Jurisprudência até 2019 - Judiciário adiante Flashcards

1
Q

O que ocorre com o juiz de entrância inicial no caso de elevação da entrância da comarca?

A

Se a lei eleva a comarca para outra instância superior (ex: de entrância intermediária para final), o juiz que lá é titular não pode ser removido compusoriamente em virtude da transformação.

Aplica-se, no caso, a Súmula 40 do STF: A elevação da entrância da comarca não promove automaticamente o Juiz, mas não interrompe o exercício de suas funções na mesma comarca.

Logo, mesmo tendo havido essa transformação, o TJ não pode abrir edital para remoção ou promoção dessa comarca. Deve-se aguardar o magistrado decidir deixar a vaga. (Info 752, STF)

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2
Q

Qual é o quórum para recusar a promoção por antiguidade de magistrado?

A

A CF\88 prevê que a promoção por antiguidade do juiz mais antigo somente pode ser negada se ele for recusado pelo voto fundamentado de 2\3 (dois terços) dos membros do respetivo Tribunal, assegurada a ampla defesa (Art. 93, II, “d”).

Segundo o STF, o quórum de votos para um tribunal recusar a promoção do juiz mais antigo não deve computar os cargos vagos ou desembargadores afastados.

A vontade de um tribunal é manifestada por seus membros juridicamente aptos. Desfalcado o tribunal, deve-se computar apenas os magistrado em atividade, a não ser que afastados em caráter meramente eventual.

Assim, os cargos vagos, bem como os cargos providos, mas cujos ocupantes estejam afastados cautelarmente do exercício da função jurisdicional, não devem ser computados para o fim de determinação do referido quórum. (info 753).

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3
Q

É constitucional norma de Tribunal de Justiça que permite a reeleição de desembargador para cargo de direção após o intervalo de dois mandatos?

A

É inconstitucional norma do Tribunal de Justiça que permite a reeleição de desembargadores para cargos de direção após o intervalo de dois mandatos.

Esta previsão viola o art. 93, caput, da CF/88, segundo o qual a regulamentação da matéria afeta à elegibilidade para os órgãos diretivos dos tribunais está reservada a lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal. Além disso, esta norma afronta o tratamento que foi dado à matéria pelo art. 102 da LOMAN (LC 35/79), que regulamenta o art. 93 da CF/88. STF. Plenário. ADI 5310/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 14/12/2016 (Info 851).

Inteiro teor:

[…]

Eis o teor da referida Resolução TJ/TP/RJ 1/2014:

Art. 3º Poderá o Desembargador ser novamente eleito para o mesmo cargo, desde que observado o intervalo de dois mandatos

ADI

O Procurador-Geral da República ajuizou ADI contra este dispositivo afirmando que o art. 93 da CF/88 exige lei complementar para tratar sobre o tema e que o Estatuto da Magistratura atualmente em vigor (LC 35/79) não permite que um Desembargador volte a ocupar cargo de direção no TJ, salvo se todos os demais já tiverem ocupado. Confira o que diz a LOMAN:

Art. 102. Os Tribunais, pela maioria dos seus membros efetivos, por votação secreta, elegerão dentre seus Juízes mais antigos, em número correspondente ao dos cargos de direção, os titulares destes, com mandato por dois anos, proibida a reeleição. Quem tiver exercido quaisquer cargos de direção por quatro anos, ou o de Presidente, não figurará mais entre os elegíveis, até que se esgotem todos os nomes, na ordem de antiguidade. É obrigatória a aceitação do cargo, salvo recusa manifestada e aceita antes da eleição.

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4
Q

Qual é o momento de comprovação dos três anos de atividade jurídica para ingresso na carreira da magistratura?

A

Comprovação do triênio de atividade jurídica exigida para o ingresso no cargo de juiz substituto, nos termos do art. 93, I, da CF, deve ocorrer no momento da inscrição definitiva no concurso público (Info 821).

A exigência dos três anos de atividade jurídica para a aprovação em concurso de Magistratura, a que se refere a Resolução 75\2009\CNJ, devem ser contados da data da conclusão do Curso de Direito e o momento da comprovação desse requisito deve ocorrer na data da inscrição definitiva no concurso.

O art. 59 da Resolução n 75\2009\CNJ não exige como termo inicial para a contagem da atividade jurídica a inscrição na OAB, mas sim a data da obtenção do Grau de Bacharel em Direito.

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5
Q

Cabe recurso administrativo contra prova oral nos concurso da magistratura?

A

Depende:

  • Se o recurso tiver por objetivo impugnar os critério de correção aplicados pelo examinador para as respostas dadas (discurir o acerto das respostas): NÃO.
  • Se o recurso tiver por objetivo impugnar alguma questão que esteja fora do conteúdo programático ou suscitar outras violações formais ao edital ou à Resolução: SIM. (Info 756, STF).
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6
Q

É constitucional o pagamento de verba a magistrado de primeira instância pela atuação em segunda, achamada de “auxílio-voto”?

A

Foi instituído, no Tribunal de Justiça de São Paulo, o pagamento de uma verba pela atuação em 2ª instância de magistrados de 1ª instância. Em outras palavras, o juiz era convocado para atuar nos processos do Tribunal e, em razão disso, recebia uma verba que ficou conhecida como “auxílio-voto”.

O CNJ, em procedimento de controle administrativo (PCA), considerou a verba irregular, por suposta ofensa ao teto constitucional, e determinou a devolução dos valores recebidos pelos juízes. O STF cassou a decisão do CNJ. Argumentos:

1) A decisão do CNJ violou o devido processo legal administrativo e os princípios do contraditório e da ampla defesa. Isso porque os magistrados não foram notificados para apresentação de defesa escrita, além de não terem participado da instrução processual. A decisão proferida pelo Conselho surpreendeu a todos os envolvidos. Além disso, o PCA no qual o CNJ decidiu pela irregularidade da verba foi instaurado para tratar sobre assunto completamente diverso.
2) A verba paga aos magistrados de 1ª instância que atuaram nos processos do Tribunal de Justiça foi regular, considerando que baseada no art. 124 da LC 35/79 (LOMAN). Essa convocação de juízes para atuar no Tribunal é válida e não viola a CF/88. Como essa convocação de juízes é válida (compatível com a CF/88), é natural que seja devido o pagamento de um valor como forma de “recomposição patrimonial dos magistrados, dado o exercício extraordinário de atribuições transitórias desempenhadas acumuladamente com a jurisdição ordinária”. De igual modo, como se trata de uma verba prevista em lei, fica afastada qualquer alegação de má-fé. Como a verba em questão servia para pagar os magistrados por um serviço extraordinário, elas não estavam abrangidas pelo subsídio. STF. 2ª Turma. MS 29002/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 7/8/2018 (Info 910).

Inteiro teor:

Imagine a seguinte situação:

Foi instituído, no Tribunal de Justiça de São Paulo, o pagamento de uma verba pela atuação em 2ª instância de magistrados de 1ª instância. Em outras palavras, o juiz era convocado para atuar nos processos do Tribunal e, em razão disso, recebia uma verba que ficou conhecida como “auxílio-voto”.

O CNJ, em procedimento de controle administrativo (PCA), considerou a verba irregular, por suposta ofensa ao teto constitucional, e determinou a devolução dos valores recebidos pelos juízes.

Diante disso, a Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) impetrou mandado de segurança no STF contra a decisão do CNJ alegando que a decisão possuiria vícios formais e materiais.

O que decidiu o STF?

O STF concedeu a ordem no MS e cassou a decisão do CNJ. STF. 2ª Turma. MS 29002/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 7/8/2018 (Info 910)

Os argumentos foram, em resumo, os seguintes:

Violação ao devido processo legal

A decisão do CNJ violou o devido processo legal administrativo e os princípios do contraditório e da ampla defesa. Isso porque os magistrados não foram notificados para apresentação de defesa escrita, além de não terem participado da instrução processual. A decisão proferida pelo Conselho surpreendeu a todos os envolvidos.

Além disso, o PCA no qual o CNJ decidiu pela irregularidade da verba foi instaurado para tratar sobre assunto completamente diverso (reclassificação de entrâncias no TJSP). Em outras palavras, no procedimento administrativo estavam sendo discutidas as entrâncias do Judiciário paulista e nele o CNJ decidiu a respeito da verba que era paga aos juízes por exercerem suas funções em 2ª instância.

O novo tema surgiu, de forma incidental, já em sede de recurso, momento a partir do qual, por determinação do então relator, procedeu-se à viciada investigação, seguida de pronto julgamento. O correto seria a instauração de novo procedimento administrativo, dado que os assuntos tratados eram absolutamente diversos.

Legalidade da verba que era paga

A verba paga aos magistrados de 1ª instância que atuaram nos processos do Tribunal de Justiça foi regular, considerando que baseada no art. 124 da LC 35/79 (LOMAN):

Art. 124. O Magistrado que for convocado para substituir, em primeira ou segunda instância, perceberá a diferença de vencimentos correspondentes ao cargo que passa a exercer, inclusive diárias e transporte, se for o caso.

O STF já decidiu, em algumas oportunidades, que essa convocação de juízes para atuar no Tribunal é válida e não viola a CF/88. Nesse sentido:

(…) Não viola o postulado constitucional do juiz natural o julgamento de apelação por órgão composto por juízes convocados. (…) STF. 1ª Turma. AI 652414 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 28/06/2011.

Como essa convocação de juízes é válida (compatível com a CF/88), é natural que seja devido o pagamento de um valor como forma de “recomposição patrimonial dos magistrados, dado o exercício extraordinário de atribuições transitórias desempenhadas acumuladamente com a jurisdição ordinária”. De igual modo, como se trata de uma verba prevista em lei, fica afastada qualquer alegação de má-fé.

Vale ressaltar que a convocação dos magistrados não foi realizada como substituição. Em verdade, isso consistiu em um trabalho excepcional e temporário, com remuneração justificada somente enquanto perdurasse a convocação e diretamente vinculada à produtividade do magistrado nesse dado período. Era como se fosse um “mutirão” para tentar reduzir o enorme volume de processos que estavam sem julgamento.

Como a verba em questão servia para pagar os magistrados por um serviço extraordinário, elas não estavam abrangidas pelo subsídio.

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7
Q
A
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8
Q

O base de cálculo dos duodécimos devidos ao Poder Judiciário estadual devem considerar o valor previsto nalei orçamentaário ou o valor efetivamente arrecadado?

A

A lei orçamentária anual do Estado do Rio de Janeiro foi aprovada e nela previsto o orçamento do Poder Judiciário. Ocorre que o Poder Executivo estadual não estava cumprindo seu dever de repassar os recursos correspondentes às dotações orçamentárias do Poder Judiciário em duodécimos. Diante disso, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro impetrou mandado de segurança, com pedido de tutela de urgência, contra o ato omissivo do Governador do Estado do Rio de Janeiro no atraso do repasse dos referidos recursos. O Governador argumentou que o Estado passa por uma crise muito grave e que no ano de 2016 houve um déficit orçamentário de 19,6% em relação ao orçamento que foi previsto na Lei orçamentária anual.

O STF deferiu parcialmente a medida liminar, assegurando-se ao Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro o direito de receber, até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, sendo, contudo, facultado ao Poder Executivo fazer um desconto de 19,6% da Receita Corrente Líquida prevista na LOA.

A crise do Estado e a queda na arrecadação não justificam que o Poder Executivo deixe de repassar o duodécimo ao Poder Judiciário. No entanto, deve ser autorizado que o Executivo diminua os valores a serem entregues ao TJ de forma proporcional à redução que houve na arrecadação inicialmente prevista pela Lei Orçamentária Anual.

Não faz sentido que, diante de uma situação de déficit orçamentário (a realização do orçamento foi muito inferior ao previsto), o Poder Executivo reduza seu orçamento e o Poder Judiciário continue com seu duodécimo calculado com base na previsão da receita que não foi a verificada na prática. Havendo frustração de receita, o ônus deve ser compartilhado de forma isonômica entre todos os Poderes. Em suma, a base de cálculo dos duodécimos deve observar o valor real de efetivo desempenho orçamentário e não o valor fictício previsto na lei orçamentária. STF. 1ª Turma. MS 34483-MC/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 22/11/2016 (Info 848).

Inteiro teor:

Autonomia financeira

O Poder Judiciário, para manter a sua independência, possui algumas garantias institucionais previstas na Constituição Federal. Dentre elas, está a autonomia financeira:

Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira.

A autonomia financeira do Poder Judiciário consiste na prerrogativa que ele possui de ter assegurado todos os meses recursos para o seu funcionamento, tendo também a liberdade, nos termos da lei, de utilizar tais verbas sem interferência dos outros Poderes. Para garantir esta autonomia financeira, a Constituição Federal assegura ao Poder Judiciário a prerrogativa de:

 elaborar sua proposta orçamentária (proposta de orçamento) dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na LDO (art. 99, § 1º);

 receber do Poder Executivo, até o dia 20 de cada mês, os recursos correspondentes ao seu orçamento, em forma de duodécimo (art. 168).

A autonomia financeira instrumentaliza o postulado da separação de Poderes, impedindo a sujeição dos demais Poderes e órgãos autônomos da República a arbítrios e ilegalidades perpetradas no âmbito do Executivo.

Obs: dizer que o Poder Judiciário receberá seus recursos em forma de duodécimo significa que se dividirá o orçamento anual em 12 parcelas e cada mês ele terá direito a uma delas. Duodécimo = uma das doze partes iguais em que se dividiu um todo.

[…]

O Tribunal de Justiça é um órgão e, portanto, não possui personalidade jurídica. Mesmo assim, ele pode impetrar mandado de segurança neste caso?

SIM. Embora destituído de personalidade jurídica própria, detém legitimidade autônoma para ajuizar o presente mandado de segurança em defesa de sua autonomia institucional. Veja precedente do STF:

(…) O Tribunal de Justiça tem legitimidade ativa para pleitear, mediante Mandado de Segurança, o repasse dos duodécimos, de que trata o art. 168 da CF. 3. E o Governador do Estado legitimidade passiva, pois é a autoridade responsável por essa providência. (…) STF. Plenário. MS 22384, Rel. Min. Sydney Sanches, julgado em 14/08/1997.

O Governador do Estado alegou que não poderia ser impetrado mandado de segurança neste caso porque isso seria proibido pelas súmulas 269 e 271 do STF. Essa tese foi aceita?

NÃO.

Os referidos enunciados preconizam o seguinte:

Súmula 271-STF: Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais, em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria.

Súmula 269-STF: O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança.

Não se aplicam as súmulas acima porque o pedido do mandado de segurança refere-se a parcelas contemporâneas ou futuras. Não se estava cobrando no MS meses atrasados, mas sim os futuros (mandado de segurança de caráter preventivo).

Quanto aos meses atrasados, houve uma decisão do Juiz de 1ª instância da Fazenda Pública da comarca do Rio de Janeiro que deferiu o arresto das verbas nas contas do Tesouro do Estado e determinou sua transferência para o Tribunal de Justiça. O STF declarou que o magistrado que proferiu esta decisão era absolutamente incompetente para conhecer do pedido, mas, como os recursos arrestados já foram utilizados para pagamento de subsídios (verba alimentar), o Supremo decidiu manter os efeitos da decisão, conforme autoriza o § 4º do art. 64 do CPC:

Art. 64. A incompetência, absoluta ou relativa, será alegada como questão preliminar de contestação. (…)

§ 4º Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente.

E quanto ao mérito, o que decidiu o STF?

O STF deferiu parcialmente a medida liminar, assegurando-se ao Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro o direito de receber, até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, sendo, contudo, facultado ao Poder Executivo fazer um desconto de 19,6% da Receita Corrente Líquida prevista na LOA.

A crise do Estado e a queda na arrecadação não justificam que o Poder Executivo deixe de repassar o duodécimo ao Poder Judiciário. No entanto, deve ser autorizado que o Executivo diminua os valores a serem entregues ao TJ de forma proporcional à redução que houve na arrecadação inicialmente prevista pela Lei Orçamentária Anual.

Foi reconhecida, portanto, a necessidade de se adequar a previsão orçamentária à receita efetivamente arrecadada, para fins de definição do direito ao repasse dos duodécimos aos demais Poderes e órgãos autônomos, sob o risco de se chegar a um impasse na execução orçamentária.

A lei orçamentária, no momento de sua elaboração, declara uma expectativa do montante a ser realizado a título de receita, que pode ou não vir a acontecer no exercício financeiro de referência, sendo o Poder Executivo responsável por proceder à arrecadação, conforme a política pública se desenvolva. Por essa razão, a LC 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF) instituiu o dever de cada um dos Poderes, por ato próprio, proceder aos ajustes necessários, com limitação da despesa, ante a frustração de receitas (art. 9º da LRF). No exercício da autonomia administrativa, tais instituições devem promover os cortes necessários em suas despesas, para adequarem as metas fiscais de sua responsabilidade aos limites constitucionais e legais autorizados e conforme a conveniência e a oportunidade.

Em momentos de grave crise econômica, como o atual, devem ser asseguradas a autonomia e a igualdade entre os Poderes. Assim, não faz sentido que, diante de uma situação de déficit orçamentário (a realização do orçamento foi muito inferior ao previsto), o Poder Executivo reduza seu orçamento e o Poder Judiciário continue com seu duodécimo calculado com base na previsão da receita que não foi a verificada na prática. Havendo frustração de receita, o ônus deve ser compartilhado de forma isonômica entre todos os Poderes.

Em suma, a base de cálculo dos duodécimos deve observar o valor real de efetivo desempenho orçamentário e não o valor fictício previsto na lei orçamentária. STF. 1ª Turma. MS 34483-MC/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 22/11/2016 (Info 848).

Eventual compensação futura

Vale ressaltar que o STF afirmou que, se até o final do ano houver uma melhora na arrecadação e a redução das receitas não for tão grande como se estimou, será devida a compensação dos valores, ou seja, o Poder Judiciário terá direito de receber valores a mais. Ex: a queda estimada era de 19,6%, mas ao final esse decesso foi de apenas 15%. Logo, essa diferença deverá ser entregue ao Judiciário.

Acordo

Após a prolação da decisão acima explicada, o Poder Executivo e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro celebraram um acordo.

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9
Q

Quais são as hipóteses que autorizam a revisão de súmula vinculante?

A

Para admitir-se a revisão ou o cancelamento de súmula vinculante, é necessário demonstrar que houve:

a) evidente superação da jurisprudência do STF no tratamento da matéria;
b) alteração legislativa quanto ao tema; ou
c) modificação substantiva de contexto político, econômico ou social.

Vale destacar que o mero descontentamento ou eventual divergência quanto ao conteúdo da súmula vinculante não autoriza que o legitimado ingresse com pedido para cancelamento ou rediscussão da matéria.

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10
Q

A competência para atuação do CNJ é subsidiária?

A

Competência originária e concorrente do CNJ A CF conferiu competência originária e concorrente ao CNJ para aplicação de medidas disciplinares. Assim, a competência do CNJ é autônoma (e não subsidiária). Logo, o CNJ pode atuar mesmo que não tenha sido dada oportunidade para que a corregedoria local pudesse investigar o caso.STF. 1ª Turma. MS 30361 AgR/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 29/8/2017 (Info 875).

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11
Q

O CNJ pode rever decisões de corregedorias locais a favor de magistrados? Se sim, qual prazo para que isso seja feito?

A

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pode proceder à revisão disciplinar de juízes e membros de tribunais desde que observado o requisito temporal: processos disciplinares julgados há menos de um ano.

Essa medida pode ser instaurada de ofício ou mediante provocação de qualquer interessado e admite que o CNJ agrave ou abrande a decisão disciplinar revista (art. 103-B, § 4º, V, da CF/88). STF. 1ª Turma. MS 33565/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 14/6/2016 (Info 830).

OBSERVAÇÃO: A competência originária do CNJ para apuração disciplinar, ao contrário da revisional, não se sujeita ao parâmetro temporal prvisto no art. 103-B, pár.4, V, da CF\88.

Inteiro teor:

Exemplo

Determinado Juiz respondeu a um processo disciplinar na corregedoria do Tribunal de Justiça.

Ao final, recebeu, como pena, uma pena de suspensão de 90 dias.

Não houve recurso e o processo se encerrou no âmbito do TJ.

O CNJ pode, de ofício ou mediante provocação de qualquer interessado, instaurar, no âmbito do Conselho, um processo de revisão disciplinar.

Quais são as hipóteses em que será possível essa revisão? O que justifica uma revisão pelo CNJ?

O tema foi disciplinado pelo Regimento Interno do CNJ nos seguintes termos:

Art. 83. A revisão dos processos disciplinares será admitida:

I - quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ;

II - quando a decisão se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III - quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem.

O que o CNJ irá fazer neste processo de revisão disciplinar?

O CNJ irá examinar o processo disciplinar que foi realizado no âmbito do Tribunal e poderá anular ou reformar a decisão que foi tomada, seja para absolver ou condenar o magistrado processado. O Conselho poderá, ainda, aumentar ou diminuir a pena imposta. Nesse sentido, o Regimento Interno do CNJ prevê:

Art. 88. Julgado procedente o pedido de revisão, o Plenário do CNJ poderá determinar a instauração de processo administrativo disciplinar, alterar a classificação da infração, absolver ou condenar o juiz ou membro de Tribunal, modificar a pena ou anular o processo.

Prazo

Vale ressaltar que o CNJ possui um prazo decadencial de 1 ano para instaurar o processo de revisão disciplinar. Veja o que diz a CF/88:

Art. 103-B (…)

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

(…) V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;

A partir de quando é contado este prazo de 1 ano?

O prazo estabelecido no art. 103-B, § 4º, V, da Constituição da República para o CNJ rever processo disciplinar instaurado contra magistrado começa a fluir da publicação da decisão do Tribunal no órgão oficial (STF. 2ª Turma. MS 26.540, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 24/6/2014).

Imagine que passou o prazo de 1 ano, mas o juiz que foi punido administrativamente pelo TJ ainda não se conformou com a decisão e deseja revertê-la. Como não pediu a revisão disciplinar ao CNJ, o que ele ainda poderá fazer?

O pedido de revisão disciplinar para o CNJ deve ser feito até 1 ano após o julgamento do processo disciplinar pelo respectivo Tribunal. Esgotado tal prazo só restará ao interessado socorrer-se da via judicial para discutir a punição que lhe foi aplicada. (STF. Plenário. MS 27.767-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 23/3/2011).

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12
Q

O Poder Legislativo pode, ao analisar o PLOA, cancelar despesas propostas pelo Poder Judiciário?

A

Resumo

Salvo em situações graves e excepcionais, não cabe ao Poder Judiciário, sob pena de violação ao princípio da separação de Poderes, interferir na função do Poder Legislativo de definir receitas e despesas da Administração Pública, emendando projetos de leis orçamentárias, quando atendidas as condições previstas no art. 166, §§ 3º e 4º, da Constituição Federal. STF. Plenário. ADI 5468/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 29 e 30/6/2016 (Info 832).

Inteiro teor:

Iniciativa própria para a elaboração de suas propostas orçamentárias

É o próprio Poder Judiciário que, dentro dos limites estabelecidos na LDO, decide qual será a proposta de seu orçamento que será encaminhada ao Parlamento para lá ser votada.

Vale ressaltar que o Poder Judiciário não envia a sua proposta orçamentária diretamente para o Congresso Nacional. O que a CF/88 prevê é que o Poder Judiciário irá aprovar a sua proposta orçamentária e encaminhá-la ao chefe do Poder Executivo. Este irá consolidar, ou seja, reunir em um único projeto de Lei Orçamentária, as propostas orçamentárias do Executivo, do Judiciário, do MP e da Defensoria, encaminhando o projeto para ser apreciado pelo Poder Legislativo. Isso está previsto no art. 99, § 2º da CF/88:

Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira. § 1º - Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.

§ 2º - O encaminhamento da proposta, ouvidos os outros tribunais interessados, compete:

I - no âmbito da União, aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, com a aprovação dos respectivos tribunais;

II - no âmbito dos Estados e no do Distrito Federal e Territórios, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça, com a aprovação dos respectivos tribunais. (…)

Desse modo, no caso da Justiça do Trabalho, por exemplo, o TST elabora a proposta orçamentária, encaminha ao Presidente da República e este a consolida, juntamente com as propostas dos demais Tribunais, MP e Defensoria e as encaminha para o Congresso Nacional.

Redução do orçamento da Justiça do Trabalho

No momento das discussões sobre a Lei Orçamentária Anual de 2016 (Lei nº 13.255/2016), o Congresso Nacional promoveu um corte de 90% nas despesas de investimento e de 24,9% nas despesas de custeio fixadas para a Justiça do Trabalho.

Em outras palavras, o TST remeteu ao Poder Executivo a proposta orçamentária que deveria ser adotada para a Justiça do Trabalho e o Presidente da República a encaminhou ao Parlamento. Ocorre que o Congresso Nacional, alegando dificuldades decorrentes da crise pela qual vive o país, decidiu reduzir drasticamente este orçamento.

Diante disso, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) ajuizou ação direta de inconstitucionalidade no STF afirmando que a redução do orçamento afeta a independência e a autonomia do Poder Judiciário, garantidos no art. 99 da CF/88, ao desconsiderar a proposta orçamentária encaminhada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST).

A Anamatra pediu que fosse declarado inconstitucional o corte realizado e que, em substituição ao orçamento previsto na LOA, fosse adotada a proposta orçamentária original encaminhada pelo TST. Como pedido subsidiário, a autora pediu que a Justiça do Trabalho tivesse o mesmo orçamento dos demais órgãos do Judiciário da União.

O STF acolheu o pedido formulado?

NÃO.

Salvo em situações graves e excepcionais, não cabe ao Poder Judiciário, sob pena de violação ao princípio da separação de Poderes, interferir na função do Poder Legislativo de definir receitas e despesas da Administração Pública, emendando projetos de leis orçamentárias, quando atendidas as condições previstas no art. 166, §§ 3º e 4º, da Constituição Federal. STF. Plenário. ADI 5468/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 29 e 30/6/2016 (Info 832)

Fixar e definir o orçamento é atividade típica do Poder Legislativo

Ressalte-se que, no caso concreto, o corte no orçamento da Justiça do Trabalho não foi promovido pelo Poder Executivo. Este consolidou e enviou o projeto na forma como havia sido proposto pelo TST. A redução foi efetuada no âmbito do Parlamento.

Esclarecido este ponto, deve-se chamar atenção para a primeira conclusão do STF sobre o tema: a atividade de fixar e definir o orçamento é uma típica atribuição do Poder Legislativo.

O corte realizado pelo Legislativo à proposta orçamentária do TST viola o art. 99 da CF/88?

NÃO.

Ainda que o texto constitucional tenha estabelecido que compete ao próprio Poder Judiciário encaminhar suas propostas orçamentárias, não há vedação absoluta, sob o ponto de vista formal, para que o Poder Legislativo realize um controle sobre o que foi proposto.

Regras previstas no art. 166 da CF/88

Conforme já exposto, o Poder Legislativo detém a possibilidade de emendar a proposta da lei orçamentária e o que se deve observar é se essas mudanças estão ou não de acordo com as condicionantes exigidas pela CF/88. Tais condicionantes (“restrições”) estão elencadas no art. 166, devendo ser destacados os seguintes dispositivos:

Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum.

§ 1º Caberá a uma Comissão mista permanente de Senadores e Deputados:

I - examinar e emitir parecer sobre os projetos referidos neste artigo e sobre as contas apresentadas anualmente pelo Presidente da República;

II - examinar e emitir parecer sobre os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituição e exercer o acompanhamento e a fiscalização orçamentária, sem prejuízo da atuação das demais comissões do Congresso Nacional e de suas Casas, criadas de acordo com o art. 58.

§ 2º As emendas serão apresentadas na Comissão mista, que sobre elas emitirá parecer, e apreciadas, na forma regimental, pelo Plenário das duas Casas do Congresso Nacional.

§ 3º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:

I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias;

II - indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre:

a) dotações para pessoal e seus encargos;

b) serviço da dívida;

c) transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal; ou

III - sejam relacionadas:

a) com a correção de erros ou omissões; ou

b) com os dispositivos do texto do projeto de lei.

§ 4º As emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias não poderão ser aprovadas quando incompatíveis com o plano plurianual.

A aprovação da lei orçamentária pode ser classificada como um “ato complexo de elaboração conjunta” considerando que o Poder Judiciário envia sua proposta, o Poder Executivo a consolida e o Poder Legislativo a arbitra. Não há, portanto, afronta à separação de Poderes quando o Parlamento decide promover mudanças na proposta encaminhada.

No caso concreto da Lei nº 13.255/2016, o STF entendeu que as normas procedimentais quanto ao processo legislativo foram todas atendidas, não havendo violação ao art. 99 nem ao art. 166 da CF/88.

Um dos argumentos da Anamatra na ADI era o de que as razões invocadas para a redução do orçamento e que foram expostas no relatório geral apresentado na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) do Congresso Nacional não se sustentavam. Este argumento foi aceito pelo STF para declarar a lei inconstitucional?

NÃO. Segundo decidiu o STF, embora a fundamentação apresentada no relatório final da Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional ostente motivação ideológica enviesada, esse ato, por si só, não vincula os Deputados e Senadores, não sendo possível declarar a inconstitucionalidade da lei orçamentária por este motivo.

Outro argumento invocado na ADI foi o de que o corte promovido teria sido desproporcional, tendo havido um “abuso do Poder Legislativo”. Tal alegação foi acolhida pelo STF?

NÃO. A redução do orçamento público destinado a órgãos e programas orçamentários em decorrência de contexto de crise econômica e fiscal não configura abuso do Poder Legislativo.

Para o STF, não foram demonstrados excessos na redução da proposta orçamentária, considerando que esta depende do cenário socioeconômico do País em dado momento histórico.

Além disso, a função de definir receitas e despesas do aparato estatal é uma das mais tradicionais e relevantes dentre os poderes constituídos e deve ser preservada pelo Poder Judiciário, sob pena de indevida e ilegítima tentativa de esvaziamento de típica função parlamentar.

Compatibilidade da LOA aprovada com o PPA

O STF afirmou, ainda, que a LOA aprovada está em conformidade com o Plano Plurianual (PPA), de forma que, no debate parlamentar acerca das dotações destinadas à Justiça do Trabalho, foram observados os requisitos procedimentais e substanciais.

Por sua vez, a análise da desconformidade, ou não, da LOA 2016 com o plano plurianual não imporia a atuação do STF, considerada a tessitura aberta prevista na Constituição (“Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum. … § 3º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso: I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias;”). ADI 5468/DF, rel. Min. Luiz Fux, 29 e 30.6.2016. (ADI-5468)

Vencidos

Ficaram vencidos os Ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, que julgavam o pedido procedente.

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Q

O CNJ pode invalidar ato de regimento interno de tribunal que trate de competência jurisdicional?

A

CNJ não pode declarar inválido artigo do Regimento Interno do Tribunal de Justiça que trate sobre competência jurisdicional. Isso porque o CNJ tem a competência de exercer o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. No caso em análise, o Conselho interferiu em matéria de competência jurisdicional do TJ, matéria queé estranha às suas funções. (Info 753).

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Q

Se uma questão foi judicializada, porém ainda não apreciada pelo Judiciário, o CNJ pode deliberar sobre ela?

A

Resumo

Não cabe ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cujas atribuições são exclusivamente administrativas, o controle de controvérsia que está submetida à apreciação do Poder Judiciário. STF. 1ª Turma. MS 28845/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 21/11/2017 (Info 885).

Inteiro teor:

magine a seguinte situação hipotética:

João foi destituído da função de tabelião de notas em razão de sua investidura ter sido considerada irregular.

Ele impetrou mandado de segurança contra esse ato, tendo conseguido uma liminar.

Apesar disso, Maria, aprovada no concurso público, foi designada pelo Tribunal de Justiça para o tabelionato de notas anteriormente ocupado por João.

Diante disso, João ingressou com um Pedido de Providências no CNJ alegando que o Tribunal de Justiça estava descumprindo a decisão do MS.

O CNJ determinou o arquivamento do procedimento, pois reconheceu que a questão estava judicializada.

Agiu corretamente o CNJ?

SIM.

O STF entende que se a questão controvertida já está judicializada, ou seja, caso ela se encontre em exame pelo Poder Judiciário, não deverá o CNJ analisar o tema.

Eventual alegação de descumprimento da decisão judicial não é matéria que deve ser solucionada na via administrativa do CNJ, devendo o interessado propor uma reclamação ou outra medida judicial.

Outro precedente no mesmo sentido:

O Conselho Nacional de Justiça não pode decidir, em procedimento administrativo, matéria que já foi judicializada, ou seja, que está sendo discutida em uma ação judicial.

O CNJ tem atribuições de natureza exclusivamente administrativa, razão pela qual não lhe é permitido decidir questões que estejam submetidas à análise judicial.

Se a questão já está sendo discutida em ação judicial, não cabe ao CNJ conhecer e apreciar a matéria, sob pena de ele estar assumindo funções jurisdicionais. Se a parte interessada não concorda com a decisão judicial, ela dispõe de recursos para impugná-la, não podendo provocar o CNJ para interferir no assunto. STF. 2ª Turma. MS 27650/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 24/6/2014 (Info 752).

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16
Q

O CNJ pode fazer controle de constitucionalidade?

A

Resumo

1) “O CNJ, embora seja órgão do Poder Judiciário, nos termos do art. 103-b, pár. 4, II, da CF, possui, tão somente, atribuições de natureza administrativa e, nesse sentido, não lhe é permitido apreciar a constitucionalidade dos atos administrativos, mas somente sua legalidade.
2) CNJ pode determinar que Tribunal de Justiça exonere servidores nomeados sem concurso público para cargos em comissão que não se amoldam às atribuições de direção, chefia e assessoramento, contrariando o art. 37, V, da CF/88. Esta decisão do CNJ não configura controle de constitucionalidade, sendo exercício de controle da validade dos atos administrativos do Poder Judiciário. STF. Plenário. Pet 4656/PB, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 19/12/2016 (Info 851).

Inteiro teor:

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

Na Paraíba, foi aprovada lei estadual criando 100 cargos comissionados de assistentes de administração no Tribunal de Justiça do Estado.

O TJ/PB, com fundamento nesta lei, nomeou 100 pessoas para ocuparem estes cargos, sem concurso público.

O CNJ, em procedimento de controle administrativo, considerou irregular a contratação e determinou que o TJ/PB exonerasse os comissionados, sob o argumento de que os cargos criados não se destinam às atribuições de direção, chefia e assessoramento, sendo utilizados para o desempenho de “atividades administrativas genéricas”, o que contraria o art. 37, V, da CF/88.

O sindicato dos servidores do TJ propôs ação no STF questionando a decisão do CNJ. As duas alegações principais foram as seguintes:

a) o CNJ usurpou a competência do STF porque teria, implicitamente, declarado a inconstitucionalidade da lei que criou os cargos, realizando controle de constitucionalidade de norma estadual, o que não lhe é permitido;
b) o Conselho violou o princípio do contraditório, considerando que determinou ao TJ/PB a exoneração dos servidores sem que estes fossem previamente ouvidos.

O STF manteve a decisão do CNJ?

SIM. O STF considerou válida a atuação do CNJ.

Não houve controle de constitucionalidade

Em primeiro lugar, importante esclarecer que, realmente, o CNJ não pode fazer controle de constitucionalidade porque este órgão não possui atribuições jurisdicionais (mas apenas administrativas).

[…]

No entanto, no caso concreto, o STF entendeu que o CNJ não fez controle de constitucionalidade. Para o Supremo, o CNJ apenas declarou a nulidade dos atos de nomeação afirmando que, administrativamente, não se poderia aplicar aquela lei estadual.

Nas palavras da Min. Cármen Lúcia: “concluo ter atuado o órgão de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura (CNJ) nos limites de sua competência, afastando a validade de atos administrativos e, para tanto, adotando como fundamento a invalidade da lei estadual, que ele reputou contrária ao princípio constitucional de ingresso no serviço público, por concurso público, pela ausência dos requisitos caracterizados para a criação de cargos comissionados”.

Além disso, não houve declaração de inconstitucionalidade da qual resultasse a anulação ou revogação da lei discutida, com exclusão de sua eficácia. Ou seja, houve a nulidade dos atos questionados por ser considerada inaplicável, administrativamente, lei estadual com vício de inconstitucionalidade, com a vinculação apenas da atuação de órgão judicial cujos atos administrativos foram submetidos ao controle do CNJ. Assim, o Conselho não usurpou competência do STF.

Órgãos autônomos podem deixar de aplicar leis inconstitucionais

As leis inconstitucionais não são normas atendíveis, porque colidem com mandamento de uma lei superior, que é a Constituição Federal. Em virtude desse entendimento, a doutrina defende que é possível que o chefe do Poder Executivo se recuse a cumprir uma lei se ela for claramente inconstitucional.

O STF afirmou que esse mesmo entendimento pode ser aplicado para órgãos administrativos autônomos, como o TCU, o CNMP e o CNJ. Assim, tais órgãos, ao realizarem controle de validade dos atos administrativos, podem determinar a não aplicação de leis inconstitucionais.

Inexistência de violação ao princípio do contraditório

O STF entendeu que não houve desrespeito ao contraditório, considerando que a exoneração dos servidores não se configura como punição. Se fosse uma punição, aí sim seria necessária a prévia oitiva dos interessados. Neste caso, contudo, a exoneração foi uma mera decorrência da declaração de nulidade dos atos de nomeação.

Ademais, eram servidores comissionados, ou seja, de livre nomeação e exoneração (exoneráveis “ad nutum”).

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Q

O CNJ pode realizar o controle de constitucionalidade de lei se estiver respaldado em entendimento do STF?

A

Resumo

O CNJ não pode fazer controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo de forma a substituir a competência do STF.

Contudo, o CNJ pode determinar a correção de ato do Tribunal local que, embora respaldado por legislação estadual, se distancie do entendimento do STF.

Assim, o CNJ pode afirmar que determinada lei ou ato normativo é inconstitucional se esse entendimento já estiver pacificado no STF. Isso porque, neste caso, o CNJ estará apenas aplicando uma jurisprudência, um entendimento já pacífico.

As leis estaduais que preveem abono de férias aos magistrados em percentual superior a 1/3 são inconstitucionais. Isso porque essa majoração do percentual de férias não encontra respaldo na LOMAN, que prevê, de forma taxativa, as vantagens conferidas aos magistrados, sendo essa a Lei que deve tratar do regime jurídico da magistratura, por força do art. 93 da CF/88.

Logo, o CNJ agiu corretamente ao determinar aos Tribunais de Justiça que pagam adicional de férias superior a 1/3 que eles enviem projetos de lei para as Assembleias Legislativas reduzindo esse percentual. STF. 2ª Turma. MS 31667 AgR/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 11/9/2018 (Info 915).

Inteiro teor:

Adicional de férias

Quando um Juiz tira férias, ele recebe, naquele mês, seu subsídio normal, acrescido de 1/3. Ex: imaginemos que o subsídio normal do Juiz é R$ 30 mil; no mês de suas férias ele receberá R$ 40 mil = 30 + 1/3 (10).

Trata-se do “adicional de férias” (também chamado de “terço de férias” ou “abono de férias”), previsto na própria CF/88 não apenas para os Juízes como também para todos os demais servidores e trabalhadores em geral […]

Leis estaduais prevendo adicional de 2/3

Algumas leis estaduais passaram a prever que os Juízes de Direito e Desembargadores dos Tribunais de Justiça teriam direito ao abono de férias no percentual de 2/3. Assim, a cada período de férias, os magistrados estaduais receberiam o subsídio acrescido de 2/3.

Um exemplo dessa situação ocorria no Estado do Amapá.

A LC estadual 74/2012 determinou o seguinte:

“Nos períodos de férias, os Magistrados farão jus ao adicional de dois terços de subsídio do mês concessivo, pago antecipadamente.”

Procedimento administrativo do CNJ

Ao tomar conhecimento deste fato, o CNJ instaurou, de ofício, procedimento administrativo e determinou a intimação dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal solicitando informações sobre o quanto era pago a título de adicional de férias aos magistrados.

De posse desses dados, o CNJ identificou os Tribunais de Justiça nos quais se pagava mais que 1/3 por férias e expediu uma determinação a eles mandando que enviassem projetos de lei para as Assembleias Legislativas fixando o adicional de férias em apenas 1/3.

Assim, tomando o exemplo do Estado do AP, o CNJ determinou que o TJ/AP enviasse um projeto de lei à ALE/AP prevendo o retorno do adicional de férias dos magistrados para 1/3 (e não mais 2/3, como estipulava a LC 74/2012).

Mandado de segurança

A Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) impetrou, no STF, mandado de segurança contra a determinação do CNJ.

Segundo a AMB, o CNJ teria realizado um controle de constitucionalidade das leis estaduais, o que não é de competência do Conselho.

Além disso, o CNJ estaria invadindo a competência dos Tribunais de Justiça insculpida no art. 96, II, “b”, além do princípio do autogoverno da Justiça estadual, previsto no art. 125, ambos da CF/88:

Art. 96. Compete privativamente:

II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169: (…)

a) a alteração do número de membros dos tribunais inferiores;

b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver;

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

Segundo a autora, o máximo que o CNJ poderia fazer seria “recomendar” aos Tribunais a edição da lei que entendesse necessária, desde que preservada a autonomia própria de cada Corte para deflagrar, a seu próprio juízo e conveniência, o processo legislativo de sua iniciativa privada.

O STF concordou com o MS impetrado? A segurança foi concedida? O ato do CNJ é ilegal?

NÃO. A decisão do CNJ foi mantida pelo STF. Vamos entender.

CNJ não pode fazer controle de constitucionalidade

Em primeiro lugar, deve-se esclarecer que o CNJ não pode, realmente, fazer controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo:

O Conselho Nacional de Justiça, embora seja órgão do Poder Judiciário, nos termos do art. 103-B, § 4º, II, da Constituição Federal, possui, tão somente, atribuições de natureza administrativa e, nesse sentido, não lhe é permitido apreciar a constitucionalidade dos atos administrativos, mas somente sua legalidade. STF. Plenário. MS 28872 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 24/02/2011.

CNJ pode, contudo, corrigir ato de Tribunal que não esteja de acordo com o entendimento do STF

O CNJ não pode fazer controle de constitucionalidade, mas pode determinar a correção de ato do Tribunal local que, embora respaldado por legislação estadual, se distancie do entendimento do STF.

Em outras palavras, o CNJ pode determinar que o TJ corrija algum ato seu mesmo que ele tenha agido com base em lei estadual, caso esta norma esteja em confronto com a jurisprudência do STF.

Assim, o CNJ pode afirmar que determinada lei ou ato normativo é inconstitucional se esse entendimento já estiver pacificado no STF. Isso porque, neste caso, o CNJ estará apenas aplicando uma jurisprudência, um entendimento já pacífico. Nesse sentido:

(…) 5. Não é vedado ao CNJ controlar a atuação administrativa de Tribunal de Justiça local que, respaldado em lei estadual, se distancie da interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal aos preceitos constitucionais e legais que regem a matéria. (…)

6. A deliberação do CNJ que deixa de aplicar lei estadual anterior à Constituição que conflite com o regime remuneratório da magistratura regulado pelo art. 39, § 4º, da Constituição e com a LOMAN decorre do exercício direto da competência que lhe foi constitucionalmente atribuída, de zelar pela legalidade da atuação administrativa de membros e órgãos do Poder Judiciário, nos termos da jurisprudência consolidada desta Corte. (…) STF. 2ª Turma. MS 27935 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 21/08/2017.

“O CNJ não exorbita de sua competência constitucional ao simplesmente cumprir reiterada jurisprudência desta Corte.” (STF. 2ª Turma. ACO 2143 ED, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 25/08/2017).

Ok, isso eu entendi. Mas, essas leis estaduais que estabelecem adicionais superiores a 1/3 aos magistrados são inconstitucionais? Por quê?

As vantagens conferidas aos magistrados são apenas aquelas previstas na Constituição Federal e no art. 65 da LOMAN (LC 35/79).

O § 2º do art. 65 reforça, inclusive, essa conclusão:

Art. 65 (…) § 2º É vedada a concessão de adicionais ou vantagens pecuniárias não previstas na presente Lei, bem como em bases e limites superiores aos nela fixados.

O STF possui julgados nesse sentido:

(…) O Supremo Tribunal Federal, presente esse contexto normativo, tem proclamado que o rol inscrito no art. 65 da LOMAN reveste-se de taxatividade, encerrando, por isso mesmo, no que se refere às vantagens pecuniárias titularizáveis por quaisquer magistrados, verdadeiro “numerus clausus”, a significar, desse modo, que não se legitima a percepção, pelos juízes, de qualquer outra vantagem pecuniária que não se ache expressamente relacionada na norma legal em questão. Precedentes. STF. 2ª Turma. AO 820 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 07/10/2003.

(…) O rol taxativo do art. 65 da LOMAN não prevê a concessão de auxílio-transporte aos magistrados nacionais, tendo vedado, em seu parágrafo 2º, a concessão de adicionais ou vantagens pecuniárias nele não previstos. (…) STF. 2ª Turma. MS 27935 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 21/08/2017.

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Q

O CNJ pode avaliar a parcialidade do juiz na decisão de caso?

A

O CNJ, ao iniciar um processo disciplinar contra o magistrado, pode determinar o seu afastamento cautelar das funções por ele desempenhadas, caso a continuidade do exercício do ofício judicante possa interferir no curso da apuração ou comprometer a legitimidade de sua atuação e a higidez dos atos judiciais.

O CNJ pode instaurar processo disciplinar contra juiz para apurar eventual parcialidade de suas decisões. A prerrogativa da intangibilidade dos atos de conteúdo jurisdicional não é absoluta e não autoriza a prática de ilegalidades. Ademais, a análise dos fatos a serem apurados pelo CNJ não avança sobre o mérito das decisões judiciais prolatadas pelo magistrado, mas sobre sua conduta, supostamente parcial. Embora os atos judiciais e a parcialidade de magistrado na condução do processo estejam sujeitos a medidas processuais específicas, como recursos, a atuação do juiz pode e deve ser objeto de exame disciplinar quando houver indícios de violação dos deveres funcionais impostos pela lei e pela Constituição. STF. 2ª Turma. MS 32721/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 11/11/2014 (Info 767).

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19
Q

O Ministério Público pode ajuizar ação de alimentos em favor de menor cujos pais não tiveram seu poder familiar cassado?

A

Súmula 594 do STJ:O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou adolescente independentemente do exercício do poder familiar dos pais, ou do fato de o menor se encontrar nas situações de risco descritas no artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou de quaisquer outros questionamentos acerca da existência ou eficiência da Defensoria Pública na comarca.

Dizer o direito:

Quais são os fundamentos para que se reconheça a legitimidade ativa do MP na ação de alimentos em favor das crianças e adolescentes?

Fundamentos constitucionais

 O direito das crianças e adolescentes aos alimentos pode ser classificado como sendo um interesse individual indisponível, o que se insere nas atribuições do MP, conforme previsto no art. 127 da CF/88.

 É dever não apenas da família, como também da sociedade e do Estado, assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, entre outros (art. 227).

Fundamento legal

 Compete ao Ministério Público promover e acompanhar as ações de alimentos em favor de crianças e adolescentes (art. 201, III, do ECA).

Existia uma posição sustentando que o MP somente poderia ajuizar ação de alimentos se a mãe da criança ou do adolescente não estivesse exercendo o poder familiar, uma vez que, em caso contrário, ela deveria tomar essa providência. Essa posição prevaleceu?

NÃO. O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou adolescente, independentemente do exercício do poder familiar dos pais. Em suma, a mãe e o pai podem estar no pleno exercício do poder familiar e mesmo assim a ação ser proposta pelo Parquet.

Existia uma posição sustentando que o MP somente poderia ajuizar ação de alimentos se ficasse caracterizado que a criança ou o adolescente estivesse em situação de risco (art. 98 do ECA). Essa posição prevaleceu?

NÃO. O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou adolescente mesmo que a criança ou adolescente não se encontre nas situações de risco descritas no art. 98 do ECA.

Vigora em nosso ordenamento a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente. Como decorrência lógica dessa doutrina, o ECA adota, em seu art. 100, parágrafo único, VI, o princípio da intervenção precoce, segundo o qual a atuação do Estado na proteção do infante deve ocorrer antes que o infante caia no que o antigo Código de Menores chamava de situação irregular, como nas hipóteses de maus-tratos, violação extrema de direitos por parte dos pais e demais familiares.

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20
Q

O MP é parte legítima para ajuizamento de ação civil pública que vise o fornecimento de remédio a portador de certa doença?

A

Resumo

O Ministério Público é parte legítima para pleitear tratamento médico ou entrega de medicamentos nas demandas de saúde propostas contra os entes federativos, mesmo quando se tratar de feitos contendo beneficiários individualizados, porque se refere a direitos individuais indisponíveis, na forma do art. 1º da Lei n. 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público). STJ. 1ª Seção. REsp 1.682.836-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 25/04/2018 (recurso repetitivo) (Info 624).

Inteiro teor:

O pedido para tratamento médico ou para a entrega de medicamento em favor de uma pessoa é uma demanda que envolve direito individual INDISPONÍVEL?

SIM. O direito à saúde é um direito indisponível. Isso porque está relacionado com o próprio direito à vida. O direito à saúde foi previsto, pela Constituição Federal de 1988, como direito fundamental do cidadão, corolário do direito à vida, bem maior do ser humano.

A propósito do tema, o STF, ao interpretar os arts. 5º, caput, e 196 da CF/88, consagrou o direito à saúde como consequência indissociável do direito à vida, assegurado a todas as pessoas (STF. 2ª Turma. ARE 685.230 AgR/MS, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 25/03/2013).

Nesse contexto, conclui-se o caráter indisponível do direito à saúde, por estar diretamente associado ao direito à vida.

Assim, o Ministério Público detém legitimidade ad causam para pleitear tratamento de saúde ou fornecimento de medicamento a beneficiários individualizados, por força do disposto no art. 1º da Lei 8.625/93, que incumbiu ao Parquet a defesa dos direitos individuais indisponíveis.

O MP, nestes casos, não estaria “pegando o lugar” da advocacia privada e da Defensoria Pública?

NÃO. Conforme já decidiu o STF: (…) A Constituição do Brasil, em seu artigo 127, confere expressamente ao Ministério Público poderes para agir em defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis, como no caso de garantir o fornecimento de medicamentos a hipossuficiente. 2. Não há que se falar em usurpação de competência da defensoria pública ou da advocacia privada. (…) STF. 2ª Turma. RE 554088 AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 03/06/2008.

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21
Q

Determinado banco ajuizou ação de reintegração de posse contra Maria pedindo que o imóvel onde ela reside com seus dois filhos menores fosse desocupado, já que ela não teria pago as prestações do financiamento realizado. O juiz julgou o pedido procedente, tendo ocorrido a reintegração. O Ministério Público alegou que houve a nulidade do processo considerando que o feito envolveria interesse de incapazes (pessoas menores de 18 anos) e não houve intimação do Parquet para atuar como fiscal da ordem jurídica.

O pedido do MP deve ser aceito? O fato de morarem menores de idade no imóvel faz com que seja obrigatória a intervenção do MP na ação reintegração de posse?

A

NÃO. O fato de a ré residir com seus filhos menores no imóvel não torna, por si só, obrigatória a intervenção do Ministério Público (MP) em ação de reintegração de posse.

Segundo prevê o CPC, o MP deve intervir nas causas em que houver interesse de incapazes, hipótese em que deve diligenciar pelos direitos daqueles que não podem agir sozinhos em juízo. Logo, o que legitima a intervenção do MP nessas situações é a possibilidade de desequilíbrio da relação jurídica e eventual comprometimento do contraditório em função da existência de parte absoluta ou relativamente incapaz. Nesses casos, cabe ao MP aferir se os interesses do incapaz estão sendo assegurados e respeitados a contento, seja do ponto de vista processual ou material.

Na hipótese em tela, a ação de reintegração de posse foi ajuizada tão somente contra a genitora dos menores, não veiculando, portanto, pretensão em desfavor dos incapazes. A simples possibilidade de os filhos virem a ser atingidos pelas consequências fáticas oriundas da ação de reintegração de posse não justifica a intervenção do MP no processo como custos legis. STJ. 3ª Turma. REsp 1.243.425-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 18/8/2015 (Info 567).

Inteiro teor:

O STJ entendeu que o interesse dos menores na causa é meramente reflexo. Não são partes ou intervenientes no processo, tampouco compuseram qualquer relação negocial.

Se a tese do MP fosse aceita, ele deveria intervir em toda e qualquer ação judicial relacionada a imóveis em que residem crianças ou adolescentes, o que seria um desvirtuamento da sua missão constitucional.

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22
Q

O MP tem legitimidade para ajuizar ACP que vise anular ato administrativo de aposentadoria que importe em lesão ao patrimônio público?

A

Resumo

O Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública que vise anular ato administrativo de aposentadoria que importe em lesão ao patrimônio público. STF. Plenário. RE 409356/RO, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/10/2018 (repercussão geral) (Info 921).

Inteiro teor:

Patrimônio público é interesse transindividual

A Constituição reserva ao MP ampla atribuição no campo da tutela do patrimônio público, que é um interesse de cunho inegavelmente transindividual.

O combate em juízo à dilapidação ilegal do erário configura atividade de defesa da ordem jurídica, dos interesses sociais e do patrimônio público, funções institucionais atribuídas ao Ministério Público pela Constituição. Entendimento contrário não apenas afronta a textual previsão da Carta Magna, mas também fragiliza o sistema de controle da Administração Pública.

Legitimidade do MP não exclui a do ente público

Obviamente, a atuação judicial do MP não limita o ente público prejudicado, que também poderá ingressar com as ações judiciais objetivando a proteção do patrimônio público. Isso, aliás, está expressamente ressalvado no § 1º do art. 129 da CF/88:

Art. 129 (…) § 1º A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei.

Substituto processual

Ao ajuizar ação coletiva para a tutela do erário, o Ministério Público não age como representante da entidade pública, e sim como substituto processual de uma coletividade indeterminada, qual seja, a sociedade como um todo. Isso porque a sociedade é titular do direito à boa administração do patrimônio público.

O MP é titular do direito à boa administração do patrimônio público, da mesma forma que qualquer cidadão pode ajuizar ação popular com o mesmo objetivo (art. 5º, LXXIII, da CF/88).

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Q

O MP possui legitimidade para propor ACP em defesa de direito sociais relacionados com o FGTS?

A

Resumo

O Ministério Público tem legitimidade para a propositura de ação civil pública em defesa de direitos sociais relacionados ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). STF. Plenário. RE 643978/SE, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 9/10/2019 (repercussão geral – Tema 850) (Info 955).

Em provas, tenha cuidado com a redação do art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/85:

Art. 1º (…) Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35/2001)

Se for cobrada a mera transcrição literal deste dispositivo em uma prova objetiva, provavelmente, esta será a alternativa correta.

Inteiro teor:
Direitos individuais homogêneos de caráter social

O Ministério Público está legitimado a promover ação civil pública para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. No entanto, o MP somente terá representatividade adequada para propor a ACP se os direitos/interesses discutidos na ação estiverem relacionados com as suas atribuições constitucionais, que são previstas no art. 127 da CF:

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

O Ministério Público possui legitimidade para a defesa de direitos individuais homogêneos?

1) Se esses direitos forem indisponíveis: SIM (ex: saúde de um menor).
2) Se esses direitos forem disponíveis: depende. O MP só terá legitimidade para ACP envolvendo direitos individuais homogêneos disponíveis se estes forem de interesse social (se houver relevância social). Nesse sentido:

(…) 5. No entanto, há certos interesses individuais que, quando visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, têm a força de transcender a esfera de interesses puramente particulares, passando a representar, mais que a soma de interesses dos respectivos titulares, verdadeiros interesses da comunidade. Nessa perspectiva, a lesão desses interesses individuais acaba não apenas atingindo a esfera jurídica dos titulares do direito individualmente considerados, mas também comprometendo bens, institutos ou valores jurídicos superiores, cuja preservação é cara a uma comunidade maior de pessoas. Em casos tais, a tutela jurisdicional desses direitos se reveste de interesse social qualificado, o que legitima a propositura da ação pelo Ministério Público com base no art. 127 da Constituição Federal. Mesmo nessa hipótese, todavia, a legitimação ativa do Ministério Público se limita à ação civil coletiva destinada a obter sentença genérica sobre o núcleo de homogeneidade dos direitos individuais homogêneos. 6. Cumpre ao Ministério Público, no exercício de suas funções institucionais, identificar situações em que a ofensa a direitos individuais homogêneos compromete também interesses sociais qualificados, sem prejuízo do posterior controle jurisdicional a respeito. Cabe ao Judiciário, com efeito, a palavra final sobre a adequada legitimação para a causa, sendo que, por se tratar de matéria de ordem pública, dela pode o juiz conhecer até mesmo de ofício (CPC, art. 267, VI e § 3.º, e art. 301, VIII e §4.º). (…) STF. Plenário. RE 631111, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 07/08/2014.

FGTS tem enorme relevância social

O Ministério Público possui legitimidade constitucional para ajuizar ação civil pública cujo objeto seja pretensão relacionada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) porque esta demanda tutela direitos individuais homogêneos, mas que apresenta relevante interesse social.

No exemplo dado, o Ministério Público Federal detém legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública em face da Caixa Econômica Federal, uma vez que se litiga sobre o modelo organizacional do FGTS, especialmente no que se refere à unificação das contas fundiárias dos trabalhadores.

Vale ressaltar que o FGTS é um direito social previsto no inciso III do art. 7º da CF/88, constituindo-se em direito fundamental.

Mas e a vedação do art. 1º, parágrafo único da Lei nº 7.347/85?

É necessário que seja feita uma interpretação conforme a Constituição Federal do parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/85, ou seja, é necessário que esse dispositivo seja lido em conformidade com o texto constitucional.

O objetivo desta previsão foi apenas o de evitar a vulgarização da ação coletiva, evitando que fossem propostas ações civis públicas para fins de simples movimentação do FGTS ou para discutir as hipóteses de saque de contas fundiárias.

Assim, esse art. 1º, parágrafo único não constitui obstáculo para que o Ministério Público proponha ação civil pública discutindo FGTS em um contexto mais amplo, envolvendo interesses sociais qualificados, ainda que sua natureza seja de direitos individuais homogêneos. Se o Ministério Público está propondo uma ação civil pública tratando sobre direitos individuais homogêneos com relevante interesse social, a legitimidade do Parquet, nesta hipótese, decorre diretamente do art. 127 da CF/88.

Outros exemplos de direitos individuais homogêneos nos quais se reconheceu a legitimidade do MP em virtude de envolverem relevante interesse social

  • valor de mensalidades escolares (STF. Plenário. RE 163.231/SP, Rel. Min. Maurício Côrrea, julgado em 26/2/1997);
  • contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação (STF. 2ª Turma. AI 637.853 AgR/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 17/9/2012);
  • contratos de leasing (STF. 2ª Turma. AI 606.235 AgR/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 22/6/2012);
  • interesses previdenciários de trabalhadores rurais (STF. 1ª Turma. RE 475.010 AgR/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 29/9/2011);
  • aquisição de imóveis em loteamentos irregulares (STF. 1ª Turma. RE 328.910 AgR/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 30/9/2011); • diferenças de correção monetária em contas vinculadas ao FGTS (STF. 2ª Turma. RE 514.023 AgR/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 5/2/2010).
24
Q

O MP pode ter acerro a todos relatórios de inteligência produzidos pela inteligência da Polícia Federal?

A

Resumo

O controle externo da atividade policial exercido pelo Ministério Público Federal não lhe garante o acesso irrestrito a todos os relatórios de inteligência produzidos pela Diretoria de Inteligência do Departamento de Polícia Federal, mas somente aos de natureza persecutório-penal.

O controle externo da atividade policial exercido pelo Parquet deve circunscrever-se à atividade de polícia judiciária, conforme a dicção do art. 9º da LC n. 75/93, cabendo-lhe, por essa razão, o acesso aos relatórios de inteligência policial de natureza persecutório-penal, ou seja, relacionados com a atividade de investigação criminal.

O poder fiscalizador atribuído ao Ministério Público não lhe confere o acesso irrestrito a “todos os relatórios de inteligência” produzidos pelo Departamento de Polícia Federal, incluindo aqueles não destinados a aparelhar procedimentos investigatórios criminais formalizados. STJ. 1ª Turma. REsp 1.439.193-RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 14/6/2016 (Info 587).

Inteiro teor:

Controle da atividade policial

O controle da atividade policial é realizado de duas formas: a) controle interno: feito por meio das corregedorias de polícia; b) controle externo: realizado por intermédio do Ministério Público.

Controle externo da atividade policial

Foi a Constituição Federal que determinou que uma das funções institucionais do Ministério Público é a de exercer o controle externo da atividade policial (art. 129, VII).

Quais são as finalidades do controle externo realizado pelo MP?

O MP, no exercício do controle externo, deverá fiscalizar, de forma geral, a atuação dos órgãos policiais, podendo ser citados como exemplos:

 fiscalizar como tem sido o trabalho policial na prevenção e investigação dos crimes;

 examinar se a polícia tem respeitado os direitos e garantias constitucionais dos presos que estejam sob sua responsabilidade;

 conferir se os órgãos policiais estão dando devido cumprimento às determinações judiciais.

Ausência de subordinação

Vale ressaltar que o fato de o Ministério Público realizar o controle externo da atividade policial não significa que exista uma hierarquia entre os órgãos policiais e o Parquet.

A polícia não está subordinada hierarquicamente ao Ministério Público. Este controle externo decorre do sistema de freios e contrapesos que pode existir não apenas entre os poderes, mas também entre órgãos. Nesse sentido: LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 189.

Disciplina legal

A LC 75/93 dedicou três artigos para tratar sobre o controle externo da atividade policial. Chamo especial atenção para o art. 9º, que é o mais importante deles:

Art. 3º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial tendo em vista:

a) o respeito aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, aos princípios informadores das relações internacionais, bem como aos direitos assegurados na Constituição Federal e na lei;

b) a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público;

c) a prevenção e a correção de ilegalidade ou de abuso de poder;

d) a indisponibilidade da persecução penal;

e) a competência dos órgãos incumbidos da segurança pública.

Art. 9º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo:

I - ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais;

II - ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial;

III - representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder;

IV - requisitar à autoridade competente para instauração de inquérito policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial;

V - promover a ação penal por abuso de poder.

Art. 10. A prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade federal ou do Distrito Federal e Territórios, deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público competente, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão.

Apesar de esses artigos falarem sobre o MPU, eles também são aplicados aos Ministérios Públicos estaduais, por força do art. 80 da Lei nº 8.625/93.

Existem duas Resoluções do CNMP que regulamentam o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público:

 Resolução nº 20/2007, que regulamenta o art. 9º da LC 75/93 e o art. 80 da Lei 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, o controle externo da atividade policial.

 Resolução nº 129/2015, que estabelece regras mínimas de atuação do Ministério Público no controle externo da investigação de morte decorrente de intervenção policial.

Obs: caso você esteja nas fases discursivas, prática ou oral do concurso do Ministério Público, recomendase a leitura dessas duas resoluções.

Espécies de controle externo exercido pelo MP sobre a atividade policial:

Controle difuso

Exercido por todos os membros do Ministério Público com atribuição criminal, quando do exame dos procedimentos que lhes forem atribuídos.

Ex: o membro do MP que atua na vara criminal, ao receber o inquérito policial, deverá verificar se a autoridade policial cumpriu todas as exigências legais, se os prazos foram cumpridos, se as diligências necessárias foram realizadas etc. Essa atividade consiste em uma forma de controle externo difuso da atividade policial.

Controle concentrado

Exercido por alguns membros do MP que tenham a atribuição específica de realizar o controle externo da atividade policial, conforme disciplinado no âmbito de cada Ministério Público.

Ex: no MPE, existem promotorias especializadas no controle externo da atividade policial (normalmente chamadas de PROCEAP). No âmbito do MPF, existe, em cada Estado, um grupo de Procuradores da República designados pelo PGR para exercer esta função (é o GCEAP). Os membros designados para essa função dedicam-se ao controle concentrado da atividade policial e poderão tomar diversas iniciativas, como: a) realizar visitas nas repartições policiais; b) fiscalizar a destinação de armas, drogas e objetos apreendidos; c) fiscalizar os mandados de prisão; d) expedir recomendações; e) instaurar inquéritos civis ou procedimentos de investigação criminal para apurar condutas policiais.

Obs: os controles difuso e concentrado não se excluem e são exercidos concomitantemente.

Feitas estas considerações, imagine a seguinte situação hipotética:

O Procurador da República integrante do Grupo de Controle Externo da Atividade Policial do Rio de Janeiro (GCEAP/RJ) instaurou inquérito civil para apurar a regularidade e eficiência do serviço de inteligência da Superintendência de Polícia Federal no Estado.

Como providência, requisitou ao Superintendente que enviasse cópia de todos os relatórios de inteligência policial produzidos pela Diretoria de Inteligência daquela Superintendência no último ano.

O pedido foi fundamentado no art. 9º, II, da LC 75/93 e no art. 5º, II, da Resolução 20/2007-CNMP:

Art. 9º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo: II - ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial;

Art. 5º Aos órgãos do Ministério Público, no exercício das funções de controle externo da atividade policial, caberá: II – ter acesso a quaisquer documentos, informatizados ou não, relativos à atividade-fim policial civil e militar, incluindo as de polícia técnica desempenhadas por outros órgãos, em especial:

A Polícia Federal se recusou a remeter os documentos alegando que o Ministério Público estava extrapolando suas atribuições constitucionais, considerando que a produção dos relatórios de inteligência não está sujeita ao controle externo do MPF.

A questão chegou até o STJ. O pedido formulado pelo MPF, no presente caso, deverá ser atendido?

NÃO. O controle externo da atividade policial exercido pelo Ministério Público Federal não lhe garante o acesso irrestrito a todos os relatórios de inteligência produzidos pela Diretoria de Inteligência do Departamento de Polícia Federal, mas somente aos de natureza persecutório-penal.

Lei nº 9.883/99

A Lei nº 9.883/99 instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), que tem por objetivo planejar e executar as atividades de inteligência do País com a finalidade de fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional.

A Lei foi regulamentada pelo Decreto nº 4.376/2002, que previu que a Diretoria de Inteligência Policial do Departamento de Polícia Federal integra o SISBIN.

Desse modo, a Diretoria de Inteligência Policial do Departamento de Polícia Federal, dentre outras atribuições, executa atividades de inteligência com a finalidade de subsidiar o Presidente da República nos assuntos de interesse nacional.

Assim, os relatórios de inteligência (chamados de RELINT) nem sempre têm por objetivo servir de subsídio para a deflagração de inquéritos policiais. Algumas vezes eles servem apenas para municiar o SISBIN e auxiliar o Presidente da República na tomada de decisões.

MP deve ter acesso aos RELINTs relacionados com as atividades de investigação criminal

Se você reparar novamente na redação do art. 9º, II, da LC 75/93, verá que o legislador afirma que o MP poderá ter “acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial”.

Dessa forma, o controle externo da atividade policial exercido pelo Parquet deve circunscrever-se à atividade de polícia judiciária. Logo, somente cabe ao órgão ministerial acesso aos relatórios de inteligência emitidos pela Polícia Federal de natureza persecutório-penal, ou seja, que guardem relação com a atividade de investigação criminal (atividade-fim policial).

Acesso irrestrito a todos os relatórios de inteligência não é cabível

Desse modo, o pleito do MP de ter acesso a “todos os relatórios de inteligência” produzidos pelo Departamento de Polícia Federal no Rio de Janeiro, de modo irrestrito e incluindo aqueles não destinados a aparelhar procedimentos investigatórios criminais, extrapola o poder fiscalizador atribuído à Instituição.

E as atividades de inteligência realizadas pelo SISBIN ficarão sem nenhuma fiscalização?

NÃO. O controle e a fiscalização externos da atividade de inteligência do SISBIN serão exercidos pelo Poder Legislativo, ou seja, pelo Congresso Nacional (art. 6º da Lei nº 9.883/99).

25
Q

No processo penal, o prazo para o MP apresentar manifestação pode correr da intimação em audiência?

A

O termo inicial da contagem do prazo para impugnar decisão judicial é, para o MP, a data da entrega dos autos na repartição administrativa do órgão, sendo irrelevante que a intimação pessoal tenha se dado em audiência, em cartório ou por mandado. (REsp repetitivo n. 1.349.935).

26
Q

O Ministério Público estadual pode atuar perante o STJ?

A

Os Ministérios Públicos dos Estados e do DF tÊm legitimidade para propor e atuar em recursos e meios de impugnação de decisões judiciais em trâmite no STF e no STJ, oriundos de processos de sua atribuição, sem prejuízo da atuação do MPF (RE 985392 - repercussão geral).

27
Q

O MPT pode atuar no STF diretamente?

A

O MPT não pode atuar diretamente no STF.

O exercício das funções do MPT (dentre os quais se inclui o MPT) junto ao STF cabe privativamente aao PGR.

Quando se diz que o MPT não pode atuar diretamente no STF isso significa que não pode ajuizar ações originárias no STF nem pode recorrer contra decisões proferidas por essa Corte.

Importante esclarecer, no entanto, que o membro do MPT pode interpor recurso extraordinário, a ser julgado pelo STF, contra uma decisão proferida pelo TST. (INFO 759).

28
Q

Imagine a seguinte situação hipotética:

O CNJ instaurou procedimento de controle administrativo para apurar a conduta de um magistrado. Alguns meses depois, o processo administrativo disciplinar foi arquivado pelo CNJ em virtude do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva administrativa.

O Procurador-Geral da República, que oficia junto ao CNJ (art. 103-B, § 6º, da CF/88), não concordou com a decisão do Conselho e contra ela impetrou mandado de segurança no STF alegando que a conduta do magistrado deveria ser enquadrada em uma infração disciplinar mais grave, o que faria com que não houvesse a referida prescrição.

O Procurador-Geral da República sustentou ter legitimidade para impetrar mandado de segurança, diante de sua atuação no feito como custos legis (fiscal da lei), que visa garantir a observância e a correta aplicação do ordenamento jurídico vigente.

O mandado de segurança impetrado pelo PGR foi aceito pelo STF?

A

Resumo

O Procurador-Geral da República não possui legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança com o objetivo de questionar decisão que reconheça a prescrição da pretensão punitiva em processo administrativo disciplinar. A legitimidade para impetrar mandado de segurança pressupõe a titularidade do direito pretensamente lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade pública. O Procurador-Geral da República não tem legitimidade para a impetração, pois não é o titular do direito líquido e certo que afirmara ultrajado. Para a impetração do MS não basta a demonstração do simples interesse ou atuação como custos legis, uma vez que os direitos à ordem democrática e à ordem jurídica não são de titularidade do Ministério Público, mas de toda a sociedade. STF. 2ª Turma. MS 33736/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 21/6/2016 (Info 831)

Inteiro teor:

[…]

O Procurador-Geral da República não possui legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança com o objetivo de questionar decisão que reconheça a prescrição da pretensão punitiva em processo administrativo disciplinar. STF. 2ª Turma. MS 33736/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 21/6/2016 (Info 831).

A legitimidade para impetrar mandado de segurança pressupõe a titularidade do direito pretensamente lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade pública.

O Procurador-Geral da República não tem legitimidade para a impetração, pois não é o titular do direito líquido e certo que afirmara ultrajado.

Para a impetração do MS não basta a demonstração do simples interesse ou atuação como custos legis, uma vez que os direitos à ordem democrática e à ordem jurídica não são de titularidade do Ministério Público, mas de toda a sociedade.

E o § 6º do art. 103-B da CF/88?

Quando o § 6º do art. 103-B da CF/88 prevê que o Procurador-Geral da República oficiará junto ao CNJ, esta atuação restringe-se ao âmbito interno do conselho, não significando que ele tenha legitimidade para impetrar mandado de segurança contra as decisões ali proferidas.

29
Q

Norma estadual pode prever que apenas procuradores de justiça poderão se candidatar ao cargo de PGJ?

A

Viola a CF norma estadual que preveja que apenas Procuradores de Justiça poderão se candidatar ao cargo de PGJ

Foi declarada a inconstitucionalidade de norma da Constituição de MG e da lei complementar estadual 21\1991 que estaveleciam que apenas Procuradores de Justiça vitalícios podiam se candidatar ao cargo de Procurador-geral de Justiça.

O processo de escolha do procurador-geral de Justiça, por envolver tema de índole institucional geral, é disciplinado pela Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e somente pode ser ampliado, restringido e redesenhado pela lei orgânica da cada mP, em caráter suplementar e para atender a peculiaridade locais, mas sempre observando as linhas mestras da lei nacional.

ADI 5704 - 2019.

30
Q

A atividade de técnico judiciário serve como atividade jurídica para fins de ingresso na carreira do Ministério Público?

A

A Constituição Federal exige, como requisito para ingresso na carreira da Magistratura, do Ministério Público e da Defensoria Pública, além da aprovação em concurso público, que o bacharel em direito possua, no mínimo, três anos de atividade jurídica (art. 93, I e art. 129, § 3º).

A referência a “três anos de atividade jurídica”, contida na CF/88, não se limita à atividade privativa de bacharel em Direito. Em outras palavras, os três anos de atividade jurídica não precisam ter sido exercidos em um cargo privativo de bacharel em Direito.

Assim, por exemplo, se uma pessoa desempenhou por mais de três anos o cargo de técnico judiciário (nível médio), mas nele realizava atividades de cunho jurídico, ele terá cumprido o referido requisito. STF. 1ª Turma. MS 27601/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 22/9/2015 (Info 800).

Inteiro teor:

Feita essa consideração, imaginemos a seguinte situação:

João, bacharel em Direito, é servidor público do Poder Judiciário, ocupando o cargo de técnico judiciário. Vale ressaltar que o cargo de técnico judiciário é de nível médio, ou seja, não se exige graduação em Direito ou qualquer nível superior para que possa ser exercido.

Na condição de técnico judiciário, João auxilia o magistrado, fazendo pesquisas jurídicas e minutas de despachos, decisões e sentenças, , o que ficou demonstrado por meio de uma certidão exarada pelo órgão. Após quatro anos como técnico judiciário, João consegue ser aprovado no concurso do Ministério Público.

Diante disso, indaga-se: o tempo que João trabalhou como técnico judiciário poderá ser computado como atividade jurídica?

SIM. A referência a “três anos de atividade jurídica”, contida na CF/88, não se limita à atividade privativa de bacharel em Direito. Em outras palavras, os três anos de atividade jurídica não precisam ter sido exercidos em um cargo privativo de bacharel em Direito. STF. 1ª Turma. MS 27601/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 22/9/2015 (Info 800).

31
Q

É constitucional a previsão de estágio para estudantes de pós-graduação?

A

É constitucional a LC 915\2016, do Estado de Rondônia, que criou o estágio para estudantes de pós-graduação (denominado MP-Residência) no âmbito do Ministério Público do Estado.

32
Q

As defensoria estaduais possuem autonomia funcional e administrativa e e iniciativa de elaboração da proposta orçamentária?

A

Resumo

É possível que emenda à Constituição Federal proposta por iniciativa parlamentar trate sobre as matérias previstas no art. 61, § 1º da CF/88.

As regras de reserva de iniciativa fixadas no art. 61, § 1º da CF/88 não são aplicáveis ao processo de emenda à Constituição Federal, que é disciplinado em seu art. 60.

Assim, a EC 74/2013, que conferiu autonomia às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal, não viola o art. 61, § 1º, II, alínea “c”, da CF/88 nem o princípio da separação dos poderes, mesmo tendo sido proposta por iniciativa parlamentar. STF. Plenário. ADI 5296 MC/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 18/5/2016 (Info 826)

Inteiro teor:

EC 45/2004

A EC 45/2004 incluiu o § 2º ao art. 134 conferindo autonomia para as Defensorias Públicas ESTADUAIS. Veja o dispositivo que foi acrescentado:

Art. 134 (…)

§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º.

Se você reparar bem, no entanto, verá que o § 2º somente fala em Defensorias Públicas Estaduais. A Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Distrito Federal não foram incluídas, de modo que, mesmo após a EC 45/2004, continuaram subordinadas ao Poder Executivo.

EC 74/2013

Desde 2004, a DPU lutou bastante para tentar adquirir sua autonomia, no entanto, nunca conseguiu convencer a Presidência da República a encaminhar ao Congresso Nacional uma PEC prevendo isso.

Diante desse cenário, buscou-se outra estratégia: um grupo de Deputados Federais apresentou uma PEC alterando o texto constitucional e prevendo a autonomia para a DPU e a DPDF. Esta proposta foi aprovada em 2013, convertendo-se na EC 74/2013, que incluiu o § 3º ao art. 134 da CF/88 com a seguinte redação:

Art. 134 (…) § 3º Aplica-se o disposto no § 2º às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal.

ADI 5296/DF

A DPU pensava que seus problemas tinham acabado, mas ainda havia um grande obstáculo a ser enfrentado. Em 10/04/2015, a então Presidente da República, Dilma Rousseff, ajuizou ADI no STF contra a EC 74/2013. O argumento invocado foi o de que a referida emenda tratou sobre o regime jurídico de servidores públicos da União, matéria que somente poderia ser discutida no Congresso Nacional se a iniciativa tivesse partido do Presidente da República, nos termos do art. 61, § 1º, II, alínea “c”, da CF/88:

Art. 61 (…) § 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

II - disponham sobre:

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

Segundo a ADI, apesar de o art. 61, § 1º falar em “leis”, essa regra valeria também para “emendas constitucionais”. Isso porque se fosse admitido que os parlamentares apresentassem emendas constitucionais tratando sobre os assuntos do art. 61, § 1º, seria uma forma de eles burlarem essa vedação. Seria algo do tipo: “como não podemos apresentar uma lei versando sobre tais assuntos, vamos trocar o instrumento e tratar sobre o tema por meio de emenda constitucional.”

Assim, a tese defendida na ação foi a de que a emenda constitucional que disponha sobre alguma das matérias listadas no art. 61, § 1º da CF/88 somente poderia ser proposta pelo Presidente da República. Por conta disso, a EC 74/2013 seria inconstitucional por vício de iniciativa.

Além disso, segundo argumentou a Presidente da República, os parlamentares, ao proporem essa PEC concedendo autonomia à Defensoria Pública, teriam violado o princípio da separação dos poderes (art. 60, § 4º, III).

O STF, ao apreciar a medida cautelar, concordou com a tese defendida na ADI? A EC 74/2013 é inconstitucional por vício de iniciativa?

NÃO.

É possível que emenda à Constituição Federal proposta por iniciativa parlamentar trate sobre as matérias previstas no art. 61, § 1º da CF/88.

As regras de reserva de iniciativa fixadas no art. 61, § 1º da CF/88 não são aplicáveis ao processo de emenda à Constituição Federal, que é disciplinado em seu art. 60.

Assim, a EC 74/2013, que conferiu autonomia às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal, não viola o art. 61, § 1º, II, alínea “c”, da CF/88 nem o princípio da separação dos poderes, mesmo tendo sido proposta por iniciativa parlamentar. STF. Plenário. ADI 5296 MC/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 18/5/2016 (Info 826).

Quando a CF/88 prevê que determinados projetos de lei somente podem ser apresentados por alguns legitimados, ela não proíbe que tais temas sejam tratados por emenda constitucional iniciada por qualquer dos legitimados​

A CF/88 prevê reserva de iniciativa para a propositura de lei para os seguintes legitimados:

 Presidente da República (art. 61, § 1º);

 STF (art. 93);

 Tribunais Superiores (art. 96, II);

 Procurador-Geral da República (art. 128, § 5º).

Assim, somente os legitimados acima podem propor leis dispondo sobre certos assuntos. Ex: um projeto de lei tratando sobre a forma de ingresso na carreira de juiz somente poderá ser proposto pelo STF (art. 93, I). Os parlamentares não podem iniciar um projeto de lei dispondo sobre este assunto. Isso não significa, contudo, que tais temas não possam ser veiculados por meio de emenda constitucional. Seria possível, portanto, uma emenda constitucional versando sobre o ingresso na carreira de juiz. Não há nenhuma vedação nesse sentido. Exemplo disso foi a EC 45/2004, que tratou exatamente sobre esse tema e foi considerada constitucional pelo STF.

Ao se constatar isso, percebe-se que o argumento invocado na ADI 5296 não é correto. Nesta ação sustentava-se que quando a CF/88 prevê iniciativa privativa para determinados legitimados, a proposta de emenda constitucional somente poderia ser feita por este legitimado. Ex: o art. 61, § 1º, II, “c” prevê que apenas o Presidente da República pode iniciar projeto de lei que trate sobre o regime jurídico dos servidores da União. Logo, para a ADI 5296, se o tema fosse tratado por meio de EC, esta proposta deveria ser encaminhada pelo Presidente da República. Ocorre que o rol de legitimados para a propositura de emendas à Constituição Federal é bem limitado e não abrange todos os legitimados que podem apresentar projetos de lei.

A Constituição Federal elenca, em seu art. 60, o rol dos legitimados a propor emendas à CF/88:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II - do Presidente da República;

III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

Repare que o STF não pode propor emendas à Constituição. Logo, se fôssemos admitir iniciativas privativas para EC, como os assuntos previstos no art. 93 da CF/88 poderiam ser tratados por meio de emenda constitucional? Já que o STF não pode apresentar propostas de emenda à Constituição, devemos concluir que há uma proibição de que os assuntos do art. 93 sejam objeto de emenda constitucional? O art. 93 se tornaria, portanto, uma cláusula pétrea?

A resposta é, obviamente, não. Logo, deve-se permitir que os legitimados do art. 60 possam propor emendas à Constituição ainda que tratando sobre os assuntos do art. 93.

De igual forma, deve-se permitir que qualquer dos legitimados do art. 60 possa propor emendas à Constituição Federal, ainda que dispondo sobre os assuntos do art. 61, § 1º, II, da CF/88.

EC 74/2013 não tratou sobre regime jurídico de servidores públicos

Vale ressaltar, ainda, que o assunto veiculado na EC 74/2013 não se enquadra no art. 61, § 1º, II, “c”, da CF/88 considerando que esta emenda não tratou sobre regime jurídico de servidores públicos da União. Ela dispôs sobre a Defensoria Pública como instituição, ou seja, sobre sua autonomia.

Logo, ainda que fosse acolhida a tese central da ADI, mesmo assim não haveria inconstitucionalidade na EC 74/2013 por violação ao art. 61, § 1º, II, “c”, da CF/88.

Não houve violação ao princípio da separação dos Poderes

A EC 74/2013, mesmo tendo sido proposta por iniciativa parlamentar, não violou o princípio da separação dos Poderes. Isso porque não existe, no âmbito no federal, reserva de iniciativa em se tratando de emendas constitucionais.

O STF entendeu também que a EC 74/2013 não violou os limites materiais do art. 60, § 4º, da CF/88. O Tribunal afirmou que, em diversas oportunidades, já analisou a autonomia das Defensorias Públicas estaduais introduzida pela EC 45/2004 no § 2º do art. 134 da CF/88 sem que houvesse qualquer indício de inconstitucionalidade.

Assim, a concessão de autonomia às Defensorias Públicas não viola a ordem constitucional. Pelo contrário, essa medida é importante para o aperfeiçoamento do próprio sistema democrático. Isso porque a assistência jurídica aos hipossuficientes é direito fundamental como forma de amplo acesso à justiça. Além disso, essa arquitetura institucional encontra respaldo em práticas recomendadas pela comunidade jurídica internacional, a exemplo do estabelecido na Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos.

Tratamento análogo ao Ministério Público

O Min. Roberto Barroso considerou legítimo reconhecer-se autonomia funcional e administrativa à Defensoria Pública. Segundo ele, a ideia de autonomia está relacionada, primordialmente, aos Poderes do Estado. No entanto, a CF/88 abriu uma exceção e estendeu essa prerrogativa ao Ministério Público, instituição que é equiparada a um Poder. Da mesma forma, a Defensoria Pública não é um Poder, mas é razoável conceder-lhe tratamento análogo ao que foi dado ao Ministério Público.

Assim, para o Ministro, é possível conceder autonomia à Defensoria Pública com base em três razões principais:

a) a Defensoria Pública e o Ministério Público são partes antagônicas no processo penal, de modo que devem ser equiparadas para que haja paridade de armas no tratamento dos hipossuficientes;
b) no caso da Defensoria Pública da União, seu principal adversário é a União, detentora dos recursos buscados pelas partes, de maneira que é necessário proteger a instituição no seu mister de defender interesses públicos primários; e
c) a assistência jurídica aos hipossuficientes é direito fundamental (art. 5º, LXXIV, da CF/88).

Toda e qualquer instituição ligada ao Poder Executivo pode se tornar autônoma por meio de emenda constitucional de iniciativa parlamentar?

NÃO. Durante os debates, a Min. Relatora Rosa Weber e alguns outros afirmaram que a decisão acima não significa que toda e qualquer instituição vinculada ao Poder Executivo possa adquirir autonomia por meio de emendas constitucionais propostas por iniciativa parlamentar. A depender do caso concreto, isso poderá sim configurar uma violação ao princípio da separação dos Poderes (art. 60, § 4º, III, da CF/88). No caso da Defensoria Pública não há essa afronta porque as atribuições da Instituição não possuem vinculação direta com a essência da atividade executiva e pelos três motivos já explicados acima.

Votos vencidos

A decisão foi por maioria e ficaram vencidos os Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio.

Medida cautelar

Vale ressaltar que ainda só foi julgado o pedido de medida cautelar. Apesar disso, é extremamente provável que o STF mantenha o mesmo entendimento quando houver o julgamento definitivo da ação.

No âmbito estadual, a conclusão é a mesma acima exposta?

Os Deputados Estaduais podem apresentar emendas constitucionais tratando sobre os assuntos previstos no art. 61, § 1º da CF/88? NÃO. O STF entende que se houver uma emenda à Constituição ESTADUAL tratando sobre algum dos assuntos listados no art. 61, § 1º, da CF/88 (adaptados, por simetria, ao âmbito estadual), essa emenda deve ser proposta pelo chefe do Poder Executivo. Assim, é incabível que os Deputados Estaduais proponham uma emenda constitucional dispondo sobre o regime jurídico dos servidores públicos, por exemplo (art. 61, § 1º, II, “c”). Se isso fosse permitido, seria uma forma de burlar a regra do art. 61, § 1º, da CF/88.

Em suma, “matéria restrita à iniciativa do Poder Executivo não pode ser regulada por emenda constitucional de origem parlamentar” (STF. Plenário. ADI 2.966, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 06/04/2005).

Assim, se for proposto um projeto de lei tratando sobre servidores públicos do Poder Executivo estadual, este projeto deverá ser apresentado pelo Governador do Estado, por força do art. 61, § 1º, II, “c”, da CF/88, que é aplicado ao âmbito estadual, por força da simetria.

Com base nisso, será inconstitucional emenda constitucional, de iniciativa parlamentar, que insira na Constituição Estadual dispositivo versando sobre servidores públicos estaduais. Isso porque seria uma forma de os Deputados Estaduais burlarem a vedação do art. 61, § 1º, II, “c”, da CF/88. Nesse sentido: STF. Plenário. ADI 3848/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/2/2015 (Info 774).

Dessa forma, o poder das Assembleias Legislativas de emendar Constituições Estaduais não pode avançar sobre temas cuja reserva de iniciativa é do Governador do Estado.

33
Q

Lei estadual pode atribuir ao governador a competência para nomeação dos defensores públicos chefes?

A

Resumo

É inconstitucional lei estadual que atribui ao chefe do Poder Executivo estadual competências administrativas no âmbito da Defensoria Pública.

Assim, viola o art. 134, § 2º da CF/88 a lei estadual que preveja que compete ao Governador:

a) a nomeação do Subdefensor Público-Geral, do Corregedor-Geral, dos Defensores Chefes e do Ouvidor da Defensoria Pública estadual;
b) autorizar o afastamento de Defensores Públicos para estudos ou missão;
c) propor, por meio de lei de sua iniciativa, o subsídio dos membros da Defensoria Pública. Obs: tais competências pertencem ao Defensor Público-Geral do Estado. STF. Plenário. ADI 5286/AP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 18/5/2016 (Info 826).

Inteiro teor:

Nomeação do Subdefensor Público-Geral, do Corregedor-Geral, dos Defensores Chefes e do Ouvidor

A lei estadual, ao atribuir competência ao Governador do Estado para nomear ocupantes de cargos essenciais na estrutura da Defensoria Pública estadual, violou a autonomia administrativa do órgão.

Além disso, houve afronta à Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (Lei Complementar 80/94). Isso porque a LC nacional estabelece que os ocupantes de tais cargos deverão ser nomeados pelo próprio Defensor Público-Geral (art. 99, § 1º, art. 104 e art. 105-B, § 2º).

A lei estadual, ao tratar sobre o tema de forma diferente da LC nacional, além de violar a autonomia da Defensoria Pública, contrariou também o art. 24, XIII, da CF/88, que prevê que é concorrente a competência para legislar sobre a Defensoria Pública, cabendo, no entanto, à União fixar as normas gerais. Veja:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: XIII - assistência jurídica e Defensoria Pública; (…) § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

Assim, os Estados podem legislar sobre a Defensoria Pública, mas apenas para suplementar as normas gerais fixadas pela União, sem contrariá-las (art. 24, §§ 1º e 2º, da CF/88). Como decorrência da autonomia administrativa, cabe ao próprio Defensor Público-Geral a nomeação dos Defensores Públicos que ocuparão as funções de chefes das unidades de atendimento.

34
Q

O governador pode reduzir proposta orçamentária da Defensoria elaborada de acordo com a LDO?

A

Resumo

Governador do Estado, ao encaminhar para a Assembleia Legislativa o projeto de lei orçamentária, não pode reduzir a proposta orçamentária elaborada pela Defensoria Pública e que estava de acordo com a LDO.

Há, neste caso, violação ao § 2º do art. 134 da CF/88.

Assim, é inconstitucional a redução unilateral pelo Poder Executivo dos orçamentos propostos pelos outros Poderes e por órgãos constitucionalmente autônomos, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, na fase de consolidação do projeto de lei orçamentária anual, quando tenham sido elaborados em obediência às leis de diretrizes orçamentárias e enviados conforme o art. 99, § 2º, da CF/88.

Caso o Governador do Estado discorde da proposta elaborada, ele poderá apenas pleitear ao Poder Legislativo a redução pretendida, visto que a fase de apreciação legislativa é o momento constitucionalmente correto para o debate de possíveis alterações no projeto de lei orçamentária. Não pode, contudo, já encaminhar o projeto com a proposta alterada. STF. Plenário. ADI 5287/PB, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 18/5/2016 (Info 826).

35
Q

A defensoria pública participa da elaboração da LDO?

A

É inconstitucional a Lei de Diretrizes Orçamentárias que seja elaborada sem contar com a participação da Defensoria Pública para elaborar as respectivas propostas orçamentárias. Assim, a LDO enviada pelo Governador do Estado à Assembleia Legislativa deve contar com a participação prévia da Defensoria Pública. Isso porque a LDO fixa limites do orçamento anual que será destinado à Instituição.

Aplica-se às Defensorias Públicas o disposto no § 2º do art. 99 da CF/88. STF. Plenário. ADI 5381 Referendo-MC/PR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 18/5/2016 (Info 826).

Inteiro teor:

Onde está previsto que a Defensoria Pública deverá participar das discussões da LDO?

No § 1º do art. 99 da CF/88, que prevê o seguinte:

Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira. § 1º - Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.

Conforme entendeu o STF, apesar desse dispositivo falar apenas no Poder Judiciário (“Os Tribunais elaboração suas propostas orçamentárias…”), a referida regra deverá também ser aplicada para as Defensorias Públicas. Nas palavras do Min. Roberto Barroso, “se, então, a participação dos tribunais na fixação dos limites aos seus orçamentos decorre da sua própria autonomia financeira, não há razão para não reconhecer também à Defensoria Pública o direito de estipular, conjuntamente com os demais Poderes, os limites para a proposta de seu próprio orçamento na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Isto porque o constituinte reconheceu também às Defensorias Públicas a mesma autonomia financeira conferida aos demais Poderes e ao Ministério Público, assim como a prerrogativa de propor seu próprio orçamento. (…) Embora o art. 134, § 2º, determine a subordinação da prerrogativa conferida à Defensoria Pública de propor seu próprio orçamento ao art. 99, § 2º, parece fora de dúvida que se trata de um erro material. A remissão correta, como corolário da própria autonomia financeira, é ao § 1º do art. 99.”

36
Q
A
37
Q

A defensoria público pode exigir três ano de atividade jurídica em seus concursos?

A

Resumo

O art. 93, I, da CF/88 exige três anos de atividade jurídica para os candidatos nos concursos da Magistratura. Essa exigência pode ser estendida para os concursos da Defensoria Pública. No entanto, é indispensável a edição de uma lei complementar prevendo isso (art. 37, I e art. 134, § 1º, da CF/88).

Enquanto não for editada lei complementar estendendo a exigência dos três anos para a Defensoria Pública, continua válida a regra do art. 26 da LC 80/94, que exige do candidato ao cargo de Defensor Público apenas dois anos de prática forense, computadas, inclusive as atividades realizadas antes da graduação em Direito.

Desse modo, não é possível que Resolução do Conselho Superior da Defensoria Pública (ato infralegal) exija três anos de atividade jurídica depois da graduação para os concursos de Defensor Público. STJ. 2ª Turma. REsp 1.676.831/AL, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 05/09/2017 (Info 611).

Inteiro teor:

Art. 93 da CF/88 aplica-se à DP, no que couber

A EC 80/2014 inseriu o § 4º ao art. 134 da CF/88 prevendo que devem ser aplicados à Defensoria Pública, no que couber, os princípios constitucionais estabelecidos para a Magistratura. Veja:

Art. 134 (…) § 4º São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no inciso II do art. 96 desta Constituição Federal. (Incluído pela EC nº 80/2014)

O art. 93 diz o seguinte:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (…)

Desse modo, depois da EC 80/2014, as normas do art. 93 da CF/88 também devem ser aplicadas à Defensoria Pública, no que couber.

Três anos de atividade jurídica

O inciso I do art. 93 trata dos concursos públicos para a magistratura e exige do candidato que ele tenha, no mínimo, 3 anos de atividade jurídica. Confira:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação;

O STF entendeu que este art. 93, I, é autoaplicável, ou seja, possui natureza de norma jurídica de eficácia plena, de sorte que não precisa de lei para produzir todos os seus efeitos.

Previsão da LC 80/94

A Defensoria Pública é regida pela Lei Complementar nº 80/94. Esta Lei traz regra diferente do art. 93, I, da CF/88.

Segundo a LC 80/94, nos concursos para o cargo de Defensor Público federal, o candidato precisa ter apenas 2 anos de prática forense, sendo que esse período pode ser computado por meio de atividades realizadas antes da colação de grau:

Art. 26. O candidato, no momento da inscrição, deve possuir registro na Ordem dos Advogados do Brasil, ressalvada a situação dos proibidos de obtê-la, e comprovar, no mínimo, dois anos de prática forense, devendo indicar sua opção por uma das unidades da federação onde houver vaga. § 1º Considera-se como atividade jurídica o exercício da advocacia, o cumprimento de estágio de Direito reconhecido por lei e o desempenho de cargo, emprego ou função, de nível superior, de atividades eminentemente jurídicas. (Redação dada pela Lei Complementar nº 132/2009).

Discussão sobre a aplicação ou não da exigência de três anos para os concursos da Defensoria Pública

Diante disso, com a promulgação da EC 80/2014, surgiram as seguintes dúvidas:

  • o inciso I do art. 93 da CF/88, que exige três anos de atividade jurídica para o candidato ao cargo, aplicase para os concursos da DPU?
  • o art. 26 da LC 80/94 continua em vigor ou foi revogado (não-recepcionado) pela EC 80/2014?
  • os candidatos ao concurso da DPU precisam comprovar três anos de atividade jurídica realizada depois da colação de grau?

Podemos apontar a existência de três correntes de interpretação:

1ª posição: o art. 93, I, da CF/88 aplica-se à Defensoria Pública, por força do art. 134, § 4º, e, portanto, o art. 26, caput e § 1º da LC 80/94 não estão mais em vigor.

Como consequência, exigem-se três anos de atividade jurídica, que somente podem ser computados depois da colação de grau. Isso porque foi assim que o STF interpretou o art. 93, I, da CF/88 para os concursos da Magistratura, devendo ser adotada a mesma exegese para a Defensoria Pública.

Esta foi a interpretação dada pelo Conselho Superior da Defensoria Pública da União (Resolução 118/2015).

2ª posição: o art. 93, I, da CF/88 aplica-se à Defensoria Pública. Assim, exigem-se três anos de atividade jurídica do candidato ao cargo de Defensor Público.

No entanto, esses três anos de atividade jurídica podem ser computados antes da colação de grau. Os partidários dessa corrente alegam que:

  • o art. 93, I, da CF/88 não é expresso em exigir a contagem da atividade jurídica somente depois da graduação; e
  • o § 1º do art. 26 da LC 80/94 autoriza que a atividade jurídica para os concursos da Defensoria considere também a prática forense realizada antes da colação de grau. Logo, para essa corrente, o caput do art. 26 da LC 80/94 não foi recepcionado pela EC 80/2014, mas o § 1º continua em vigor por não ser incompatível com a emenda.

3ª posição: é possível aplicar o art. 93, I, da CF/88 à Defensoria Pública, no entanto, para isso, exige-se a edição de uma lei complementar alterando a LC 80/94.

Enquanto não houver lei complementar disciplinando o tema segundo o art. 93, I, da CF/88, permanece válida a exigência de dois anos de prática forense prevista no art. 26 da LC 80/94.

Posição do STJ

O STJ possui um precedente recente adotando a 3ª corrente. Veja, em resumo, o que foi decidido:

O art. 93, I, da CF/88 exige três anos de atividade jurídica para os candidatos nos concursos da Magistratura. Essa exigência pode ser estendida para os concursos da Defensoria Pública. No entanto, é indispensável a edição de uma lei complementar prevendo isso (art. 37, I e art. 134, § 1º, da CF/88). Enquanto não for editada lei complementar estendendo a exigência dos três anos para a Defensoria Pública, continua válida a regra do art. 26 da LC 80/94, que exige do candidato ao cargo de Defensor Público apenas dois anos de prática forense, computadas, inclusive as atividades realizadas antes da graduação em Direito.

Desse modo, não é possível que Resolução do Conselho Superior da Defensoria Pública (ato infralegal) exija três anos de atividade jurídica depois da graduação para os concursos de Defensor Público. STJ. 2ª Turma. REsp 1.676.831/AL, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 05/09/2017.

A questão, por envolver tema constitucional, será ao fim resolvida pelo STF. Vamos aguardar o que o Supremo irá decidir

Concursos da Defensoria Pública estadual

No caso dos concursos da Defensoria Pública dos Estados, a LC 80/94 nem sequer exige 2 anos de prática forense. Confira:

Art. 112. O ingresso nos cargos iniciais da carreira far-se-á mediante aprovação prévia em concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil. § 1º Do regulamento do concurso constarão os programas das disciplinas sobre as quais versarão as provas, bem como outras disposições pertinentes à sua organização e realização. § 2º O edital de abertura de inscrições no concurso indicará, obrigatoriamente, o número de cargos vagos na categoria inicial da carreira.

Nesses casos, deve-se analisar a lei que rege a Defensoria Pública no Estado. A maioria das leis complementares estaduais que conheço repete a previsão do art. 26 da LC 80/94 e exige dois anos de prática forense, permitindo o estágio profissional realizado antes da colação de grau.

Aplicando o mesmo raciocínio da decisão do STJ acima comentada (que analisou o concurso da DPU), pode-se concluir que, enquanto a Lei complementar do respectivo Estado não for alterada, não será possível exigir três anos de atividade jurídica nos concursos das Defensorias Públicas estaduais

38
Q

É constitucional norma de CE que confere foro por prerrogativa de função para Defensores Públicos?

A

Resumo

É inconstitucional dispositivo da Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de função, no Tribunal de Justiça, para Procuradores do Estado, Procuradores da ALE, Defensores Públicos e Delegados de Polícia.

A CF/88, apenas excepcionalmente, conferiu prerrogativa de foro para as autoridades federais, estaduais e municipais. Assim, não se pode permitir que os Estados possam, livremente, criar novas hipóteses de foro por prerrogativa de função. STF. Plenário. ADI 2553/MA, Rel. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 15/5/2019(Info 940).

Inteiro teor:

O que é foro por prerrogativa de função?

Trata-se de uma prerrogativa prevista pela Constituição, segundo a qual as pessoas ocupantes de alguns cargos ou funções somente serão processadas e julgadas criminalmente (não engloba processos cíveis) por determinados Tribunais (TJ, TRF, STJ, STF).

Razão de existência

O foro por prerrogativa de função existe porque se entende que, em virtude de determinadas pessoas ocuparem cargos ou funções importantes e de destaque, somente podem ter um julgamento imparcial e livre de pressões se forem julgadas por órgãos colegiados que componham a cúpula do Poder Judiciário.

Ex: um Desembargador, caso pratique um delito, não deve ser julgado por um juiz singular, nem pelo Tribunal do qual faz parte, mas sim pelo STJ, órgão de cúpula do Poder Judiciário e, em tese, mais adequado para, no caso concreto, exercer a atividade com maior imparcialidade. Ex2: caso um Senador da República cometa um crime, ele será julgado pelo STF.

Onde estão previstas as regras sobre o foro por prerrogativa de função?

Posição tradicional do STF: O STF e a doutrina majoritária, tradicionalmente, ensinavam o seguinte:

  • Em regra, os casos de foro por prerrogativa de função são previstos na Constituição Federal. Exs: art. 102, I, “b” e “c”; art. 105, I, “a”.
  • As Constituições estaduais podem prever casos de foro por prerrogativa de função desde que seja respeitado o princípio da simetria com a Constituição Federal. Isso significa que a autoridade estadual que “receber” o foro por prerrogativa na Constituição Estadual deve ser equivalente a uma autoridade federal que tenha foro por prerrogativa de função na Constituição Federal.

Ex1: a Constituição Estadual pode prever que o Vice-Governador será julgado pelo TJ. Isso porque a autoridade “equivalente”, em âmbito federal (Vice-Presidente da República), possui foro por prerrogativa de função no STF (art. 102, I, “b”, da CF/88). Logo, foi respeitado o princípio da simetria.

Ex2: a Constituição Estadual não pode prever foro por prerrogativa de função para os Delegados de Polícia, considerando que não há previsão semelhante para os Delegados Federais na Constituição Federal (STF ADI 2587).

Essa autorização para que as Constituições Estaduais prevejam hipóteses de foro por prerrogativa de função no TJ existe por força do art. 125, § 1º, da CF/88:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.

Assim, à luz do disposto no art. 125, § 1º, da Constituição Federal, o constituinte estadual possui legitimidade para fixar a competência do Tribunal de Justiça e, por conseguinte, estabelecer a prerrogativa de foro às autoridades que desempenham funções similares na esfera federal.

39
Q

Se o defensor edtiver presente na audiência na qual foi proferida decisão, ele já é considerado intimado dela?

A

A intimação da Defensoria somente se aperfeiçoa com a remessa dos autos mesmo que o Defensor esteja presente na audiência na qual foi proferida a decisão

A LC 80/94 (Lei Orgânica da Defensoria Pública) prevê, como uma das prerrogativas dos Defensores Públicos, que eles devem receber intimação pessoal (arts. 44, I, 89, I e 128, I).

Se uma decisão ou sentença é proferida pelo juiz na própria audiência, estando o Defensor Público presente, pode-se dizer que ele foi intimado pessoalmente naquele ato ou será necessário ainda o envio dos autos à Defensoria para que a intimação se torne perfeita?

Para que a intimação pessoal do Defensor Público se concretize, será necessária ainda a remessa dos autos à Defensoria Pública.

A intimação da Defensoria Pública, a despeito da presença do defensor na audiência de leitura da sentença condenatória, somente se aperfeiçoa com sua intimação pessoal, mediante a remessa dos autos.

Assim, a data da entrega dos autos na repartição administrativa da Defensoria Pública é o termo inicial da contagem do prazo para impugnação de decisão judicial pela instituição, independentemente de intimação do ato em audiência.

STJ. 3ª Seção. HC 296.759-RS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 23/8/2017 (Info 611). STF. 2ª Turma. HC 125270/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 23/6/2015 (Info 791).

Observação:

Vale ressaltar que a decisão acima foi proferida em sede de processo penal. Não se pode ter certeza se o entendimento seria o mesmo caso fosse um processo cível. Isso porque o CPC\2015 previu o seguinte:

Art. 1.003. O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados da decisão.

§ 1º Os sujeitos previstos no caput considerar-se-ão intimados em audiência quando nesta for proferida a decisão.

40
Q

A defensoria pública deve ser intimada quanto à data de julgamento de HC?

A

A intimação pessoal da Defensoria Pública quanto À data de julgamento de HC só é necessária se houver pedido expresso para realização de sustentação oral (Info 839).

41
Q

Se a vítima (ou seus sucessores) quiser ingressar no processo criminal como assistente de acusação, será necessário que outorgue uma procuração ao Defensor Público para que este a represente em juízo?

A

Defensor Público não precisa de procuração para atuar como representante do assistente de acusação

Em regra, o Defensor Público não precisa de mandato (procuração) para representar a parte em processos administrativos ou judiciais. Isso está previsto na LC 80/94.

Exceção: será necessária procuração se o Defensor Público for praticar algum dos atos para os quais a lei exige poderes especiais (exemplos: transigir, desistir, renunciar – art. 38 do CPC).

Se a vítima (ou seus sucessores) quiserem ingressar no processo criminal como assistente de acusação, será necessário que outorguem uma procuração ao Defensor Público para que este as represente em juízo?

NÃO. Quando a Defensoria Pública atuar como representante do assistente de acusação, é dispensável a juntada de procuração com poderes especiais. O Defensor Público deve juntar procuração judicial somente nas hipóteses em que a lei exigir poderes especiais. Atuar como representante do assistente de acusação não é considerado um poder especial, não se exigindo procuração especial.

A participação da Defensoria Pública como representante do assistente de acusação pode ser negada sob o argumento de que a vítima ou seus sucessores não são hipossuficientes (“pobres”)?

NÃO. Compete à própria Defensoria o direito de apurar o estado de carência de seus assistidos. STJ. 5ª Turma. HC 293.979-MG, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 5/2/2015 (Info 555).

Inteiro teor:

Para que um advogado represente seu cliente, é necessário que este outorgue uma procuração?

SIM. O advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato (art. 5º da Lei n. 8.906/94). “Mandato” é o ato por meio do qual uma pessoa recebe de outra poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses.

A procuração é o instrumento do mandato, ou seja, é o documento (“papel”) que prova que o mandante deu um mandato para o mandatário.

Vale ressaltar uma exceção: em caso de urgência, o advogado pode atuar em nome de seu cliente mesmo sem procuração, obrigando-se, contudo, a apresentá-la no prazo de 15 dias, prorrogável por igual período (art. 5º, § 1º).

Para que o Defensor Público represente o assistido, é necessário que este outorgue uma procuração?

NÃO. Defensor Público não é advogado. Logo, a ele se aplica regramento próprio, materializado na LC n. 80/94. Este diploma prevê que uma das prerrogativas dos membros da Defensoria Pública é a de representar a parte, em feito administrativo ou judicial, independentemente de mandato, ressalvados os casos para os quais a lei exija poderes especiais (arts. 44, XI, 89, XI, e 128, XI).

Desse modo, podemos afirmar que:

 Regra: o Defensor Público não precisa de mandato (procuração);

 Exceção: será necessária procuração se o Defensor Público for praticar algum dos atos para os quais a lei exige poderes especiais (exemplos: transigir, desistir, renunciar – art. 38 do CPC).

A pergunta que surge é a seguinte: se a vítima (ou seus sucessores) quiserem ingressar no processo criminal como assistente de acusação, será necessário que outorguem uma procuração ao Defensor Público para que este as represente em juízo? Dito de outra forma, a atuação do Defensor Público como representante do assistente de acusação é um poder considerado especial, a exigir procuração?

NÃO. Quando a Defensoria Pública atuar como representante do assistente de acusação, é dispensável a juntada de procuração com poderes especiais. Como vimos, o Defensor Público deve juntar procuração judicial somente nas hipóteses em que a lei exigir poderes especiais. Atuar como representante do assistente de acusação não é considerado um poder especial, não se exigindo procuração especial.

A participação da Defensoria Pública como representante do assistente de acusação pode ser negada sob o argumento de que a vítima ou seus sucessores não são hipossuficientes (“pobres”)? A Defensoria Pública precisa juntar provas da pobreza?

NÃO. Compete à própria Defensoria Pública o direito de apurar o estado de carência de seus assistidos. Ademais, o art. 4º, § 1º, da Lei n. 1.060/50 estabelece normas para concessão de assistência judiciária aos necessitados, apontando como necessária a simples afirmação de carência de recursos, sendo prescindível, portanto, colacionar outros documentos aos autos.

Uma última dúvida: não é incompatível com a função da Defensoria Pública atuar como representante do assistente de acusação?

NÃO. A Defensoria Pública tem por função institucional patrocinar tanto a ação penal privada quanto a subsidiária da pública, não havendo incompatibilidade com a função acusatória. Assim, nada impede que a referida instituição possa prestar assistência jurídica, atuando como representante da vítima (ou seus sucessores) que queiram figurar no processo como assistente de acusação.

42
Q

Em caso de ação patrocinada pela Defensoria Pública contra o respectivo ente (ex: ação patrocinada pela DPU contra a União), caso o Poder Público seja sucumbente, ele deverá pagar honorários advocatícios em favor da Instituição?

A

STJ: NÃO

Súmula 421-STJ: Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença.

Também não são devidos honorários advocatícios à Defensoria Pública quando ela atua contra pessoa jurídica de direito público que integra a mesma Fazenda Pública. REsp 1.199.715, Corte Especial, j. em 2011.

STF: SIM

Após as ECs 45\2004, 74\2013 e 80\2014, passou a ser permitida a condenação do ente federativo em honorários advocatícios em demandas patrocinadas pela Defensoria Pública, diante de autonomia funcional, administrativa e orçamentária da Instituição. Plenário, AR 1937 AgR, Rel. Gilmar Mendes, j. em 2017.

43
Q

A Defensoria Pública pode ajuizar ACP em favor de defesa de consumidores que não sejam carentes de recursos econômicos?

A

Resumo

A Defensoria Pública tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores idosos que tiveram plano de saúde reajustado em razão da mudança de faixa etária, ainda que os titulares não sejam carentes de recursos econômicos.

A atuação primordial da Defensoria Pública, sem dúvida, é a assistência jurídica e a defesa dos necessitados econômicos. Entretanto, também exerce suas atividades em auxílio a necessitados jurídicos, não necessariamente carentes de recursos econômicos.

A expressão “necessitados” prevista no art. 134, caput, da CF/88, que qualifica e orienta a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo. Assim, a Defensoria pode atuar tanto em favor dos carentes de recursos financeiros como também em prol do necessitado organizacional (que são os “hipervulneráveis”). STJ. Corte Especial. EREsp 1.192.577-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 21/10/2015 (Info 573).

Inteiro teor:

Hipervulneráveis

Hipervulneráveis é uma expressão que abrange determinadas classes de pessoas que, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, ‘necessitem’ da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado. Dentre eles se incluem:

  • indivíduos socialmente estigmatizados ou excluídos
  • crianças;
  • idosos;
  • pessoas com deficiência;
  • gerações futuras.

Essa é a opinião também de Ada Pellegrini Grinover: “(…) Quando se pensa em assistência judiciária, logo se pensa na assistência aos necessitados, aos economicamente fracos, aos “minus habentes”. E este, sem dúvida, o primeiro aspecto da assistência judiciária: o mais premente, talvez, mas não o único.

Isso porque existem os que são necessitados no plano econômico, mas também existem os necessitados do ponto de vista organizacional. Ou seja, todos aqueles que são socialmente vulneráveis: os consumidores, os usuários de serviços públicos, os usuários de planos de saúde, os que queiram implementar ou contestar políticas públicas, como as atinentes à saúde, à moradia, ao saneamento básico, ao meio ambiente etc. (…)

(Parecer sobre a legitimidade da Defensoria Pública para o ajuizamento de ação civil Pública. In: Revista da Defensoria Pública. Ano IV. São Paulo: Nº II. 2011. Disponível na internet em: fls. 154-156).

44
Q

Em que situações a Defensoria Pública pode intervir em processo na condição de custos vulnerabilis?

A

Resumo

Custos vulnerabilis significa “guardiã dos vulneráveis” (“fiscal dos vulneráveis”).

Enquanto o Ministério Público atua como custos legis (fiscal ou guardião da ordem jurídica), a Defensoria Pública possui a função de custos vulnerabilis.

Assim, segundo a tese da Instituição, em todo e qualquer processo onde se discuta interesses dos vulneráveis seria possível a intervenção da Defensoria Pública, independentemente de haver ou não advogado particular constituído.

Quando a Defensoria Pública atua como custos vulnerabilis, a sua participação processual ocorre não como representante da parte em juízo, mas sim como protetor dos interesses dos necessitados em geral.

O STJ afirmou que deve ser admitida a intervenção da Defensoria Pública da União no feito como custos vulnerabilis nas hipóteses em que há formação de precedentes em favor dos vulneráveis e dos direitos humanos.

STJ. 2ª Seção. EDcl no REsp 1.712.163-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 25/09/2019 (Info 657).

Inteiro teor:

NOÇÕES GERAIS SOBRE CUSTOS VULNERABILIS

Em que consiste o custos vulnerabilis?

Custos vulnerabilis significa “guardiã dos vulneráveis” (“fiscal dos vulneráveis”).

Enquanto o Ministério Público atua como custos legis (fiscal ou guardião da ordem jurídica), a Defensoria Pública possui a função de custos vulnerabilis.

Na definição de Maurílio Casas Maia, maior especialista sobre o tema no Brasil,

“‘custos vulnerabilis’ representa uma forma interventiva da Defensoria Pública em nome próprio e em prol de seu interesse institucional (constitucional e legal) – atuação essa subjetivamente vinculada aos interesses dos vulneráveis e objetivamente aos direitos humanos – representando a busca democrática do progresso jurídico-social das categorias mais vulneráveis no curso processual e no cenário jurídico-político” (Legitimidades institucionais no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) no Direito do Consumidor: Ministério Público e Defensoria Pública: similitudes & distinções, ordem & progresso. Revista dos Tribunais. vol. 986. ano 106. págs. 27-61. São Paulo: Ed. RT, dezembro 2017, p. 45).

Cassio Scarpinella Bueno esclarece que:

“A expressão ‘custos vulnerabilis’, cujo emprego vem sendo defendido pela própria Defensoria Pública, é pertinente para descrever o entendimento aqui robustecido. Seu emprego e difusão têm a especial vantagem de colocar lado a lado – como deve ser em se tratando de funções essenciais à administração da justiça – esta modalidade interventiva a cargo da Defensoria Pública e a tradicional do Ministério Público.

O ‘fiscal dos vulneráveis’, para empregar a locução no vernáculo, ou, o que parece ser mais correto diante do que corretamente vem sendo compreendido sobre a legitimidade ativa da Defensoria Pública no âmbito do ‘direito processual coletivo’, o ‘fiscal dos direitos vulneráveis’, deve atuar, destarte, sempre que os direitos e/ou interesses dos processos (ainda que individuais) justifiquem a oitiva (e a correlata consideração) do posicionamento institucional da Defensoria Pública, inclusive, mas não apenas, nos processos formadores ou modificadores dos indexadores jurisprudenciais, tão enaltecidos pelo Código de Processo Civil. Trata-se de fator de legitimação decisória indispensável e que não pode ser negada a qualquer título.” (Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 1: teoria geral do direito processual civil: parte geral do código de processo civil. 9ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 219).

Assim, segundo a tese da Instituição, em todo e qualquer processo onde se discuta interesses dos vulneráveis seria possível a intervenção da Defensoria Pública, independentemente de haver ou não advogado particular constituído.

Quando a Defensoria Pública atua como custos vulnerabilis, a sua participação processual ocorre não como representante da parte em juízo, mas sim como protetor dos interesses dos necessitados em geral. No âmbito das execuções penais, a Defensoria Pública argumenta que, desde 2010, existe previsão expressa na Lei nº 7.210/84 autorizando a intervenção da Instituição como custos vulnerabilis:

Art. 81-A. A Defensoria Pública velará pela regular execução da pena e da medida de segurança, oficiando, no processo executivo e nos incidentes da execução, para a defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias, de forma individual e coletiva. (Incluído pela Lei nº 12.313/2010).

No âmbito cível, especificamente no caso das ações possessórias, o art. 554, § 1º do CPC é exemplo de intervenção custos vulnerabilis:

Art. 554. (…) § 1º No caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública.

Vale ressaltar que as duas previsões acima são exemplificativas, admitindo-se a intervenção defensoral como custos vulnerabilis em outras hipóteses. A Defensoria Pública defende, inclusive, que essa intervenção pode ocorrer mesmo em casos nos quais não há vulnerabilidade econômica, mas sim vulnerabilidade social, técnica, informacional, jurídica. É o caso, por exemplo, dos consumidores, das crianças e adolescentes, dos idosos, dos indígenas etc. Veja o que diz o ECA:

Art. 141. É garantido o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos.

Assim, nos casos de outras espécies de vulnerabilidades, não importa se estamos tratando de pessoas economicamente necessitadas. As outras formas de vulnerabilidades já justificariam a intervenção do órgão na causa.

Como é a atuação do custos vulnerabilis?

A intervenção defensorial como custos vulnerabilis tem o objetivo de trazer, para os autos, argumentos, documentos e outras informações que reflitam o ponto de vista das pessoas vulneráveis, permitindo que o juiz ou tribunal tenha mais subsídios para decidir a causa. É uma atuação da Defensoria Pública para que a voz dos vulneráveis seja amplificada.

O custos vulnerabilis é o mesmo que amicus curiae?

NÃO. Vejamos as principais diferenças:

Amicus curiae (“amigo do Tribunal”)

Pode intervir como amicus curiae qualquer pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada.

Em regra, admite-se a intervenção do amicus curiae em qualquer tipo de processo, desde que: a) a causa tenha relevância; e b) a pessoa tenha capacidade de oferecer contribuição ao processo.

Em regra, o amicus curiae não pode recorrer. Exceção 1: o amicus curiae pode opor embargos de declaração em qualquer processo que intervir (art. 138, § 1º do CPC/2015). Exceção 2: o amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 138, § 3º do CPC/2015).

Custos vulnerabilis (“guardiã dos vulneráveis”)

Somente a Defensoria Pública pode intervir como custos vulnerabilis.

Admite-se a intervenção do custos vulnerabilis em qualquer processo no qual estejam sendo discutidos interesses de vulneráveis.

O custos vulnerabilis pode interpor qualquer espécie de recurso.

CASO CONCRETO NO QUAL O STJ RECONHECEU O INSTITUTO

Plano de saúde e medicamento importado não registrado pela ANVISA

A 2ª Seção do STJ afetou ao rito dos recursos especiais repetitivos a discussão do seguinte assunto (Tema 990): as operadoras de plano de saúde estão obrigadas a fornecer medicamento importado, não registrado pela ANVISA?

Isso significa que existiam vários recursos especiais tratando sobre esse assunto e o STJ escolheu um deles para definir a tese jurídica aplicável ao tema e aplicar essa mesma tese para todos os processos idênticos que estavam aguardando posicionamento.

Neste rito dos recursos repetitivos, devido à relevância da discussão envolvida, o STJ aceita a intervenção de órgãos e entidades que, mesmo sem serem partes, trazem aos autos suas contribuições jurídicas na qualidade de amicus curiae.

Quando o Tema 990 foi afetado, os seguintes órgãos e entidades pediram para participar das discussões: a União, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FENASAÚDE), a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) e a Defensoria Pública da União (DPU).

O STJ aceitou a participação desses órgãos e entidades, afirmando, contudo, que eles estavam intervindo na qualidade de amicus curiae.

Embargos de declaração

A DPU opôs embargos de declaração afirmando que pediu a sua intervenção como custos vulnerabilis (e não como amicus curiae) requerendo, portanto, que isso fosse expressamente admitido.

Justificou dizendo que, ao ser admitida como custos vulnerabilis, ela poderia interpor todo e qualquer recurso.

Defendeu a sua legitimidade para intervir em demandas que possam surtir efeitos nas esferas das pessoas ou grupos de necessitados, mesmo em casos nos quais não há vulnerabilidade econômica, mas sim vulnerabilidade social, técnica, informacional, jurídica.

O STJ concordou com os embargos de declaração da DPU?

SIM.

Admite-se a intervenção da Defensoria Pública da União no feito como custos vulnerabilis nas hipóteses em que há formação de precedentes em favor dos vulneráveis e dos direitos humanos. STJ. 2ª Seção. EDcl no REsp 1.712.163-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 25/09/2019 (Info 657).

A Defensoria Pública, nos termos do art. 134 da CF/88, é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.

Assim, a Defensoria Pública, com fundamento no art. 134 da CF/88, e no seu intento de assegurar a promoção dos direitos humanos e a defesa de forma integral, deve, sempre que o interesse jurídico justificar a oitiva do seu posicionamento institucional, atuar nos feitos que discutem direitos e/ou interesses, tanto individuais quanto coletivos, para que sua opinião institucional seja considerada, construindo assim uma decisão jurídica mais democrática.

Mais uma vez recorrendo à Cassio Scarpinella Bueno:

(…) com base na missão institucional que lhe é reservada desde o modelo constitucional, é irrecusável a compreensão de que a Defensoria Pública deve atuar, em processos jurisdicionais individuais e coletivos, também na qualidade de custos vulnerabilis, promovendo a tutela jurisdicional adequada dos interesses que lhe são confiados, desde o modelo constitucional, similarmente ao que se dá com o Ministério Público quanto ao exercício de sua função de custos legis, ou, como pertinentemente prefere o Código de Processo Civil, fiscal da ordem jurídica.

(…) Importa, por isso, dar destaque o papel que, desde o art. 134 da Constituição Federal, é atribuído à Defensoria Pública e que não se esgota na sua atuação individualizada em prol dos necessitados, nem tampouco como autora, o que se dá, no contexto que aqui importa destacar, no âmbito do chamado ‘processo coletivo’. É fundamental entender que ela também pode desempenhar outro papel em prol de suas finalidades institucionais, até como forma de perseguir, inclusive perante o Estado-juiz, a ‘promoção dos direitos humanos e a defesa […] de forma integral’.

Sua atuação como interveniente para que, nesta qualidade, sua opinião institucional possa ser levada em conta na construção de uma decisão mais democrática, é irrecusável. O veículo para que se concretize mais esse mister é, à falta de regras próprias, o previsto pelo art. 138 do Código de Processo Civil para o amicus curiae, tomando-se de empréstimo, diante das prerrogativas existentes no plano legislativo para a Defensoria Pública, o quanto estabelecido para o Ministério Público nos arts. 178 e 179 do mesmo Código, que disciplinam a atuação daquela instituição na qualidade de fiscal da ordem jurídica (Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 1: teoria geral do direito processual civil: parte geral do código de processo civil. 9ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 218).

O Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar os requisitos legais para a atuação coletiva da Defensoria Pública, adota exegese ampliativa da condição jurídica de “necessitado”, de modo a possibilitar sua atuação em relação aos necessitados jurídicos em geral, não apenas aos hipossuficientes sob o aspecto econômico (STJ. 1ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1.529.933/CE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 20/5/2019)

A expressão “necessitados” (art. 134, caput, da Constituição), que qualifica, orienta e enobrece a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros - os miseráveis e pobres -, os hipervulneráveis (isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras), enfim todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, ‘necessitem’ da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado. Vê-se, então, que a partir da ideia tradicional da instituição forma-se, no Welfare State, um novo e mais abrangente círculo de sujeitos salvaguardados processualmente, isto é, adota-se uma compreensão de minus habentes impregnada de significado social, organizacional e de dignificação da pessoa humana (STJ. 2ª Turma. REsp 1.264.116/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 18/10/2011)

Assim, considerando que estava discutindo tema jurídico que poderia afetar inúmeros outros jurisdicionados que não participavam diretamente da discussão e tendo em vista a vulnerabilidade do grupo de consumidores potencialmente lesado e da necessidade da defesa do direito fundamental à saúde, o STJ entendeu que a DPU estava legitimada para atuar como custos vulnerabilis no feito.

45
Q

O advogado público pode ser responsabilizado pela emissão de parecer de natureza opinativa?

A

É possível a responsabilidade de advogado público pela emissão de parecer de natureza opinativa, desde que reste configurada a existência de culpa ou erro grosseiro (MS 27.867, Rel. Dias Tofolli, Info 680).

Segundo a doutrina e o voto do Min. Joaquim Barbosa no MS 24.631, existe três espécies de parecer:

Facultativo

O administrador NÃO É obrigado a solicitar o parecer do órgão jurídico.

O administrador pode discordar da conclusão exposta pelo parecer, desde que o faça fundamentadamente.

Em regra, o parecerista não tem responsabilidade pelo ato administrativo.

Contudo, o parecerista pode ser responsabilizado se ficar configurada a existência de culpa ou erro grosseiro.

Obrigatório

O administrador é obrigado a solicitar o parecer do órgão jurídico.

O administrador pode discordar da conclusão exposta pelo parecer, desde que o faça fundamentadamente com base em um novo parecer.

Em regra, o parecerista não tem responsabilidade pelo ato administrativo.

Contudo, o parecerista pode ser responsabilizado se ficar configurada a existência de culpa ou erro grosseiro.

Vinculante

Há uma partilha do poder de decisão entre o administrador e o parecerista, já que a decisão do administrador deve ser de acordo com o parecer.

Logo, o parecerista responde solidariamente com o administrador pela prática do ato, não sendo necessário demonstrar culpa ou erro grosseiro.

O novo CPC trata sobre o tema e fala em dolo ou fraude. Confira:

Art. 184. O membro da Advocacia Pública será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções.

Veja o que diz também o art. 28 da LINDB:

Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.

46
Q

É constitucional lei estadual que cria cargos em comissão de consultor jurídico que tem como função prestar assessoria jurídica para os órgãos da Administração Pública?

A

É inconstitucional lei estadual que crie cargos em comissão de “consultor jurídico”, “coordenador jurídico”, “assistente jurídico” etc. e que tenham por função prestar assessoria jurídica para os órgãos da Administração Pública.

Essa norma viola o art. 132 da CF/88, que confere aos Procuradores de Estado a representação exclusiva do Estado-membro em matéria de atuação judicial e de assessoramento jurídico, sempre mediante investidura fundada em prévia aprovação em concurso público. STF. Plenário. ADI 4843 MC-Referendo/PB, rel. Min. Celso de Mello, julgado em 11/12/2014 (Info 771).

Inteiro teor:

[…] , a norma viola o art. 132 da CF/88, que confere aos Procuradores de Estado a representação exclusiva do Estado-membro em matéria de atuação judicial e de assessoramento jurídico, sempre mediante investidura fundada em prévia aprovação em concurso público. Confira o texto:

Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.

O dispositivo constitucional acima transcrito tem por objetivo conferir às Procuradorias não apenas o papel de fazer a representação judicial do Estado, mas também o de realizar o exame da legalidade interna dos atos estaduais, a consultoria e a assistência jurídica. Assim, para desempenhar funções tão relevantes, o órgão (PGE) deve ser ocupado por membros que sejam detentores de garantias constitucionais que lhes assegurem independência funcional a fim de que os atos não sejam praticados somente de acordo com a vontade do administrador, mas também conforme a lei.

Por tal razão, essa função não pode ser exercida por servidores não efetivos, como pretendia a lei impugnada.

O art. 132 da CF/88 não permite atribuir a ocupantes de cargos em comissão as atribuições que são dos Procuradores do Estado, quais sejam, o exercício das funções de representação judicial e de consultoria jurídica da respectiva unidade federada. Nas palavras do Min. Celso de Mello, a CF/88 garantiu aos Procuradores do Estado o “monopólio das funções consultivas e de assessoramento na área jurídica” dos Estados.

[…]

ATENÇÃO:

O que foi explicado acima é a regra geral, sendo, no entanto, interessante ressaltar que existe uma peculiaridade prevista no art. 69 do ADCT da CF/88:

Art. 69. Será permitido aos Estados manter consultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias-Gerais ou Advocacias-Gerais, desde que, na data da promulgação da Constituição, tenham órgãos distintos para as respectivas funções.

Assim, as consultorias jurídicas que já existiam no momento da promulgação da CF/88 puderam continuar a funcionar de forma legítima, sendo, entretanto, proibida a criação de novos cargos, especialmente em comissão, para exercer tais atribuições que, como dito, são próprias das Procuradorias dos Estados (DF). Essa é uma regra de transição que, passados todos esses anos, não tem mais importância prática na atualidade. Só valia para os cargos existentes naquele momento. Por isso, somente se importe com essa informação na prova de concurso se for expressamente perguntado sobre ela.

47
Q

Lei estadual pode conferir a PFE competência para controlar os serviços jurídicos e para fazer a representação judicial de empresas públicas e sociedades de economia mista?

A

Resumo

É inconstitucional lei estadual que confira à Procuradoria-Geral do Estado (PGE) competência para controlar os serviços jurídicos e para fazer a representação judicial de empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive com a possibilidade de avocação de processos e litígios judiciais dessas estatais.

Essa previsão cria uma ingerência indevida do Governador na administração das empresas públicas e sociedades de economia mista, que são pessoas jurídicas de direito privado. O art. 132 da CF/88 confere às Procuradorias dos Estados/DF atribuição para as atividades de consultoria jurídica e de representação judicial apenas no que se refere à administração pública direta, autárquica e fundacional. STF. Plenário. ADI 3536/SC, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 2/10/2019 (Info 954).

Inteiro teor:

Princípio da unicidade da representação judicial dos Estados e do Distrito Federal

O art. 132 afirma que compete aos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas:

Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.

Trata-se daquilo que a jurisprudência do STF denomina de “Princípio da unicidade da representação judicial dos Estados e do Distrito Federal”.

Assim, só um órgão pode desempenhar as funções de representação judicial e de consultoria jurídica nos Estados e DF e este órgão é a Procuradoria-Geral do Estado (ou PGDF).

O art. 132 da CF/88 abrange quais órgãos e entidades da Administração Pública?

Administração direta, autárquica e fundacional.

Assim, a PGE (PGDF) é responsável pela representação judicial e pela consultoria jurídica da (s):

  • administração direta (órgãos);
  • autarquias; e
  • fundações.

E as empresas públicas e sociedades de economia mista? A PGE (PGDF) é também responsável pelos serviços jurídicos das empresas públicas e sociedades de economia mista?

NÃO.

O art. 132 da CF/88 confere às Procuradorias dos Estados/DF atribuição para as atividades de consultoria jurídica e de representação judicial apenas no que se refere à administração pública direta, autárquica e fundacional. STF. Plenário. ADI 3536/SC, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 2/10/2019 (Info 954).

Assim, não compete à PGE (PGDF) a consultoria jurídica e a representação judicial das empresas públicas e sociedades de economia mista.

Lei do Estado do SC

A Lei complementar estadual 226/2002, de Santa Catarina, previu, em diversos dispositivos, que compete à Procuradoria Geral do Estado exercer o controle dos serviços jurídicos das autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas estaduais.

A LC estabeleceu, ainda, a possibilidade de a PGE fazer a avocação de processos e litígios judiciais de empresas públicas e sociedades de economia mista.

Esses dispositivos foram impugnados por meio de ADI e o STF declarou a inconstitucionalidade da expressão “sociedades de economia mista e empresas públicas estaduais”, constante dos arts. 1º, 2º, 3º, 4º, VI, 12, caput e parágrafo único, 16, caput e II, e 17, da lei impugnada. Confira a redação dos dispositivos:

Art. 1º À Procuradoria Geral do Estado, como órgão da administração central, compete exercer o controle dos serviços jurídicos das autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas estaduais.

Art. 2º O controle será exercido pela Procuradoria Geral do Estado através dos mecanismos de atuação previstos nesta Lei Complementar, compreendendo as atividades de representação judicial das entidades da administração indireta.​

Art. 3º O controle será realizado pela Procuradoria Geral do Estado para o fim de verificação da regularidade e eficácia dos serviços jurídicos de representação judicial, bem como de correção e sanção de possíveis desajustes.

Art. 4º São instrumentos de controle: (…) VI - a avocação;​

Art. 12. Para evitar grave lesão à ordem, à segurança, à economia e às finanças públicas, ou em matéria de relevante interesse jurídico para a administração estadual, o Procurador-Geral do Estado, a seu juízo, por sugestão do Corregedor-Geral ou por determinação do Governador do Estado, poderá avocar processos e litígios judiciais das pessoas jurídicas a que se refere esta Lei Complementar.

Parágrafo único. Nessa hipótese, sob pena de responsabilidade, os dirigentes das respectivas entidades outorgarão procuração geral para o foro ao Procurador-Geral do Estado, com poderes para substabelecer a Procurador do Estado.

Art. 16. Para efeitos de execução do disposto na presente Lei Complementar, ficam criadas na estrutura organizacional básica da Procuradoria Geral do Estado as Funções Executivas de Confiança de:

I – Coordenador de Controle dos Serviços Jurídicos de Autarquias e Fundações Públicas - AD-FEC2; e

II – Coordenador de Controle dos Serviços Jurídicos das Sociedades de Economia Mista e Empresas Públicas - AD-FEC-2.

Art. 17. As Funções Executivas de Confiança criadas pelo artigo anterior, remuneradas na forma da legislação vigente, serão exercidas por Procuradores do Estado designados pelo ProcuradorGeral do Estado.

O Min. Alexandre de Moraes explicou que o art. 132 da CF/88 confere às Procuradorias atribuição para a representação judicial e a consultoria jurídica nos Estados, aí compreendidas a administração pública direta, as autarquias e as fundações.

No caso, a lei catarinense incluiu atribuição de fiscalização em sociedades de economia mista e empresas públicas. Além disso, previu que o Procurador-Geral, por determinação do Governador, poderá avocar processos e litígios judiciais das empresas públicas e sociedades de economia mista.

Tais previsões criam uma ingerência indevida do Governador na administração das empresas públicas e sociedades de economia mista, pessoas jurídicas de direito privado, o que impede a defesa dessas entidades. Isso porque é o chefe do poder executivo estadual quem escolhe o Procurador-Geral do Estado. Desse modo, num eventual litígio, por exemplo, entre uma sociedade de economia mista e a administração pública direta, o Governador poderia determinar a avocação do processo e defender o seu próprio interesse. Haveria, portanto, partes conflituosas, no mesmo litígio, com o mesmo advogado.

48
Q

A Constituição Estadual pode prever a figura do “Procurador da Fazenda Estadual”?

A

É inconstitucional norma de Constituição Estadual que preveja que compete ao Governador nomear e exonerar o “Procurador da Fazenda Estadual”.

Isso porque o art. 132 da CF/88 determina que a representação judicial e a consultoria jurídica do Estado, incluídas suas autarquias e fundações, deve ser feita pelos “Procuradores dos Estados e do Distrito Federal”.

Essa previsão do art. 132 da CF/88 é chamada de princípio da unicidade da representação judicial e da consultoria jurídica dos Estados e do Distrito Federal. Em outras palavras, só um órgão pode desempenhar esta função e se trata da Procuradoria-Geral do Estado, que detém essa competência funcional exclusiva.

O modelo constitucional da atividade de representação judicial e consultoria jurídica dos Estados exige a unicidade orgânica da advocacia pública estadual, incompatível com a criação de órgãos jurídicos paralelos para o desempenho das mesmas atribuições no âmbito da Administração Pública Direta ou Indireta. STF. Plenário. ADI 825/AP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 25/10/2018 (Info 921).

49
Q

Constituição Estadual pode prever a instituição de procuradoria autárquica?

A

A Constituição do Estado do Ceará previa que o Governador deveria encaminhar à ALE projetos de lei dispondo sobre a organização e o funcionamento da Procuradoria-Geral do Estado e das procuradorias autárquicas.

O STF decidiu que essa regra é inconstitucional. Isso porque a CF/88 determina que a representação judicial e a consultoria jurídica do Estado, incluídas suas autarquias e fundações, deve ser feita pela PGE, nos termos do art. 132 da CF/88.

O art. 132 da CF/88 consagra o chamado “princípio” da unicidade da representação judicial e da consultoria jurídica dos Estados e do Distrito Federal e, dessa forma, estabelece competência funcional exclusiva da Procuradoria-Geral do Estado.

A exceção prevista no art. 69 do ADCT da CF deixou evidente que, a partir da Constituição de 1988, não se permite mais a criação de órgãos jurídicos distintos da Procuradoria-Geral do Estado, admite-se apenas a manutenção daquelas consultorias jurídicas já existentes quando da promulgação da Carta. Trata-se de exceção direcionada a situações concretas e do passado e, por essa razão, deve ser interpretada restritivamente, inclusive com atenção à diferenciação entre os termos “consultoria jurídica” e “procuradoria jurídica”, uma vez que esta última pode englobar as atividades de consultoria e representação judicial. STF. Plenário. ADI 145/CE, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 20/6/2018 (Info 907).

50
Q

Cite as três hipóteses de exceção à regra ad unicidade da representação judicial e da consultoria jurídica do estado membro.

A

Princípio da unicidade da representação judicial dos Estados e do Distrito Federal

Segundo este “princípio”, os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal serão os únicos responsáveis pela representação judicial e pela consultoria jurídica das respectivas unidades federadas. Em outras palavras, só um órgão pode desempenhar as funções de representação judicial e de consultoria jurídica nos Estados e DF e este órgão é a Procuradoria-Geral do Estado (ou PGDF).

Este “princípio” está previsto no art. 132 da CF/88:

Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.

Exceções

A jurisprudência do STF reconhece a existência de duas exceções ao princípio da unicidade da representação judicial dos Estados e do Distrito Federal.

Primeira exceção: Procuradorias do Legislativo e do Tribunal de Contas

A primeira exceção é uma criação jurisprudencial e consiste na possibilidade de criação de procuradorias vinculadas ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas, para a defesa de sua autonomia e independência perante os demais Poderes, hipótese em que se admite a consultoria e assessoramento jurídico dos órgãos por parte de seus próprios procuradores.

O primeiro precedente que se destaca é oriundo do Amapá.

A Constituição daquele Estado previu a existência de Procuradoria da Assembleia Legislativa.

Foi proposta uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra esse dispositivo sob a alegação de que ele violaria o princípio da unicidade da representação judicial e da consultoria jurídica dos Estados e do Distrito Federal, previsto no art. 132 da CF/88.

O STF julgou a ação procedente, mas apenas para dar interpretação conforme à Constituição ao dispositivo “de modo a excluir do plexo de competências e de representação judicial pela Procuradoria da Assembleia Legislativa as causas não relacionadas à defesa das prerrogativas institucionais da respectiva casa” (STF. Plenário. ADI 825/AP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 25/10/2018).

Em outros termos, o Pretório Excelso decidiu que é constitucional a previsão de Procuradoria da Assembleia Legislativa, mas a sua atuação deve ficar limitada à defesa das prerrogativas inerentes ao Poder Legislativo.

Explicando melhor: a representação jurídica do Estado como um todo, abrangendo os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, compete à Procuradoria-Geral do Estado (PGE), tendo em conta o art. 132 da Carta Magna. Assim, é também a PGE quem faz, em regra, a defesa da Assembleia Legislativa em juízo. No entanto, às vezes, há conflito de interesses entre os Poderes, como na hipótese em que o Poder Legislativo cobra do Poder Executivo o repasse de um valor que ele entende devido e que não foi feito. Nestes casos, é possível, em tese, a propositura de ação judicial pela Assembleia Legislativa cobrando a defesa de suas prerrogativas institucionais e quem irá representar judicialmente o órgão será a Procuradoria da ALE (e não a PGE).

Ainda dentro da análise da primeira exceção, chamo atenção para o fato de que o Supremo já decidiu que é constitucional a criação de órgãos jurídicos na estrutura de Tribunais de Contas estaduais, ou seja, Procuradorias jurídicas dos Tribunais de Contas: STF. Plenário. ADI 4070/RO, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 19/12/2016.

O STF fez, contudo, uma ressalva: esta Procuradoria do TCE não pode ter, dentre as suas atribuições, a função de cobrança judicial de multas aplicadas pelo próprio Tribunal. Isso porque, neste caso, haveria usurpação de uma das atribuições dos Procuradores do Estado. Além do que, o STF entende que os Tribunais de Contas não possuem legitimidade para executar suas decisões das quais resulte imputação de débito ou multa. A competência para tal é do titular do crédito constituído a partir da decisão, ou seja, do ente público prejudicado (STF. 2ª Turma. AI 826676 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 08/02/2011)

Segunda exceção: art. 69 do ADCT

A segunda exceção encontra-se prevista expressamente no texto constitucional, mais especificamente no art. 69 do ADCT da CF/88:

Art. 69. Será permitido aos Estados manter consultorias jurídicas separadas de suas ProcuradoriasGerais ou Advocacias-Gerais, desde que, na data da promulgação da Constituição, tenham órgãos distintos para as respectivas funções.

O art. 69 do ADCT foi uma exceção transitória ao princípio da unicidade orgânica da Procuradoria estadual. Esta exceção foi prevista com o objetivo de garantir a continuidade dos serviços de representação e consultoria jurídicas que existiam na Administração Pública no período logo em seguida à promulgação da CF/88, quando algumas Procuradorias estaduais ainda não estavam totalmente estruturadas. Em outras palavras, foi pensada como uma forma de evitar lacunas e uma desorganização da Administração Pública. Vale ressaltar que só foram mantidas as consultorias jurídicas que já existiam antes da promulgação da Constituição.

Terceira exceção: cargos efetivos de advogados no Judiciário

Cargos efetivos de advogados no quadro administrativo do Poder Judiciário com finalidade de assessoramente jurídico e também postulatória, quando o objetivo for zelas pela independência funcional e as prerrogativas inerentes ao Poder (ADI 5024, Rel. Barroso, j. 2018).

51
Q

Autarquia pode atribuir ao cargo de técnico superior em Direito funções jurídicas no seu âmbito internos, como, por exemplo, a de elaborar pareceres sobre questão jurídica que envolvam atividades da entidade, elaborar editas e contratos etc?

A

É inconstitucional lei estadual que preveja que servidor de autarquia (no caso, era Técnico Superior do DETRAN) será responsável por:

  • representar a entidade “em juízo ou fora dele nas ações em que haja interesse da autarquia”.
  • praticar “todos os demais atos de natureza judicial ou contenciosa, devendo, para tanto, exercer as suas funções profissionais e de responsabilidade técnica regidas pela Ordem dos Advogados do Brasil OAB”.

Tais previsões violam o “princípio da unicidade da representação judicial dos Estados e do Distrito Federal”, insculpido no art. 132 da CF/88.

A legislação impugnada, apesar de não ter criado uma procuradoria paralela, atribuiu ao cargo de Técnico Superior do Detran/ES, com formação em Direito, diversas funções privativas de advogado.

Ao assim agir, conferiu algumas atribuições de representação jurídica do DETRAN a pessoas estranhas aos quadros da Procuradoria-Geral do Estado, com violação do art. 132, caput, da CF/88.

O STF decidiu modular os efeitos da decisão para:

  • manter os cargos em questão, excluídas as atribuições judiciais inerentes às procuradorias;
  • declarar a validade dos atos praticados (ex: contestações, recursos etc.) até a data do julgamento, com base na teoria do funcionário de fato.

ATENÇÃO. Por outro lado, é válido que esses servidores façam a atuação jurídica no âmbito interno da autarquia, sobretudo em atividades de compliance, tais como conceber e formularmedidas e soluções de otimização, fiscalização e auditoria (exs: interpretar textos e instrumentos legais, elaborar pareceres sobre questões jurídicas que envolvam as atividades da entidade, elaborar editais, contratos, convênios etc.). Essas atribuições podem sim ser exercidas pelos Técnicos Superiores do DETRAN, sem que isso ofenda o princípio da unicidade da representação judicial.

O STF entendeu que não se pode deslocar qualquer atuação técnico-jurídica da autarquia para a PGE, porque esta não conseguirá fazer frente a essa gama de trabalho, sob pena de ter suas atividades inviabilizadas. STF. Plenário. ADI 5109/ES, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 13/12/2018 (Info 927).

52
Q

Os Municípios são obrigados a possuir Procuradorias Municipais, organizadas em carreira, mediante concurso público, para o desempenho das funções de representação judicial e consultoria jurídica?

A

Infelizmente, prevalece que NÃO.

Não há na Constituição Federal previsão para que os Municípios instituam Procuradorias Municipais, organizadas em carreira, mediante concurso público.

Não existe, na Constituição Federal, a figura da advocacia pública municipal. Os Municípios não têm essa obrigação constitucional. STF. Plenário. RE 225777, Rel. Min. Eros Grau, Rel. p/ Acórdão Min. Dias Toffoli, julgado em 24/02/2011. STF. 2ª Turma. RE 893694 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 21/10/2016.

Tramita no Congresso Nacional uma PEC com o objetivo de “alterar a redação do art. 132 da Constituição Federal para estender aos Municípios a obrigatoriedade de organizar carreira de procurador (para fins de representação judicial e assessoria jurídica), com ingresso por concurso público, com a participação da OAB em todas as suas fases, garantida a estabilidade dos procuradores após 3 anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho.” (PEC 17/2012).

Acho essa posição absurda, mas infelizmente é o que prevalece para fins de concurso público.

53
Q

Constituição Estadual pode prever foro por prerrogativa de função para procurador do estado?

A

Constituição Estadual pode prever que o Procurador-Geral do Estado seja julgado pelo TJ.

Por outro lado, a lei estadual não pode prever que o Procurador-Geral do Estado tenha foro por prerrogativa de função no TJ.

A Constituição Estadual, ao prever as competência do TJ, não pode trazer um dispositivo aberto, delegando ao legislador infraconstitucional a tarefa de definir as autoridade com foro privativo (Info 752).

Atenção:

O julgador acima fala em foro por prerrogativa de função para o Procurador-Geral do Estado. No entanto, o STF possui recente julgador afirmando que a Constituição estadual não pode prever foro por prerrogativa de função, de forma genérica, para os Procuradores do Estado (que não ocupam o cargo de Procurador-Geral).

54
Q

É constitucional lei estadual que preveja o cargo em comissão do Procurador-Geral da universidade estadual?

A

Resumo

É constitucional lei estadual que preveja o cargo em comissão de Procurador-Geral da universidade estadual. Esta previsão está de acordo com o princípio da autonomia universitária (art. 207 da CF/88). STF. Plenário. ADI 5262 MC/RR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 27 e 28/3/2019 (Info 935).

Inteiro teor

O caso concreto foi o seguinte:

O art. 8º, IV, da Tabela II, do Anexo IV, da Lei estadual 581/2007, de Roraima, criou o cargo em comissão de Procurador-Geral da Universidade Estadual de Roraima.

O STF considerou que esta previsão é constitucional e não viola o princípio da unicidade da representação judicial dos Estados e do Distrito Federal (art. 132 da CF/88). Isso porque está de acordo com o princípio da autonomia universitária, consagrado no art. 207 da CF/88:

Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

55
Q

É possível o reconhecimento de determinada terra como indígena, se, à época da promulgação da CF\88, ela não era ocupada por índios?

A

Como regra, se os índios não estavam na posse da área em 05/10/1988, ela não será considerada terra indígena (art. 231 da CF/88).

Existe, contudo, uma exceção a essa regra. Trata-se do chamado renitente esbulho.

Assim, se, na época da promulgação da CF/88, os índios não ocupavam a terra porque dela haviam sido expulsos em virtude de conflito possessório, considera-se que eles foram vítimas de esbulho e, assim, essa área será considerada terra indígena para os fins do art. 231.

O renitente esbulho se caracteriza pelo efetivo conflito possessório, iniciado no passado e persistente até o marco demarcatório temporal da data da promulgação da Constituição de 1988, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória judicializada.

Vale ressaltar que, para que se caracterize o renitente esbulho, é necessário que, no momento da promulgação da CF/88, os índios ainda estivessem disputando a posse da terra ou tivessem sido delas expulsos há pouco tempo. Se eles foram dela expulsos muitos anos antes de entrar em vigor a CF/88, não se configura o chamado “renitente esbulho”.

Exemplo: no caso concreto apreciado pelo STF, a última ocupação indígena na área ocorreu no ano de 1953, data em que os índios foram expulsos da região. Nessa situação, a Corte entendeu que não estava caracterizado o renitente esbulho, mas sim “a desocupação forçada ocorrida no passado” já que, no momento da promulgação da CF/88, já havia se passado muitos anos da saída dos índios do local e eles não mais estavam em conflito possessório por aquelas terras. STF. 2ª Turma. ARE 803462 AgR/MS, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 9/12/2014 (Info 771)

A proteção das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios representa um aspecto fundamental dos direitos e das prerrogativas constitucionais assegurados ao índio.

Sem terem a garantia de que irão permanecer nas terras por eles já tradicionalmente ocupadas, os índios ficam expostos ao risco da desintegração cultural, da perda de sua identidade étnica, da dissolução de seus vínculos históricos, sociais e antropológicos e da erosão de sua própria consciência.

Entretanto, somente são reconhecidos aos índios os direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupem se a área estiver habitada por eles na data da promulgação da CF/88 (marco temporal) e, complementarmente, se houver a efetiva relação dos índios com a terra (marco da tradicionalidade da ocupação).

No caso concreto, o relatório elaborado pela FUNAI indicou que há mais de 70 anos não existia comunidade indígena ou posse indígena no local em disputa. Logo, o marco temporal não estava preenchido, sendo, portanto, impossível reconhecer a posse indígena daquelas terras. Em outras palavras, não estavam atendidos os requisitos necessários para se reconhecer aquela área como sendo uma terra tradicionalmente ocupada por índios, nos termos do art. 231 da CF/88.

No entanto, mesmo a terra não se enquadrando no conceito do art. 231, caput e § 1º da CF/88, a União pode decidir acolher as populações indígenas naquela área. Para isso, porém, terá que desapropriar as terras, pagando justa e prévia indenização em dinheiro aos proprietários, considerando que, não sendo terras tradicionalmente ocupadas por índios, essa área não se constitui em bem da União (art. 20, XI, da CF/88). STF. 2ª Turma. RMS 29087/DF, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão, Min. Gilmar Mendes, julgado em 16/9/2014 (Info 759).

56
Q

Em 2000, João comprou uma fazenda que fica ao lado da reserva indígena Wassú-Cocal. Essa reserva indígena foi demarcada em 1987, ou seja, antes da CF/88. Em 2012, o Ministro da Justiça, a partir de estudo da FUNAI, editou portaria ampliando os limites da reserva indígena Wassú-Cocal. Pela nova demarcação proposta, João perderia a sua fazenda, que passaria a fazer parte da reserva indígena. Segundo argumentaram a FUNAI e o Ministério da Justiça, a remarcação agora realizada é um procedimento destinado a “corrigir falhas” cometidas na demarcação originária já que esta não teria observado os parâmetros impostos pela CF/88. Desse modo, seria uma correção para adequar a demarcação às regras da CF/88.

A jurisprudência concorda com essa prática? Se uma terra indígena foi demarcada antes da CF/88, é possível que agora ela seja “remarcada”, ampliando-se a área anteriormente já reconhecida?

A

Resumo

NÃO. Tanto o STF como o STJ condenam essa prática.

A alegação de que a demarcação da terra indígena não observou os parâmetros estabelecidos pela CF/1988 não justifica a remarcação ampliativa de áreas originariamente demarcadas em período anterior à sua promulgação.

Desde o julgamento da Pet 3.388-RR (Caso Raposa Serra do Sol), a jurisprudência passou a entender que é vedada a ampliação de terra indígena já demarcada, salvo em caso de vício de ilegalidade do ato de demarcação e, ainda assim, desde que respeitado o prazo decadencial.

É inegável que a CF/88 mudou o enfoque atribuído à questão indígena e trouxe novas regras mais favoráveis a tais povos, permitindo a demarcação das terras com critérios mais elásticos, a partir da evolução de uma perspectiva integracionista para a de preservação cultural do grupamento étnico. Isso, contudo, não é motivo suficiente para se promover a revisão administrativa das demarcações de terras indígenas já realizadas, especialmente nos casos em que se passou o prazo decadencial. STJ. 1ª Seção. MS 21.572-AL, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 10/6/2015 (Info 564). STF. 2ª Turma. RMS 29542/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 30/9/2014 (Info 761).

Inteiro teor

A quem pertencem as terras tradicionalmente ocupadas por índios?

Pertencem à União (art. 20, XI, da CF/88). No entanto, essas terras destinam-se à posse permanente dos índios, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Em suma, são bens da União, mas para serem usadas pelos índios. Por isso, alguns autores classificam essas terras como sendo bens públicos de uso especial.

O que são as chamadas “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”?

Segundo o § 1º do art. 231 da CF/88 são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios:

 as que eles habitam em caráter permanente;

 as utilizadas para suas atividades produtivas;

 as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar;

 e as necessárias a sua reprodução física e cultural (segundo seus usos, costumes e tradições).

Vale ressaltar que se a terra já foi habitada pelos índios, porém quando foi editada a CF/88 o aldeamento já estava extinto, ela não será considerada terra indígena. Confira:

Súmula 650-STF: Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto.

Segundo critério construído pelo STF, somente são consideradas “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” aquelas que eles habitavam na data da promulgação da CF/88 (marco temporal) e, complementarmente, se houver a efetiva relação dos índios com a terra (marco da tradicionalidade da ocupação).

Assim, se, em 05/10/1988, a área em questão não era ocupada por índios, isso significa que ela não terá a natureza indígena de que trata o art. 231 da CF/88.

Qual é a proteção conferida às terras tradicionalmente ocupadas por índios?

A CF/88 garante aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, exercendo sobre elas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos.

Essas terras são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas são imprescritíveis.

Para que os índios possam exercer seus direitos compete à União fazer a demarcação dessas terras.

Demarcação das terras indígenas

Os índios possuem direitos sobre as terras por eles ocupadas tradicionalmente. Tais direitos decorrem da própria Constituição e existem mesmo que as terras ainda não estejam demarcadas. No entanto, o legislador determinou que a União fizesse essa demarcação a fim de facilitar a defesa desses direitos.

A demarcação é um processo administrativo realizado nos termos do Decreto 1.775/96.

Vejamos o resumo das principais etapas do procedimento.

 As terras tradicionalmente ocupadas por índios devem ser administrativamente demarcadas por iniciativa e sob a orientação da FUNAI.

 A demarcação será fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação reconhecida, que elaborará estudo antropológico de identificação.

 Além disso, a FUNAI designará grupo técnico especializado (composto preferencialmente por servidores da Fundação) com a finalidade de realizar estudos complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação.

 O grupo indígena envolvido, representado segundo suas formas próprias (organização interna), participará do procedimento em todas as suas fases.

 Se já houver não índios ocupando a área sob demarcação, a FUNAI deverá dar prioridade para a demarcação dessa referida terra.

 Os Estados e Municípios em que se localize a área sob demarcação e demais interessados podem se manifestar, apresentando à FUNAI todas as provas que tiverem, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, no relatório que foi feito pelo grupo técnico.

 Ao final, a FUNAI encaminhará o procedimento ao Ministro de Estado da Justiça.

 Em até 30 dias após o recebimento do procedimento, o Ministro de Estado da Justiça decidirá:

I — declarando, mediante portaria, os limites da terra indígena e determinando a sua demarcação;

II — determinando novas diligências que julgue necessárias e que deverão ser cumpridas em até 90 dias;

III — desaprovando a identificação e retornando os autos à FUNAI, mediante decisão fundamentada.

 Após a portaria do Ministro da Justiça, o Presidente da República homologará a demarcação das terras indígenas mediante decreto.

 Em até 30 dias após a publicação do decreto de homologação, a FUNAI promoverá o respectivo registro em cartório imobiliário da comarca correspondente e na Secretaria do Patrimônio da União (SPU).

 A FUNAI poderá, no exercício do poder de polícia, disciplinar o ingresso e trânsito de terceiros em áreas em que se constate a presença de índios isolados, bem como tomar as providências necessárias à proteção aos índios.

Obs.1: a demarcação se dá por meio de processo administrativo (não é judicial). Além disso, importante ressaltar que o Congresso Nacional não participa da demarcação, ocorrendo ela apenas no âmbito do Poder Executivo.

Obs.2: mesmo após o processo de demarcação, a propriedade dessas terras continua sendo da União (art. 20, XI). Os índios detêm apenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

O que acontece se já havia pessoas morando nas terras demarcadas? E se essas pessoas possuíam títulos de propriedade registrados em cartório?

Os não índios devem ser retirados do local, salvo se integrarem as comunidades indígenas locais e os próprios índios permitirem a sua presença (ex.: um não índio que é casado com uma índia e já more no local, fazendo parte da comunidade).

O que se está querendo dizer aqui é que os não índios não possuem o direito subjetivo de permanecer no local mesmo que provem que lá moravam de boa-fé ou mesmo que apresentem documentos de propriedade dos imóveis localizados na área.

A CF/88 determinou que são nulos os atos que reconheçam direitos de ocupação, domínio (propriedade) ou a posse relacionados com imóveis localizados dentro de terras indígenas. Logo, se um não índio possuir uma escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis afirmando que ele é proprietário de um lote existente dentro de uma terra indígena, esse registro é nulo e extinto, não produzindo efeitos jurídicos.

Os não índios que forem retirados das terras demarcadas deverão ser indenizados?

NÃO.

Em regra, os não índios que forem retirados das terras demarcadas não têm direito à indenização. Isso porque eles estavam ocupando terras que pertenciam à União. Logo, mesmo que tivessem supostos títulos de propriedade, estes seriam nulos porque foram expedidos em contrariedade com o art. 20, XI e art. 231 da CF/88.

Exceção: tais pessoas poderão ser indenizadas pelas benfeitorias que realizaram no local, desde que fique provado que a ocupação era de boa-fé.

Se estiverem de má-fé, não terão direito nem mesmo à indenização pelas benfeitorias.

§ 6º — São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

Imagine agora a seguinte situação adaptada:

Em 2000, João comprou uma fazenda que fica ao lado da reserva indígena Wassú-Cocal. Essa reserva indígena foi demarcada em 1987, ou seja, antes da CF/88.

Em 2012, o Ministro da Justiça, a partir de estudo da FUNAI, editou portaria ampliando os limites da reserva indígena Wassú-Cocal. Pela nova demarcação proposta, João perderia a sua fazenda, que passaria a fazer parte da reserva indígena.

Segundo argumentaram a FUNAI e o Ministério da Justiça, a remarcação agora realizada é um procedimento destinado a “corrigir falhas” cometidas na demarcação originária, já que esta não teria observado os parâmetros impostos pela CF/88. Desse modo, seria uma correção para adequar a demarcação às regras da CF/88.

A jurisprudência concorda com essa prática? Se uma terra indígena foi demarcada antes da CF/88, é possível que agora ela seja “remarcada”, ampliando-se a área anteriormente já reconhecida?

NÃO. Tanto o STF como o STJ condenam essa prática.

STF:

Segundo já decidiu o STF, é vedada a remarcação de terras indígenas demarcadas em período anterior à CF/1988, tendo em conta o princípio da segurança jurídica.

A União poderá até ampliar a terra indígena, mas isso não deverá ser feito por meio de demarcação (art. 231 da CF/88), salvo se ficar demonstrado que, no processo originário de demarcação, houve algum vício de ilegalidade e, ainda assim, desde que respeitado o prazo decadencial de 5 anos (art. 54 da Lei nº 9.754/99).

No caso concreto, essa remarcação não seria possível porque, ainda que tivesse havido alguma ilegalidade, como afirma o Ministério da Justiça, já teria se passado o prazo decadencial para rever esse ato. STF. 2ª Turma. RMS 29542/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 30/9/2014 (Info 761).

STJ:

O STJ decidiu que a alegação de que a demarcação da terra indígena não observou os parâmetros estabelecidos pela CF/1988 não justifica a remarcação ampliativa de áreas originariamente demarcadas em período anterior à sua promulgação.

Desde o julgamento da Pet 3.388-RR (Caso Raposa Serra do Sol), a jurisprudência passou a entender que é vedada a ampliação de terra indígena já demarcada, salvo em caso de vício de ilegalidade do ato de demarcação e, ainda assim, desde que respeitado o prazo decadencial.

É inegável que a CF/88 mudou o enfoque atribuído à questão indígena e trouxe novas regras mais favoráveis a tais povos, permitindo a demarcação das terras com critérios mais elásticos, a partir da evolução de uma perspectiva integracionista para a de preservação cultural do grupamento étnico. Isso, contudo, não é motivo suficiente para se promover a revisão administrativa das demarcações de terras indígenas já realizadas, especialmente nos casos em que se passou o prazo decadencial. STJ. 1ª Seção. MS 21.572-AL, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 10/6/2015 (Info 564).