma liha, AZEVEDO CAMPO defende tal ativismo “dialógico”, por entender que a superação do estado de coisa inconstitucional “apenas é possível por meio de ‘remédios estruturais’, dirigidos a um número abrangente de atores políticos e buscando coordenar as ações dessas autoridades na tarefa de assegurar a proteção eficiente de direitos. Para serem dialógicos, esses remédios estruturais, no entanto, devem ser caracterizados como ordens flexíveis, que fixem objetivos a serem alcançados sem excluir os espaços próprios de deliberação política e técnica dos outros poderes sobre os meios”.
DECISÃO DO STF: a) proibição de contingenciamento de valores disponíveis no Funpen, com ordem para que a União liberasse o saldo acumulado do fundo para ser utilizado com a finalidade para a qual foi criado; b) determinação da implementação da audiência de custódia; e c) determinação aos Estados para que encaminhassem informações sobre as respectivas situações prisionais.
Além dos regulamentos autônomos, que outros atos podem incorrer em inconstitucionalidade direta?
1) decretos delegados: pois mesmo que editados a pretexto de executar a lei, acabam por indevidamente ocupar o posto de atos normativos primários, e, por isso, geram inconstitucionalidade diretas. Como já decidiu o STF, são inconstitucionais não somente a “lei que autorize o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe dêem execução” (ADIn 3.232\TO);
2) atos normativos infralegais que integram o próprio conteúdo material da lei que os prevê e\ou os mandou editar: caso das portarias editadas em cumprimento à lei que delega, ao Ministro da Fazenda, a fixação de alíquotas de tributos. Nessa hipótese, a se impugnar a lei, cabe igualmente atacar o ato infralegal, sem que se aplique a tese da inconstitucionalidade indireta. Exemplo: portaria ministerial que, atendendo a delegação legislativa, fixa valores e prazo de recolhimento de taxa (ADIn 2.586\DF).
No concurso para Juiz do TRF\5 Região (2009\Cespe), o candidato deveria considerar errada a seguinte assertiva: “Não se submete ao controle concentrado de constitucionalidade, conforme entendimento do STF, o decreto que, dando execução a lei inconstitucional, cria cargos públicos remunerados e estabelece as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações”.
Para resolver questões pelo critério cronológico, é preciso observar a cláusula de reserva de plenário?
A cláusula de reserva de plenário, prevista no art. 97 da Constituição (v. intem 3 do Capítulo IIII), só incide nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade em sentido estrito reconhecida por tribunais. Assim, no âmbito do controle concreto de constitucionalidade, não será preciso observá-la nos casos em que se reconheça a contrariedade constitucional fundada em outros termos. Logo, a se tratar de questões que se resolvam pelo critério cronológico ou pelo critério da especialidade [aparente conflito entre normas da CF editadas na mesma data], a contrariedade constitucional será decidida por quorum de julgamento fixado em lei. Somente quando a contrariedade se deva resolver pelo critério hierárquico, haverá interseção em face do conceito estrito de inconstitucionalidade, o que exigirá quórum especial de julgamento.
O que argumenta a tese de declaração de simples incompatibilidade?
Entendimento segundo o qual, embora reconhecida a inconstitucionalidade do ato, é possível deixar de aplicar o regime das sanções que em princípio segue a declaração de invalidade, mantendo-se quase que inteiramente os efeitos jurídicos decorrentes do ato inconstitucional.
Criação da jurisprudência alemã, a tese é especialmente utilizada quando o reconhecimento da inconstitucionalidade, a despeito de necessário, deva vir acompanhado sem a pronúncia de nulidade ou de anulabilidade do preceito impugnado, porque isso agravaria o estado de desconformidade constitucional.
No direito alemão, a teoria se aplica, sobretudo, quando se reconhecem casos de inconstitucionalidade por omissão parcial ou por omissão relativa, hipóteses em que o regime da plena invalidação do ato traria consequências jurídicas danosas aos respectivos beneficiários, sem eliminar os problemas da insuficiência da medida (mas omissões parciais) ou da discriminação indevida (no caso da omissão relativa). A simples incompatibilidade pode ainda ser aplicada aos casos de inconstitucionalidade progressiva de normas.
[…]
No Brasil, diante da inovação representada pelo art. 27 da Lei 9.868\99 e pelo art. 11 da Lei 9.882\99, o legislador chancelou a possibilidade de aplicar a tese da simples incompatibilidade em casos excepcionais que se verificarem no controle abstrato de constitucionalidade. Aliás, essa tese foi utilizada pelo STF no julgamento da ADIn 3.489\SC e da ADIn 2.240\BA. Outro exemplo: para evitar vácuo legislativo na regulamentação dos parâmetros de distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE), o STF declarou a “inconstitucionalidade, sem pronúncia de nulidade, do art. 2, I e II, § § 1º, 2º e 3º, e do Anexo Único, da Lei Complementar 62\89, autorizando-se a aplicação da norma até 31.12.2012, lapso temporal que se entendeu razoável para o legislador reapreciar o tema” (ADIn 875;DF, ADIn 1.987\DF, ADIn 2.727\DF e ADin 3243\MT).
Quais são as vias adequadas para exercer-se o controle de convencionalidade?
[…] Assim, uma vez identificadas normas internacionais incorporadas com status normativo infraconstitucional, mas supralegal, é automática a conclusão de que não somente os juízes, mas as autoridade púublicas em geral, deverão atribuir-lhes prevalência normativa nas situações em que gerarem antinomias em face da legislação nacional inferior.
[…]
Contudo, no Brasil, à ausência de instrumento processuais específico de controle abstrato\concentrado de convencionalidade, tal fiscalização é feita somente de modo difuso, sempre que constatada, em casos concretos, antinomia entre alguma norma interna infraconstitucional e as normas internacionais incorporadas com status de supralegalidade.
No controle abstrato de constitucionalidade, é possível tomar como parâmetro normas constitucionais que não mais vigoram?
Numa acepção temporal mais ampla daquilo que se entende por bloco de constitucionalidade, a fiscalização de constitucionalidade pode trabalhar tanto com parâmetros constitucionais que não vigoram mais (normas revogadas) quanto com normas que já tenha esgotado seu período de eficácia (normas transitórias). Daí ser possível declarar, após a vigência da nova constituição, a inconstitucionalidade originária de norma aprovada ao tempo da constituição passada. Exemplo: em 1993, quando já vigente a Constituição de 1988, o STF declarou a inconstitucionalidade de decretos-leis com base na Constituição de 1969 (RE 148.754\RJ).
No direito brasileiro, contudo, esse tipo temporal mais amplo de parâmetro, porém, só pode ser inteiramente utilizado no controle concreto\difuso de constitucionalidade. Isso porque, em matéria de controle abstrato de constitucionalidade, a jurisprudência do STF adota certas restrições temporais referentes ao parâmetro utilizável.
OBSERVAÇÃO: a partir do julgamento da ADIn 2.158\PR, o Plenário do STF passou a entender que o parâmetro de controle abstrato da constitucionalidade alcança também os preceitos constituicionais que já tenham sido revogados sob a nova ordem constitucional.
Cite as hipóteses de controle político de constitucionalidade existentes no Brasil.
Numa visão restritiva, controle político de constitucionalidade é aquele exercido por órgão político de hierarquia superior e que não faz parte da estrutura de nenhum dos três Poderes clássicos. Nesse sentido, trata-se basicamente do controle feitos pelos tribunais constitucionais da Europa continental. É a posição de autores como MICHEL TEMER, ALEXANDRE DE MORAES e PEDRO LENZA.
No Brasil, entretanto, prevalece a tese extensiva. Daí se consideraram formas política de controle de constitucionalidade (i.e. não jurisdicionais):
(a) a fiscalização preventiva da constitucionalidade exercida pelo Congresso Nacional no curso do processo legislativo;
(b) o veto presidencial motivado por questões constitucionais (veto jurídico); bem como
(c) a possibilidade de sustação parlamentar dos atos normativo do Executivo, quando exorbitantes dos limites da delegação.
Julgue a assertiva: “A combinação dos critérios difuso e concentrado, este da competência do STF, sendo o controle exercido por via de exceção e por ação direta, declarando a inconstitucionalidade como ocorre no Brasil, e adotado pelo Constituição Federal vigente, configura o controle misto”.
FALSO.
Controle misto: Forma de controle de constitucionalidade mediante a qual certos atos somente se sujeitam a controle político (por órgãos não jurisdicionais), enquanto outros só podem ser controlados por órgãos jurisdicionais (controle judicial). Exemplo clássico: sistema de controle de constitucionalidade observado na Suiça.
O STF admite o controle preventivo de constitucionalidade de leis?
[…] excepcionalmente e só pela via concreta, admite-se o controle judicial preventivo, para defender a observância do devido processo legislativo.
O primeiro precedente do STF a respeito ocorreu no julgamento do MS 20.257\DF, ainda ao tempo da Constituição passada, quando a Corte reconheceu a possibilidade de controle judicial das vedações constitucionais a “apresentação” e de “deliberação” de propostas de emenda constitucional acerca de matérias proibidas (cláusulas pétreas). […] Ademais, com a evolução da jurisprudência, o STF passou a admitir o controle judicial preventivo não só das propostas de emenda à constituição, como ainda de projeto de leis, desde que alegado o desresrespeito às normas constitucionais que regulam o devido processo legislativo. Nesse sentido, já decidiu o STF que o “processo de formação das leis ou de elaboração de emendas à Constituição revela-se suscetível de controle incidental ou difuso pelo Poder Judiciário” (Pleno, MS 23.565).
O instrumento admitido para tal finalidade é o mandado de segurança, cuja legitimidade ativa, segundo o STF, pertence exclusivamente aos próprios parlamentares com assento na Casa Legislativa onde tramita a proposta questionada. […]
No caso de leis federais, o processo judicial é da competência do STF (Constituição, art. 102, I, “d”). Já os fundamentos da ação devem ater-se a inconstitucionalidade formais (vícios do processo legislativo). Isso porque, diferentemente do que ocorre com as propostas de emenda constitucional, cujos defeitos materiais se repercutem no próprio processo legislativo, descabem alegações baseadas no conteúdo dos projeto de lei (inconstitucionalidade material) (MS 24.138\DF).
OBSERVAÇÃO: A “superveniência da aprovação parlamentar do projeto de lei ou da proposta de emenda à Constituição implica a perda da legitimidade ativa dos membros do Congresso Nacional” (STF, decisão monocrática do Min. CELSO DE MELLO no MS 22.487\DF).
O controle judicial preventivo é abstrato ou concreto?
CONCRETO.
Cite hipóteses em que, excepcionalmente, o controle repressivo de constitucionalidade não é feito pelo Judiciário.
1) sustação parlamentar do ato normativo do Executivo que exorbite do poder que lhe fora delegado (Art. 49, inciso V);
2) rejeição parlamentar de medida provisória baixada pelo Presidente da República (art. 62, § 5º);
3) controle legislativo dos pressupostos constitucionais dos decretos de intervenção federal (Constitução, art. 36, § 1º), do estado de defesa (Constituição, art. 136, § § 4º a 7º), bem como a sustação do estado de sítio (Constituição, art. 49, IV);
4) controle de constitucionalidade em concreto, por parte dos tribunais de contas, no estrito exercício de suas funções técnicas (Súmula 347\STF).
OBSERVAÇÃO: Boa parte da doutrina sustenta ser outra exceção o caso, também previsto no inciso V do art. 49, do decreto legislativo que susta ato normativo do Executivo exorbitante do poder regulamentar. Todavia, não se trata de autêntico controle de constitucionalidade, pois tal sustação se limita ao reconhecimento da ilegalidade do regulamento.
No que toca à prevalência do controle, como pode ser classificado o controle de constitucionalidade?
1) Forte: tipo de fiscalização no qual pertence ao órgão judicial o monopólio da última palavra sobre questões constitucionais, de modo que a eventual superação de uma declaração judicial de inconstitucionalidade de normas só pode ocorrer mediante a aprovação de emenda à constituição utilizada como parâmetro de controle. Exemplo: sistema brasileiro, norte-americano e dos países da Europa continental.
2) Fraco: modelo em que não radica no Judiciário o monopólio da última palavra em matéria de controle de constitucionalidade, pois o Legislativo detém a prerrogativa de contornar ou sustar decisões judiciais declaratórias da inconstitucionalidade de normas. Trata-se da figura da superação legislativa de precedentes judiciais (“legislative override”), instituto que opera por expediente como resoluções suspensivas ou mesmo a repromulgação da norma declarada inconstitucional. Exemplo clássico, no Canadá, o sistema permite ao legislador reeditar a lei declarada inconstitucionalidade pela Suprema Corte, com a consequente suspensão do pronunciamento desta por até cinco anos (prorrogáveis). Assim, com base na chamada cláusula não obstante (“notwithstanding clause”), prevista na Carta de Direitos e Liberdades do Canadá, admite-se que atos legislativos supervenientes possam convalidar a aplicabilidade de determinada norma, não obstante sua inconstitucionalidade. Segundo autores como VIRGÍLIO AFONSA DA SILVA (2009), também se incluem nesse modelo fraco o sistema inglês de controle de constitucionalidade, tal como instituído pelo Human Rights Act (1998), bem como sistema neozelandês.