Teoria da Constituição - Juliano Taveira Bernardes Flashcards

1
Q

Qual a diferença entre Estado e Nação?

A

“Estado é a entidade político-social juridicamente organizada para executar os objetivos da soberania nacional”. Nação constitui um “conjunto homogêneo de pessoas que se consideram ligadas entre si por determinado vínculos (linguístico, étnicos, geográficos, religiosos, culturais) Nação: realidade sociológica. Estado: realidade jurídica.

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2
Q

Quais são os elementos do Estado?

A

1) elemento espacial: território; 2) elemento pessoal: povo; 3) elemento organizativo: governo-poder (soberano). Atenção: Não há falar-se em Estado: (a) se o respectivo povo está privado de território (tal como os ciganos e os judeus - antes da criação do Estado de Israel); (b) se o povo vive em território sob a soberania de outros povo (ex.: os curdos ocupam território definido, mas não têm soberania sobre ele); (c) num território sem povo, tal como nas regiões polares (CENEVIVA); e (d) em relação a territórios colonizados, cuja soberania é exercida pelo Estado colonizador.

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3
Q

Quais são os pressupostos de existência do Estado Federal?

A

São pressupostos de existência do Estado federal: a) descentralização política prevista na própria constituição do Estado (repartição constitucional de competências), o que impede a livre ingerência por parte do poder central; b) participação das ordens jurídicas parcial (Estados-membros) na vontade criadora da ordem jurídica nacional, por meio de órgão representativo próprio (Senado ou Câmara Alta); c) auto-organização assegurada aos Estados-membros, mediante constituições estaduais (poder constituinte decorrente); e d) princípio da indissociabilidade (ou indissolubilidade) dos Estados-membros, que não possuem soberania para separarem-se do ente federalizado (proibição de secessão).

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4
Q

Quais são os pressupostos de manutenção do Estado Federal?

A

1) a rigidez constitucional; e 2) a existência de órgão, criado pela constituição, para realizar o controle de constitucionalidade das leis e decidir conflitos de competências entre as entidades federativas.

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5
Q

O que é o federalismo centrípeto e o federalismo centrífogo?

A

Os Estados federalizados formam-se por agregação ou por segregação. No primeiro caso, Estados pré-existentes renunciam à própria soberania para aglomerarem-se sob nova formação comum, que passará a ser detentora única da soberania e da personalidade de direito público externo (federalismo centrípeto). Exemplos: EUA e Alemanha. No segundo caso, o Estado é formado pela descentralização de um Estado unitário em vários centros de competência autônomos (federalismo centrífugo). Exemplos: Brasil, México e Argentina.

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6
Q

Quais são as principais diferenteças entre Federação e Confederação?

A

Estado federal - fundamento jurídico: Constituição < - > Estado Confederado - fundamento jurídico: tratado internacional Estado federal - Unidades parciais (Estados-membro) não possuem direito de secessão (princípio da indissociabilidade-indissolubilidade) < - > Estado Confederado - Unidades parciais possuem direito de secessão Estado federal - Unidades parciais detêm autonomia < - > Estado Confederado - Unidades parciais detêm soberania

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7
Q

Quais são as missões básica do Executivo?

A

Intervenção, fomento e serviço público.

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8
Q

A administração interna feita pelo Judiciário e Legislativo pode ser considerada uma exceção ao princípio da separação dos poderes?

A

A administração interna feita pelo Judiciário e Legislativo é função atípica desses Poderes, mas não constitui exceção ao princípio da divisão. Nesse sentido, para o STF, tanto o auto-governo quanto a existência de espaços variáveis de autonomia financeira e orçamentária fazem parte da independência dos Poderes (ADIn 135-PB).

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9
Q

Quais são as principais características de um governo republicano? Qual a diferença entre república e democracia?

A

1) temporariedade dos governos; 2) sucessão governamental por critérios eletivos (eletividade); 3) responsabilidade do governante e de todos demais agentes públicos; 4) representatividade popular (o exercício da função pública e os poderes a ele inerentes têm base na soberania popular).

Obs: São espécies republicanas: a) República aristocrática: o governo é exercido por alguma classe privilegiada, geralmente a nobreza; b) República democrática: considera o povo como titular do poder estatal. Importante: Atualmente, a qualificação “democrática” que se possa dar a algum governo não diz propriamente respeito à forma em que se exerce, senão ao regime político do Estado.

FOLHA:

Vira e mexe ouvimos alguém falar dos ‘princípios republicanos’ ou de violências contra a ‘República’. Do ponto de vista técnico, esse termos não significam muita coisa. É apenas uma muleta da retórica política. Quase sempre o que os políticos querem dizem é que é algo imoral ou não democrático. Mas isso não tem nada a ver com república. No mundo contemporâneo, o oposto de “República” é “monarquia”. Mas é perigoso confundirmos República com democracia ou moralidade, ou dizer que regimes monárquicos são menos democráticos que os republicanos. Mesmo se considerarmos democracia como apenas a existência de eleições justas, periódicas e transparentes, ou a existência de governos moralmente sóbrios, veremos que nem toda República é democrática ou possui um governo com boa moral. Basta olhar algumas Repúblicas como o Zimbábue ou Angola. Por outro lado, vários países sob os quais não paira qualquer dúvida se são democráticos e com governos de boa moral, são monarquias. Reino Unido, Dinamarca, Espanha e Mônaco, e.g., são todos monarquias. Você tem alguma dúvida que os direitos à cidadania, soberania, dignidade, pluralismo político e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa são mais respeitados em Londres e Copenhague do que em Luanda e Harare?

Além disso, mesmo que deixemos eleições e moralidade dos chefes de governo de lado, veremos que o fato de um país ser uma República não quer dizer necessariamente que a população estará em uma situação melhor do que as populações vivendo em países sob regimes monárquicos. Se olharmos os 10 países com melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Dezembro de 2008, veremos que 5 (Noruega, Holanda, Suécia, Japão e Luxemburgo) são monarquias, e outros 2 (Canadá e Austrália) possuem a rainha da Inglaterra como chefe de Estado, já que são parte do Common Wealth. Por outro lado, se olharmos os 10 países com piores índices de desenvolvimento humano, veremos que todos são Repúblicas: Serra Leoa, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Libéria, Moçambique, Níger, Burkina Faso, Burundi, Guine Bissau e Chad.
A intenção aqui não é fazer apologia desta ou daquela forma de governo, mas temos que ter cuidado para não nos deixarmos iludir por frases de efeito sem qualquer conteúdo.
A frase pronunciada acima teria sido muito melhor se fosse algo como “atentado contra (o princípio) da moralidade”. Este sim, não só tem um significado técnico, como está claro no art. 37 da Constituição Federal e pode, sim, ser usado para abrir um processo contra quem o quebra.

Diferença entre república e democracia:

Democracia é um Regime Político em que o governo é exercido por representantes eleitos pelo povo. República é a Forma de Governo em que a Chefia do Estado é exercida por mandatários não hereditários. Uma democracia pode não ser republicana quando o governo for exercido por representantes eleitos mas a Chefia do Estado for exercida por mandatários hereditários, que é o caso das monarquias. Uma república pode não ser democrática quando a chefia do estado e do governo for exercida por mandatário não eleito. Além do Regime Político e da Forma de Governo existe, ainda, o Sistema de Governo, que pode ser parlamentarista, quando o governo é exercido pelo parlamento por meio de seu lider, denominado “Primeiro MInistro”. Isso pode acontecer em monarquias ou repúblicas. E, nas repúblicas, o sistema é presidencialista quando o poder executivo do governo é exercido por um mandatário eleito. Nas monarquias absolutistas, o Chefe do Estado, normalmente, também é o Chefe do Governo.

REPÚBLICA:

Estado republicano é uma forma de governo ou uma estrutura política de poder em que o bem comum está acima de interesses particulares, de classes, grupos, corporações ou famílias. Surgido em Roma, nesse modelo, o chefe de Estado permanece no poder por tempo limitado e é escolhido pelo povo.

É o regime onde o Estado é soberano e o governo passageiro. Por esse motivo, o poder do chefe de Estado não é ilimitado e a escolha ocorre por meio do voto popular, que pode ser facultativo ou obrigatório (como ocorre ainda no Brasil, mesmo sendo uma democracia).

A permanência do chefe de Estado no poder é limitada. No Brasil, ocorre por quatro anos, que podem ser renovados por mais quatro desde que o administrador eleito seja novamente aprovado por voto popular.

Características

Defende o patrimônio público

Os cidadãos participam da definição de novas políticas

Utiliza funcionários governamentais

Institui o regime de cobrança de impostos

A escolha dos representantes é feita pelo voto popular

O poder é descentralizado, dividido entre executivo, legislativo e judiciário

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10
Q

Quais são as características do sistema presidencialista de governo?

A

a) Criação norte-americana (Constituição de 1787); b) típico das Repúblicas; c) Poder executivo é exercido pelo Presidente da República, que acumula as funções de Chefe de Estado e de Chefe de Governo d) a investidura e o exercício do mandato do Presidente independem da vontade do legislativo. e) Poder Legislativo não se sujeita à dissolução e seus membro são investidos em mandato com termo certo; f) há maior independência entre os Podes Executivo e Legislativo.

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11
Q

Quais são as características do sistema parlamentarista?

A

a) O Poder Executivo é dividido entre chefia do Estado (exercida pelo monarca ou pelo Presidente) e a chefia do Governo (de atribuição do Primeiro-Ministro); b) o Chefe do Estado nomeia ou indica o Primeiro-Ministro; c) o Primeiro-Ministro é quem nomeia ou indica os demais Ministros; d) a aprovação pela Assembleia do Primeiro-Ministro e de seu Ministérios dá-se em conjunto, juntamente com a deliberação sobre o plano de governo, ratificando-os policamente perante o povo; e) o governo deve confiança ao Parlamento; f) quebrada a confiança, formalizada por uma moção de desconfiança ou voto de censura (ambos de deliberação do Parlamento), é dissolvido o governo, que não possuia investidura por termo certo; e g) o Chefe do Estado poderá dissolver o Parlamento e convocar novas eleições, a fim de se apurar o grau de confiança dos parlamentares perante o povo.

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12
Q

Defina brevemente democracia e seu oposto?

A

A) Democracia: a soberania é da titularidade do povo, de forma que o governo é organizado “de baixo para cima”, conforme a vontade popular. Nos regimes democráticos, o poder político é concedido pelo Estado à parcela de indivíduos que constituem o “povo”. Enfim, a democracia pode ser sucintamente definida como processo de convivência social em que o poder emana do povo e há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em proveito do povo.

B) Autocracia: a estruturação de governo ocorre “de cima para baixo”, privilegiando-se a soberania do governante, ou seja, o princípio do chefe, Segundo MARCELO CARTANO, autocrático é aquele regime em que o poder político (incluindo o poder constituinte) é exercido em nome próprio, por uma pessoa ou por um grupo social (classe, casta, partido ou corporação).

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13
Q

Conceitue brevemente forma de estado, forma de governo e sistema de governo.

A

Forma de Estado: Modo como se estrutura e se organiza policamente um entidade estatal. Definida de acordo com o grau de centralização dos poderes estatais.

Forma de Governo: Modo de atribuição do poder governamental. Definida de acordo com o posicionamento dos órgão constitucionais em relação uns aos outros.

Sistema de Governo: Conjunto de norma que estabelecem como será a relação entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo.

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14
Q

Em sentido amplo, qual o conceito de constitucionalismo?

A

Em sentido lado, o constitucionalismo surge a partir do momento em que grupos sociais, racionalmente ou não, passam a contar com mecanismos de limitação do exercício do poder político. Nessa acepção ampla, configura-se independentemente da existência de normas escritas ou de desenvolvimento teórico.

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15
Q

Discorra brevemente sobre a passagem do constitucionalismo liberal para o constitucionalismo social.

A

Conforme SARMENTO e SOUZA NETO (2017, P. 83), se, no “constitucionalismo liberal, o Estado era o ‘guarda noturno’, que se dedicava apenas à garantia da segurança dos negócios privados, no constitucionalismo social ele assume um papel muito mais ambicioso na vida econômica”, incorporando “funções ligadas a prestações de serviços públicos para promover a igualdade material, por meio de políticas públicas redistributivas e fornecimento de prestações materiais para as camadas mais pobre da sociedade como saúde, educação e previdência social”.

CONSTITUCIONALISMO LIBERAL:

Para muitos, o constitucionalismo se inicia, de fato, a partir desse momento. Essa segunda fase, a que chamamos de constitucionalismo liberal, tem início no final do séc. XVIII com as revoluções liberais (Francesa e Americana), que resultaram na queda das grandes monarquias, provenientes da união da burguesia com o chamado Terceiro Estado (povo), em busca de direitos libertários. O contexto histórico, como vimos, era o absolutismo, daí porque os direitos individuais, também chamados de liberdades públicas, tornaram-se o núcleo das revoluções liberais. Foi aqui, a partir dessas revoluções, que ocorreu o surgimento das primeiras constituições escritas. O que se buscava com essas revoluções era a liberdade dos cidadãos em relação ao autoritarismo do Estado. Foi a partir daí que houve a necessidade de prever quais eram os direitos de cada indivíduo, evitando a atividade arbitrária do Estado. Essa instrumentalização dos direitos individuais veio por meio das primeiras Constituições escritas. Sob a influência do iluminismo liberalista, sentiu-se a necessidade de garantir taxativamente as liberdades individuais, fazendo-o por meio de leis.

(…)

Por influência do liberalismo iluminista, assim, criava-se a concepção do Estado mínimo como proteção às garantias individuais. O principal valor aqui, portanto, era a liberdade. É nessa época que surgem os chamados direitos de primeira dimensão (liberdades públicas). A atuação do Estado deveria limitar-se à defesa da ordem e segurança pública, de onde nasce o princípio da legalidade adminitrativa como subordinação à lei (os particulares podem fazer tudo o que a lei não veda, mas a Administração só pode fazer o que a lei permite). O Estado de Direito, nessa fase, é sinônimo de Estado Liberal. A característica marcante é o abstencionismo estatal, a garantia das liberdades públicas. Com isso, asseguram-se os direitos de primeira dimensão, que se referem aos direitos civis e políticos, como reivindicação das revoluções liberais. O Estado liberal, então ganha contornos bem definidos, seja no plano político (poder limitado pelo Direito), seja no plano econômico (Estado mínimo, não intervenção estatal). A instrumentalização desse Estado de Direito (Estado liberal) deu-se, então, a partir das primeiras Constituições escritas (constituições negativas), limitando a atuação estatal (abstencionismo), através das liberdades e direitos individuais (direitos de primeira geração). As duas experiências que impulsionaram todas essas mudanças foram as chamadas revoluções liberais Francesa e Americana. Mas grandes diferenças tivemos entre ambas. O constitucionalismo contemporâneo, aliás, vai ser exatamente o resultado da junção dessas duas experiências.

Com relação à experiência Francesa, tratou-se de uma sangrenta revolução que durou 10 anos, iniciando-se em 1789 com a convocação dos Estados Gerais e a Queda da Bastilha, encerrando-se em 1799 com o golpe de estado de Napoleão Bonaparte. Estava em causa a ruptura do regime absolutista e os privilégios do clero e da nobreza. O movimento tinha como ideário a democracia, a abolição da servidão e dos direitos feudais, proclamando o princípios universais da “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Diante desse contexto, surgiu, então, a Constituição Francesa de 1791, inspirada na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que lhe serviu de preâmbulo. Daí vieram, então, os direitos de primeira geração, as chamadas liberdades públicas. Era uma Constituição extremamente prolixa e sem rigidez, porque na Europa a Constituição era um documento de cunho político (carta de intenções), e não jurídico (vinculante). Na verdade, a supremacia constitucional só veio surgir com a experiência constitucional americana. Na Europa, a supremacia não era da Constituição, mas sim do Parlamento. Essa é a diferença substancial os dois movimentos. Na França, temos o Parlamento acima da Constituição. Nos Estados Unidos, temos a Constituição acima do Parlamento. Por consequência, na experiência francesa temos um judiciário fraco e na experiência americana temos um judiciário forte.

(…)

Logo, ao contrário do movimento europeu, em que havia desconfiança do judiciário e aumentava-se o poder do Parlamento, no modelo americano o inverso ocorre, havendo desconfiança com o parlamento e aumentando-se o poder do Judiciário. Quer dizer, o judiciário naquela época era o mais fraco dos poderes, tendo sido fortalecido na experiência americana. Daí porque foi ao judiciário a quem ficou incumbida a missão de exercer o controle de constitucionalidade e garantir a supremacia constitucional. Por isso, inclusive, que a Constituição americana nem contemplou direitos individuais, preferindo deixar a garantia destes ao judiciário do que ao parlamento. Enquanto a primeira Constituição francesa (1791) foi exageradametne prolixa, contendo os direitos e liberdades individuais como ideal político, a Constituição americana (1787) foi extremamente concisa. Preferiram inicialmente deixar somente ao judiciário a missão da efetivação dos direitos e garantias individuais, ao invés de transferí-los ao legislador, tendo sido acrescentados à Constituição americana de 1787 somente em momento posterior, via emendas. Se, de um lado, o avanço na garantia das liberdades individuais foi fruto inicial da experiência francesa, de outro lado, na experiência americana tivemos a garantia jurisdicional, além da supremacia constitucional e o início do controle de constitucionalidade.

CONSTITUCIONALISMO SOCIAL

Com o fim da I Guerra Mundial inicia-se uma nova fase do constitucionalismo, o chamado constitucionalismo social, que durou no período entre guerras, findando com o término da II Guerra Mundial, em meados do séc. XX. Esse fenômeno ocorreu porque, após a 1ª Guerra Mundial, tivemos um resultado devastador para o mundo, ficando algumas sociedades, inclusive nações européias, em grande ruína e com multidões de desvalidos, pessoas sem condições básicas de sobrevivência. Tudo isso acabou levando a necessidade de garantir nas Constituições a proteção dos chamados direitos sociais. Diante do contexto catastrófico surgido após a I Guerra Mundial, o Estado não podia ficar inerte. Não bastava mais o Estado apenas se abster e respeitar as liberdades individuais, era preciso assegurar direitos mínimos sociais. Nesse momento, novos movimentos revolucionários surgiram ao redor do mundo, inclusive com o comunismo passando a ganhar força. Começou-se a perceber um esgotamento da idéia liberal, que protegia apenas os direitos de liberdade, mas não os sociais. A mantença do Estado Liberal estava levando a desigualdades sociais gritantes. Urgia a intervenção estatal. De nada valeria a liberdade sem a igualdade material. E se esta não estava sendo atingida pelo Estado liberal (Estado abstencionista), caberia ao Estado social agir (Estado prestacional).

Dessa forma, diante da impossibilidade do constitucionalismo liberal atender as demandas sociais que abalavam o século XX, surgiu o constitucionalismo social e, junto com este, os direitos e garantias fundamentais de segunda dimensão: os chamados direitos sociais ou coletivos. A grande marca desse novo período, entao, é que a atuação estatal limitada e a interferência mínima na esfera privada acabou sendo abrandada pela necessidade do Estado regular, também, os direitos sociais. Com o passar do tempo, os direitos amparados nas Constituições foram ampliados para além dos direitos e liberdades individuais. Nesse contexto de transformação do Estado de Direito (do liberal para o social), temos duas Constituições que se destacaram: a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição Alemã de Weimar de 1919, ambas consagraram direitos coletivos e deram início ao Estado Social. Isso não significa que anteriormente não haviam direitos sociais, a própria Constituição Francesa de 1791, por exemplo, ainda que por influência da revolução liberal, já continha naquela época alguns direitos sociais previstos em seu texto. Contudo, isso não era uma tradição dentro do constitucionalismo, mas foi a partir dessas duas Constituições (Constituição Mexicana de 1917 e Constituição de Weimar de 1919) que passam a ser consagrados de forma mais sistemática os direitos sociais. Antes disso, embora até pudessem existir direitos sociais de forma remota em documentos esparsos, não há como se falar em Estado Social.

(https://jus.com.br/artigos/26028/a-evolucao-da-teoria-constitucional-e-as-perspectivas-para-o-constitucionalismo-do-futuro)

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16
Q

Qual a tese central do positivismo?

A

Em termos metodológicos, o positivismo é a corrente filosófica que defende, basicamente, a separação entre direito e moral (tese da separação ou da neutralidade). Como defendem positivistas clássicos como KELSEN, HART e BOBBIO, a validade de uma norma jurídica não implica necessariamente a respectiva validade moral, nem vice-versa. Embora haja ligações históricas, sociais, políticas e até linguísticas entre direito e moral, elas são meramente contingentes, e não lógica e conceitualmente necessárias. O direito não é necesariamente justo; mesmo o direito considerado injusto não deixa de ser direito.

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17
Q

Qual é a principal ideia da corrente jusnaturalista e qual sua relação com as atuais teses não positivistas?

A

O direito natural parte do pensamento segundo o qual existe um conjunto de leis perfeitas que a racionalidade humana consegue apenas revelar, mas cuja criação se deve, seja à divindade, seja à natureza. Dessarte, o direito natural pressupõe código de ética universalmente aceito e racionalmente perceptível a partir de leis divinas ou da natureza. […] A exemplo dos jusnaturalistas, os adeptos do não positivismo também defendem teses da vinculação entre o direito e a moral. Porém, o pensamento não positivista se distanciou dos problemas metodológicos dos jusnaturalistas, pois encontrou novas justificativas para suas teses não separatistas. Ao florescerem no segundo pós-guerra, em ordenamento jurídico repletos de princípios, as ideias não positivistas passaram a sustentar que o direito se tornara um ciência “prática”, orientada por “razões” também práticas, embasadas em preceitos morais. Dessarte, na presença de princípios morais positivados, sobretudo, no direito constitucional, o “direito funciona como se vigorasse um direito natural” (ZAGREBELSKY, 2003, P. 119), mas sem incorrer na falácia naturalista.

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18
Q

Quais são as principais características do positivismo?

A

1) aproximação quase plena entre direito e norma; 2) a afirmação da estatalidade do direito; 3) a completude do ordenamento jurídico; e 4) o formalismo jurídico e o dogma da subsunção (Barroso).

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19
Q

Qual a principal tese do neoconstitucionalismo?

A

[…] o neoconstitucionalismo teria inaugurado a fase do pós-positivismo, i. e., a “designação provisória e genérica” de um ideário difuso”, que incluiria “algumas ideias de justiça além da lei e da igualdade material mínima, advindas da teoria crítica, ao lado da teoria dos direitos fundamentais e da redefinição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica” (Barroso, 2009). Nesse sentido, para DANIEL SARMENTO e CLÁUDIO PEREIRA DE SOUZA NETO, por exemplo, o “pós-positivismo” se caracterizaria “por buscar a ligação entre o Direito e a Moral por meio da interpretação de princípios jurídicos muito aberto, aos quais é reconhecido pleno caráter normativo” (2017, p. 201).

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20
Q

Para os autores, a tese positivista ainda tem relevância nos dias de hoje ?

A

[…] a escola positivista se atualizou e se mantém atual, ao contrário do que equivocamente sugere a terminologia “pós-positivismo”. As veemente críticas lançadas ao positivismo clássico foram superadas, incluindo a questão da utilização de princípios jurídicos de conteúdo moral, além de problemas como a dicotomia subsunção-ponderação. Claro que a tensão entre as doutrinas posistivista e não positivista segue forte, principalmente pela repercussão dos escritos de DWORKIN, ALEXY e ZAGREBELSKY. Todavia, não parece que as inovações atribuídas ao neoconstitucionalismo sepultaram o positivismo jurídico, cujas teses, baseadas na distinção entre o direito e a moral, foram remodeladas e seguem servindo de explicação para o funcionamento dos sistema jurídicos contemporâneos. Afinal, o positivismo contemporâneo não nega que o direito positivo possa determinar sejam considerados preceitos morais (c.g., o princípio da moralidade previsto no caput do art. 37 da Constituição), apenas defende ser papel do próprio direito positivo decidir se tais considerações devam ou não ser feitas. Se até as teses da neutralidade moral do direito aceitam a positivação jurídica de normas morais; e se as constituições contemporâneas incorporaram vasta gama de princípios morais em seus catálogos de direitos fundamentais; perde bastante interesse o velho conflito entre positivistas e não positivistas, porquanto não há mais necessidade de recorrer a uma moral extrajurídica para justificar a validade ou invalidade de normas jurídica adjudicadas pelos juízes em casos difíceis. Como resumiu FERRAJOLI, o processo de positivação do direito natural fez com que o antigo conflito entre positivistas e jusnaturalistas perdesse, “em grande parte, seu significado filosófico-político, ao terem sido mudados os termos da separação entre direito e moral, entre validade e justiça” (2002, p. 288). Enfim, as aplicações das teses defendidas pelos “pós-positivistas” brasileiros, basicamente, não se diferem daquelas decorrentes das teses estrangeiras “não positivistas” que os inspiraram. Nada obstante, elas também podem ser acomodadas nas versões mais atualizadas do positivismo contemporâneo. Como explicou BERNAL PULIDO (2007), o “neoconstitucionalismo não implica necessariamente a aceitação de uma ideia semelhante de Constituição a um sistema axiológico independente de seu texto” (p. 302). Logo, até a tese dos direitos fundamentais como princípios aplicáveis mediante ponderação pode ser compatibilizada ao positivismo atual, pois o “próprio conceito de princípio, assim como a ideia de ponderação, partem da base segundo a qual as disposições de direito fundamental são indeterminada e impõe a ser intérpretes levar a cabo sua concretização” (p. 305). […]

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21
Q

Qual a relação que DIETER GRIMM traça entre o Estado Constitucional e o patriotismo constitucional?

A

Ao comentar o patriotismo constitucional após a reunificação alemã, sustenta DIETER GRIMM (2006, p. 94) que, entre os motivos do êxito do Estado Constitucional, o “mais importante é que a população se identifique com a Constituição e não honre violações constitucionais por parte de instâncias políticas. Para políticos que sempre recaem em situações nas quais as vinculações constitucionais perturbam seus planos políticos, não pode valer a pena desprezar a Constituição”.

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22
Q

O fenômeno da constitucionalização do direito privado se materializa por meio de que fatores?

A

1) da disciplina constitucional de institutos de direito privado (casamento, família, relações trabalhistas); 2) da interpretação conforme a constituição de disposições normativas referentes ao direito privado; e 3) de teorias e deciões a defender a intitulada “eficácia horizontal” dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas.

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23
Q

Qual o conceito de Constituição de Lassalle?

A

Para LASSALLE, “A constituição jurídica apenas incopora em documento escritos os fatores reais do poder, sem a concorrência dos quais a constituição não passaria de uma ‘folha de papel’. Esses fatores reais do poder é que são a essência da ‘constituição real’ de um país. Por isso, a verdadeira constituição baseia-se nos fatores reais e efetivos do poder. As constituições escritas só têm valor e durabilidade se exprirem fielmente correspondência com esse fatos reais de poder”. (p. 84)

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24
Q

Qual é o conceito ideal da Constituição?

A

O constitucionalismo é o movimento político que propugna pelo estabelecimento de uma Constituição que limite e organize o exercício do poder político. O primeiro constitucionalismo foi liberal, inspirado pelas revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, advindas da insurgência contra o Estado absolutista. Sua preocupação primeira era com o estabelecimento de constituições que limitasse o exercício do poder político, impedindo o arbítrio dos governantes. Para realizar essa função, as constituições deveriam possuir normas com dois conteúdos: normas instituidora de direitos individuais e normas que organizassem o Estado de acordo com o princípio da separação dos poderes. O arranjo institucional integrado por esses dois elementos configuraria um Estado constitucional moderado, capaz de proteger a vida, as liberdades, a segurança e propriedade dos indivíduos. A teoria da Constituição produzida até o século XX dedicou grande atenção ao problema da vinculação das constituições a esse conteúdo material, ora proclamando esse vínculo, ora criticando o idealismo que o sustenta. A primeira linha se identifica à formulação de um conceito ideal da Constituição. O conceito é ideal por ser formulado em razão da própria matéria que a Constituição deve conter: aquela correspondente ao modelo liberal de Estado. O papel das constituições é organizar o exercício do poder político e limitá-lo. Os documentos normativos que não tratam dessa matéria não podem ser considerados constitucionais, mesmo que sejam assim intitulados. O constitucionalismo, como movimento político, só teria sentido se a Constituição fosse concebida em conformidade com o seu conceito ideal, que veicula os objetivos de racionalizar, limitar e moderar o exercício do poder político. Obs: com o predomínio do positivismo jurídico, a concepção ideal da Constituição cedeu espaço a outras construções, mais focadas na forma constitucional do que no seu conteúdo. Todavia, com a crise do positivismo, a partir da segunda metade do século XX, o componente ideal volta a penetrar em teorias e filosofias contemporâneas da Constituição, agora associada a outras dimensões. O elemento ideal, porém, é enriquecido com novos aportes, relacionados a temas como democracia e igualdade material, que não se enquadravam na moldura do liberalismo-burguês dos século XVIII e XIX.

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25
Q

Qual o conceito de Constituição de Carl Schimitt?

A

No importante debate constitucional travado no cenário da Constituição de Weimar surgiram teorias alternativas tanto ao idealismo da corrente liberal quanto ao formalismo de Kelsen e de outros positivistas. Os protagonistas daquele debate sustentavam, de diferentes maneiras, teorias constitucionais centradas na realidade concreta. Eram as “teorias materiais da Constituição” - materiais por privilegiarem elementos oriundos da realidade costitucional, e não por prescreverem determinado conteúdo particular. A teoria mais influente nessa linha foi proposta por Carl Schimitt, para o qual a Constituição deveria ser definida como “decisão política fundamental” do poder constituinte. Trata-se da decisão política que modela a substância do regime. Em relação à “decisão política fundamental, (…) todas as regulações normativas são secundárias”. Ela consiste na manifestação concreta do poder político, que toma a decisão fundamental, pondo fim ao conflito antes existente e definindo as bases do novo regime: uma democracia ou uma ditadura, um Estado capitalista ou socialista etc. As “leis constitucionais” - leia-se, a Constituição escrita -, podem conter diversos elementos que não sejam propriamente constitucionais, porque dissociados da decisão política fundamental do poder constituinte. O conceito de Constituição de Carl Schimitt não se apoia em critérios de justiça ou racionalidade do conteúdo normativo adotado, como sustenta a teoria ideal. Para Schimitt, o poder constituinte pode estabelecer qualquer conteúdo constitucional, inclusive um completamente divergente dos princípios do Estado Liberal. Nisso repousa o aspecto central da sua concepção “decisionista”, que considerava a Constituição não como positivação de um sistema racional de princípios, mas como um ato de “vontade” do poder constituinte. […]

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26
Q

Qual o conceito de Kelsen de Constituição?

A

O conceito jurídico de constituição reconduz ao positivismo da escola de KELSEN e às respectivas explicações acerca do ordenamento jurídico. Nessa perspectiva, a ordem jurídica não é sistema de normas ordenadas no mesmo plano, umas ao lado das outras, mas construção normativa escalonada em diferente camadas e níveis. Destarte, o autor toma a palavra constituição em dois sentidos distintos. No primeiro deles, sentido lógico-jurídico, constituição seria NORMA FUNDAMENTAL HIPOTÉTICA com função de servir de fundamento lógico transcendental de validade da constituição jurídico-positiva. De forma diversa, no sentido jurídico-positivo, constituição deve ser entendida como NORMA POSITIVA SUPREMA, como conjuto de normas que regula a criação de outras normas, ou seja, a lei nacional no seu mais alto grau. Desta forma, as normas jurídica devem manter, entre si, relação hierárquica de fundamentação e derivação. Uma norma jurídica só é válida se encontrar fundamento em norma superior que lhe regula o respectivo processo de produção. E a constituição ocupa o nível normativo mais alto no ordenamento positivo estatal. Dessa posição hierárquica mais elevada, é a constituição que regula a produção das outras normas jurídica estatais, servindo assim de parâmetro superior da validade das demais normas de determinado ordenamento jurídico.

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27
Q

Há uma classificação para constituição que se chama heterônoma. O que ela quer dizer?

A

Classificação relativa à forma. Heterônoma (heteroconstituição): constituição elaborada ou imposta, da parte de um Estado. Trata-se de constituição concebida por procedimentos externos de formação originados em “atos de soberania (decisão constituinte) imputáveis a um Estado diverso daquele que será disciplinado pela nova constituição” (VERGOTTINI, 2013, p. 249). Tipo de constituição manifestado, geralmente, em contextos de pós-ocupação militar ou durante processos negociados de descolonização. Exemplo clássico: a Constituição japonesa de 1946, que teve seu projeto escrito pelas forças norte-americanas de ocupação, logo após a II Guerra Mundial; e a Constituição alemã de 1949, cuja minuta teve de ser aprovada pelos comandantes das potÊncais aliadas. Também se consideram constituição heterônomas aquelas aprovadas para várias ex-colônias do Reino Unido, tais como as Constitutição do Canadá (1867) e a da Austrália (1901), cujos textos foram elaborados por lei votada pelo parlamento britânico.

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28
Q

Quanto à essência, como podem ser classificadas as constituições?

A

Segundo a classificação ontológica de Karl Loewenstein, basenada na conformação constitucional quanto à realidade do processo de poder político, uma constituição pode ser:

a) Normativa: aquela cujas normas dominam o processo político, pois são lealmente observadas por todos os interessados, fazendo com que o poder se adapte ao texto constitucional. A constituição é efetivamente aplicada.
b) Nominal: constituição carente de realidade existencial. Apesar de ser juridicamente válida, o processo político a ela não se curva ou se adapta adequadamente. Não é aplicada efetivamente.
c) Semântica: modelo constitucional que, em vez de servir como mecanismo de limitação do poder estatal, visa apenas à estabilização e conservação da estrutura de dominação do poder político.

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29
Q

Em que consiste a constituição plástica?

A

Pode ser traduzida como a qualidade técnica de melhor localizar, topograficamente, dentro do texto constitucional, as diversas matérias que este contém, de modo a favorecer-lhes a sistematização e interpretação, além de permitir o preenchimento de regras constitucionais por meio do legislador ordinário, assegurando que a constituição acompanhe as oscilações da vontade popular (MACHADO HORTA). Na mesma linha, para UADI BULOS, é a constituição que apresenta mobilidade que lhe permite projetar sua força normativa nos vários setores da realidade estatal. Já para SAHID MALU, constituição plástica é sinônimo de constituição flexível. (p. 94)

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30
Q

O que é um constituição dúctil?

A

Segundo GUSTAVO ZAGREBELSKY, as constituições atuais podem ser consideradas tanto pluralistas quanto dúcteis. Pluralistas, porque não representam uma única ideologia, já que são obras de consenso formado a partir de recíprocas concessões acertadas entre forças políticas distintas. Dúcteis, porque veiculam conteúdos tendencialmente contraditórios entre sim, sem que se lhes possa traçar uma hierarquia rigorosa. Pelo contrário, esses conteúdos devem ser assim preservados, de modo a conceder ampla margem à configuração legislativa, além de abertos a possíveis poderações judiciais. Assim, estabelecem-se mútuas relações entre legislador e juiz, política e justiça. Numa constituição dúctil e repleta de princípios, dificilmente haverá matérias subtraídas, seja da justiça, seja da política.

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31
Q

Como deve ser classificada a constituição de 1988?

A

Quanto ao conteúdo: formal (oposto à material). Quanto à estabilidade: rígida. Quanto à forma: escrita. Quanto à origem: promulgada. Quanto ao modo de elaboração: dogmática (histórica). Quanto à extensão: analítica. Quanto à essência: nominal.

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32
Q

O que é o Poder Constituinte? Tem ele natureza de poder de fato ou de poder jurídico?

A

É a manifestação soberana da vontade política de um povo, social e juridicamente organizado (ALEXANDRE DE MORAES); a expressão soberana da vontade capaz de fazer nascer um núcleo social (TEMER). Pela escola positivista, não se reconhecem formas de direito além das previstas ou das admitidas pelo direito positivo. Nesse rumo, o poder constituinte originário é espécie de poder de fato, que se impõe, seja à base da força, seja pelo consenso popular, sem fundamento jurídico prévio em nenhuma disciplina normativa anterior , tampouco em qualquer tipo de direito que pudesse contra ele ser invocado. Trata-se, aliás, da tese ratificada pelo STF na ADInMC 2.356-DF, quando a Corte entendeu que o poder constituinte “provém do exercício de um poder de fato ou suprapositivo”. STF: “A eficácia das regras jurídicas produzidas pelo poder constituinte (redundantemente chamado de “originário”) não está sujeita a nenhuma limitação normativa, seja de ordem material, seja formal, porque provém do exercício de um poder de fato ou suprapositivo. Já as normas produzidas pelo poder reformador, essas tÊm sua validez e eficácia condicionadas à legitimação que recebam da ordem constitucional. Daí a necessária obediência das emendas constitucionais às chamadas cláusulas pétreas” (ADINnMC 2.356-DF).

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33
Q

Em que consiste bootstrapping constitucional, expressão introduzida no direito constitucional por Jon Elster?

A

Expressão introduzida na ciência política e no direito constitucional por JON ELSTER para se referir ao “processo pelo qual uma assembleia constituinte corta seus laços com as autoridades que a convocaram e arroga para si mesma alguns ou todos os poderes delas” (ELSTER, 1993, p. 549). Os exemplos estudados por ELSTER foram a Constituição norte-americana e a Constituição francesa do Terceiro Estado, cuja assembleias constituintes não se submeteram às restrições traçadas pelos respectivos atos de criação e se autoproclamaram soberanas. […] No Brasil, exemplo de bootstrapping parece ser a EC 26-85, que rompeu com os limites formais e materiais previstos na Constituição em vigor e acabou por convocar uma “livre e soberana” Assembleia Nacional Constituinte incumbida de elaborar um nova constituição (que viria a ser a Constituição de 1988).

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34
Q

O exercício do poder constituinte originário ocasiona a instauração de uma nova ordem constitucional, que pode se dar em sentido material ou em sentido formal. Explique esses dois sentidos.

A

Poder Consituinte Originário: é o poder cujo exercício ocasiona a instauração de novas ordens constitucionais, seja por meio da criação de uma “primeira constituição”, seja mediante o rompimento da ordem anterior.

Configuram instaurações constitucionais:

a) em sentido material, quando mudanças constitucionais, ainda que procedidas de acordo com procedimentos autorizados, alterarem os princípios supremos da constituição em vigor, i.e., a identidade axiológica da constituição modificada; ou
b) em sentido formal, toda vez que mudanças constitucionais ocorrerem sem a observância dos procedimentos necessários.

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35
Q

Quais são as características do poder constituinte originário?

A

Prevalece na doutrina brasileira a tese positivista segundo a qual o poder constituinte é poder de fato. Daí, como apresenta natureza essencialmente política (e não jurídica), afirma-se que o poder constituinte tem por características ser:

a) inicial: pois sua obra (constituição) é a base de uma nova ordem jurídica;
b) juridicamente ilimitado: porquanto não tem de respeitar os limites impostos pelo direito antecessor;
c) incondicionado: sua manifestação não está sujeita a qualquer regra de forma ou de fundo;
d) autônomo: a estruturação da constituição é decidida pelo próprio constituinte originário.

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36
Q

A ausência de limites é uma das características do poder constituinte originário cujo reconhecimento não é unânime na doutrina. Explicite as objeções que lhe são opostas.

A

Juliano e Olavo: Não é absolutamente correta a tese segunda a qual o poder constituinte originário não possua limites. Mesmo o poder constituinte deve obediência a postulados lógico-normativos. Como explica Von WRIGHT, não adiante querer editar norma a permitir algo que seja necessário ou a determinar que se faça o que é fisicamente impossível. Outro limite dessa natureza parece ser aquele demonstrado pelo “paradoxo da onipotência”. […]

Ademais, autores como VANOSSI reconhecem ainda a presença de limites extrajurídicos ao poder constituinte originários, tais como (a) limites ideológicos, consistentes em crenças ou em valores que operam no âmbito supraestrutural; e (b) limites estruturais, que conformam o âmbito social subjacente (a infraestrutura), como o sistema produtivo, as classes etc.

Atenção

A terminologia a respeito dos limites materiais do poder constituinte originário é das mais variadas. JORGE MIRANDA (1997, Tomo II, p. 107), por exemplo, identifica os três seguintes tipos: (a) os limites transcendentes, que são os que se antepõem ou se impõe à própria vontade do Estado, tais como os imperativos do direito natural e de valores éticos superiores e presentes numa “consciência jurídica colectiva”, v.g., os “direitos fundamentias imediatamente conexos com a dignidade da pessoa humana”. Nessa linha, seria “inválido ou ilegítimo” criar normas constitucionais que negassem a liberdade de crenças ou a liberdade pessoal ou que instituíssem desigualdades em razão da raça; (b) os limites imanentes, a decorrerem “da noção e do sentido do poder constituinte formal enquanto poder situado, que se identifica por certa origem e finalidade e se manifesta em certas circunstâncias”; e, ainda, (c) os limites heterônomos, ou seja, aqueles “provenientes da conjugação com outros ordenamentos jurídicos” e que se referem à sujeição a certas regras ou atos provenientes do direito internacional.

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37
Q

A revolução é um direito do povo?

A

Para doutrina jusnaturalista, segundo a qual o poder constituinte originário radica numa ordem jurídica supra positiva, a revolução é um direito do povo; e para os positivistas, que não aceitam a natureza jurídica do poder constituinte, trata-se do poder inerente à soberania popular, e não de um suposto “direito” de revolução. (p. 111)

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38
Q

Há poder constituinte decorrente no âmbito do DF e dos Municípios?

A

[…] ao menos no que diz respeito ao DF, parece bastante aceitável a tese da existência do poder constituinte decorrente. Quanto aos Municípios, a tese encontra problemas adicionais. Não a aceita a maioria da doutrina, mas ainda assim já foi considerada válida por autores como JOSÉ AFONSO DA SILVA, SÉRGIO RESENDE DE BARROS, SARMENTO e SOUZA e UADI BULOS, embora este último, em seu Curso de direito constitucional, tenham passado a negar a existÊncia de poder constituinte decorrente tanto ao DF quanto aos Municípios. Argumentos contra: 1) fundamento semântico ou formal: como o DF nem os Municípios possuem constituições , senão apenas leis orgânicas, tampouco disporiam de poderes constituintes (PEDRO LENZA). 2) fundamento da vinculação direta: a característica essencial do poder constituinte decorrente radicaria no fato de estar vinculado diretamente aos comandos advindos do poder constituinte originário. Logo, como as leis orgânicas municipais estão sujeitas aos princípios tanto da Constituição Federal quanto da Constitituição do Estado-membro respectivo, os Municípios não contam com poder constituinte decorrente (ARAÚJO E NUNES JÚNIOR) 3) fundamento do silêncio eloquente: se o poder constituinte originário quisesse outorgar poderes constituintes ao DF ou aos Municípios , teria feito de forma expressa, tal como o fez em relação aos Estados-membros (Art. 11 do ADCT). Argumentos a favor: 1) o termo lei orgânica não passa de uma reminiscência histórico linguística advinda de constituições passadas, períodos que nem o DF nem os municípios eram reconhecidos como entidades federativa. O que importa, ademais, não é o nome do diploma normativo, mas sim a função por ele exercida (fundamento material, que no caso é bastante similar ao das constituições estaduais. 2) O argumento da vinculação direta não se aplica ao DF. “Relativamente aos Municípios, a grande questão está em entender a forma federativa peculiar instituída pela Constituição. Isso porque, se o constituinte originário, de um lado, restringiu a autonomia municipal em face dos princípios previsto tanto na Constituição Federal quanto na constituição do Estado-membro onde se localizarem os Municípios (cf. art. 29 e 35; e parágrafo único do art. 11 do ADCT), de outro lado, concedeu a essas entidades pública inegável status de entidade federativa (ver caput do art. 1). Logo, diante desse especial status federativo, é possível defender-se a existência de um poder constituinte decorrente municipal, ainda que atípico em termos de direito comparado, pois tal poder está sujeito a uma dupla vinculação normativa (limitações da Constituiçõa Federal e da constituição do Estado respectivo). Além disso, o argumento da vinculação direta revela-se inteiramente falho para se aplicar aos Municípios localizados em Território Federal, hipótese em que não há falar-se em vinculação a preceitos de nenhum constituição estdual. […] Não bastasse, a vinculação municipal advinda das normas da constituição estadual é restrita pela própria Constituição Federal […]. Daí por que o fundamento da vinculação direta tampouco se mostra decisivo.

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39
Q

É cabível iniciativa popular para propositura de emenda à Constituição?

A

[…] NA ADIn 825-ap (j. em 25-10-2018), o Plenário do STF reputou constitucional a possibilidade de iniciativa popular em matéria de emenda à constituição estadual. Entendeu a Corte que a ausência de simetria em face das regras existentes na Constituição Federal, em relação ao poder de emenda constitucional, não afasta a faculdade de o Estado-membro aumentar os mecanismos de participação direta. Ver Inf. 921-2018.

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40
Q

Poder constituinte derivado decorrente pode criar novas hipóteses de foro especial por prerrogativa de função?

A

Em razão da abertura da regra do § 1º do art. 125 da CF, a jurisprudência do STF reconhece ao constituinte estadual legitimidade para, ao fixar a competÊncia dos tribunais de justiça, estender foro especial por prerrogativa de função a agentes estaduais e municipais não contemplados pelo constituinte federal, observadas as “limitações que decorram explícita ou implicitamente da própria Constituição Federal” (HC 70.474-RS, 1 Turma). Logo, tal extensão deveria pautar-se pelo princípio da simetria, até porque a criação de nova hipóteses de foro especial acaba por se refletir na competência da Justiça Comum Federal, pois as autoridades com foro especial no TJ deverão ser julgada, por crime federais, pelo TRF. Daí a tese da validade da extensão da prerrogativa somente em favcor de autoridades estaduais e municipais que desempenhem funções similares às de agentes federais detentores de prerrogativa de foro estabelecida na CF, como no caso dos Vice-Governadores e dos Secretários de Estado, quando comparados ao Vice-Presidente da República e aos Ministros de Estado. Nesse sentido, aliás, a 2 Turma do STF reputou constitucional “norma de Constituição estadual que atribuíra competência originária do TJ para processar e julgar Vereador” por crimes comuns (RE 464.935-RJ). Porém, na ADIn 2.587-GO, embora declarada a inconstitucionalidade da prerrogativa deferida pelo constituinte estadual aos delegados de Polícia Civil, o STF validou a extensão do foro especial a procuradores e defensores públicos estaduais, a despeito de os congêneres federais tampouco possuírem prerrogativa semelhante. (p. 119)

OBSERVAÇÃO (julgado de final de 2020):

É inconstitucional dispositivo de Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de função para Defensores Públicos e Procuradores do Estado. Constituição estadual não pode atribuir foro por prerrogativa de função a autoridades diversas daquelas arroladas na Constituição Federal. STF. Plenário. ADI 6501 Ref-MC/PA, ADI 6508 Ref-MC/RO, ADI 6515 Ref-MC/AM e ADI 6516 RefMC/AL, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 20/11/2020 (Info 1000).

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41
Q

O que é o poder constituinte difuso, quais suas características e quais suas formas de manifestação?

A

[…] mesmo nas constituições rígidas, o poder constituinte não se resume às espécies originária e derivada. Em estado de latência, encontra-se igualmente o chamado poder constituinte difuso. E embora não previsto ou organizado pela constituição, ele realiza notável papel na criação e no desenvolvimento da eficácia de normas constitucionais, sem alteração formal dos textos constitucionais. - Característica do poder constituinte difuso: Segundo UADI BULOS (2008, p. 320), o poder constituinte difuso tem por características: (a) a latência: é o poder invisível, que só aparece quando necessário; (b) a permanência: tem ação permanente e não menos real que a ocasionada pelos poderes formais de reforma constitucional; (c) a informalidade: não está previsto entre os macanismos de reforma constitucional; e (d) a continuidade: o exercício do poder difuso permite continuar a obra constituinte, seja complementando-a, seja preenchendo as lacunas e os espaços em branco deixados no texto constitucional. As manifestações do poder constituinte difuso tornam-se mais evidentes quando órgãos incumbidos de aplicar as normas constitucionais deparam-se com imperfeições ou obsercuridades, espaços vazios ou omissões deixados na constituição escrita. Daí por que procuram corrigir esses problemas e defeitos por meio de expedientes não previstos formalmente pelo texto constitucional, tais como normas extraídas de praxes constitucionais, como as convenções constitucionais e os costumes constitucionais, bem assim de mutações constitucionais. (p. 120)

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42
Q

O Poder Legislativo pode promover mutações constitucionais por meio da edição de leis?

A

É bastante discutível a possibilidade de a lei promover mutações constitucionais. Isso porque, no geral, não se aceita a “interpretação da constituição conforme a lei”, mas somente a “interpretação da lei conforme a constituição”. Porém, em obra clássica do direito nacional, ANNA FERRAZ (1986, P. 92), fala que a interpretação constitucional feita pelo legislador também constitui espécie de mutação constitucional. Isso ocorreria quando: (a) se “transmuda o sentido atribuído aos conceitos fixados pela norma constitucional, para adaptá-la a realidades novas, a situações distintas, a momentos e circunstância sociais, políticas ou econômicas distintas”; (b) “se altera, se amplia ou se restringe o programa apenas esboçado pela norma constitucional”, ou, ainda, (c) “quando se preenchem vazios constitucionais, se suprem omissões, se esclarecem obscuridades, dando-se, por via legislativa, novo alcance ao texto constitucional, que irá abranger situações novas ou disciplinar, de modo atual e definido, comportamentos imprecisamente previstos na Constituição”. Nesse sentido, é difícil discordar de ANNA FERRAZ. Afinal, não é incomum que o legislador, ao exercer seu poder de conformação legislativa, acabe por acrescentar novas dimensões aos programas normativos das constituições, daí gerando autênticas mutações constitucionais. Para exemplificar, parece ser caso de mutação constitucional revelada pela interpretação legislativa aquela regra do parágrafo único do art. 1 da Lei 9.296-96, que regulamentou a parte final do inciso XII do art. 5 da Constituição. É que o legislador cuidou aí não somente da interceptação “telefônica”, prevista pelo constituinte originário, às quais o dispositivo regulamentado não se referira. Portanto, a lei “atualizou” o programa normativo constitucional, numa espécie de mutação constitucional por via interpretação legislativa. De outro lado, ao tratar da mutação constitucional pela atuação do legislador, LUÍS ROBERTO BARROSO alude ainda às leis que buscam “modificar a interpretação que tenha sido dada a alguma norma constitucional”. Assim, a mutação ocorreria nas hipóteses em que, havendo mais de uma interpretação possível, “o legislador opte por uma delas, exercitando o papel que lhe é próprio, de realizar escolhas políticas” (BARROSO, 2009, p. 132). Contudo, nessas hipóteses, não parece que a lei possa alterar a Constituição em si, nem modificar interpretações constitucionais divergentes, quando já fixadas pelo Judiciário, sob pena da flagrante inconstitucionalidade desse tipo de “ativismo congressual” (v. item 3.4. do Capítulo 7 do tomo II). Uma lei que procurasse modificar interpretação constitucional anterior não seria em si instrumento de mutação constitucional. Quando muito, poderia ser vista como manifestação da ocorrência de mutação pretérita, caso em que se admitiria a constitucionalidade da legislação, mas desde que se entendesse que a mudança do parêmetro interpretativo constitucional já estivesse em vigor, por força de mutação constitucional, antes da aprovação da lei. (p. 123)

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43
Q

As mutações constitucionais operam efeitos retroativos?

A

Embora mutações constitucionais não devessem surtir efeitos retroativos, pois se consideram modificações das normas constitucionais, o STF nem sempre tem observado essa orientação, como se vê: (a) das decisões que elevaram a posição hierárquica dos tratados internacionais sobre direitos humanos, cujos efeitos têm sido aplicados retroativamente, de modo a incidirem tanto sobre fatos anteriores quanto sobre tratados interenacionais também anteriormente internalizados, como é o caso do Pacto de São José da Costa Rica; e (b) da mencionada decisão do Plenário do STF no RE 778.889-PE, que foi acompanhada de autorização para que as adotantes pudessem fruir, a qualquer tempo, do prazo maior da licença assegurado às gestantes, mesmo que a adoção tenha ocorrido em data anterior à decisão, “extinguindo-se tal direito apenas com a maioridade da criança”.

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44
Q

Quais são os limites das mutações constitucionais?

A

[…] a legitimidade das mutações constitucionais gira em torno do âmbito de elasticidade textual das disposições constitucionais. Como disse KONRAD HESSE (1992), “o conteúdo da norma constitucional só poderá modificar-se no interior do marco traçado pelo texto” (p. 101). Assim, o “texto da Constituição erige-se em limite absoluto de uma mutação constitucional” (p. 102). “Tudo o que se situe mais adiante dessas possibilidades não será mutação constitucional, senão quebra constitucional ou anulação da Constituição” (p. 103). Daí a inconstitucionalidade das chamadas mutações constitucionais “exogenéticas” (CANOTILHO, 1998, p. 1.154), porquanto produzidas fora das margens admitidas pelo programa normativo das normas constitucionais. Ademais, segundo SARMENTO e SOUZA NETO (2017, p. 358), as mutações constitucionais devem respeitar os “limites impostos pelo sistema constitucional, delineados por meio de escolhas fundamentais feitas pelo constituinte”, bem como as cláusulas pétras.

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45
Q

Quais motivos ensejam a mutação constitucional?

A

Segundo o STF: “A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea”. No julgamento da QO na AP 937-RJ (j. em 3-5-2018), no qual o STF restringiu o foro especial por prerrogativa de função concedido aos parlamentares, sustentou-se a necessidade de reconhecer a mutação constitucional, não porque o entendimento anterior “fosse propriamente errado, mas porque a realidade fática mudou, ou porque a percepção social do Direito mudou, ou porque as consequência práticas de uma orientação jurisprudencial se revelaram negativas” (Inf. n. 868-2018)

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46
Q

As limitações do poder de reforma também restrigem o poder de revisão?

A

Sim, e também o poder constituinte decorrente. (p. 131)

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47
Q

Existe alguma limitação temporal ao poder de reforma?

A

A Constitução de 1988, em relação ao poder geral de reforma, não adiou a aprovação de emendas constitucionais por determinado período de tempo. No dia seguinte à promulgação do Texto Constitucional, já poderiam ser apresentadas proposta de emendas constitucionais (PECs). Por isso, a doutrina majoritária sustenta que a atual Constituição não previu limitações temporais. Contudo, em relação ao exercício do poder de revisão constitucional, houve previsão expressa de limite temporal: somente após cinco anos da promulgação da Constituição (ADCT, art. 3). Atenção: Nos termos da chamada regra da não repetibilidade, a “matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta de emenda na mesma sessão legislativa” (§ 5º do art. 60). Logo, é possível aí reconhecer caso especial de limitação temporal. Afinal, embora não impeça todo tipo de emenda, essa regra restritiva implica impedimento de ordem cronológica e predeterminada a quaisquer propostas de emenda constitucional que já tenham sido recusadas: elas só poderão ser representadas a partir da data de início de outra sessão legislativa. Contudo, esse entendimento não encontra apoio na doutrina majoritária, segundo a qual se trata de limitação do tipo procedimental (ou formal), e não temporal. (p. 131-132)

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48
Q

Quais fases do processo legislativo da emenda constitucional são atingidos pelas limitações circunstanciais?

A

Diferentemente do § 4º do mesmo artigo 60, o § 1º não proibiu apenas a “deliberação” de propostas de emenda constitucional. Ele vedou que a Constituição fosse “emendada” durante a intervenção federal, o estado de defesa ou o estado de sítio. Portanto, o dispositivo impede não só a apresentação de novas propostas de emenda constitucional (PECs), como ainda determina a suspensão de todos os atos do processo legislativo ligado à tramitação das PECs anteriormente apresentadas, incluindo as respectivas discussões e votações. Afinal, se a razão das limitações circunstanciais ao poder reformador é evitar a aprovação de emendas constitucionais casuístas ou apressadas, em momentos de intensa gravidade institucional, não faz sentido permitir que se deflagrem novas propostas, nem que as propostas já em tramitação tenham andamento, pois isso tornaria mais próxima ou provável a mudança constitucional que se pretendeu evitar. […] Contrariamente, em doutrina minoritária, CAVALCANTE FILHO defende que o § 1 do art. 60 só impede “a votação da PEC, mas não sua discussão” (2012, p.141). E, a partir da intervenção federal decretada em 2018 no Estado do Rio de Janeiro, essa tese a restringir o alcnce do § 1 do art. 60 da CF somente à probição de deliberar propostas de emendas constitucionais ganhou mais força. Nesse rumo, em 13-3-2018, ao decidir questão de ordem, o Presidente da Câmara dos Deputados considerou que, a despeito da vigência da intervenção federal, as PECs em trâmite poderiam ser discutidas na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e nas comissões especiais, desde que não chegassem ao Plenário da Casa para deliberação. Na mesma linha, no STF, o Ministro DIAS TOFFOLI entendeu que o § 1 do art. 60 “não proíbe expressamente a tramitação de PEC”, pelo que “ficam suspensos - é certo - todos os atos deliberativos do processo legislativo da emenda constitucional, mas não a tramitação das propostas de emendas” (MS 35.535-DF, decisão monocrática de 26-6-2018).

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49
Q

As regras relativas à iniciativa de lei aplicam-se às propostas de emenda constitucional?

A

A Constituição Federal impõe a iniciativa “qualificada e taxativa como exigência À apresentação de proposta de emendas constitucionais (art. 60, I a III). Porém, não listou nenhum matéria a exigir a iniciativa “reservada” por parte de algum órgão ou autoridade específicos. Daí se entender que, ao contrário do que ocorre com o poder constituinte derivado decorrente, as regras constitucionais referentes ao poder de iniciativa de “lei” não significam limites materiais, sequer implícitos, ao constituinte reformador). […] na ADInMC 5.296-DF, o Plenário decidiu ser “insubsistente condicionar a legitimação para propor emenda à Constituição, nos moldes do art. 60 da CF, à leitura conjunta desse dispositivo com o art. 61, § 1º, que prevê as hipóteses em que a iniciativa de leis ordinárias e complementares é privativa da Presidência da República” (j. em 18.5-2016). Nesse precedente, destaque para o voto intermediário do Min. TEORI ZAVASCKI, para quem seria “preciso adotar um critério em relação a projeto de emenda constitucional. Assim, se se tratasse de tentativa de constitucionalizar matéria típica de lei ordinária, superando a questão da reserva legal, isso poderia compromete a higidez do Poder a quem a Constituição atribui reserva de iniciativa” (inf. 804-2015).

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50
Q

O substitutivo de emenda constitucional pode ser apreciado na mesma sessão legislativa que a da rejeição da emenda?

A

No MS 22.503-DF, para afastar alegação de descumprimento do art. 60, § 5º, da CF-88, o Plenário da Corte decidiu que o “que não pode ser votado na mesma sessão legislativa é a emenda rejeitada ou havida por prejudicada, e não o substitutivo que é uma subespécie de projeto originariamente proposto.”

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51
Q

A interpretação das cláusulas pétreas, para fins de reforma constitucional, devem ser interpretada restritiva ou extensivamente?

A

[…] a melhor doutrina considera que as cláusulas pétreas devem ser interpretadas restritivamente, a fim de evitar comprometimento exagerado à necessidade de alterações constitucionais no decurso do tempo. Como explica EDUARDO APPIO, por exemplo, “uma excessiva limitação imposta pela interpretação da Corte Constitucional ao exercício do poder constituinte derivado pode representar um ‘paradoxo da democracia’, na medida em que as gerações futuras estarão presas a um texto constitucional que pode não correponder às suas necessidade” (p. 137).

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52
Q

Todos os dispositivos previstos no art. 5 da CF são cláusulas pétreas?

A

É discutível até se todas as normas incluídas no catálogo dos direitos e garantias individuais são mesmo cláusula pétras. Isso porque algumas delas, embora situadas no Capítulo I do Título II da Constituição, não são verdadeiramente direitos nem garantias individuais. Exemplo clássico é a sucessão civil de bens de propriedade estrangeira localizados em território nacional. Há quem sustente que essa diferenciação é indevida, pois permitiria que os poderes constituídos deliberassem sobre quais são os direitos e garantias efetivamente petrificados, raciocínio que atenta contra a vontade do constituinte originário, “que expressamente já incluiu todas as categorias de direitos no Título II da Constituição Federal” (SARLET et al, 2016, p. 148). Porém, autores com DANIEL SARMENTO e CLÁUDIO DE SOUZA NETO concordam em que o alcance desses limites materiais expressos aos poder de reforma constitucional não deve girar em torno da localização das normas no texto constitucional. Nessa linha, esse tipo de cláusula pétra protege “apenas os direitos materialmente fundamentais. Mas existe presução relativa de fundamentalidade em favor dos direito incluídos no catálogo constitucional (2017, 314). (p. 138)

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53
Q

A proteção da cláusula pétrea alcança os direitos sociais?

A

Segundo a literalidade do art. 60, § 4º, IV, da CF, apenas os direitos e garantias “individuais” foram expressamente protegidos contra o poder de reforma. Nada obstante, grande parte da doutrina reputa que todos (ou praticamente todos) os direitos fundamentais previstos na Constituição também estariam abrangidos pela proteção do art. 60, § 4º, IV.

Para INGO SARLET (2001, p. 366), por exemplo, “todos os direitos fundamentais consagrados em nossa Constituição (mesmo os que não integram o Título II) são, na verdade e em última análise, direitos de titularidade individual, ainda que alguns sejam de expressão coletiva.” Para DIRLEY CUNHA, a “proteção alcança todos dos direito e garantias fundamentais, incluindo os de natureza coletiva e difuso e os direitos sociais, em razão da concepção hoje dominante da unidade e indivisibilidade dos direitos e garantias” (2013, p. 247). Em sentido similar, segundo UADI BULOS, há uma “imprecisão” no inciso IV do § 4º do art. 60. Os direitos e garantias protegidos “não são apenas os individuais, isto é, as liberdades políticas clássicas. Englobam, também, os direito econômicos, os sociais e, ainda, os difusos, coletivos e individuais homogêneos (2008, p. 302). Na mesma linha, defende LUÍS ROBERTO BARROSO, são cláusula pétras não somente os direito e garantias individuais, mas também todos os “direitos fundamentais materiais”, i.e., aqueles direitos fundamentias que, conectados ao núcleo essencial da dignidade da pessoa humana, são imprescindíveis “para assegurar uma vida digna”, “independentemente de sua posição formal, da geração a que pertençam e do tipo de prestação a que dão ensejo” (2009, p. 178-180).

O assunto é bastante polêmico. Contudo, uma linha de interpretação assim extensiva, embora seja “politicamente progressista” e ofereça “maiores garantias aos titulares dos direitos fundamentais”, “do ponto de vista jurídico, não é convincente” (DIMOULIS e MARTINS, 2006, p. 55). Bem ou mal, a Constituição traçou várias distinções entre os diferentes tipos de direitos fundamentais, como se vê na própria subdivisão do Título II em capítulos reservados aos “direitos e deveres individuais e coletivos” (Cap. I), “direito sociais” (Cap. II), direitos “da nacionalidade” (Cap. III) e “direitos políticos (Cap. IV) e dos “partidos políticos” (Cap. V). Como afirmou o Min. AYRES BRITTO, em voto no RE 630.147-DF, a própria Constituição fez o “seccionamento” dos direitos fundamentais em “individuais e coletivos, sociais e políticos, mostrando que há distinção entre esses blocos de normatividade”. Daí ser preferivel entender que a restrição da cláusula pétrea aos direitos e garantias individuais decorre, não de uma “imprecisão” terminológica, mas da opção consciente do constituinte originário, que intencionalmente excluiu algumas das outras espécies de direitos fundamentais da proteção do art. 60, § 4º, IV. Nessa linha, a cláusula pétrea em destaque permitiria abranger todos os direitos e garantias individuais previstos no Capítulo I do Título II, incluindo os individuais “homogêneos” e os “de expressão coletiva”. Porém, não alcançaria automaticamente, por exemplo, aqueles direito fundamentais de natureza tipicamente coletiva ou difusa.

[…] até o momento, o STF não adota a tese da automática petrificação de todos os direito sociais, políticos e da nacionalidade, a menos que possam enquadrar-se na acepção ampla dos direito individuais em si, nos termos do art. 5, § 2º. Por outro lado, a partir de vários acórdãos da 2 Turma, a jurisprudência do STF já avança no reconhecimento de que o chamado princípio da “proibição do retrocesso” obsta o exercício do poder de reforma constitucional em relação a direitos ligados ao mínimo existencial, incluindo diversos direito sociais.

Assim, diante desse quadro polêmico, é melhor adotar posição intermediária, segundo a qual, embora não se encontrem petrificados todos os direitos fundamentais, devem ser reconhecidos como cláusula pétrea: (a) os direitos e garantias previstos no Capítulo I do Título II, inclusive aqueles direito individuais “homogêneos” e os “de expressão coletiva”; (b) outros direitos e garantias individuais que, a despeito de não estarem expressamente previstos no Capítulo I do Título II, são alcançados pela cláusual extensiva do art. 5, § 2º; e (c) os demais direito fundamentais, até mesmo certo direito sociais, à medida que conectados ao conceito de “mínimo existencial”.

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54
Q

É possível a ampliação do rol de direito individuais? Em caso positivo, essa ampliação também constituirá cláusula pétrea?

A

Parte da doutrina entende viável que a ampliação do rol de direito e garantias individuais, por emenda constitucional, implicaria a reflexa conversão dos conteúdos daí adicionados em cláusulas pétras. A ideia é simples: o constituinte originário proibiu qualquer reforma “tendente a abolir” direito ou garantia individual (inciso IV do § 4º do art. 60), mas deixou aberta a faculdade de incluir mais direitos ou garantias desse tipo no Texto Constitucional ( § 2º do art. 5). Logo, eventuais direitos e garantias que assim fossem incluídos passariam, pois, à automática condição de novas cláusulas pétras. Assim, caso alguma emenda constitucional acrescente novos direitos e garantias individuais, por exemplo, reformas supervenientes não poderiam mais suprimi-los, pois só existiria a possibilidade ampliar, e nunca de reduzir o conjunto de elementos integrantes das cláusulas pétreas. Contudo, esse raciocínio pressupõe que o constituinte derivado seja capaz de editar normas que limitem a si próprio, raciocínio equivocado e com graves inconsistências lógico-normativas. O problema remete, pois, à impossibilidade lógica de um órgão restringir os próprios poderes (v paradoxo da onipotência - item 1.5.1.2). Daí que, com exceção de novos conteúdos acrescentados por emenda constitucional apenas para explicitar temas ou normas que já estivessem implicitamente petrificadas, emendas supervenientes poderão removê-los no futuro. […] A única forma de contornar tais obstáculos de natureza lógica passaria por entender que o art. 60, § 4º , inciso IV petrificara não apenas os direitos e garantias individuais já existentes, mas quaisquer outros que venham (virtualmente) a ser acrescentados ao catálogo inicialmente promulgado em 5-10-1988. Todavia, isso seria defender a existência de outra classe de limitações implícitas, uma espécie de limite material virtual ou potencial ao constituinte derivado. Contudo, não se pode extrair um tipo de limite implícito dessa natureza sem que exista permissão expressa do próprio constituinte originário.

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55
Q

Cite as hipóteses de limitações implícitas ao poder constituinte derivado reformador.

A

1) proibição a que se façam novas revisões constitucionais: interpretação a contrario sensu do art. 3 da ADCT. Se fossem permitidas novas revisões, o constituinte originário as teria previsto expressamente.
2) a proteção a direitos e garantias individuais não previstos no Título II da CF-88. (na ADIN 1.946-DF, reconheceu-se o caráter pétreo da norma constitucional que proíbe diferença de salários, exercício de funções e critérios de admissão, por motivo de sexo (art. 7, XXX), exatamente por se reputá-la “um desdobramento do princípio da igualdade de direitos, entre homens e mulheres, previsto no inciso I do art. 5 da Constituição Federal).
3) a vedação à convalidação retroativa de inconstitucionalidade (constitucionalidade superveniente).
4) a impossibilidade de eliminação do controle de constitucionalidade das normas: trata-se de consequência implícita da própria rigidez constitucional (v. ZAGREBELSKY, 1988, p. 102). A existência de limites às reformas constitucionais precisa vir acompanhada de instrumentos de fiscalização contra eventuais abusos do poder reformador. Ademais, se nenhum fonte normativa pode dispor de seu próprio regime jurídico, o constituinte derivado não dispõe de competência para alterar os respectivos limites de atuação traçados pelo constituinte originário.

Dessarte, com base nas clássicas lições de NELSON DE SOUSA SAMPAIO, a maior parte da doutrina brasileira inclui ainda, entre as limitações materiais implícitas, os preceitos referentes:

1) à titularidade do poder constituinte originário, pois nenhum reforma constitucional poderá deslocar da soberania popular o poder constituinte originário que estabeleceu o próprio poder reformador;
2) à titularidade do poder constituinte derivado, porquanto o órgão detentor de seu exercício não pode renunciar nem delegar sua competência reformadora constitucional;
3) ao procedimento a que sujeita o poder de reforma, pois não “é possível conceber que a autoridade reformadora, como poder constituído que é, possa alterar as condições estabelecidas para o exercício de sua competência” (SAMPAIO, 1995, p. 106); e
4) às matéria subtraídas do próprio poder de reforma.

SARMENTO (p. 318):

O tema é complexo. De um lado, há autores que afirmam que existe um imperativo lógico que torna as regras que regem as reformas constituintes imunes ao poder constituinte reformador. Em razão da estrutura escalonada do ordenamento, uma norma jurídica não pode jamais dispor validamente sobre outra superior, que fixe os seus limites e as regras para a sua edição, “pois se um poder é outorgado por alguém, parece lógico que os limites desse poder só podem ser modificados pelo outorgante, nunca pelo próprio outorgado”. O raciocínio também vale para as emendas constitucionais, em face das regras que as disciplinam, ditadas pelo poder constituinte originário. Ao argumento lógico agrega-se outro, prático: permitir que o poder reformador disponha sobre os seus próprios limites implicaria negar a força vinculante desses limites. A cada vez que pretendesse atuar de maneira vedada pelo constituinte originário, bastaria ao constituinte derivado mudar ou eliminar o obstáculo jurídico que antes lhe fora imposto. A admissão desta possibilidade seria praticamente um convite à fraude da Constituição.

De outro lado, há também quem invoque argumento lógicos para permitir a possibildade da reforma das normas que disciplinam a alteração da Constituição. Argumenta-se ainda, em tom mais pragmático, que a admissão da alteração dos limites é preferível à ruptura constitucional. Há situações em que o propósito das forças política e sociais no sentido de alteração de uma decisão constitucional é tão intenso e firme, que não teria como ser barrado por um limite constitucional. Impedir, nesse quadro, a mudança perseguida, não traria mais estabilidade para o sistema constitucional, mas antes abriria espaço para um desnecessário rompimento.

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56
Q

Normas cuja competência para edição pertenciam em antiga constituição a União são recepcionadas por nova constituição que atribuiu aos Estado a competência para editar essas normas?

A

Se a nova Constituição alterou a regra de distribuição de competÊncia legislativa entre os entes da Federação, na aplicação do princípio tempus regit actum, não se pode cogitar de federalização de normas estaduais ou de estadualização de normas municipais. Assim, por força de modificação da regra de competência, opera-se a recepção somente se proveniente a norma de ente constitucional lotado em esfera superior até que se proceda à derrogaçao da norma por intermédio de diploma que atenda à nova distribuição de competência. Exemplo seria o complexo normativo promulgado pela União, que subsistiria “estadualizado” ou “municipalizado”, até ser derrogado por lei estadual ou municiapl. Mas o contrário não pode acontecer (PONTES DE MIRANDA, GILMAR FERREIRA MENDES e LUÍS ROBERTO BARROSO).

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57
Q

É cabível a modulação de efeitos da decisão sobre a recepção ou não de dispositivo anterior a CF?

A

No RE 600.885-RS, em julgamento com “repercussão geral”, o Plenário do STF entendeu por bem modular os efeitos da não recepção de ato normativo pré-constitucional. Após invocar motivos de segurança jurídica, a Corte decidiu por manter, até 31-12-2011, a validade de concursos públicos realizados sob a regra do art. 10 da Lei 6.880-80, muito embora tal dispositivo não tivesse sido recepcionado pelo art. 143, § 3º, inciso X, da Constituição Federal.

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58
Q

As normas infraconstitucionais revogadas por uma constituição voltam a produzir efeito caso essa constituição venha a ser rompida por outra com elas compatível?

A

[…] se há regra a impedir a repristinação automática de leis, ainda resta definir se uma nova constituição repristina, automaticamente, normas já revogadas por força de constituições anterior ou de normas infraconstitucionais pretéritas. A doutrina majoritária, porém, responde negativamente. Aplica-se ao caso das normas constitucionais o mesmo raciocínio do § 3º do art. 2º da LINDB. Logo, a repristinação constitucional do direito pretérito, embora possível, pressupõe norma constitucional explícita. Exemplo: para o STF, a disposição expressa contida no art. 75 da ADCT, incluído pela EC 21, de 18-03-99 (que instituiu a contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e de direitos de natureza financeira - CPMF), repristinou a legislação cujo prazo de eficácia temporária já havia se exaurido (ADIn 2.013-DF).

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59
Q

Incorre em vício de omissão acórdão do STF que, ao declarar a inconstitucionalidade de lei, não esclarece se as normas que aquela havia revogado voltam se ser aplicáveis?

A

Não, pois é “de índole infraconstitucional a controvérsia a respeito da legislação aplicável resultante do efeito repristinatório da declaração de inconstitucionalidade” (ED no RE 595.838-SP)

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60
Q

Admite-se a constitucionalização superveniente de dispositivo originariamente inconstitucional por conta de reforma da Constituição?

A

Embora haja opiniões em contrário (CELSO BASTOS, CANOTILHO e VITAL MOREIRA), é melhor defender que a nulidade resultante da relação de inconstitucionalidade não pode ser convalidade pelo constituinte derivado. Posição, v.g., de BANDEIRA DE MELLO e JORGE MIRANDA. Em se tratando de ato normativo já editado, a constitucionalização superveniente de dispositivo originalmente inconstitucional, em face de posterior reforma constitucional, será somente possível caso a emenda constitucional sobrevinda, ou mesmo norma da mesma hierarquia que seja posterior a esta (mas já embasada na constituição reformada), dispuser expressamente nesse sentido, por adoção analógica da fórmula de repristinação facultada pelo art. 2º, § 3º, da LINDB, Ainda assim, essa constitucionalização superveniente teria efeitos meramente ex nunc, equivalendo-se a modalidade de procedimento legislativo conciso, de pouco efeito prático, pelo qual, em vez de repetir o que havia sido dito pelo ato inconstitucional, a norma posterior reportar-se-ia à antiga, dando-se base de validade. No plenário do STF, em julgamento concluído em 2005, prevaleceu a tese segundo a qual o “sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente” (RE 346.084-PR) […] Todavia, vários acórdãos de Turmas do STF têm contrariado a orientação do Plenário, para adotar a tese da “constitucionalidade superveniente”. Nesse sentido, tanto a 1 Turma (v.g., ArRg no RE 457.661-RJ, j. em 7-2-2012; e AgRg no 508.993-RJ, j. em 26-11-2013) quanto a 2 Turma (e.g., AgRg no RE 570.016-RJ, j. em 19-08-2008) entenderam que dispositivo de emenda constitucional posterior (art. 4º da EC 42-2003) validara legislação estadual manifestamente contrária aos artigos 82 e 83 da ADCT (com redação da EC31-2000). Por isso mesmo, a fim de que o assunto seja reapreciado pelo Pleno da Corte, no AgRg no RE 592.152-SE (j. em 18-4-2017), a 1 Turma deu seguimento ao recurso.

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61
Q

Em que consiste a tese da desconstituicionalização? É ela admitida no Brasil?

A

O termo “descontitucionalização” tem dois significados. Pode relacionar-se tanto às normas da constituição anterior quanto às normas da atual constituição. Numa primeira acepção, desconstitucionalização é o instituto pelo qual as normas apenas formalmente constitucionais do regime anterior, embora perdendo a supremacia constitucional (i.e., o caráter hierarquicamente superior), continuam a vigorar sob a égide de uma nova constituição, mas com status de legislação infraconstitucional, numa descida na escala hierárquico-normativa. Significa a automática recepção, pelo constituinte originário, das normas da constituição revogada que estejam de acordo com a constituição superveniente, embora com força de lei ordinária, independente da previsão expressa. Posição admitida, v.g., por PONTES DE MIRANDA, MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO e RAUL MACHADO HORTA. Contudo, deve-se entender que a substituição de um regime constitucional se dá por completo. Descabe investigar se algumas das normas constitucionais da ordem anterior foram ou não mantidas pela nova constituição. A entrada em vigor da última manifestação do constituinte originário altera por completo o fundamento de validade do ordenamento jurídico pretérito, revogando interiormente a constituição passada, incluindo as normas não materialmente constitucionais. Daí, não se pode enxergar na simples omissão da constituição superveniente, ainda que haja compatibilidade material, o desejo de manter vigentes alguns dos preceitos da constituição anterior, mesmo aqueles somente constitucionais em sentido formal. Essa a opinião de JOSÉ AFONSO DA SILVA, de CELSO BASTOS, de MICHEL TERMER e de LUÍS ROBERTO BARROSO. Também o Plenário do STF não aceita a tese da desconstitucionalização, salvo por norma constitucional expressa (ED no AgRg nos EDv nos ED no AgRg no AI 386.820-RS) Obviamente, não há empecilhos a que o constituinte acate a tese da descontitucionalização, desde que o faça por intermédio de dispositivo expresso, para não deixar dúvidas quanto à vontade de assim proceder. Exemplo: o caput do art. 34 do ADCP recepcionou, ainda que transitoriamente, normas da Constituição anterior que regulavam os sistema tributário. […] Já numa segunda acepção, o termo desconstitucionalização está relacionada com a parte flexível de uma constituição semirrígida. Nesse sentido, representa a desqualificação, por obra do próprio constituinte, da supremacia constitucional de alguns dispositivos da constituição formal em vigor, os quais poderão então ser alterados sem formalidades especiais.

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62
Q

Com relação à retroatividade das Leis, o que dizem as teorias objetiva e subjetiva? Qual a adotada pelo ordenamento jurídico pátrio?

A

Há basicamente duas teorias para solucionar os problemas de retroatividade criados pela sucessão de lei no tempo (direito intertemporal).

Pela teoria subjetivista, a questão deve ser encarada sob o prisma dos direitos subjetivos que surgiram ao tempo da lei velha. Essa escola remete a doutrinadores como SAVIGNY, LASSALE e GABBA, bem como às diferenças conceituais entre “direitos adquiridos”, meras “expectativas de direito”, siples “faculdades legais” e institutos correlatos. Nessa linha, nem toda retroatividade normativa é censurável, mas somente aquela que interfere em direitos surgidos anteriormente.

Já pela teoria objetivistas, defendida principalmente por DE PAGE e ROUVIER, o estudo teórico dos direitos adquiridos não dá solução exata para os problemas do direito intertemporal. Daí, a ênfase dos estudos deve girar em torno das situações jurídicas já constituídas ao tempo do surgimento da lei nova. A retroatividade é o efeito da norma que atinge situações jurídicas anteriormente constituídas, independentemente do exame dos direitos subjetivos decorrentes da lei velha.

O Brasil adota a teoria subjetivista. Assim, os limites jurídicos à retroatividade não se atrelam propriamente às “situações jurídica” criadas anteriormente, Por isso, tanto a Constituição (art. 5, XXXVI) quanto a atual redação da Lei de Introdução Às Normas do Direito Brassileiro - LINDB (art. 6º, § 2º) aludem às figuras do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada como obstáculos à retroatividade das normas. Enfim, inspirado na teoria subjetivista, o direito brasileiro acolheu o princípio da não retroatividade restrita. Isso porque, desde que respeitados os direito subjetivos decorrentes tanto do direito adquirido quanto do ato jurídico perfeito ou da coisa julgada, “nada impede que o Estado edite e prescreva atos normativos com efeito retroativo” (STF, pleno, ADInMC 605-DF). […] Todavia, na prática, o dissídio entre as duas teorias “se reduz a proporções mínimas” (CARLOS MAXIMILIANO, 1955, p. 9). Daí, embora o direito brasileiro adote a teoria subjetivista, muitos dos problemas relativos à retroatividade da lei constumam ser resolvidos com o auxílio de raciocínios conectados à teoria objetivista. Nesse sentido, o próprio STF adota a noção de tripartição dos tipos de retroatividade, tese construída a partir dos tipos de situações jurídicas intertemporais em face das quais a incidência da norma deva ser considerada.

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63
Q

Assuntos relativos ao direito intertemporal são analisados pelo STF?

A

Sim, porquanto “configuram típica matéria constitucional, ainda que o conflito envolva apenas nromas de caráter local (estadual, distrital ou municipal) (STF, 1 Turma, RE 420.431-DF) As próprias definições e conceitos técnicos referentes aos limites à retroatividade normativa são matéria constitucional, razão por que, mesmo havendo leis ordinária a dispor sobre o assunto (v.g., art. 6 da LINDB), o tema não se resume a simples questão de direito infraconstitucional e pode ser discutido no STF por via de recurso extraordinário.

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64
Q

Explique o que é retroatividade máxima, média e mínima.

A

Retroatividade máxima: atinge a coisa julgada ou fatos consumados como a transação, o pagamento e prescrição implementados; - também chamada de “eficácia restituitória”, por retornar as partes ao status quo anterior.

Retroatividade média: - atinge fatos pendentes de ato jurídico ocorrido antes dela (facta pendentia), interferindo nos direitos já exigíveis, mas ainda não realizados antes da vigência.

Retroatividade mínima: - atinge apenas os efeitos dos fatos anteriores, mas produzidos após a data do início da vigência da norma; - para parte da doutrina, não se trata de verdadeira retroatividade, pois equivale ao chamado “efeito imediato forte da norma”.

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65
Q

Em que consiste o efeito imediato “forte” da norma?

A

Para que não sejam consideradas retroativas, as normas só podem surtir eficácia “imediata”, sem atingir fatos ou situações verificados no passado, tampouco dereitos subjetivos adquiridos anteriormente. Assim, devem ser interpretadas e aplicadas para gerar consequências jurídica referentes apenas a fatos e situações futuros. Por isso, diz o atual art. 6 da LINDB, a “Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adiquirido e a coisa julgada”. Nada obstante, sobretudo por influência de PAUL ROUBIER, há quem defenda que esse “efeito imediato” da norma alcançaria não apenas as situações futuras, mas também os efeitos futuros de situações jurídicas anteriores, sem que haja nisso verdadeira retroatividade. Destarte, aquelas hipóteses consideradas casos de “retroatividade mínima” não passariam, na verdade, de situações alcançadas pela eficácia imediata da norma, embora num sentido mais amplo. Daí as teorias acerca do chamado efeito imediato “forte” das normas. […] Para ROUBIER, explica WILSON BATALHA (1980, p. 49-50), se “a lei nova atinge situações constituídas ou extintas na vigência da lei antiga, ou se afeta os efeitos dessas situações, produzidos na vigência da lei antiga, então a lei nova será retroativa; mas, se a lei incide apenas sobre os efeitos futuros de situações constituídas na vigência da lei antiga, então a lei nova não terá efeito retroativo, mas sim efeito imediato”. Logo, pela teoria de ROUBIER, “os efeitos jurídicos futuros de uma situação existente serão determinados pela lei nova, sem que haja retroatividade, o que se aplica aos efeitos do casamento, da adoção, da menoridade, da interdição, da propriedade, do usufruto, etc.” (ESPÍNOLA e ESPÍNOLA FILHO, 1999, p. 252). Atenção: Mesmo para ROUBIER, as situações jurídicas criadas a partir de contratos anteriormente constituídos devem ser respeitadas pela lei nova. Nessa linha, os efeitos dos contratos em curso seguem regulados pela lei da época, inobstante o “efeito imediato” da lei nova. Porém, segundo ROUBIER, cabe diferenciar as leis que alteram o “regime do contrato” (i.e., aquelas que cuidam de obrigações e direito que as partes contraente estão, em princípio, livres para determinar por si mesmas) das leis que inovem o “estatuto legal” anterior, tal como as que modifiquem ou extinguem (sic) institutos jurídicos. Assim, o estabelecimento de novos estatutos legais pode afetar o contrato em curso, pois eles alteram a situação jurídica “primária” em face da qual o contrato não passa de uma situação jurídica “secundária” (v. BATALHA, 1957, p. 360-361) […] no STF, sobretudo a partir da ADIN 493-DF (salvo acórdãos isolados, como ArRg no RE 422.268-SP, 1 Turma), também prevalece o racioncío que afasta a tese da eficácia imediata “forte”. Para a Corte, é “firme” a orientação segundo a qual “a retroação ocorre ainda quando se pretende aplicar de imediato a lei nova para alcançar os efeitos futuros de fatos passados que se consubstanciem em qualquer das referidas limitações, pois ainda nesse caso há retroatividade - a retroatividade mínima -, uma vez que se a causa do efeito é o direito adquirido, a coisa julgada, ou o ato jurídico perfeito, modificando-se seus efeitos por força da lei nova, altera-se essa causa que constitucionalmente é infensa a tal alteração” (RE 188.366-SP, 1 Turma)

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66
Q

Qual tipo de retroatividade aplicável às normas constitucionais?

A

[…] embora as normas de um nova constituição possam retroagir em face de direitos subjetivos, só é automática a retroatividade mínima (ou o efeito imediato “forte”). Para que produzam efeitos retroativos máximos ou médios, mesmo as normas originalmente constitucionais têm de ser expressas a respeito (1 Turma do STF, Re 140.499-GO).

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67
Q

As constituições estaduais também possuem retroatividade mínima?

A

As constituições estaduais e respectivas emendas sujeitam-se ao princípio geral da não retroatividade. Daí por que não podem surtir efeitos retroativos, mesmo que mínimos (ou “eficácia imediata forte”), em detrimento de direito adquirido, ato jurídico perfeito nem coisa julgada.

68
Q

Lei de ordem pública pode ter efeito retroativo?

A

Parte da doutrina considera que o interesse público prepondera sobre os direitos subjetivos do particular. De tal forma que as normas consideradas de ordem pública poderia surtir efeitos retroativos. (Nesse sentido, aliás, há vários precedentes do STJ, tais como o do REsp 663.781-RJ e do REsp 2.595-SP.) Todavia, o STF tem decidido que o inciso XXXVI do art. 5 da CF-88 se aplica a qualquer tipo de lei, incluuindo as de ordem pública (v. ADIn 493-DF, Plenário; RE 188.366-SP, 1 Turma). Mesma posíção já manifestou a Corte Especial do STJ nos EDv no REsp 173.465-SC. […]

ATENÇÃO: Mais recentemente, nos RR. EE 212.609-SP, RE 211.304-RJ e RE 222.140-SP (j. 29-4-2015), o Plenário do STF reafirmou a tese de que mesmo as normas de ordem pública sujeitam-se ao inciso XXXV do art. 5 da CF, mas afastou a alegação de violência ao princípio da não retroatividade decorrente de mudanças legislativas incidentes em contratos de locação em curso. O caso versava sobre mudanças monetárias promovidas pelo Plano Real (Lei 9.069-95) e o STF fez distinção entre (a) situações jurídica individuais, aquelas formadas por ato de vontade (especialmente os contratos) e imunes a modificaçãos legislativas supervenientes; e (b) situações institucionais ou estatutárias, as constituídas segundo normas gerais e abstratas, de natureza cogente, em cujo âmbito os direitos só se consideram adquiridos quando inteiramente formado o suporte fático previsto na lei como necessário à respectiva incidência. Daí, concluiu que, nos contratos que incorporam cláusulas reguladas por lei, como as referentes à correção monetária, não há direito adquirido a mantê-las em face de alterações legislativas supervenientes. De modo que as normas a implantar novo sistema monetário têm natureza institucional ou estatutária, o que lhes permite disciplinar cláusula de correção monetária dos contratos em curso, sem violar o princípio da não retroatividade.

69
Q

Advinda nova lei que institui nova hipótese de impenhorabilidade, deverá ser desfeita eventual penhora incidente sobre bem agora protegido?

A

O STF tem se mostrado vacilante quanto à consolidação de vantagens jurídicas, quando decorrentes de penhoras já implementadas, em face da legislação superveniente. Ao contrário do mencionado RE 179.768-PR, o Pelnário do STF, no RE 693.112-MG (j. em 9.2-2017), entendeu pela prevalência da penhora já implementada, em detrimento da impenhorabilidade decorrente de lei posterior. Nesse precedente, a Corte reputou que a legislação que transferira à União os bens de empresa pública não poderia surtir efeitos retroativos quanto a atos processuais praticados anteriormente, incluuindo a penhora de bens. Assim, a lei nova não poderia fazer retroagir a impenhorabilidade de bens da União em face de penhora realizada antes, quando a propriedade penhorada ainda pertencia à empresa pública, cujos bens eram então penhoráveis.

70
Q

As súmulas podem ter efeito retroativo?

A

Embora haja leis a determinar a observância obrigatória de certas súmulas ordinárias, como aquelas aprovadas pelo STF, em matéria constitucional, e pelo STJ, em matéria infraconstitucional (v. art. 927, IV, do CPC-2015), a vinculação que daí decorra não surge por força das súmulas em si, mas da própria legislação que tornou obrigatório observá-las. Logo, a questão da retroatividade das súmulas ordinárias surge como obstáculo somente quando se pretenda aplicar retroativamente a legislação que servira de fundamento para editar a súmula, e não quando se queira aplicar o enunciado da súmula em si no julgamento de situações passadas. Daí se concluir que o princípio da não retroatividade tampouco pode ser invocado para obstar a aplicação das súmulas a fatos anteriores (v. ArRg no AI 94.421-RJ, 2 Turma STF).

Já as súmulas vinculantes, editadas pelo STF nos termos do art. 103-A da Constituição (regulamentado pela Lei 11.417-2006), são autênticos atos normativos primários (v. item 6.122 do Capítulo VII do Tomo II). Assim, a exemplo dos demais atos normativos, a vinculação que delas decorre sujeita-se ao princípio da não retroatividade (Constituição, art. 5, XXXVI). Nessa linha, esclarece o art. 103-A da Constituição, o efeito vinculante da súmula surge “a partir de sua publicação na imprensa oficial”, pelo que só atinge atos judiciais ou administrativos posteriores. No mesmo sentido, o art. 4 da Lei 11.417-2006 dispõe que a súmula com efeito vinculante tem “eficácia imediata”, o que afasta pretensões retroativas. E embora o mesmo dispositivo preceitue que o STF, por decisão de 2/3 dos seus membros, possa decidir que a súmula vinculante “tenha eficácia a partir de outro momento”, essa modulação só será constitucionalmente lícita se feita para o futuro, nunca para o passado. Contudo, tal entendimento não frustra a aplicação das súmulas vinculantes para disciplinar situações ainda não consolidadas, pois somente impede que se dê força retroativa ao efeito vinculante em face dos atos demais orgão do Judiciário e da Administração Pública. Afinal, cabe diferenciar o efeito vinculante da súmula em si (atributo normativo que não pode retroagir) daquela vinculação derivada, automativamente, das normas anterior cuja validade, interpretação ou eficácia tenha sido objeto das súmulas vinculantes. Logo, a vinculação decorrente das súmulas vinculantes não atinge, automaticamente, atos e fatos consolidados, nem desconstitui ato judiciais ou administrativos passados, tampouco afeta os efeitos futuros que deles advenham. Do contrário, haveria nisso retroatividade, ainda que mínima. Porém, o efeito vinculante atinge as futuras decisões do Judiciário e da Administração Pública a respeito de casos pendentes, incluindo aqueles relacionados a situações anteriores. Desse modo, súmulas vinculantes podem servir de fundamento para futura revisão ou desconstituição de decisões divergentes, ainda que pretéritas, a menos que já insuscetíveis de impugnação.

71
Q

Uma lei pode aumentar retroativamente os vencimentos dos servidores?

A

É possível que a entidade pública, embora titular de determinados direitos subjetivos, abra mão desses direitos mediante ato normativo próprio, que retroaja em favor daqueles contra os quais se poderiam invocá-los. Nesse caso, a razão da retroatividade radica no poder que a entidade tem para dispor, legislativamente, quanto ao direito subjetivo afetado pela norma retroativa Por isso, já sumulou o STF, “a garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. 5, XXXVI, da Constituição da República, não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado” (Súmula 654 do STF). Logo, uma lei federal pode aumentar retroativamente os vencimento de alguma classe de servidores públicos federais, mas não elevar de tal maneira retroativa o salário mínimo pago pela iniciativa privada.

72
Q

A resolução do Senado supensiva da eficácia de ato normativo insconstitucional tem efeito retroativo?

A

Boa parte da doutrina entende que esse tipo de resolução não tem efeito retroativo (somente ex nunc). Porém a melhor doutrina, bem como a jurisprudência do STF consideram que a resolução do Senado, em hipóteses tais, tem efeito retroativo (ex tunc), pois apenas reflete o mesmo tipo de efeito retroativo proveniente da decisão do STF que declarara a inconstitucionalidade da lei.

73
Q

Qual a diferença entre sistema jurídico e ordenamento jurídico?

A

1) Sistema jurídico propriamente dito: expressão reservada somente ao conjunto de normas referente a um momento determinado (sistema jurídico “sincrônico” ou “momentâneo”). Trata-se do conjunto normativo em vigor (“direito vigente”).
2) Ordem jurídica ou ordenamento jurídico: são expressões relativa à sequência de sistemas jurídicos no decorre de certo período de tempo (sistema jurídico diacrônico ou dinâmico). Podem alcançar, portanto, todas as sequências momentâneas de sistemas jurídicos havidos num determinado Estado, incluindo a última versão em vigor. Por exemplo: quando alguém fala do ordenamento jurídico “brasileiro”, pode estar a se referir a todos os sistemas normativos adotados no Brasil desde a independência. No sentido mais comum, contudo, as expressões dizem respeito só à sequência de sistemas jurídicos momentâneos presididos por uma mesma constituição.

74
Q

Cite e explique os elementos da Constituição.

A

1) Elementos orgânicos: regulamentam a estrutura do Estado e do poder. Exemplos: Título 3 - Da Organização do Estado; Título 4 - Da Organização dos Poderes; Título 5, Cap. II - Das Forças Armadas; Título 5, Cap. III - Da Segurança Pública; Título VI - Da Tributação e do Orçamento.
2) Elementos limitativos: disciplinam a atuação do poder estatal. Ex: Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentaos, exceto Cap. II (Dos Direito Sociais).
3) Elementos sócio-ideológicos: identificam a ideologia adotada pelo poder constituinte. Ex: Título 2, Cap. II - Dos Direitos Sociais; Título 7 - Da Ordem Econômica e Financeira; Título 8 - Da Ordem Social.
4) Elementos de estabilização constitucional: regulam situações de exceção ou crise institucionais, com a finalidade de preservar a constituição e as instituições estatais. Ex: - art. 102 e 103 - controle de constitucionalidade; arts. 34 a 36 - possibilidade de interveção Federal e Estadual; Título 5 - Da Defesa do Estado e das Instituição Democráticas.
5) Elementos formais de aplicabilidade: estabelecem diretrizes de aplicação da constituição. Preâmbulo; Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT; art. 5, § 1º, da CF.

75
Q

Quanto aos tipos de fonte de Direito Constitucional, qual a diferença entre fonte direta e fonte indireta?

A

1) Fontes diretas: previstas e reguladas no âmbito do próprio ordenamento. Exemplo: a Constituição Federal regula o processo de aprovação de emendas constitucionais no artigo 60. 2) Fontes indiretas: aquelas que, embora disciplinadas por outras ordens jurídicas, são recepcionadas, incorporadas ou aplicadas pelo ordenamento jurídico considerado. Exemplos: normas de direito internacional podem ser incorporadas ao direito brasileiro com status de emenda constitucional (Constituição, art. 5, § 3º, e art. 49, I); o caput do art. 34 do ADCP recepcionou, ainda que transitoriamente, parte do sistema tributário da ordem constitucional anterior.

76
Q

Com relação às emendas constitucionais, explicite os fundamentos das teorias que tratam da possibilidade ou não de se lhes opor a regra da irretroatividade das lei.

A

1) Teoria negativa: de acordo com a maior parte da doutrina, as emendas constitucionais sujeitam-se ao princípio geral da não retroatividade, o qual se aplica não só às “leis”, mas a todo ato normativo. A expressão “a lei não prejudiciará o dereito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, contida no iniciso XXXVI do art. 5 da CF-88, deve ser interpretada extensivamente, de modo a incidir em face de quaisquer tipos de legislação, sejam as leis em sentido formal, sejam as leis em senso material, aí incluídas as emendas constitucionais.
2) Tese afirmativa: para não engessar em demasia a Constituição e a vontade das gerações futuras, o princípio geral da não retroatividade (inciso XXXVI do art. 5), ao se referir ao termo “lei”, há de ser interpretado como a incluir somente os atos normativos infraconstitucionais, com exclusão das emendas constitucionais. Assim, o princípio da não retroatividade não tolhe a atuação dos atos normativos do constituinte derivado, pois alcança somente os produzidos pelo legislador - i. e., as leis em sentido formal - e, a fortiori, os atos com força de lei. Por conseguinte, embora seja cláusula pétrea, o princípio geral da não retroatividade atinge apenas os atos infraconstitucionais. A inclusão do princípio no rol dos direito e garantias individuais serve para evitar que o constituinte derivado viole o núcleo essencial do princípio, bem como para bloquear seja suprimido da Constituição, o que tornaria possível às leis retroagirem. Porém, não chega a impedir que emenda constitucional, por seus próprios efeitos, possa surtir eficácia retroativa.
3) Teses intermediárias a) tese da ponderação concreta: como não é absoluto o princípio da nção retroatividade previsto no inciso XXXVI do art. 5, é possível ponderá-lo, caso a caso, em face de outros princípios de natureza também constitucional. Assim, determinados valores subjacentes à norma veiculada em emenda constitucional poderão validar eventuais efeitos retroativos (ver letra “b” do item 8.7); b) tese da não retroatividade atenuada: numa outra corrente intermediária, voto vencedor do Ministro SEPULVEDA PERTENCE, no julgamento do MS 24.875 (STF, Pleno), sustentou que a garantia prevista no inciso XXXVI do artigo 5º não deve ser entendida de forma “extremada” nem “conservadora”, como se preservasse, em detrimento da posterior vontade do constituinte derivado, até os direitos adquiridos que adviessem de simples normas infraconstitucionais. Para PERTENCE, numa interpretação sistemática da Constituição e dos objetivos por ela pretendidos, só escapam do alcance do poder de reforma constitucional as formas “qualificadas” de direito adquirido, i.e., as hipóteses de direito adquirido provenientes da própria Constituição, como no caso da incidência da norma constitucional que garante a irredutibilidade de vencimentos em face de emenda posterior que lhes queira reduzir o valor nominal. Logo, as normas provenientes de emenda constitucional devem observância a uma modalidade atenuada do princípio da não retroatividade, mas conservam a possibilidade de retroagir em detrimento de direitos adquiridos em razão da incidência de normas infraconstitucional. Nada obstante, na jurisprudência do STF, o assunto não parece totalmente pacificado. (p. 175-179)

77
Q

Quais são as fontes formais e informais do direito constitucional?

A

Fontes formais: expressamente previstas no catálogo das fontes do direito constitucional. Exemplo: emendas constitucionais. Fontes informais: sem previsão no catálogo formal da fontes do direito constitucional, mas reconhecidas como fontes normativas que promovem modificação tácitas na constituição. Ex: mutações constitucionais.

78
Q

Qual a diferença entre as fontes extra ordinem e as fontes informais?

A

Fontes extra ordinem: são os atos o fatos que, a despeito de não autorizados pela ordem constitucional em vigor, acabam por se impor por critérios de “efetividade”, produzindo normas constitucionais assim reconhecidas e aceitas pelos respectivos destinatários, ainda que à base da força. Trata-se, exatamente, da espécie de fonte normativa por meio da qual se inauguram novos ordenamentos jurídicos. As fontes extra ordinem não deixam de fazer parte da definição ampla de fontes informais, porque tampouco fazem parte do catálogo formal de fontes do direito constitucional. Porém, são expressa ou implicitamente proibidas pela ordem constitucional em vigor, exatamente por representarem ruptura do sistema. Já as fontes formais em sentido estrito, como não chegam a romper com o sistema, são tacitamente permitidas pela ordem constitucional.

79
Q

Quais são as teses existentes sobre o caráter normativo dos preâmbulos constitucionais?

A

Tese da irrelevância jurídica: o preâmbulo não é norma, nem faz parte do domínio do direito. Posição adotada pelo STF.

Tese da relevância jurídica equivalente: a formulação do preâmbulo pode implicar preceitos cuja eficácia jurídica assemelha-se à de qualquer outra norma da constituição. Capaz de servir como paradigma de confronto no controle de constitucionalidade. Posição adotada no direito constitucional francês.

Tese da relevância jurídica específica: o preâmbulo possui algumas características jurídicas próprias da constituição (pode ser usado como elementos de interpretação e integração), mas não deve ser confundido com o texto constitucional em si (não prevalece contra disposições constitucionais expressas).

80
Q

O que são convenções constitucionais e constumes constitucionais e quais as diferenças entre eles?

A

CONVENÇÕES CONSTITUCIONAIS são práticas observadas por órgãos ou agentes públicos que se desenvolvem no processo contínuo das relações de ação e reação entre os órgãos constitucionais. Caracterizam-se como manifestações não reguladas da autonomia inerente aos órgãos constitucionais, os quais passam a padronizar determinados comportamentos ou situações com base nas expectativas de reação contrária por parte dos demais órgãos que estarão sujeitos às consequências jurídica da prática convencional adotada. Exemplo no direito brasileiro: a despeito da inexistência de norma constitucional sobre o tema, convencionou-se que o titular da iniciativa legislativa reservada pode retirar do Congresso Nacional o projeto legislativo que propusera.

Já o COSTUMES CONSTITUCIONAIS, segundo ZAGREBELSKY, são normas que decorrem de relações de natureza constitucional derivadas de práticas que, após uniforme e continuamente observadas (longa repetitio), acabam por se incorporar à consciência jurídica geral (opinio iuris). Exemplo brasileiro: a possibilidade de descumprimento, por parte dos chefes do Poder, das leis que entenderem inconstitucionais. As duas figuras (convenções e costumes constitucionais) têm muito em comum, sobretudo por se tratar de tentativas de preencher lacunas constitucionais. Daí por que parte da doutrina as inclui no conceito genérico das praxes constitucionais. Todavia, podem ser listadas as seguintes diferenças: (a) convenções baseiam-se em reações estratégicas orientadas para o futuro, enquanto os costumes se reportam ao passado; e (b) ao contrário dos costumes, uma convenção nem sempre nasce de comportamente reiterados, pois pode surgir a partir de um só precedente (GUASTINI). Porém, a consolidação temporal das convenções faz com que se transformem em costumes. No Brasil, foi o que ocorreu com a prática presidencial de reeditar medidas provisórias ainda não apreciadas pelo Congresso, na sistemática anterior À EC 32-2001. Nesse caso, o que começou como simples conveção constitucional policamente acertada entre o Presidente da República e o Congresso Nacional tornou-se regra constitucional costumeira de caráter objetivo, sobretudo após a ratificação da prática pela jurisprudência do STF então adotada, embora com algumas ressalvas (v. ADInMC 1.2015-DF e ADInMC 293-DF). (p. 201)

81
Q

Qual o status normativo das convenções e dos costumes constitucionais?

A

Sarmento e Souza Neto: O constume constitucional é dotado de superiororidade hierárquica em face do direito infraconstitucional, podendo fundamentar o exercício do controle de constitucionalidade dos atos normativos. Por outro lado, a sua porosidade às dinâmicas sociais, e a ausência de regulação do seu processo de formação e mudança, tornam o costume constitucional um dos principais instrumentos por meio dos quais se opera a mutação constitucional. É certo, porém, que a rigidez e a força normativa da Constituição não se compatibilizam com o costume contra legem (que também pode ser chamado de contra constitutionem). Portanto, o costume, por mais enraizado que seja, jamais pode ser invocado como escusa para a violação da Constituição, nem enseja a revogação de preceitos constitucionais. Isto confere ao costume constitucional uma posição singular no sistema das fontes do Direito, já que ele se situa acima das normas infraconstitucionais, mas, mesmo quando superveniente, não tem o condão de alterar o texto da Constituição. […] Os costumes constituicionais admissíveis são o secundum legem, ou interpretativo, e o praeter legem, ou integrativo. No primeiro caso, opta-se por uma determinada interpretação da Constituição, dentre as várias que o texto e o sistema franqueiam, porque ela é endossada por costume jurídico cristalizado. […] Bernardes e Ferreira: […] as normas convencionais e costumeiras não têm eficácia equivalente à das normas constitucionais advindas de fontes formais, pois embora possam por esta serem revogadas, são incapazes de revogá-las. Contudo, se conformes à ordem constitucional, enquando não forem revogadas, as normas convencionais e costumeiras possuem o mesmo status normativo que as normas da constituição formal.

82
Q

Quais são as fontes diretas informais do Direito Constitucional ?

A

a) convenções constitucionais; b) os costumes constitucionais; e c) as mutações constitucionais.

83
Q

É correto afirmar que os direitos fundamentais são hierarquicamente superiores as demais normas constitucionais, uma vez que diretamente ligados ao princípio da dignidade da pessoa humana?

A

[…] todas as normas indistintamente postas pelo poder constituinte originário deve ser atribuído idênticos status normativo. Não importa se implícitas ou explícitas, se tenham ou não “conteúdo” constitucional, tampouco se disciplinem os limites dos poder de modificar a constituição. Eventual antinomia que possa surgir entre normas constitucionais promulgadas pelo constituinte originário deve ser resolvida pelo critério da especialidade, e nunca pelo critério da hierarquia normativa. Também como argumento no princípio da unidade da constituição, não se aceita possa o intérprete traçar distinção de valor normativo entre preceitos constitucionais. Daí, como reconheceu o STF (ADINn 81 5-RS e ArRg na ADINn 4.097-DF), não procede a teoria de OTTO BACHOF, segundo a qual normas constitucionais “fortes” poderiam invalidar as “fracas”. Resumindo, não há como sustentar que normas constitucionais originais apresentem inconstitucionalidade em face de outras normas constitucionais da mesma espécie. Tampouco se reconhece maior hierarquia sequer ao conjunto de normas constitucionais que não podem ser revogadas por emendas constitucionais (cláusula pétras). Como ensina BARROSO, a “proteção especial dada âs normas amparadas por cláusulas pétras sobrelevam seu status político ou sua carga valorativa, com importantes repercussões hermenêuticas, mas não lhes atribui superioridade jurídica” (2009, p. 167). Não há, portanto, uma hierárquia normativa, mas pode haver uma hierarquia axiológica dos principios constitucionais fundamentais, sobretudo em relação ao princípio da dignidade da pessoa humana.

84
Q

Quais são as diferenças entre princípios e regras apontadas pela doutrina?

A

Segundo CANOTILHO estes são os principais critérios utilizados para distinguir regras de princípios:

a) grau de abstração: os princípios são normas com grau de abstração superior.

b) grau de determinabilidade na aplicação ao caso concreto: as regras são suscetíveis de aplicação direta, mas os princípios dependem de “mediações concretizadoras” antes de serem aplicados;

c) caráter de fundamentabilidade no sistema das fontes de direito: os princípios desempenham papel fundamental no ordenamento jurídico, seja devido à posição de hierárquia que possuem no sistema das fontes de direito, sejam em razão da importância estruturante que mantêm dentro do sistema jurídico;

d) proximidade da ideia do direito: os princípios são standards juridicamente vinculantes, que se baseiam nas exigências de justiça ou na ideia de direito, enquanto as regras podem ser vinculantes em razão de conteúdos meramente funcionais;

e) natureza “normogenética”: os princípios constituem a razão da criação das regras jurídicas.

85
Q

Qual a distinção entre regras e princípios segundo Alexy?

A

Segundo ROBERT ALEXY, tanto as regras quanto os princípios são normas porque dizem o que “deve ser” com a ajuda de expressões deônticas traduzidas como mandamentos, permissões ou proibições. E os princípios, à semelhança das regras, são razões para juízos concretos de dever-ser, mesmo quando sejam razões de tipo diferente. A distinção entre regras e princípios é, portanto, distinção entre dois tipos de normas. Diferentemente das regras, princípio são normas que carecem de supostos fáticos específicos. Daí porque apenas antecipam critérios jurídicos a serem considerados no momento em que se deva agir ou tomar posição diante dos casos concretos. São formulados de modo menos definido ou determinado que as regras, razão pela qual só ordenam que algo seja realizado da melhor forma possível. Por outro lado, como o enunciado das regras contém a formulação precisa do âmbito das possibilidades jurídicas e fáticas em que atua a norma, a aplicação das regras depende apenas da operação de verificar se foi exteriorizada a situação hipotética nela prevista. Nesse sentido, a menos que exista outra regra para o caso (uma que seja, v. g., posterior, superior ou especial), a regra deve aplicar-se interiamente, à maneira de um “tudo ou nada” (RONALD DWORKIN). Enfim, as regras aplicam-se mediante simples operações de subsunção, mesmo quando se tenha antes de resolver eventual antinomia que se configure entre duas ou mais regras. Já os princípios funcionariam como mandamentos de otimização (ALEXY), pois devem ser obedecidos da melhor maneira possível, sem que possa aplicá-los em termos peremptórios - à maneira do tudo ou nada. É que o cumprimento dos princípios ocorre sob diferentes graus, a depender não só das possibilidades reais de aplicação, como também das possibilidades jurídicas decorrentes da eventual incidência de princípios e regras contrapostos. Daí que a maior imprecisão semântica (“textura aberta”) que caracteiza os princípios impede sejam aplicados sem prévio processo de “concretização”. Para que um princípio possa ser utilizado na resolução de controvérsias, é antes preciso reformulá-lo a fim de obter sentido mais específico. Além disso, quando se constata que duas ou mais regras preveem consequências reciprocamente contraditórias, a antinomia normativa aí caracterizada pode ser eliminada mediante a aplicação de alguma das matanormas de resolução de antinomias jurídicas (lex superior derogat inferiori, lex specialis derogat generalis ou lex posterior derogat priori). Assim, também por meio de subsunção (subsunção de segundo nível ou mtassubsunção), é possível definir qual será a única regra a ser considerada válida para regular o caso concreto. Porém, quando são princípios de igual hierarquia normativa a colidirem entre si, operações de subsunção revelam-se insuficientes para resolver o conflito. A colisão tem de ser solucionada, concretamente, por meio de juízos de poderação a respeito de qual princípio deva prevalecer. O problema tem de ser analisado a partir, não do plano da validade das normas em conflito, mas do prisma do “valor” concreto de cada princípio. Decisivo será identificar as condições sob as quais um princípio terá precedência sobre o outro naquele caso concreto, sem que se discuta a necessidade de invalidar ou derrogar o princípio desprezado. O objetivo dessa ponderação é elucidar quais os critérios a serem considerados em situações semelhantes, ainda que tais critérios sejam a própria conjugação, em maior ou menor medida, dos próprios princípios conflitantes.

86
Q

É possível implementar-se hoje no Brasil o sistema parlamentarista de governo?

A

Como o povo, consultado, preferiu conservar o presidencialismo, a doutrina majoritária entende que o sistema de governo não pode mais ser alterado.

87
Q

É possível alterar a forma republicana de estado?

A

[…] diferentemente do que fez em relação à forma do Estado brasileiro, o constituinte permitiu fosse alterada a forma de governo por meio do plebiscito previsto no art. 2 do ADCT. Daí, a forma de governo não foi incluída entre as cláusulas pétreas do § 4º do art. 60. Contudo, segundo a doutrina majoritária, mantida a forma republicana pela consulta popular, não se pode mais alterá-la.

88
Q

Em que consiste a classificação do Estado Democrático de Direito?

A

Estado Democrático de Direito: Tipo de Estado em cujo âmbito o poder deve ser exercido juridicamente, conforme valores democráticos, em busca da efetiva implantação das condições necessárias ao pleno exercício dos direitos fundados na dignidade da pessoa humana. […] Segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA, trata-se de nova concepção estatal que incorpora as principais conquistas de modelos estatais anteriormente concebidos pelo constitucionalismo moderno, mas que ainda enfatiza a necessidade da atuação concreta do Estado em prol da “justiça social”. Principais concepções estatais anterior ao Estado Democrático de Direito, na ordem em que surgiram historicamente: a) Estado absolutista: Estado cujo regime político permite que o poder seja exercido pelo soberano sem limitações. Confunde-se com as primeiras versões do Estado moderno; b) Estado de Direito: conceito tipicamente liberal e relacionado aos Estados modernos concebidos a partir de marcos constitucionalistas. Tem por traços principais: a submissão do poder ao império da lei; a divisão de poderes; e a enunciação e garantia dos direitos individuais; c) Estado Social de Direito: expressão também conhecida como Welfare State. Busca aliar, às concepções do Estado de Direito, a preocupação com a afirmação dos direitos sociais e econômicas e com o estabelecimento de uma “justiça social”; d) Estado Democrático: tem por novidade a incorporação do regime político democrático à ideia conceitual de Estado, de modo a afirmar a participação do povo nos mecanismos de tomada e controle das decisões do Estado.

CANOTILHO:

“tal como são um elemento constitutivo do Estado de Direito, os direitos fundamentais são um elemento básico para a realização do princípio democrático. Mais concretamente: os direitos fundamentais têm uma função democrática dado que o exercício democrático do poder: 1 - significa a contribuição de todos os cidadãos para o seu exercício (princípio direito de igualdade e da participação política); 2 – implica participação livre assente em importantes garantias para a liberdade desse exercício (o direito de associação, de formação de partidos, de liberdade de expressão, são, por ex., direitos constitutivos da próprio princípio democrático; 3 – envolve a abertura do processo político no sentido da criação de direitos sociais, econômicos e culturais, constitutivo de uma democracia econômica, social e cultural. Realce-se esta dinâmica dialética entre os direitos fundamentais e o princípio democrático. Ao pressupor a participação igual dos cidadãos, o princípio democrático entrelaça-se com os direitos subjetivos de participação e associação, que se tornam, assim, fundamentos funcionais da democracia.

DIMOULIS:

O conceito de Estado de Direito apresenta utilidade se for entendido no sentido formal da limitação do Estado por meio do direito. Nessa perspectiva, o conceito permite avaliar se a atuação dos aparelhos estatais se mantém dentro do quadro traçado pelas normas em vigor. Isso não garante o caráter justo do ordenamento jurídico, mas preserva a segurança jurídica, isto é, a previsibilidade das decisões estatais. O conceito do Estado de direito material é, ao contrário, problemático. As tentativas de “enriquecimento” do conceito, no intuito de considerar como Estado de direito somente o ordenamento que satisfaz os requisitos da justiça, estão fadadas ao fracasso, já que não parece possível definir o que é um Estado justo.

89
Q

Discorra sobre o princípio da dignidade da pessoa humana.

A

Valor supremo que, dentro da ordem constitucional, congrega todos os direitos fundamentais do homem (JOSÉ AFONSO DA SILVA). Princípio positivado na grande maioria das constituições contemporâneas, assume o papel tanto de valor-fonte, a partir do qual filosoficamente surgem os demais direitos fundamentais correlacionados, quanto de valor-nuclear ao redor do qual gravitam tais direitos fundamentais. […] Já a formulação clássifca da dignidade da pessoa humana é creditada a KANT, em razão do livro “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” (1785). Para Kant, diferentemente de uma coisa que tenha um preço ou que possa ser substituída por outra que lhe equivalha, os seres racionais estão acima de todo o preço e não permitem equivalentes. Por isso, são dotados de um “valor íntimo”, e não meramente de um preço relativo, denominado dignidade. De modo que nenhum ser racional deveria jamais tratar a si próprio “ou aos outros simplesmente como meios, mas sempre simultanamente como fins em si”. Impossível, contudo, obter definição precisão do que seja dignidade da pessoa humana sem alguma perda do caráter atemporal e transcendente que o termo evoca. Daí ser melhor pensar a dignidade humana não como uma definição jurídica, mas como um status a ser juridicamente protegido. Assim o direito constitucional pode receber todos os aportes teóricos que surjam a respeito do tema nas mais diversas áreas do conhecimento humano, notadamente a filosofia, a antropologia e a sociologia. Para DANIEL SARMENTO (2016, p. 327), o “conteúdo fundamental do princípio da dignidade da pessoa humana na ordem brasileira abrange quatro componentes: valor intrínseco da pessoa, autonomia, mínimo existencial e reconhecimento”. Para SARMENTO, o valor intrínseco da pessoa identifica-se com a mencionada visao kantiana, segundo a qual o ser humano não pode ser visto como meio, senão como fim em si. A autonomia envolve tanto direito de fazer as escolhas da vida e de agir de acordo com elas (autonomia privada) quanto o direito de participar na formação da vontade coletiva da comunidade política (autonomia política). O mínimo existencial diz com a garantia das condições materiais básicas para a vida digna. Já o reconhecimento tem a ver com o direito ao igual respeito da identidade pessoal, o que envolve a vedação da imposição de barreiras a prejudicar o gozo de direitos universais por parte de grupos estigmatizados de pessoas, bem como medidas específicas que visem a valorizar as diferenças e a atender necessidades particulares dessas pessoas, incluindo políticas de ações afirmativas. Observação: […] como acentuou DANIEL SARMENTO, no “âmbito jurisdicional, tem também ocorrido no Brasil certa banalização do princípio da dignidade humana, utilizado por vezes de modo forçado e sem fundamentação suficiente. A dignidade figura com frequência nas decisões de forma meramente retórica e ornamental, como que buscando lhes conferir um tom supostamente mais humanista ou politicamente correto” (2016, p. 324). Porém, para VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA, não se trata de “um fenômeno apenas brasileiro. Em outros países, a garantia da dignidade humana tem também servido como um recurso universal para a solução de problemas jurídicos que poderiam ser resolvidos com recurso a outros direitos” (2014, p. 195). E há um grande risco nisso daí. Como adverte o mesmo VÍRGILIO AFONSO DA SILVA, “com o passar do tempo, quanto mais se recorre a um argumento sem que ele seja necessário, maior é a chance de uma banalização de seu valor. É o que vem ocorrendo com a dignidade humana” (idem).

90
Q

O princípio da dignidade da pessoa humana pode ser ponderado com outros princípios constitucionais?

A

O item 1 do art. 1º da Constituição alemã proclama que a dignidade da pessoa humana é “inviolável”. Daí surgirem as teses de que a dignidade da pessoa humana é princípio hierarquicamente superior aos demais. Nesse sentido, o próprio STF já considerou, por exemplo, que a dignidade da pessoa humana “sempre será preponderante, dada a sua condição de princípio fundamental da República” (1 Turma, HC 83.358-SP) ou que a inclusão da dignidade humana entre os princípios fundamentais revelaria que a Constituição lhe dá preponderância em relação a outros princípios constitucionais (Pleno, HC 79.513-RJ). Contudo, ainda que a dignidade da pessoa humana seja mesmo o princípio ao redor do qual gravitam outros princípios ligados aos direitos fundamentais, não há aí relação de preponderância necessária nem hierarquia entre eles. Não se reconhecem hierarquias normativas nem a priori entre princípios igualmente constitucionais. Melhor concordar, portanto, com autores como ALEXY, segundo os quais é “inaceitável” conceder a algum princípio, mesmo o da dignidade da pessoa humana, uma caráter assim jridicamente absoluto. Conforme INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO (1997, p. 84), o valor da dignidade da pessoa humana é importante, “porque a pessoa é o valor-fonte de todos os valores”, mas não se pode daí extrair uma hierarquia entre os diversos valores constitucionais. No mesmo sentido, para DANIEL SARMENTO (2016, p. 327), o “princípio da dignidade da pessoa humana não é absoluto”, porém tem “amplíssimo raio de incidência”. Assim, “quando a dignidade humana está realmente implicada num caso, ele assume peso extremamente elevado em potenciais ponderações com interesses conflitantes”. Observação: Em aparente desarcordo com o texto acima, voto do Min. BARROSO, com base no art. 227 da CF-88 (que prescreve “absoluta prioridade” de tratamento “à criança, ao adolescente e ao jovem”) entendeu que a Constituição estabeleceu a “precedência em abstrato e ‘prima facie’ dos direitos dos menores, em caso de colisão com outras normas” (RE 778.889-PE).

91
Q

Quais são as garantias de observância do princípio da supremacia da constituição em sentido formal?

A

1) técnicas de rigidez constitucional; 2) instrumentos de controle de constitucionalidade; e 3) regimes jurídicos de depreciação dos atos inconstitucionais.

92
Q

Qual a diferença entre supremacia material e supremacia formal?

A

1) supremacia material: caráter valorativo superior creditado às normas que tratam de matérias constitucionais;
2) supremacia formal: qualidade valorativo superior creditado às normas que tratam de matérias constitucionais.

A supremacia material radica no maior valor e respeito que as normas constitucionais devem inspirar por parte do povo e dos poderes instituídos, independetemente da forma especial com que tenham sido promulgadas. Baseia-se, portanto, no caráter axiológico superior das normas que versam sobre “matérias constitucionais”, e não no caráter superior do poder que as promulga. É o único tipo de supremacia a revestir as constituições flexíveis, cujas normas são produzidas por órgãos ordinários de poder, sem que se reconheça a existência de um poder constituinte.

93
Q

Há uma relação necessária entre supremacia formal da constituição e rigidez constitucional?

A

Boa parte da doutrina costuma condicionar a supremacia formal das constituições à presença de mecanismos de rigidez constitucional. Contudo, a supremacia formal decorre do simples reconhecimento do caráter superior atribuído ao poder responsável pela promulgação das normas formalmente constitucionais. De modo que, se estas colidirem com normas de outra espécie, haverão sempre de prevalecer, de acordo com o critério lex superior derogat inferiori, a despeito tanto da inexistência de mecanismos de rigidez constitucional quanto da data da em que promulgadas. A negativa dessa relação necessária serve ainda para explicar a supremacia formal das normas constitucionais produzidas pelo chamado poder constituinte difuso, tais como as normas decorrentes de mutações, convenções e costumes constitucionais.

94
Q

Há uma relação necessária entre supremacia da constitução e controle de constitucionalidade?

A

[…] a associação direta entre a supremacia da Constituição e o controle de constitcionalidade - chamada por alguns de “lógica de Marshall” - não é isenta de críticas. É possível afirmar-se numa ordem jurídica a superioridade da Constituição em face da legislação, mas, ainda assim, não se acolher a possibilidade do controle jurisdicional de constitucionalidade, confiando-se em outros meios para assegurar a prevalência da Lei Maior, como a seperação dos poderes ou a força da opinião pública. Pode-se, por exemplo, considerar que os órgão políticos representativos tendem a ser mais fiéis aos valores da Constituição do que o Poder Judiciário, ou temer que os juízes, no exercício da jurisdição constitucional, convertam-se em déspotas, diante da possibilidade de imporem as suas preferências ideológicas, ou mesmo os seus interesses de classe, em detrimento daqueles adotados pela maioria do povo. Aliás, até o final da II Guerra Mundial, a maioria dos países que contavam com constituições rígidas, tidas como superiores, não adotava o controle jurisdicional de constitucionalidade das leis. Portanto, a instituição do controle jurisdicional de constitucionalidade não é consequência lógica inexorável da atribuição de supremacia à Constituição. Trata-se de uma escolha sobre o desenho institucional do Estado, que deve ser feita tomando em conta uma comparação entre riscos e vantagens envolvidos na adoção do instituto, que podem variar, dependendo do contexto histórico e das tradições jurídicas e políticas de cada sociedade.

95
Q

O princípio da segurança jurídica é um princípio constitucional implícito?

A

Os autores, embora o classifiquem como implícito, apresentam a seguinte argumentação ambígua: “Diz com a proteção da confiança das pessoas na estabilidade das relações jurídicas. Está previsto expressamente no caput do art. 5. Porém, como essa previsão é por demais genérica, constuma ser extraído, implicitamente, de série de outros dispositivos constitucionais, tais como do princípio do Estado Democrático de Direito (caput do art. 1), do princípio da legalidade (arts. 5, inciso II, e 150, I), do princípio da não retroatividade das leis (arts. 5, XXXVI, 16, 150, III, e 150, § 6º), bem assim do princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5, XXXV). Envolve ainda aspectos ligados ao devido processo (legislativo, administrativo e judicial), pois a segurança jurídica alcança também o dever de redigir atos estatais que atinjam particulares com a máxima clareza e mínima imprecisão possíveis.

96
Q

Qual raciocínio que embasa o princípio da presunção de constitucionalidade dos atos do Poder Público?

A

Baseia-se no seguinte raciocínio: tanto o legislador quanto o administrador devem obediência à constituição e possuem “igual dignidade política” que os membros do Judiciário. Logo, embora competentes para realizar o controle de constitucionalidade, os órgãos judiciais têm dever institucional de respeitar o trabalho executado pelos demais poderes, presumindo a validade dos atos daí produzidos. Assim, a inconstitucionalidade só pode ser declarada se afastadas todas as “dúvidas razoáveis” (reasonable doubts) em sentido contrários. No direito constitucional brasileiro, o princípio é deduzido, em especial, a partir de preceitos que regulam o processo legislativo, incluindo a previsão de veto por motivo de insconstitucionalidade (art. 66, § 1º), bem como das disposições que instituem a cláusula de reserva de plenário (Art. 97) e a necessidade da atuação do Advogado-Geral da União na defesa de leis e atos normativos questionados em ação direta de inconstitucionalidade (Art. 103, § 1º ).

97
Q

O princípio da presunção de constitucionalidade dos atos do Poder Público se aplica a todas as normas do ordenamento jurídico?

A

“[…] não se pode presumir que o Parlamento, mesmo iluminado por suas comissões técnicas, haja procurado respeitar as normas constitucionais ainda inexistentes e só mais tarde elaboradas.” Assim, a constitucionalidade das normas só se presume em relação à constituição vigorante no momento em que foram promulgadas (PERTENCE, 1992). Referida presunção deixa de subsistir a contar da data de entrada em vigor de uma constituição superveniente, o que torna desnecessária a aplicação da cláusula de reserva de plenário (BERNARDES, 2004a). Obs: Uma vez rompida a presunção em favor da validade de alguma norma, seja (a) pela superveniente entrada em vigor denova constituição, seja (b) pela declaração de inconstitucionalidade promovida pelo STF por decisão definitiva; o princípio não servirá mais de empencilho a que a Administração Pública delibere pela não recepção da mesma norma, no primeiro caso; ou por não mais aplicá-la, no segundo caso.

98
Q

O princípio da presunção de constitucionalidade dos atos do Poder Público comporta flexibilizações ou graduações?

A

[…] parte da doutrina defende, corretamente, que o princípio comporta certas graduações. Nesse sentido, em matéria de leis, o grau da presunção será tanto maior quanto o tenha sido a amplitude do consenso formado a respeito da matéria legislada, de modo a atingir seu mais alto nível quando houve direta participação popular no processo legislativo. Nessa linha, decidiu o Plenário do STF, havendo “desacordo moral razoável” acerca da constitucionalidade de lei, impõe-se o “prestigio da manifestação legítima do legislador” (ADC 30-DF) Contudo, reconhecem-se, ainda, casos de presunção fraca de constitucionalidade e até de presunção de inconstitucionalidade, atribuindo-se aos poderes públicos o ônus de provar a regularidade do ato questionado (inversão da presunção de constitucionalidade), sobretudo quando o ato impugnado implicar: (a) restrição dos direitos de minorias; (b) riscos aos direitos fundamentais - o que alcançaria, para alguns, o problema da proibição do retrocesso quanto ao estágio de desenvolvimento alcançado por algum direito fundamenal; ou, ainda (c) contrariedade à jurisprudência constitucional já firmada sobre o assunto.

99
Q

Quais são as bases constitucionais a partir das quais se extrai o princípio da proporcionalidade?

A

A doutrina identifica que algumas bases constitucionais a partir das quais é deduzido o princípio da proporcionalidade se manifestam de forma mais veemente que outras. Nesse sentido, podem ser apontados os seguintes fundamentos fracos: a) no Título I: a cláusula do Estado Democrático de Direito; b) no sistema tributário: o princípio da capacidade contributiva (Art. 145, § 1º) e o princípio do não confisco (art. 150, IV); c) no sistema eleitoral: o art. 45, § 1º, que cuida da representação eleitoral proporcional; d) no sistema administrativo: o inciso VIII do art. 70, que determina a proporcionalidade da multa aplicável pelo TCU em relação ao “dano causado ao erário”. Em contrapartida, a doutrina indica que os fundamentos constitucionais fortes do princípio decorrem do sistema normativo dos direitos fundamentais, especialmente: a) do princípio da igualdade; b) do princípio do devido processo legal; c) do § 2º do art. 5º da Constituição Federal; d) do princípio da reserva legal, que deve ser visto como princípio da reserva legal “proporcional”. Em resumo, pode-se dizer que a proporcionalidade integra a própria estrutura normativa dos direito fundamentais, consoante lecionam VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA e HUMBERTO ÁVILA. No STF, a maior parte dos julgados que discutiram o assunto entenderam que o princípio da proporcionalidade tem fundamento no devido processo legal material ou substantivo (ver ADIn 855-PR, ADIn 1.1.58-AM e ADIn 173-DF).

100
Q

Cite e explique as teorias existentes a respeito da diferenciação entre os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

A

a) Teoria da indistinção ou da fungibilidade: sustenta que o conceito de princípio da proporcionalidade “mantém uma relaçao de fungibilidade com o princípio da razoabilizadade” (BARROSO, 1998, p. 65-78). Assim, o princípio da proporcionalidade seria sinônimo daquilo que os norte-americanos consideram como princípio da razoabilidade (SUZANA BARROS e UADI BULOS). Trata-se também da teoria amplamente adotada na jurisprudência do STF (v.g. ADInMC 1.910-DF, ADInMC 2.667-DF, e ADInMC 1.407-DF).

b) Teoria da distinção: defende que as diferença entre os dois princípios não se resume às diversas origens dos termos “razoabilizadade” e “prorporcionalidade”. Nesse sentido, subdivide-se em três vertentes:

B.1) teoria da distinção quanto ao plano de incidência: tese adotada em artigo doutrinário de HUMBERTO ÁVILA (1999, p. 173-174), para quem, embora o dever de razoabilidade e o de proporcionalidade sejam ambos “postulados normativos”, um não se confunde com o outro. O primeiro trata de uma observação concreto-individual dos bens jurídico envolvidos, o que se faz, na apreciação de casos concretos, para verificar se há ou não excesso a justificar uma solução excepcional. Já o dever de proporcionalidade diz respeito a apreciações abstratas, voltadas à generalidade dos casos, sem se preocupar com situações concretas específicas.

B.2) teoria da continência da proporcionalidade na razoabilidade: o princípio da proporcionalidade está contido no princípio da razoabilidade, pois é apenas uma faceta mais destacada deste último (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO);

B.3) teoria da continência da razoabilidade na proporcionalidade: na opinião de VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA, o princípio da razoabilidade equivale a uma simples pauta a sugerir que os atos estatais ou devam ser “razoáveis” ou devem manter uma relação de compatibilidade entre meio e fins. Assim, o conceito de razoabilidade, no primeiro caso, não conta com elementos a partir dos quais se possa mensurá-lo racionalmente; e no segundo, acaba por se resumir à mera análise de compatibilidade entre meios e fins ou no exame da legitimidade dos fins. Diferentemente, o dever de proporcionalidade tem estruturação racional mais ampla e definida, que se traduz em elementos de mensuração específicos (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Daí, a razoabilidade “corresponde apenas à primeira das três sub-regras da proporcionalidade, isto é, apenas à exigência de adequação” (VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA, 2002, p. 33). Trata-se da teoria cuja variante parece HUMBERTO ÁVILA ter adotado posteriormente. Para o autor, embora as ideias de proporcionalidade e de razoabilidade não se confundam, o exame da proporcionalidade em sentido estrito acaba por incluir “a razoabilidade como equidade” (ÁVILA, 2004, p. 111).

A rigor, como ensina GUASTINI, “a ‘razoabilidade’ de um norma, ou do efeito que uma norma pode produzir na sociedade, depende inteiramente de juízos de valor dos intérpretes. Os juízos de ‘razoabilidade’ são juízos de justiça disfarçados” (2015, p. 29). Assim, a noção de razoabilidade tem carga valorativa demasidademente subjetiva, algo que a noção de proporcionalidade tenta evitar, com maior grau de sucesso, mediante a introdução de subprincípios voltados ao preenchimento de critérios objetivos mínimos de racionalidade e controlabilidade. Daí por que parece sempre mais conveniente substituir juízos de razoabilidade pelo teste da proporcionalidade. E se é para aplicar o princípio da razoabilidade no direito brasileiro de modo autônomo (como, v.g., art. 2 da Lei 9.784-99), melhor fazê-lo conforme teoria preconizada por VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA e HUMBERTO ÁVILA (letra “B.3”).

101
Q

Que argumento os críticos levantam contra a terceira fase do princípio da proporcionalidade?

A

Trata-se do mais polêmico dos subprincípios, pois implica exame valorativo altamente subjetivos por parte do intérprete que analisa o caráter mais vantajoso da medida estatal. Essa a razão pela qual autores como LEONARDO MARTINS consideram inconstitucional o teste da proporcionalidade em sentido estrito, por entender que ele viola o princípio da separação dos Poderes (art. 2 da CF-88)

102
Q

É proporcional e razoável lei que institui programa de pensão para crianças geradas a partir de estupro?

A

O STF declarou inconstitucional lei com esse teor. Segundo a corte, não há razoabilidade “na concessão de benefício que, nos termos da lei impugnada, não considera o eventual estado de necessidade dos beneficiários, mas tão somente a forma com que as crianças foram geradas”.

103
Q

Quais são os tipos de lacunas jurídica apontado por Ricardo Guastini?

A

Lacuna normativa: ausência de norma a conectar determinado fato fato-tipo (fattispecie) a alguma consequência jurídica. Ex: inexistência de norma quanto à Casa legislativa onde deva ter início o projeto de lei proposto pelo PGR.

Lacuna técnica: ausência de norma que seja condição necessária de eficácia de outra norma. Ex: normas constitucionais programáticas.

Lacuna axiológica: ausência de norma requerida pelo senso de justiça do intérprete ou exigida pelo conteúdo material de uma norma superior. Ex: inconstitucionalidade por omissão relativa, por violação do princípio constitucional da isonomia.

Lacuna institucional: ausência fática de instituição ou complexo de instituições essenciais ao funcionamento do sistema jurídico considerado. Ex: falta de implementação de órgãos de Defensoria Pública em alguns Estados.

104
Q

Quais são os meios de suprir as lacunas constitucionais?

A

Em caso de lacunas involuntárias, a melhor forma de eliminá-las são as reformas constitucionais. Todavia, admite-se a utilização de processo de integração conduzidos pelo constitucinte difuso, especialmente por via das convenções e constumes constitucionais. Tolera-se ainda, muito excepcionalmente, a integração por obra do legislador infraconstitucional, a depender da hipótese. Já o Judiciário constuma reparar launas involuntárias pela via interpretativa, sobretudo mediante a analogia e a interpretação sistemática. Foi o que ocorreu, por exemplo, quando o STF, antes da EC 45-2004, procedeu a um interpretção “compreensiva” do art. 103 da Constituição, para então reconhecer a legitimidade da Câmara Legislativa e do Governador do Distrito Federal para ajuizarem ação direta de inconstitucionalidade […].

105
Q

O que é o assim chamado silêncio eloquente?

A

São normas constitucionais proibitivas obtidas, a contrario sensu, de interpretações segundo as quais a simples ausência de disposição constitucional permissiva significa a proibição de determinada prática por parte dos órgãos constituídos, incluindo o próprio legislador ingraconstitucional. Exemplos: (a) embora a Constituição Federal tenha instituído imunidades especiais ao Presidente da República ( §§ 3º e 4º do art. 86) , silenciando-se quanto a outras autoridades, o STF entendeu que se trate de um “silêncio eloquente”, pelo que mesmo constituições estaduais e a LODF estão proibidas de estender tais imunidades, seja aos próprios Governadores (v. ADIn 978-PB), seja a outras autoridades; (b) a despeito do vazio normativo sobre a matéria, o STF entende inválidas as constituições estaduais na parte em que atribuem aos tribunais de justiça competência para desempenhar controle abstrato da constitucionalidade de atos normativos municipais em face da Constituição Federal.

106
Q

O que é interpretação jurídica e quais são os dois sentidos que GUASTINI lhe atribui?

A

[…] interpretação jurídica consiste na “atribuição” de sentido a expressões linguísticas presentes em atos ou fatos reconhecidos como fonte de direito. Contudo, ensina GUASTINI, é preciso identificar dois tipos básicos de interpretação jurídica. De um lado está a interpretação cognitiva, que consiste em identificar (considerando as regras linguísticas, as técnicas interpretativas em uso, as teses dogmáticas difundidas na doutrina etc.) os diversos significados possíveis do texto normativo, mas ainda sem escolher nenhum deles. De outro, a interpretação decisória, mediante a qual se “escolhe” um significado determinado, que se pretende “correto”, descartando os restantes. GUASTINI ainda subdivide a “interpretação decisória” em dois tipos: (a) às vezes, recorre-se à inpretação decisória standard, que consiste em escolher um significado no âmbito dos significados identificados (ou identificáveis) por meio da interpretação cognitiva; (b) outras vezes, tem lugar a interpretação criativa, caso em que a decisão interpretativa consiste em atribuir ao texto um significado “novo”, não compreendido entre aqueles identificáveis mediante a interpretação cognitiva. […]

107
Q

O que dizem as teorias subjetiva e objetiva da interpretação? Qual deve prevalecer segundo a doutrina majoritária?

A

Teoria subjetivista (originalista ou voluntatista): o objetivo da interpretação é simplesmente apreender o sentido da chamada “vontade histórico-psicológica” do órgão que produziu o enunciado normativo interpretado (mens legislatoris).

Teoria objetivista (dinâmica ou não originalista ou não voluntarista): a interpretação não deve apegar-se à intenção daqueles que produziram o enunciado normativo a se interpretar, mas sim buscar o sentido inerente e atual que dele se extrai.

Na melhor doutrina, porém, há quase um consenso de que a interpretação não se deve fazer só com base numa ou noutra dessa teorias. Como ensina LARENZ, a atividade interpretativa há de buscar resultados a partir de processos de pensamento que considerem tanto o sentido normativo do enunciado interpretado quanto as intenções de regulação e as ideais normativas do legislador histórico. Por isso mesmo, o conceito de interpretação adotado no item acima não se relaciona à descoberta, mas à atribuição de sentido a alguma expressão línguistica.

108
Q

Distingua a corrente interpretativista e a corrente não interpretativista, inspiradas nos debates ocorridos nos EUA?

A

A corrente interpretativista defende uma interpretação originalista da constituição. Considera que os juízes, ao interpretarem a constituição, devem limitar-se a captar o sentido dos preceitos nela expressos ou que pelo menos nela estejam induvidosamente implícitos. A despeito de não defender a interpretação meramente literal (literalismo), fixa dois parâmetros básicos a serem levados em conta na interpretação: a textura semântica e a vontade do legislador. A essência desta corrente hermenêutica consiste na tese de que a invalidade das leis somente pode ser declarada mediante processos dedutivos que tenham como premissa norma claramente identificável na constituição. Trata-se de corrente refratária ao ativismo judicial (judicial activism). Sustenta, pelo contrário, a necessidade de autocontenção dos juízes em matéria interpretativa (judicial self-restraint), por entender que os magistrados não podem, a pretexto de zelar pela constituição, suprimir a vontade do poder político democrático. Critica o ativismo judicial, pois os juízes não têm legitimidade política para impor seus valores à sociedade.

Já a corrente não interpretativista é assim denomina pelos adeptos da corrente diversa, ao argumento de que os resultados obtidos por ela não advêm da interpretação direta do texto constitucional, mas de uma retórica que busca criar a imagem de que, ao se recorrer a certos valores, está-se aplicando a constituição. Para a corrente não interpretativista, é legítima a atividade criadora dos juízes (ativismo judicial), pois a interpretação não se limita a revelar o sentido do texto normativo. O intérprete ajuda a construir a norma, podendo recorrer a elementos externos ao texto (Realidade social-valores morais). Os juízes devem aplicar, até mesmo contra ato de Legislativo, os valores e os princípios substantivos que estejam em conformidade a um projeto de constituição que evolui e se mantém vivo no decorrer do tempo. Deve buscar-se o sentido substancial da constituição, a fim de permitir uma atuação judicial embasada em valores como a justiça, a igualdade, a liberdade e a evolução social, e não apenas no respeito ao princípio democrático. Nesse sentido, fala-se em constituição viva (“living constitution”) nos EUA; ou em constituição dúctil, como dizem os italianos da linhagem de ZAGRABELSKY.

109
Q

É possível existir dispositivo normativo, mas nenhuma norma?

A

[…] nem sempre um dispositivo é suficientemente claro ou completo para que dele se possa extrair uma norma. E há ainda casos em que normas são extraídas sem apoio em nenhum dispositivo expresso, tal como as normas consuetudinárias e as normas implícitas. Essas as razões por que parte da doutrina nacional não fala propriamente em disposição normativa, mas em enunciado normativo, que corresponderia a “um discurso prescritivo” (BARROSO, 2009, p. 194).

110
Q

Em que consiste a teoria do diálogo de fonte e qual a opinião dos autores sobre ela?

A

[…] para os adeptos da teoria do diálogo das fontes, embora normas pertencentes a diplomas jurídicos distintos possam (aparentemente) apresentar conteúdos incompatíveis entre si, nem por isso ela deverão ser automaticamente consideradas antinômicas em definitivo. A aplicação de um norma não exclui a incidência de outra, e o órgão aplicador do direito, sobretudo o juiz, em vez de afastar a aplicação de normas a aplicação de normas a priori colidentes, deve buscar a coordenação das respectivas fontes normativas, num verdadeiro “diálogo das fontes “ (Dialog der Quellen). Assim, a teoria do diálogo das fontes permitiria ao juiz coordenar a aplicação de normas provenientes de fontes diversas (constituições, convenções internacionais, sistemas jurídicos nacionais), ainda que estejam em situação de antinomia. Por exemplo, uma norma especial poderia ter seu conteúdo alargado pelo auxílio da aplicação de norma geral posterior, sem necessidade de resolver a (aparente?) antinomia com base no critério da especialidade (lex specialis derogat generali). Crítica: […] a despeito da crescente dimensão e velocidade com que se incorpora à cultura jurídica brasileira, a teoria do diálogo das fontes segue bastante controvertida. Especialmente porque deixa o direito ainda mais propenso a ativismos judiciais e a soluções normativas díspares, além de servir de justificativa teórica para que juízes façam a combinação (“coordenação”) de normas antagônicas entre si, para muitas vezes daí extraírem uma outra norma, estranha e sem correspondência a quaisquer daquelas previstas nas fontes postas em “diálogo”. Talvez por isso, a teoria não desfrute do mesmo prestígio no exterior, sequer no país de origem de quem a concebeu (Alemanha), nem foi ainda encampada pelo STF. De todo modo, afora a terminlogia elegante, a teoria do diálogo das fontes não parece “revolucionária”. A menos que a intenção sejam mesmo utilizá-la para justificar a aplicação de normas que, diante de antinomias inconciliáveis (e não simplesmente aparentes), não poderiam, de outro modo, ser consideradas válidas, vigentes ou eficazes. Contudo, os próprios adeptos da teoria sustentam que ela não exclui a possibilidade de “eliminação da norma incompatível”, ainda que isso seja visto como “uma via extrema a ser usada quando todos os outros recursos falharam” (AMARAL JÚNIO, 2008, p. 17). Daí não ser muito diferente dos velhos métodos de interpretação sistemática e conformadora. Afinal, como lembra EROS GRAU, “não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços”. Assim, sem necessidade de recorrer a uma nova teoria (“diálogo das fontes”), todo trabalho interpretativo bem feito já deve considerar as influências recíprocas que as normas (válidas) de um sistema jurídico matêm entre si. E, como visto no item acima, qualquer intérprete deve adotar métodos interpretativos que previnam a ocorrência de antinomias, ainda no curso da interpretação, entre os quais se destacam a interpretação sistemática e a conformadora. Não há novidade nisso. Enfim, parecem conservar-se ativos e atuais, na resolução de antinomias, os velhos critérios hierárquico, cronológico e da especialidade. Sem que isso implique descartar o trabalho de interpretação sistemática e conformadora, em busca tanto da prevenção de antinomias quanto da aplicação coordenada de normas, no âmbito de um sistema jurídico dotado de unidade e coerência.

111
Q

Admite-se a realização de interpretação autêntica constitucional por meio de emenda à Constituição?

A

Com relação à intepretação autêntica, “a doutrina majoritária não admite quaisquer formas de interpretação constitucional feitas pelo legislador comum. Porém, aceita como “autêntica” a interpretação realizada por intermédio de emendas constitucionais.

112
Q

Um princípio pode ser aplicado diretamente a um caso singular?

A

Princípios e regras são duas classes de normas que se diferenciam por vários motivos (v. item 7.1 do Capítulo VI), entre os quais a forma como que são aplicados para resolver controvérsias. Segundo GUASTINI, “aplicar uma regra significa usá-la em um raciocínio dedutivo para inferir uma norma individual”; mas aplicar um princípio significa “usá-lo como argumento para construir uma regra não expressa, esta sim suscetível de aplicação no primeiro sentido da palavra” (2009, p. 167). De fato, a maior imprecisão semântica (“textura aberta”) que caracteriza os princípios impede sejam diretamente aplicados a casos singulares. Para que o princípio passa ser utilizado na resolução jurídica de algum caso individualizado, é antes preciso dele obter um sentido mais específico. Cumpre submetê-lo a um prévio processo de “concretização”, que pode ocorrer tanto no âmbito abstrato da produção normativa quanto na esfera concreta da decisão do próprio caso particular.

113
Q

Os autores admitem a existência de colisão entre princípios e regras?

A

[…] embora a grande parte dos casos em que se discuta a constitucionalidade de normas envolva a confrontação entre uma regra (infraconstitucional) e um princípio (constitucional), não há antinomia entre regras e princípios. As diferentes estruturas lógicas com que são formulados as regras e os princípios, sobretudo a peculiar indeterminação linguística destes, tornam impossível o confronto direto entre tais espécies de normas. Colisões entre regra e princípio só surgem quando o princípio já tenha sido alvo de concretização, de modo que dele se possa extrair uma regra (não expressa) a disciplinar a mesma classe de fatos alcançada pela outra regra (GUASTINI, 2009, p. 165-166). Logo, eventual conflito entre comandos advindos de regras em relação a mandamentos decorrentes de princípios circunscreve-se ao âmbito das regras. OBS: Autores como EROS GRAU também concordam que “não se manifesta jamais antinomia jurídica entre princípios e regras jurídica (1990, p. 134). Porém, para assim concluir, GRAU adota raciocínio inverso: se as regras são a concreção dos princípios, o problema se resume a conflito entre princípios, pois, “quando, em confrontos dois princípios, um prevalece sobre o outro, as regras que dão concreção ao que foi desprezado são afastadas” (idem). No mesmo sentido DANIEL SARMENTO (2003, p. 106-107).

114
Q

O que significa ponderar princípios para Alexy?

A

Segundo ALEXY, ponderar é identificar, entre princípios colidentes, uma “relação de precedência condicionada” (2001, p. 92). O resultado de toda ponderação feita corretamente conduz à identificação de uma regra em face da qual o caso concreto deverá ser subsumido (intutilada lei de colisão). E o suporte fático dessa regra radica exatamente naquelas condições cuja exteriorização leva à precedência de um princípio em relação a outro(s).

115
Q

Em que consiste a ponderação abstrata?

A

Tipo de ponderação materializada na promulgação de regras que antecipam critérios de decisão a compatibilizar princípios potencialmente colidentes. Os órgãos de produção normativa constumam prever eventuais hipóteses de conflito entre princípios. Então, no âmbito dos processos de concretização abstrata de princípios, é possível que venham a editar regras de colisão que antecipam critérios decisórios. Exemplo clássico: as regras que cuidam da exclusão de ilicitude penal do aborto de feto concebido por meio de violência sexual (art. 128, I e II, do Código Penal) disciplinam, abstratamente, a colisão entre o princípio da proteção à vida e o princípio da liberdade e autodeterminação da mulher. Outro exemplo: ao dispor que ninguém “pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”, o artigo 15 do Código Civil ponderou, em abstrato, os princípios da liberdade individual e da proteção à vida.

116
Q

Qual a crítica que Habermas opõe à possibilidade de ponderação de princípios?

A

Para HABERMAS, por exemplo, como os valores assumem diferentes papéis na lógica da argumentação, as hierarquias a respeito são estabelecidas de modo flexível, a partir de certas tradições e orientações culturais consuetudinárias. Assim, quando os tribunais se deixam conduzir pela ideia da realização de valores materiais postos a priori pelo direito constitucional, transforamam-se em instâncias arbitrárias. Isso porque, em casos de colisão de princípios, todas as razões podem assumir a característica de argumento decisórios. Cada valor é tão particular como qualquer outro, não havendo lógica no processo pelo qual alguns valores são preferidos e outros rejeitados. Logo, inexistindo medidas racionais para ordenar os valores envolvidos na poderação de princípios, a avaliação a respeito “realiza-se de modo arbitrário ou irrefletido” (1997, p. 321). Enfim, à medida que “um tribunal constitucional adota a doutrina da ordem de valores e a toma como base de sua prática de decisão, cresce o perigo de juízos irracionais” (1997, p. 321-322).

Ressalva dos defensores:

De fato, embora se possa concordar com GUASTINI (2009, p. 173) acerca do caráter discricionário dos juízos de ponderação, a mecânica neles envolvidas não pode ser arbitrária nem irracional. Os argumentos utilizados para sustentar a prevalência dos valores encampados por um princípio em detrimento dos valores referentes ao outro princípio devem ser estruturados com base em argumentação lógica e objetivamente convincente. Para tanto, os defensores da técnica do balanceamento sustentam a necessidade de submeter todo o processo intelectivo da ponderação às técnicas de argumentação jurídica e aos testes decorrentes da aplicação do princípio da proporcionalidade (ALEXY, 2003, p. 436) [….] Todavia, a praxe judicial tanto no Brasil quanto em outros países tem revelado o caráter excessivamente subjetivo da resolução judicial de conflitos entre princípios. Assim para aplacar as críticas e afastar os riscos da irracionalidade e da arbitrariedade, autores como ALEXY (2003, p. 443-449) têm se esforçado, ultimamente, em identificar fórmular aritméticas que sirvam tanto para descrever e explicar ponderações feitas por tribunais no passado quanto para nortear futuros processo de balanceamento.

VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA: O ponto de partida para um debate acerca da racionalidade de qualquer forma de interpretação e aplicação do direito é a percepção de que não é possível buscar uma racionalidade que exclua, por completo, qualquer subjetividade na interpretação e na aplicação do direito. Exigir isso de qualquer teoria é exigir algo impossível. Muito daqueles que vêem no sopesamente método irracional e extremamente subjetivo de aplicação do direito parecem supor que outros métodos - sobretudo a subsunção - seriam capazes de conferir uma racionalidade quase perfeita. Como será visto a seguir, a subsunção, apesar de ser formalmente uma operação lógica, apresenta problemas de fundamentação substancial semelhantes ao de qualquer teoria. O que está em jogo aqui, portanto, não é simplesmente um método de aplicação não-positivista em comparação com métodos positivistas. A análise da racionalidade do sopesamento não pode ser feita nesses termos, até porque a interpretação e a aplicação do direito não são consideradas, nem mesmo entre positivistas, como um processo estritamente racional e objetivo. Basta, neste ponto, a menção ao enfoque kelseniano sobre o assunto. Segundo Kelsen: “(…) o direito a ser aplicado constitui (…) apenas uma moldura, dentro da qual existem diversas possibilidades de aplicação, sendo considerado conforme ao direito todo ato que se mantenha dentro dos limites dessa moldura, isto é, que preencha a moldura com algum sentido possível”.

117
Q

O que é, em resumo, a derrotabilidade normativa?

A

Num breve resumo, a teoria da derrotablidade normativa parte da premissa segundo a qual as normas jurídica se baseiam em raciocínio cujas justificativa podem ser “derrotadas” diante da exteriorização de circunstâncias anormais e que não foram consideradas na formulação normativa. Como os órgãos que editam atos normativos são incapazes de prever as infinitas circunstâncias que futuramente aparecerão no momento em que uma norma deve ser aplicada, as previsões normativas estão sempre abertas a uma lista de exceções (cláusula “a menos que…”) que podem “derrotar” os comandos inicialmente propostos pela autoridade normativa. […] A derrotabilidade das normas jurídica pode surgir como consequência da aplicação: ou (a) de normas explícitas de exceção contidas no sistema jurídico; ou (b) d_e normas implícitas de exceção identificáveis no sistema jurídico, incluindo as obtidas a partir de princípios cuja concretização implique antinomia que se resolva pela não aplicação da norma “derrotada”_. Exemplo do primeiro caso: o inciso II do art. 23 do CP é a regra de exceção expressa e que exclui a ilicitude da prática de fatos tipificados como crime. Exemplo do segundo caso: as chamadas excludentes “supralegais” de culpabilidade, tal como detectadas pelos estudiosos do direito penal, são regras implícitas que “derrotam” a configuração delituosa de fatos cuja prática é explicitamente prevista como crime.

118
Q

Em que consiste o princípio da conformidade (ou exatidão) funcional?

A

Segundo esse princípio interpretativo constitucional, a interpretação não deve subverter o esquema funcional criado pela Constituição. Todo órgão que interpreta normas constitucionais tem de se manter nas raias das funções e competências que lhe são atribuídas pelo sistema, de forma que o resultado da interpretação não subverta o quadro de distinções funcionais previsto pelo constituinte. No concurso para Defensor Público da União (2010), a seguinte assertiva foi considerada como correta: “Atendendo ao princípio denominado correção funcional, o STF não pode atuar no controle concentrado de constitucionalidade como legislador positivo”.

119
Q

É possível, no exercício do controle de constitucionalidade de lei, acrescentar um sentido ao dispositivo impugnado para evitar-lhe a declaração de inconstitucionalidade?

A

Não esquecer que, a despeito do princípio da presunção de constitucionalidade, o texto é o limite da interpretação. Assim, como o órgão de controle da constitucionalidade não pode agir como “legislador positivo” (STF, MS 22.690-CE; AgRg no AI 360.461-MG e QO na ADInMC 1.063-DF), o princípio da interpretação conforme a constituição tampouco poderá servir de justificativa para acrescentar algum sentido àqueles que efetivamente corresponderem à disposição interpretada, ainda que a pretexto de compatibilizá-la à constituição. Nesse caso, o princípio da interpretação conforme não se aplica. A disposição deverá ser julgada inconstitucional, incluindo todos os sentidos que porventura possua.

120
Q

Para doutrina majoritária a interpretação conforme é um princípio interpretativo ou uma técnica de decisão? Qual é a posição do STF?

A
  • É princípio interpretativo, mas também técnica decisória do controle de constitucionalidade das leis: segundo a doutrina majoritária no Brasil, o princípio pode ser utilizado tanto para interpretar os atos normativos infraconstitucionais em geral quanto para decidir processos em que se discute a constitucionalidade de normas. Nesse sentido, o legislador incluiu expressamente a interpretação conforme a constituição entre as modalidades de “declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade” e ainda lhe atribuiu “eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal” (art. 28, parágrafo único, da Lei 9.868-99). […] O STF não expressou clara definição a respeito, embora em 1987 já tenha decidido que a interpretação conforme “é princípio que se situa no âmbito do controle da constitucionalidade, e não apenas simples regra de interpretação” (Rep 1.417-DF). Contudo, parece que a Corte adota a teoria n. 4, segundo a qual a aplicação do princípio é contingente [seria técnica de decisão no controle abstrato e princípio interpretativo no controle concreto]. Isso porque, embora no controle abstrato de constitucionalidade já se contêm (sic) às dezenas os acórdãos nos quais o STF empregou a interpretação conforme a constituição como técnica decisória, o próprio Tribunal considera não haver declaração de inconstitucionalidade, nem ser preciso observar a cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição), quando os tribunais realizam interpretação conforme para resolver casos concretos (cf., v.g., RE 184.093-SP, AG (AgRg) 220.508-RJ e RE 460.971-RS). […] Posição dos autores: Mias correto, contudo, seria adotar a teoria n. 1. A interpretação conforme não passa mesmo de um princípio interpretativo, e de natureza subsidiária, que é utilizado como forma de evitar antinomias e conservar a validade da disposição normativa interpretada. Subsidiariedade que se explica por que o princípio só incide quando a aplicação dos outros cânones de interpretação não for capaz de afastar a multiplicidade de sentidos correspondentes à disposição, surgindo daí a necessidade de o intérprete recorrer à interpretação conforme para identificar o sentido que melhor atenda à constituição. Sem que nisso haja necessariamente o exercício de algum tipo de controle de constitucionalidade!
121
Q

Como se determina a validade das normas constitucionais?

A

Para KELSEN, qualquer outra norma, incluindo as constitucionais, têm de buscar fundamento de validade numa norma superior. Assim, para evitar a regressão infinita em busca da norma que inicialmente autorizara a produção da “primeira constituição”, surge a necessidade de “pressupor” a existência de uma norma fundamental que não tenha sido de fato promulgada, mas cuja validade não possa ser questionada. Contudo, a maioria da doutrina hoje refuta a necessidade de uma “norma fundamental pressuposta” para validar a constituição. Autores contemporâneos, após desfazerem a confusão kelseniana entre existência e validade normativas, demonstram que as normas da constituição pertencem ao sistema jurídico, mas não são nem válidas, nem inválidas, pois se trata daquele tipo de normas “independentes” ou “soberanas” (GUASTINI). As constituição, portanto, são fontes normativas extra ordinem, razão pela qual não carecem de validade para iniciarem uma odem jurídica. Cada ordem jurídica é denifina pelos termos da constitução que lhe dá início, sem necessidade de se ir além dessa “primeira” constituição, pois é com ela começa (sic) a cadeia de derivação normativa (BULYGIN).

122
Q

No âmbito penal, admite-se a aplicação de norma benéfica antes do transcurso da vacatio legis?

A

No âmbito do direito penal, há quem defenda a aplicabilidade da norma mais benéfica, mesmo durante eventual período de vacatio legis (NELSON HUNGRIA, HELENO C. GRAGOSO, ALBERTO SILVA FRANCO e PAULO JOSÉ DA CORTA JR.). Outros recusam tal possibilidade, por entender que isso permitiria a aplicação de norma ainda não vigente (FREDERICO MARQUES, DELMANTO E DAMÁSIO, GUILHERME DE SOUZA NUCCI). O STF também não aceitou anular acórdão que deixara de aplicar intitutos penais mais benéficos instituídos por lei sob vacatio legis (1 Turma, HC 74.522-SP).

123
Q

No caso de retificação de texto de um artigo de lei durante a vacatio legis, deve-se-á considerar que o prazo para entrada em vigor de toda a lei foi alterado?

A

1) se a retificação atingir diploma normativo já vigente, a vigência da parte retificada deve ser considerada isoladamente, a partir da publicação das correções, como se tratasse de “lei nova” (art. 1, § 4, da LINDB); 2) se a retificação atingir diploma normativo que ainda não havia entrado em vigor, todos os prazos de vigência passarão a ser computados a partir da publicação da errata, mesmo em relação às normas não atingidas pelas correções (§ 3 do art. 1 da LINDB), desconsiderando-se os prazos contados da primeira publicação.

Art. 1o Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada. § 1o Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada. § 3o Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação. § 4o As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.

124
Q

O caso da norma temporária caracteriza hipótese de perda de vigência?

A

Com relação às normas “temporária”, o caput do art. 2 da LINDB trata do caso como se fosse problema de vigência (“Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue”). Porém, em termos lógico-normativos, uma norma não pode determinar a revogação de si própria. Logo, a temporariedade aí envolvida não diz com a vigência em si, mas com o esgotamento da capacidade de a norma gerar efeitos jurídico. É dizer: a norma segue vigente, embora tenha perdido aplicabilidade em decorrência do esgotamento da respectiva eficácia. Também na jurisprudência do STF, o caráter temporário da norma já foi visto como exaurimento da eficácia, e não como perda de vigência da norma (QO na ADIn 612-RJ).

125
Q

As regras de vigência das leis da LINDB se aplicam as emendas constitucionais?

A

[…] o inicio de vigência das normas constitucionais advindas do poder constituinte derivado segue disciplina prevista no sistema jurídico a que pertencerem. No caso brasileiro, embora não haja disciplina constitucional específica a respeito, não se aplica a cláusula geral de vigência prevista no artigo 1 da LINDB. Mesmo para aquelas emendas constitucionais que não se fizeram acompanhadas de cláusula específica de vigência, adota-se o costume constitucional segundo o qual a vigência das emendas constitucionais inicia-se na data em que publicadas, salvo disposição constitucional em contrário.

126
Q

Qual a diferença entre eficácia técnica e eficácia social (ou efetividade) da norma?

A

Eficácia técnica: relacionada à presença de requisitos normativos com os quais a norma precisa contar para surtir toda a eficácia (pressupostos de natureza jurídica). Comporta a seguinte graduação: (a) eficácia plena; (b) eficácia limitada; (c) eficácia contida ou restringível.

Eficácia social ou efetividade: relacionada à presença de requisitos mínimos de ordem física, social ou institucional sem os quais não há possibilidade de a norma ser efetivamente aplicada.

127
Q

Qual é o significado contido na norma continda no parágrafo primeiro do art. 5 da CF?

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

A

A respeito do assunto, forma-se quatro posições:

1) a cláusula é irrelevante: o § 1º do art. 5º é ocioso, seja porque não pode alterar a “natureza das coisas”, nem obter, por simples boa vontade, que uma norma incompleta seja diretamente aplicável (FERREIRA FILHO, 1998, p. 99-100), seja porque já vigora o princípio interpretativo segundo o qual a toda norma constitucional se deve assegurar a máxima efetiviadade;

2) a cláusula é regra absoluta: mesmo que não haja regulamentação a respeito, todos estão obrigados - especialmente os juízes - a assegurar plena eficácia a quaisquer normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, seja por meio da integração de lacunas (LINDB, art. 4º), seja mediante instrumentos como o mandado de injunção. Posição de EROS GRAUS e DIERLEY CUNHA JÚNIOR.

3) a cláusula é regra, mas de aplicação parcial, pois não permite superar as “lacunas institucionais”: essa parece ser a opinião de JOSÉ AFONSO DA SILVA, para quem a cláusula implica a aplicabilidade das normas definidoras de direitos fundamentais “até onde as intituições ofereçam condições para seu atendimento”, de modo que o Judiciário, “sendo invocado a propósito de uma situação concreta nelas garantidas, não pode deixar de aplicá-las, conferindo ao interessado o direito reclamado, segundo as intituições existente” (1998, p. 165);

4) a cláusula é princípio a impor a máxima otimização da aplicabilidade das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais: em se tratando de princípio, porém, a cláusula não surte efeitos em situações excepcionais nas quais a aplicabilidade da norma de direito fundamental está comprometida pela falta de requisitos mínimos para a norma inicidir. Esse o posicionamento, v.g., de GONET BRANCO e INGO WOLFGANG SARLET. […]

5) A quarta posição é a que prevalece na atualidade. A maior parte da doutrina entende hoje que uma cláusula desse tipo evidencia o compromisso do constituinte com a imediata exequibilidade das normas constitucionais a que se refere, o que afasta qualquer interpretação a sustentar o caráter meramente programático delas. Daí, todos estão vinculados, e os juízes principalmente, com a incidência direta das normas de direito fundamental, antes mesmo da edição de lei que as regulamente ou lhes restrinja o conteúdo. Eventuais e excepcionais hipóteses de ineficácia técnica a obstar a aplicabilidade da norma só poderão ser aceitas como decorrência indubitável de lacunas intencionalmente deixadas pelo constituinte. E, sempre que possível, o intérprete deverá tentar superar, pela via interpretativa, quaisquer lacunas não intencionais que possam ser identificadas como obstáculo involuntário à aplicação direta das normas de direito fundamental. Todavia, simples cláusula dessa espécie não garantem a aplicabilidade imediata de uma norma, pois isso depende de aspectos outros que são inerente à formulação da própria norma cuja aplicação se pretende ou à devida estruturação de instituições necessárias à execução daquilo que ela dispõe. Enfim, a cláusula não tem como eliminar lacunas técnicas irremovíveis pela interpretação, nem as lacunas institucionais que eventualmente comprometam a exequibilidade das normas constitucionais.

128
Q

Quais são os atributos da eficácia mínima das normas constitucionais de aplicabilidade mediata?

A

1) eficácia conformadora: impõe o exercício das competências dos órgãos públicos (legislativas, executivas ou jurisdicionais) em conformidade com os fins e objetivos estabelecidos pela norma constitucional; 2) eficácia interpretativa: direciona a interpretação das demais normas jurídicas;

3) eficácia redutora da discricionariedade: reduz a margem de discricionariedade que os órgãos públicos possuem em relação à matéria abordada na norma; e

4) eficácia invalidatória: impede a recepção de normas infraconstitucionais pré-constitucionais, bem como serve de parâmetro para declarar a inconstitucionalidade das normas infraconstitucionais editadas posteriormente à norma constitucional.

129
Q

O que são normas definidoras de princípios institutivos?

A

Para JOSÉ AFONSO DA SILVA, são normas mediante as quais o constituinte “traça esquemas gerais de estrutura e atribuição de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário os estruture em definitivo, mediante lei” (1998a, p. . 126). São normas que apresentam lacunas (lacunas técnicas e\ou institucionais na dicção de GUASTINI) que as impede de gerar, imediatamente, a plenitude dos efeitos jurídico que preveem.

130
Q

O que são normas de eficácia exaurida?

A

É a categoria das “normas transitórias cuja eficácia se exauriu e cuja aplicabilidade se esgotou, em razão da extinção dos efeitos fáticos por elas produzidos. Exemplo: a grande maioria das normas do ADCT, tais como os arts. 1, 2 e 3.”

131
Q

Quais preocupações impulsionaram o constitucionalismo?

A

A questão dos direitos fundamentais é extremamente importante para o constitucionalismo. Isso porque, além da tentativa de estruturar os Estados modernos, uma das principais preocupações que impulsionaram o constitucionalismo foi a tentativa de enunciar e garantir os direito da pessoa humana. Como bem expõe DAVID WILSON DE ABREU PARDO (2003, P. 5), “o constitucionalismo moderno passa por variações históricas de acordo com a evolução dos direito que garante, reforçando a tese da origem congênita do constitucionalismo e a doutrina dos direito fundamentais”. Destarte, quer se encontrem ou não incluídos numa “constituição formal”, os direitos fundamentais não deixam de fazer parte da “constituição material”.

132
Q

Quais são as diferenças entre direitos humanos e direitos fundamentais?

A

DIREITOS HUMANOS - constumam referir-se a direitos correspondentes ao gênero humano; - são tratados de maneira supranacional, no âmbito do direito público internacional; - metodologia jurídica: consideram-se “reconhecidos” pelo direito internacional (daí por que são “declarados” em documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos). - teoria dos direitos humanos possui fundamentação de matriz jusnaturalista. DIREITOS FUNDAMENTAIS - são os direitos do homem “objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta” (CANOTILHO). - são objeto do direito público interno de cada Estado. - metodologia jurídica: consideram-se “estabelecidos” pelo direito positivo estatal; - teoria dos direitos fundamentais possui fundamentação de matriz positivista.

133
Q

Qual a diferença entre garantias constitucionais gerais e específicas?

A

1) garantias gerais: aquelas que proíbem o abuso de poder e todas as espécie de violação dos direitos por elas assegurados, bem como aquelas cujo objetivo é tornar efetivos os direitos a que se referem. Exemplo: o princípio da legalidade, o princípo da inafastabilidade da apreciação pelo Judiciário, o princípio do devido processo legal;
2) garantias específicas: as que servem de instrumento de proteção não apenas dos direitos fundamentais a que se referem, como também das próprias garantias fundamentais gerais. Exemplo são todos os remédios constitucionais como o habeas data, o mandado de segurança e o mandado de injunção.

134
Q

Previsto apenas em legislação infraconstitucional, pode determinado direito ser considerado fundamental?

A

Segundo a doutrina majoritária, os direitos fundamentais fazem parte das “matérias constitucionais”, estejam ou não previstos em normas formalmente constitucionais. Daí, mesmo que estabelecidos somente em algum diploma infraconstitucional, as normas respectivas consideram-se materialmente constitucionais. Contra: DIMOULS e MARTINS, para quem “não pode ser considerado como fundamental um direito criado pelo legislador ordinário, mas passível de revogação na primeira mudança da maioria parlamentar, por mais relevante e ‘fundamental’ que seja seu conteúdo” (2006, p. 55).

135
Q

Explique as diversas dimensões dos Direito Fundamentais.

A

Direito fundamentais de primeira geração: São os conectados à liberdade, resistência e oposição perante excessos do Estado. Também chamados de “liberdade públicas”, tais direitos encontram seus maiores exemplos nos denominados direitos civis e políticos. Congênitos ao constitucionalismo do século XVIII, são opostos pelos indivíduos em face do Estado. Traduzem-se como faculdades pessoais a serem utilizadas tanto como direitos potestativos, a cujos efeitos o Estado se sujeita juridicamente (direito a não prestar serviço militar em razão de convicção religiosa, por exemplo), quanto como direitos subjetivos à prestação de deveres estatais negativos (direito de ir e vir, liberdade de reunião, v.g.). Em matéria de liberdades públicas, os direito desta dimensão constituem poderes de exclusão das prerrogativas estatais, ou seja, “liberdades perante o Estado”. Já no Âmbito dos direitos políticos, são poderes de controle, i.e., “liberdades no Estado”. A primeira dimensão dos direitos, portanto, está intimamente ligada aos direitos individuais.

Direitos fundamentais de segunda dimensão: Trata-se daqueles atrelados ao princípio da igualdade, tais como os direitos sociais, culturais e econômicos. Tiveram origem nas primeira décadas do século XX (ideologias socialistas e social-democratas). Relacionam-se com o trabalho, o seguro social, o amparo à velhice, à doença. Representam poderes de reivindicação de determinadas prestação estatais. É a geração dos direito coletivos.

Direitos fundamentais de terceira dimensão: São os concernentes à fraternidade e à solidariedade, tal como o direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente equilibrado, à autodeterminação dos povos, à propriedade sobre o patrimônio da humanidade. Decorrem da divisão entre Estados desenvolvidos e subdesenvolvidos. Surgiram em cartas e tratados internacionais de direitos humanos assinados a partir da segunda metade do século XX. Possuem alto teor de humanismo e universalidade, pois não se destinam especificamente à proteção dos interesses de indivíduos ou segmentos determinados ou determináveis. É a geração dos direitos difusos.

Direito fundamentais de quarta dimensão: Considerado o caráter da historicidade dos direitos fundamentais, é possível defender que eles não se esgotam nessa terceira dimensão. Daí já se falar numa quarta dimensão de direito fundamentais, relacionada à proteção e à garantia de direitos já constituídos em face das repercussões e desafios decorrentes do desenvolvimento tecnológico contemporâneo. Obs: Alguns autores falam ainda em quinta geração\dimensão. Porém, essa posição acaba por incluir, na quarta geração\dimensão, direitos difusos que fazem parte da terceira geração\dimensão, tal como os direitos das minorias e o direito à preservação do pluralismo político. Por isso, não é aqui abonada.

136
Q

Em que consiste o assim chamado efeito cliquet?

A

Conforme terminologia do Conselho Constitucional francês, importante concurso público já se referiu à proibição de retrocesso (em sentido estrito) sob a denominação “efeito cliquet”, em alusão a uma espécie de catraca que restinge a uma só direção os movimentos de cordas usadas na prática do alpinismo.

137
Q

Quais argumentos a doutrina opõe ao princípio da vedação do retrocesso?

A

Os argumentos em contrário giram em torno, basicamente, das seguintes observações: (a) o legislador deve ter liberdade para decidir acerca das estratégias que utilizar para tentar satisfazer as diversas finalidades sociais impostas pela constituição; (b) se as constituições cometem às leis a tarefa de desenvolver e configurar os direitos sociais, não se pode defender que o legislador esteja impossibilitado de retroceder quanto a direito sociais concebidos por ele próprio; (c) as possibilidades de escolha estratégia e a necessidade de ponderação dos bens constitucionais envolvidos na questão ficariam gravemente comprometidas se o parlamento estivesse obrigado a “regular problema de hoje com solução de ontem” (BERNARDO PULIDO, 2003, p. 389). Até mesmo antigos adeptos da inflexibilidade na vedação do retrocesso já reveem suas opiniões. CANOTILHO, por exemplo, já afirmou que a “dramática aceitação do menos trabalho e menos salário, mas trabalho e salário para todos’, o desafio da bancarrota da previdência, o desemprego duradouro, parecem apontar para a insustentabilidade do princípio da não reversibilidade social” (2004, p. 111)

138
Q

Cite as diferentes posições quanto ao princípio da proibição do retrocesso.

A

1) Tendência radical: na linha jusnaturalista, a proibição do retrocesso é vista como limite suprapositivo a impedir até mesmo a atuação do constituinte originário, que não poderia ficar aquém de deteminados progressos reconhecidos em ordens constitucionais anteriores. Nesse rumo, sustenta JORGE MIRANDA (1997, p. 107) que os direito fundamentais imediatamente conexos com a dignidade da pessoa humana serviriam como “limites transcendentes” do poder constituinte originário. Daí por que seria “inválido ou ilegítimo” decretar normas constitucionais que gravemente ofendessem a liberdade de crenças ou a liberdade pessoal, que criassem desigualdades em razão da raça ou que restaurassem a pena de morte já abolida em constituições anteriores. Obs: embora JORGE MIRANDA, com relação aos direitos fundamentais imediatamente conexos com a dignidade da pessoa humana, pareça aderir à ora intitulada “teoria radical”, ele não aceita a proibição do retrocesso social como princípio geral, por entender que não existem direitos criados por lei que não possam ser extintos também por lei.

2) Tendência peremptória: embora não vincule o constituinte originário, a proibição do retrocesso é regra geral que limita tanto o constituinte derivado quanto o legislador ordinário, que ficariam peremptoriamente proibidos de suprimir ou revogar quaisquer normas que estabelecessem disciplinas acerca de direitos fundamentais, a menos que para substituí-las por regimes de proteção mais ampla e favorável.

3) Tendência intermediária: posição majoritária na doutrina, a proibição de retrocesso não é peremptória, mas princípio geral constitucional, que assim pode ser ponderado em face de outros princípios, desde que a involução preserve ao menos o “núcleo essencial” do direito fundamental considerado. É a posição majoritária na doutrina e pode ser subdividade em:

3.1) tendência intermediária forte: sem prejuízo das eventuais cláusulas pétreas a proteger o núcleo essencial dos direito fundamentais, autores como INGO SARLET defendem que as medidas a restringir direitos sociais devem passar “pelos testes da razoabilidade e da proporcionalidade”, além de respeitar “as barreiras do núcleo essencial e da dignidade da pessoa humana” (SARLET, 2009, p. 241). […] No mesmo sentido, em voto vencedor no RE 646.721\RS (Plenário do STF, j. em 10-5-2017), o Min. BARROSO consignou que o princípio da vedação do retrocesso “não significa, por óbvio, que nenhum passo atrás possa ser dado na proteção de direitos. Todavia, a proibição de retrocesso veda que, diante de uma mesma situação de fato, sejam implementadas involuções desproporcionais na proteção de direito ou que atinjam o seu núcleo essencial”.

3.2) tendência intermediária fraca: posição atual de CANOTILHO, para quem, nas “épocas de escassez e austeridade”, a probição não pode ser invocada para “neutralizar a liberdade de conformação do legislador”, já que “a chamada tese da ‘irreversibilidade de direito sociais adquiridos’ deve entender-se com razoabilidade e com racionalidade, pois poderá ser necessário, adequado e proporcional baixar os níveis de prestações essenciais para manter o núcleo essencial do próprio direito social” (2008, p. 64).

4) Tendência mitigada: a proibição do retrocesso não é princípio geral constitucional, porém espécie de regra excepcional de combate ao arbítrio. Para VIERA DE ANDRADE, por exemplo, a “liberdade constitutiva” e a “autorrevisibilidade” da atividade legislativa só poderão ser restringidas quando a disciplina anterior (mais favorável) estiver enraizada na “consciência jurídica geral” (2001, p. 394). Fora dessa hipóteses excepcionais, eventuais obstáculos ao retrocesso social não decorreriam de uma garantia específica, mas apenas da garantia do “conteúdo mínimo social” ou como medida impeditiva do arbítrio e da não razoabilidade manifesta.

139
Q

Qual o fundamento constitucional do princípio da proibição do retrocesso?

A

No Brasil, o constituinte assegurou a irretroatividade da lei (art. 5, XXXVI), mas não acolheu explicitamente a proibição de retrocesso. No entanto, sustenta-se na doutrina que a vedação de retrocesso é um tipo de mandamento constitucional implícito (GEORGE MARMELSTEIN). Autores como INGO SARLET defendem a aplicação da cláusula no direito brasileiro, por entenderem que a Constituição Federal exige a maximização da proteção dos direitos fundamenais, protegendo a confiança dos indivíduos na estabilidade das relações jurídica, não somente em face de atos retroativos, mas também, implicitamente, contra retrocesso sociais. Assim, a proibição de retrocesso decorreria, sobretudo, de fundamentos constitucionais como: (a) o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1, III); (b) o princípio da garantia do desenvolvimento nacional (art. 3, II); (c) princípio do Estado democrático de direito (art. 1); (d) o princípio da máxima eficácia das normas definidoras de direitos fundamentais (§ 1º do art. 5º); e (e) do princípio da proteção da confiança (art. 5º, caput, 4º figura).

De fato, a cláusula de proibição do retrocesso não encontra previsão constitucional expressa no direito brasileiro. Mas pode ser extraída em articulação, seja como a garantia de proteção ao conteúdo essencial dos direitos fundamentais, seja como o direito mínimo de existência condigna (teoria do mínimo existencial). Nesse sentido, a vedação ao retrocesso surgiria a partir de determinados marcos de consolidação de posições de vantagem abstratamente asseguradas pelo sistema normativo, o que viria a solidificar aquilo que se deva considerar como o “núcleo essencial” do direito fundamental envolvido. Assim, a garantia de proteção ao conteúdo essencial impediria determinado retrocessos em face dos aspectos nucleares dos direitos fundamentais, incluindo aqueles padrões mínimos da manutenção existencial dos indivíduos (“mínimo vital intangível”).

Enfim, mesmo em tempos de crise, medidas estatais que impliquem regressão ao tratamento dos direito fundamentais não estão absolutamente vedadas “a priori”. Contudo, exigirão do Estado: (a) o ônus de demonstrar a impossibilidade material de manter o estágio de desenvolvimento até então alcançado (inversão da presunção de constitucionalidade); e (b) a preservação do conteúdo essencial dos direitos fundamentais afetados, garantindo assim o “mínimo existencial”.

140
Q

Os direito fundamentais são garantidos, em algum hipótese, aos estrangeiros não residentes no país?

A

Corrente restritiva: interpretação literal do texto constitucional para não estender o catálogo constitucional dos direitos fundamentais aos estrangeiros não residentes, mas isso não impede que eles sejam beneficiários dos direitos fundamentais previstos em normas infraconstitucionais.

Corrente ampliativa: sustenta a desconsideração da literalidade do preceito constituconal, sem outras ressalvas que não aquelas inerentes à especificidade da disciplina constitucional de cada direito fundamental;

Corrente ampliativa moderada: embora os estrangeiros não residentes sejam beneficiários, aplicam-se-lhes algumas ressalvas: 1) deve encontrar-se em situação regular no país (UADI BULOS); 2) os direitos sociais tendem a não ser estendidos (PAULO GONET BRANCO).

STF: há jurisprudência do STF a garantir a estrangeiros não residentes certos direitos e garantias individuais de primeira geração. Exemplos: habeas corpus; mandado de segurança; progressão de regimete prisional; direito de propriedade.

141
Q

Entidades de direito público são sujeitos ativos de direitos fundamentais?

A

[…] ao contrário do que sustenta parte da doutrina, até mesmo pessoas de direito público e entidades estatais, nacionais e estrangeiras, podem ser titulares de direitos fundamentais, ainda que eventualmente. Embora tenham sido originalmente concebidos para proteger os súditos contra o Estado, a atual dimensão do catálogo de direito fundamentais não deixa dúvidas de que entes estatais também podem estar entre os sujeitos ativos desses direitos. Para exemplificar, o inciso XXXVI do art. 5 é invocável na proteção dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios contra leis federais retroativas (cf., a contrario sensu, a Súmula 654 do STF). Outros exemplos: inclusive Estados estrangeiros podem provocar o Judiciário e ingressar com medidas judiciais, bem como invocar o sigilo de correspondêncais etc.

142
Q

A proibição do empregador de revistar seu empregado pode ser considerada uma decorrência da eficácia horizontal dos direitos fundamentais?

A

[…] embora remanesçam direito fundamentais cuja exequibilidade está mesmo restrita a entidades do Estado (tal como a garantia de irretroatividade da lei), muitos deles têm aplicação naturalmente direcionada às relações privadas (os direitos trabalhistas, por exemplo). E há outros que possuem indiscutível oponibilidade contra todos (erga omnes), como os direitos de propriedade, de personalidade, de sigilo das comunicações telefônicas. […]

Determinados direitos fundamentais têm a exequibilidade: (a) naturalmente excluída das relações privadas (v.g., a garantia de não retroatividade da lei, o direito à não extradição dos brasileiros natos); ou (b) necessriamente associada às relações privadas (direitos trabalhistas, por exemplo); ou, ainda, (c) eventualmente ligada às relações privadas (direitos oponíveis contra todos, como o direito à propriedade, à intimidade etc.).

Logo, a teoria da eficácia horizontal está logicamente circunscrita aos direitos fundamentais que, se estritamente considerados, teriam como sujeitos passivos apenas órgãos estatais, mas que, conceitualmente, podem estender-se às relações privadas, tais como: o princípo da igualdade material (caput do art. 5), a liberdade de crença (inciso VI do art. 5) e o princípio da não culpabildade (inciso LVII do art. 5).

Assim, ao contrário do que sustenta parte da doutrina, quando se discute, por exemplo, a possibilidade de um empregador revistar um empregado ou analisar o conteúdo de seu correio eletrônico, a discussão não deveria envolver a teoria da eficácia horizonal, porque o direito à intimidade aí subjacente é daqueles direito oponíveis erga omnes e que vinculam o particular independentemente da aplicação dos postulados da teoria da eficácia “horizontal”.

143
Q

Quais são as posições existentes a respeito da eficácia horizontal dos direitos fundamentais?

A

1) Teoria da eficácia indireta ou mediata: baseia-se em direito fundamental (liberdade privada) para negar a eficácia direta dos demais direitos fundamentais no âmbito das relações privadas. Defende que, embora o Estado deva proteger os particulares em face de outros particulares, essa proteção deve fazer-se por intermédio da lei. Os direito fundamentais são concebidos para regular a atuação dos órgãos estatais. Logo, não podem ser automaticamente aplicado às relações particulares, a não ser por meio das normas do próprio direito privado. Mesmo que o conteúdo das lei esteja vinculado à constituição e ainda que a interpretação do direito privado tenha de ser feita conforme os direitos fundamentais, elas não geram reflexos diretos nos atos e negócios jurídicos privados, pois os particulares não são seus destinatários originais. A possibilidade de os direitos fundamentais nortearem a interpretação das normas de direito privado, especialmente as que vinculam cláusulas gerais e conceitos indeterminados, não implica nenhuma vinculação direta à atuação dos particulares, sob pena de violência ao direito fundamental à liberdade e à autonomia privada.

2) Teoria da eficácia direta ou imediata: sustenta que a eficácia das normas de direitos fundamentais atinge, objetivamente, toda a ordem jurídica. Daí por que também se aplicam, direta e imediatamente, no âmbito das relações privadas, independentemente da intermediação do legislador. É necessário proteger os particulares não apenas contra o Estado, mas inclusive dos abusos cometidos por outros particulares.

3) Teoria intermediária da eficácia direta moderada ou atenuada: defende que os direitos fundamentais podem surtir eficácia horizontal nas relações privadas, a despeito da intermediação do legislador, mas somente quando houver assimetria substancial de poder jurídico ou poder de fato de uma das partes em face da outra. Nesses casos, a aplicação direta das normas constitucionais de direitos fundamentais passa a ser justificável, a fim de tanto proteger a parte que esteja em posição de vulnerabilidade quanto equilibrar a relação em que um dos polos tem poderio desproporcional comparável ao tipo de poder vertical exercido pelo Estado em face dos particulares. Exemplo dessas relações privadas: associação vs. associado; conveniado vs. plano de saúde; cooperativa vs. cooperado; grande empresa vs. empregado; partido político vs. filiado; condomínio vs. condômino. Posição de autores como o português VIEIRA ANDRADE e o espanhol BILBAO UBILLOS.

4) Teoria da eficácia diagonal: Eficácia direta dos direito fundamentais não ocorre de maneira “horizontal” (entre iguais), e sim de forma “diagonal” (entre partes portadoras de poderes assimétricos). Prestigiada entre estudiosos do direito trabalhista, a teoria equivale, na prática, à da eficácia horizontal moderada ou atenuada. OBS: No concurso para Juiz de Direito do TJPR (2017\Cesp), foi considerada correta a seguinte alternativa: “A eficácia imediata dos direito fundamentais encontra limites no núcleo irredutível da autonomia pessoal, situação em que se configura a eficácia moderada na relação entre os poderes privados e os indivíduos”.

STF: No Brasil, a Constituição é omissa sobre o tema. Contudo, isso não impediu o STF de promover a aplicação direta de direitos fundamentais no âmbito das relações privadas. Num primeiro momento, ainda sem grande profundidade nas discussões, decidiu o STF: (a) pela observância ao devido processo legal como requisito prévio à exclusão de cooperado ante a cooperativa (RE 158.215\RS); e (b) pela extensão, a empregado nacional, de vantagem salarial paga somente a empregado franceses por parte de filial brasileira de empresa francesa (RE 161.243\DF). Nesse precedente, entendeu a Corte que o princípio da autonomia da vontade não era fundamento a justificar a discriminação a trabalhador brasileiro. Atenção: A rigor, esse último exemplo, embora sempre lembrado pela doutrina, não evoca a teoria da eficácia horizontal. Isso porque, a despeito de a Constituição não proibir expressamente a discriminação remuneratória entre estrangeiros e brasileiros, assim já o fazia a CLT (art. 358 e 461), de modo a tornar desnecessária a invocação da eficácia direta dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas. Já num segundo momento, no RE 201.819\RJ, o STF analisou detidamenta a questão, sagrando-se vencedora a posição intermediária defendida pela teoria da eficácia direta moderada. O caso envolvia entidade um artista e uma associativa integrante do sistema Escritório Central de Arrecação e Distribuição -ECAD, cujas atividades são essenciais à cobrança de direito autorais. Conforme voto do Ministro GILMAR MENDES, a Corte reconheceu a presença do “caráter público ou geral da atividade”, o que foi decisivo para “legitimar a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (Art. 5, LIV e LV, da CF) ao processo de exclusão de sócio da entidade”.

144
Q

Em que consiste a dimensão objetiva dos direitos fundamentais?

A

[…] a perspectiva objetiva transcende essa expressão simplesmente subjetiva e faz com que os direitos fundamentais sejam vistos como fontes de deveres de proteção. Os direitos fundamentais, então, assumem projeção valorativa de natureza superior, impondo diretrizes normativas à atuação dos órgãos estatais. Nesse sentido, o Estado deixa de ser encarado somente como o adversário\inimigo, em relação aos titulares dos direitos fundamentais (perspectiva subjetiva), para ser visto também como o garantidor\guardião desses direitos - i.e., aquele que tem o dever de protegê-los -, até mesmo contra a vontade eventual dos próprios titulares. […] Segundo GILMAR MENDES, a doutrina alemã subdivide o dever de proteção estatal aos direitos fundamentais (perspectiva objetiva) em: a) dever de proibição: consistente no dever de proibir uma determinada conduta; b) dever de segurança: que impõe ao Estado o dever de proteger o indivíduo contra ataques de terceiros mediante a adoção de providências diversas; e c) dever de evitar riscos: que autoriza o Estado a atuar com o escopo de evitar riscos ao cidadão em geral, especialmente em relação ao desenvolvimento técnico ou tecnológico.

INGO SARLET: Como um dos mais importantes desdobramentos da força jurídica objetiva dos direitos fundamentais, costuma apontar-se para o que boa parte da doutrina e da jurisprudência constitucional na Alemanha denominou de eficácia irradiante ou efeito de irradiação dos direitos fundamentais, no sentido de que estes, na sua condições de direito objetivo, fornecem impulsos e diretrizes para a aplicação e interpretação do direito infraconstitucional, implicando uma interpretação conforme aos direitos fundamentais de todo o ordenamento jurídico. […. obs: o papel fundamental dessa constitucionalização do direito é desenpenhado pela supremacia da constituição] Outra função que tem sido reconduzida à dimensão objetiva está vinculada ao reconhecimento de que os direitos fundamentais implicam deveres de proteção do Estado, impondo aos órgãos estatais a obrigação permanente de, inclusive preventivamente, zelar pela proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos, não somente contra os poderes públicos, mas também contra agressões por parte de particulares e até mesmo por parte de outros Estados. […] Por força dos deveres de proteção, aos órgão estatais incumbe assegurar níveis eficientes de proteção para os diversos bens fundamentais, o que implica não apenas a vedação de omissões, mas também a proibição de uma proteção manifestamente insuficiente, tudo sujeito a controle por parte dos órgãos estatais, inclusive por parte do Poder Judiciário. Assim, os deveres de proteção implicam dever de atuação (prestação) do Estado e, no plano da dimensão subjetiva - na condição de direitos à proteção -, inserem-se no conceito de direitos a prestações (direitos à proteção) estatais. Uma terceira função, ingualmente vinculada à dimensão objetiva, […] pode ser genericamente designada de função organizatória e procedimental. Neste sentido, sustenta-se que a partir do conteúdo das normas de direitos fundamentais é possível extrair consequências para a aplicação e interpretação das normas procedimentais, mas também para uma formatação do direito organizacional e procedimental que auxilie na efetivação da proteção aos direitos fundamentais, evitando-se os riscos de uma redução de seu significado e conteúdo material.

145
Q

Quais são as principais característica dos direitos fundamentais?

A
  • Historicidade - Universalidade - Indisponibilidade - Imprescritibilidade - Relatividade
146
Q

Os direitos fundamentais são mesmo indisponíveis?

A

A doutrina em geral considera indisponíveis os direitos fundamentais, i.e., inalienáveis (intransferíveis e inegociáveis) por quem quer que seja, incluindo o próprio titular. Dizem-se ainda irrenunciáveis, pois mesmo que nunca venham a ser exercidos, não se admite renúncia a respeito dos direitos concretamente. Não equivale a autêntica renúncia de direitos fundamentais, por exemplo, aquela feita em caráter transitório e relacionada a uma situação concreta e determinada. Por isso, v.g., também não há negar a alguém o poder de transigir quanto ao valor da indenização devida a título de dano cometido à própria honra, embora sejam fundamentais tanto o direito violado quanto o direito à respectiva reparação (art. 5, V). É que o direito fundamental à honra não se confunde com as implicações jurídica dessa violação, e assim por diante. […] Na mesma linha, segundo CANOTILHO (1993, p. 624), embora os direitos fundamentais “como totalidade” sejam irrenunciáveis, é juridicamente permitida a limitação voluntária ao exercício concreto de certos direitos. Desde que as condições com que limitados preservem o núcleo essencial dos próprios direito fundamentais, é admissível a autorrestrição do exercício de direitos fundamentais, ainda que de modo mais amplo que os limites eventualmente previsto no ordenamento jurídica, sempre que preservada a faculdade de revogá-la a qualquer tempo. Daí a constitucionalidade, por exemplo, da renúncia antecipada do contribuinte ao direito de discutir os débitos fiscais que queira incluir em parcelamento fiscal, exigência comum em leis que tratam de programa de recuperação fiscal; bem como dos negócios particulares que impliquem disposição prévia do direito de imagem (caso dos esportistas, atores, modelos fotográficos, participantes de reality shows etc.). Outro exemplo importante; nas hipóteses de “colaboração premiada” disciplinadas pela Lei 12.850\2013, o colaborador deverá renunciar, “na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade” (§ 14 do art. 4).

147
Q

A pretensão de reparação de danos decorrentes de atos de exceção praticados durante o regime militar está sujeita à prescrição?

A

No Brasil, a polêmica da imprescritibilidade dos direitos fundamentais é ilustrada pelas decisões dos tribunais sobre pedidos de indenização por danos decorrentes de atos de exceção praticados durante o Regime Militar. O Plenário do STF rejeitou a tese geral da imprescritibilidade sustentada pelos Ministros LUIZ FUX, AYRES BRITTO e CELSO DE MELLO (ver AOE 25-DF, j. em 10-8-2011). Já a jurisprudência do STJ, todavia, não somente quanto às hipóteses de prisão e tortura (AgRg no AG 1.428.635-BA, AgRg no AG 1.392.493-RJ e REsp 1.374.376-CE), tem reconhecido, genericamente, ser “imprescritível a pretensão de reparação de danos sofridos durante o regime exceção” (EREsp 816.209-RJ) 1 Seção).

STJ:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRISÃO POLÍTICA. REGIME MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO 20.910/1932. ANISTIADO POLÍTICO. CONDIÇÃO RECONHECIDA. DANOS MORAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. ART. 1º-F DA LEI 9.494/1997. MP 2.180-35/2001. LEI 11.960/2009. NATUREZA PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA. IRRETROATIVIDADE.
1. As ações indenizatórias por danos morais decorrentes de atos de tortura ocorridos durante o Regime Militar de exceção são imprescritíveis. Inaplicabilidade do prazo prescricional do art. 1º do Decreto 20.910/1932. Precedentes do STJ.[…]
(REsp 1374376/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/05/2013, DJe 23/05/2013)

Dizer direito STJ:

Não se deve confundir imprescritibilidade da ação de reintegração com imprescritibilidade dos efeitos patrimoniais e funcionais dela decorrentes, sob pena de prestigiar a inércia do autor, que poderia ter buscado seu direito desde a publicação da Constituição da República.

Isso significa dizer que:

  • João terá direito de ser reintegrado;
  • ele terá direito à remuneração retroativa, mas limitada aos últimos 5 anos, contados para trás, tendo marco o ajuizamento. Como o pedido foi formulado em 2011, ele terá direito à remuneração retroativa desde 2006.

Assim, são imprescritíveis as ações de reintegração a cargo público decorrentes de perseguição, tortura e prisão, praticadas durante o regime militar, por motivos políticos, ficando, contudo, eventuais efeitos retroativos, sujeitos à prescrição quinquenal.

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. REGIME MILITAR. ANISTIA POLÍTICA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. HERDEIROS. LEGITIMIDADE. PRESCRIÇÃO. INAPLICABILIDADE. CONDENAÇÃO. REVISÃO DO QUANTUM. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7 DO STJ. INCIDÊNCIA.

  1. O Plenário do STJ decidiu que “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (Enunciado Administrativo n.
    2) . 2. De acordo com a jurisprudência desta Corte, o direito à indenização por danos morais ostenta caráter patrimonial, sendo, portanto, transmissível ao cônjuge e aos herdeiros do de cujus.
  2. O prazo quinquenal previsto no Decreto n. 20.910/1932 é inaplicável às ações que objetivam reparação por danos morais ocasionados por torturas sofridas durante o período do regime militar, demandas que são imprescritíveis, tendo em vista as dificuldades enfrentadas pelas vítimas para deduzir suas pretensões em juízo.
  3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite, em caráter excepcional, a alteração do quantum arbitrado a título de dano moral caso se mostre irrisório ou exorbitante, em clara afronta aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
  4. Na espécie, a parte recorrente não logrou demonstrar que o valor arbitrado, a ser repartido entre seis autores, seria excessivo, de forma que o acórdão recorrido deve ser mantido. 6. Manifestamente improcedente a irresignação, é de rigor a aplicação da sanção prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015. 7. Agravo interno desprovido, com imposição de multa. (STJ; AgInt-REsp 1.524.498; Proc. 2015/0081755-2; PE; Primeira Turma; Rel. Min. Gurgel de Faria; DJE 20/02/2019)
148
Q

Pode o Estado, com a finalidade de reduzir as desigualdades sociais, regular a política de preços ?

A

Em face da atual Constituição, para conciliar o fundamento da livre iniciativa e do princípio da livre concorrência com os da defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social, pode o Estado, por via legislativa, regular a política de preços de bens e de serviços, abusivo que é o poder econômico que visa ao aumento arbitrário do lucros (ADInQO 319-DF).

149
Q

Quais são as ferramentas para lidar com os problemas das colisões entre direitos fundamentais?

A

Segundo DIMITRI DIMOULIS, são duas as principais ferramentas para lidas com o problema das colisões entre direitos fundamentais: (a) a interpretação constitucional sistemática, “que consiste em levar em consideração todas as disposiçãoes relacionadas ao caso concreto e identificar os parâmetros que o constituinte mesmo estabeleceu para a solução do problema” e (b) o “critério da proporcionalidade, que permite constatar se determinada limitação é lícita, adequada e necessária para permitir o exercício de outro direito fundamental ou se é injustificada e, portanto, inconstitucional” (2007, p. 55-56). Grande parte da doutrina indica ainda o princípio da concordância prática ou da harmonização como diretriz interpretativa em casos de colisão.

150
Q

Explique a teoria interna e externa, que tratam das restrições a direitos fundamentais.

A

1) Teoria interna das limitações: defende que toda restrição a direito fundamental é imanente a ele próprio, pois o conceito de qualquer direito fundamental abrange as respectivas retrições (tese dos limites imanentes). Os direitos fundamentais e suas restrições\limites imanentes formam um único objeto. Como pretende HABERLE, “toda limitação de um direito é, ao mesmo tempo, parte da determinação de seu conteúdo, e vice-versa” (2003, p. 43) Nessa linha, o suporte fático de um direito fundamental só se estende até o ponto em que não lesiona outros direitos fundamentais ou bens constitucionais igualmente protegidos (teoria do suporte fático restrito). Em resumo, ainda que os direito fundamentais estejam coordenado uns com os outros, é teoricamente possível atribuir a cada direito fundamental um âmbito de proteção definitivo, que é o âmbito que resulta da exata definição dos respectivos limites.
2) Teoria externa das limitações: sustenta que um direito fundamental existe parelelamente às respectivas restrições. As restrições são categorias jurídicas separadas, mediante as quais se estabelecem certos regimes de desvantagem em relação aos direitos fundamentais. Segundo ALEXY, famoso adepto da teoria externa, “existe, primeiro, o direito em si, que não está restringido, e, segundo, o que sobre do direito quando a ele se soamam as restrições, é dizer, o direito restringido” (2001, p. 268). Nessa perspectiva, o suporte fático de um direito fundamental é mais amplo, a priori, do que aquele que lhe resta após identificadas as restrições que o limitam (teoria do suporte fático amplo). Para resumir, os direitos fundamentais contam inicialmente apenas com um âmbito de proteção não definitivo, que sofre as reduções decorrentes do regime de limitações a que se submete, para só então se obter o âmbito de proteção efetiva.

151
Q

Diferencie reserva legislativa simples da qualificada e dê exemplos da última.

A

1) Reserva simples: permissões de restrição a direito fundamental concedidas ao legislador pelo constituinte sem condicionantes específicas. Constumam ser explicitadas por meio de cláusula genéricas de simples reseva legal, tais como “na forma da lei”, “nos termos da lei”, “assim definidas em lei”, “salvo as exceções legais”.
2) Reservas qualificadas: autorizações constitucionais de restrição legislativa a direito fundamental determinado, mas que se fazem acompanhadas de condições formais ou materiais. Para ilustrar, a CF\88 elegeu condicionantes como: (a) exigência de maioria absoluta (lei complementar), tal qual no inciso I do art. 7 e no § 9º do art. 14; (b) a fixação de prazos para legislar (art. 5º, XXXII, c\c ADCT, art. 48); e (c) definição tanto dos meios a serem utilizados quanto das finalidade a serem perseguidas pelas restrições legislativas, a exemplo das condições impostas às leis restritivas previstas nos incisos XII, XXXVIII e LX do art. 5º, bem como nos §§ 1º e 3º do art. 220, todos da Constituição.

152
Q

As reservas legislativas qualificadas podem ser relativizadas?

A

Com base em juízos de ponderação, parte da doutrina defende a possibilidade de “relativização” até mesmo dessas condicionantes especiais contidas em cláusulas de reserva qualificada. Para ALEXY, por exemplo, o “princípio da sujeição ao texto constitucional” faz com que as determinações adotadas pelas regras postas em reservas legislativas precedam as determinações alternativas decorrentes de princípios contrapostos (2001, p. 134). Porém, essa precedência não se aplica caso militem razões, baseadas nesses princípios contrapostos, que “sejam tão fortes que também desloquem o princípio da sujeição ao texto da Constituição” (2001, p. 135). Ou seja, para ALEXY, em situações excepcionais, é admissível ampliar as hipóteses de incidência das restrições a direitos fundamentais para além daquelas previstas pelo constituinte mediante reservas qualificadas. Na jurisprudência, aliás, isso não é novidade, como se pode ver nos seguintes casos: (a) no Inquérito 2.424\RJ, o Plenário do STF considerou que um espaço protegido a priori pelo direito à inviolabilidade do domicílio (no caso, escritório de advocacia) poderia sofrer intervenção policial no período noturno, para cumprimento de mandado judicial de instalação de escuta ambiental, mesmo que a reserva qualificada prevista no inciso XI do art. 5 da Constituição só permitisse tal diligência “durante o dia”. Para o STF, a intervenção se justificava porque se tratava do “único meio de prova” utilizável para demonstrar o fato delituoso; (b) a 7 Câmara Cível do TJRS (Processo n. 70018683508-Porto Alegre) deferiu quebra de sigilo telefônico, em processo cível, embora o inciso XII do art. 5 da Constituição só a permitisse “para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Reputou-se que esse era o único meio de localizar devedor de pensão alimentícia com prisão civil decretada, bem como que, na ponderação entre o direito à vida dos alimentados e o direito à intimidade do executado, a “própria possibilidade da prisão civil no caso de dívida alimentar evidencia o caráter superior da verba alimentar”.

153
Q

Diferencie a teoria relativa da teoria absoluta do núcleo essencial.

A

1) teoria relativa do núcleo essencial: a definição do conteúdo essencial de um direito fundamental não pode ser fixada a priori, mas somente caso a caso, de acordo com os valores, interesses e bens constitucionais envolvidos, numa típica ponderação feita com apoio no princípio da proporcionalidade;
2) teoria absoluta do núcleo essencial: o núcleo essencial de um direito fundamental deve ser definido a priori e, a partir de então, não estará mais sujeito a reavaliações baseadas nas contingênciais do caso, pois esse mínimo de proteção efetiva não pode ficar à mercê de ponderações posteriores. […] Claro que há controvérsias acarca da teoria a prevalecer. A teoria relativa importa em menor proteção ao direito, pois acredita que o conteúdo essencial não pode ser preestabelecido a priori, ou seja, “antes” das situações conflituosas. Logo, a depender das contingências, não havendo margem para conciliar, em alguma medida, os princípios e bens constitucionais em conflitos, poderá ocorrer o esvaziamento absoluto da proteção proporcionada em tese por algum direito fundamental. Já a teoria absoluta, ao considerar a existência (a priori) de um âmbito de proteção definitivamente garantido por cada direito fundamental, assegura sempre alguma margem remanescente de proteção, independentemente da relevância dos bens ou princípios colidentes. Porém, como nega a possibilidade de haver ponderações a posteriori, a teoria absoluta apresenta dificuldades quando se trata de resolver conflitos entre direitos fundamentais inteiramente incompatíveis entre si. Por exemplo, como assegurar uma mínima margem de proteção ao direito à vida diante da aplicação de pena de morte em caso de guerra (Constituição, art. 5, XLVII, “a”)? No Brasil, pouco se discute qual é a melhor dessas teorias. Porém, ao recomendar o princípio da proporcionalidade para zelar pela garantia do núcleo essencial, a doutrina em geral acaba por se filiar à teoria relativa. Nessa linha, VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA - um dos poucos a expressamente declinar a teoria que adota - defende que os conceito de conteúdo essencial e proporcionalidade “guardam uma íntima relação: restrições a direito fundamentais que passam no teste da proporcionalidade não afetam o conteúdo essencial dos direito restringidos” (2006, p. 43).

154
Q

Qual o conceito de reserva do possível da Daniel Sarmento?

A

Trecho retirado da parte referente à reserva do possível em sentido amplo. Autores como INGO SARLET e MARCELO NOVELINO sustentam, ainda, que a reserva do possível pode ser invocada quando a prestação exigida do Estado não atender ao critério da proporcionalidade ou quando faltar razoabilidade à própria exigência da prestação. Nessa linha, SARLET informa que a Corte Constitucional alemã tem decidido que a “prestação reclamada deve corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o Estado dos recursos e tendo o poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável” (2001, p. 265). Nesse sentido, o critério da proporcionalidade\razoabilidade evoca a questão do tratamento isonômico ou universalista da pretensão. Isso porque, mesmo que em foco apenas um pedido individual, não se deve reconhecer a legitimidade da pretensão a prestações materiais que não possam ser estendidas para outras pessoas, em iguais condições, sob pena do exagerado comprometimento de determinada estrutura estatal. Atenção: Certos autores incluem essa preocupação universalista entre aqueles obstáculos fáticos à implementação dos direitos fundamentais. Nesse sentido, para DANIEL SARMENTO, “a reserva do possível fática deve ser compreendido como a capacidade financeira do Estado de arcar com a universalização da prestação material postulada para todas as pessoas que estiverem nas mesmas condições daquele que a requereu” (2016, p. 231).

155
Q

Qual a diferenteça entre reserva do possível em sentido estrito e reserva do possível em sentido amplo.

A

[…] para se referir a todas essas dificuldades que cercam a implementação dos direitos fundamentais, sob inspiração da cláusula civilista “ad impossibilia nemo tenetur” (ninguém é obrigado a fazer o impossível), a doutrina específica utiliza a expressa reserva do possível. Num sentido amplo, a reserva do possível tem a ver tanto com as impossibilidade fáticas e materiais quanto com as impossibilidades jurídicas que possam interditar, adiar ou até mesmo impedir a aplicação dos direitos fundamentais. A primeira ordem de impossibilidade tem a ver com os obstáculos fáticos, tais como problemas físicos ou tecnológicos, de estruturação de órgãos administrativos etc. Para exemplificar, se alguém pleiteia tratamento médico experimental e ainda indisponível ao público ou se pretende remédio que não seja mais fabricado, o direito à saúde não poderá ser implementado, ante a impossibilidade fática de se prestar a obrigação respectiva; se um bairro ficou isolado em razão da cheia de um rio, o Estado não pode garantir a plena liberdade de ir e vir etc. Já a segunda ordem de impossibilidades está relacionada aos obstáculos jurídicos que servem como escusas lícitas para justificar a impossibilidade de cumprir os deveres impostos pelos direitos fundamentais. Exemplo: uma norma de direito social, quando necessariamente depender de lei que a regulamente, não terá como ser aplicada antes da edição dos regulamentos pertinentes; a norma que garanta a prestação de um medicamento pode não se aplicar pela falta da licitação necessária à compra do produto etc. […] Já num sentido estrito, a reserva do possível (gênero) costuma ser vista como a reserva do financeiramente possível (espécie). Nessa acepção diz somente com os obstáculos econômico-financeiros inerentes à efetivação dos direitos fundamentais que envolvam prestações materiais (direitos sociais, sobretudo). Como recorda GONET BRANCO, a “escassez de recursos econômicos implica a necessidade de o Estado realizar opções de alocação de verbas, sopesadas todas as coordenadas do sistema econômico do país” (200, p. 146). Exemplo: ausência de cobertura, pelo Sistema Único de Saúde -SUS, de caro tratamento médico realizado somente no exterior.

156
Q

De que norma é possível extrair o mínimo existencial?

A

Baseada, sobretudo, no princípio da dignidade da pessoa, foi originalmente concebida na Alemanha Ocidental, em meados do século XX, quando o Tribunal Federal Administrativo, seguido do Tribunal Constitucional, reconheceram o mínimo existencial como direito fundamental de status constitucional. No Brasil, a teoria começou a ganhar corpo em estudos referentes ao princípios constitucional da “capacidade tributária”, como informa ANA LUIZA LEAL. Nada obstante, os constitucionalistas em geral sustetam que o direito ao mínimo existencial decorre, implicitamente, não só de sua matriz originária (princípio da dignidade da pessoa humana - inciso III do art. 1º), como de múltiplas disposições constitucionais, tais como o inciso III do art. 3º e o inciso X do art. 23 (objetivo de erradicação da pobreza e integração social dos “setores desfavorecidos”); o art. 203, V (direitos de idosos e deficientes a benefício assistencial de natureza continuada), entre outras. Confrme jurisprudência da Corte Costitucional Colombiana, além do princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio do Estado Social de Direito também serve de fundamento ao direito ao mínimo vital […]

157
Q

Qual a função exercida pelo mínimo existencial e qual seu conteúdo?

A

A grande relevância da teoria do mínimo existencial está em driblar, ao menos em parte, o caráter meramente programático que se costuma atribuir às normas definidoras dos direitos sociais. Assim, independentemente da intermediação legislativa, as prestações abrangidas pelo conceito de mínimo existencial tornam-se juridicamente exigíveis, em certa medida, inclusive pela via judicial.

[…]

Certo é que o conceito de mínimo existencial não deve ser reduzido à noção de “mera sobrevivência física”. Como explica GEORGE MARMELSTEIN LIMA (2008), “se o mínimo existencial fosse apenas o mínimo necessário à sobrevivência, não seria preciso constitucionalizar os direitos sociais, bastando reconhecer o direito à vida”

Nessa linha, pode-se dizer que o direito ao mínimo existencial alcança ao menos aquelas condições materiais sem as quais restaria inviabilizado, por falta de seus pressupostos fáticos mais básicos, o exercício dos demais direitos fundamentais previstos na constituição.

De outro lado, grande parte dos autores concorda que nem todos os direitos sociais são exigíveis “em termos de direitos sociais fundamentais mínimos” (ALEXY, 2001, p. 496). E nomes importantes como VIEIRA DE ANDRADE sustentam que a garantia judicial do “conteúdo mínimo” dos direitos sociais só pode ser retirada diretamente da constituição “em casos excepecionais”, como nas “situações de necessidade ou injustiça extremas, de tal modo que, a verificarem-se, permitam configurar este recurso judicial como uma ‘válvula de segurança’ da ordem jurídico-constitucional”, ou ainda em hipótese de “insuficiência manifesta ou de incompletude discriminatória da actuação legislativa” (2001, p. 384-385).

Ademais, não se podem fixar padrões universais de atendimento ao mínimo existencial, pois as condições socioeconômicas de cada Estado, que não são as mesmas, haverão de ser necessariamente consideradas. Assim, a fixação do mínimo existencial deve ser ponderada ante o contexto histórico e socioeconômico de cada Estado. […]

Na doutrina nacional, de sua vez, há certo consenso em que o direito ao mínimo existencial cobre, pelo menos, aquelas posições de vantagem asseguradas pelas normas definidoras dos seguintes direitos: direito à saúde, direito à assistência social, direito à educação fundamental, bem como o direito de acesso à justiça.

Contudo, não chega a ser inusitado ver autores como KAZUO WATANABE a defender a amplicação desses rol a outros direitos, tais como os direitos à moradia, ao trabalho, ao salário mínimo, à proteção à maternidade e à infância.

STF: No AgRg no ARE 639.337\SP, a 2 Turma consignou: “A noção de ‘mínimo existencial’, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1, III, e art. 3, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar à pessoa acesso efetiva ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básico, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assitência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV)”.

158
Q

A garantia do mínimo existencial está sujeita a limitações financeiras?

A

Para alguns, os direitos inerentes ao “mínimo existencial” configuram posições jurídica de vantagens absolutas e, portanto, insuscetíveis de quaisquer restrições, incluindo de natureza orçamentária. Todavia, ensina DANIEL SARMENTO, a “escassez é um fato e, se não existerem na sociedade os recursos necessários para a garantia de prestações ligadas ao mínimo existencial, simplesmente não haverá alquimia jurídica que possa contornar o limite, que não é imposto pelo Direito, mas pela própria realidade” (2016, p. 231).

Dessarte, não se pode reconhecer a absoluta prevalência do mínimo existencial em face da reserva do financeiramente possível. Contudo, sustenta o próprio DANIEL SARMENTO (2016, p. 232), “pode-se afirmar pelo menos a forte prioridade das prestações concernentes ao mínimo existencial em relação a todas as demais despesas estatais, suscetível inclusive de controle judicial”. […]

Ademais, as preocupações com a reserva do possível remetem a outro limitador do direito ao mínimo existencial: o princípio da igualdade. É que a disponibilidade de recursos econômicos não deve ser mensurada apenas a partir de contextos concretos ou individualizados. Sob pena de ferir o princípio da isonomia, o Estado não pode ser obrigado a prestar algo, em benefício de alguém, ainda que a título de garantir o mínimo existencial, caso também devesse e não pudesse suportar a mesma prestação em favor de todas as pessoas em semelhante situação de necessidade.

OBS: No concurso para Analista Judiciário do STF (2015, Cespe), foi considerada correta a afirmação segundo a qual “A garantia do mínimo existencial, que decorre da proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, restringe a invocação da reserva do possível como óbice à concretização do acesso aos direitos sociais”.

159
Q

Fale sobre as dimensões do mínimo existencial.

A

1) Dimensão negativa do mínimo existencial: garante aos indivíduos o direito de não serem negativamente atingidos por determinadas medidas estatais (“status negativo do mínimo existencial”), o que implica pretensões de resistência contra o Estado, sobretudo em matéria de cobrança de tributos e outros encargos públicos. Essa a dimensão referente à proteção proporcionada por preceitos constitucionais como o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º), o direito à assistência e à justiça gratuitas (art. 5º, LXXIV e LXXVII), o direito à gratuidade de certos serviços públicos essenciais, como os serviços cartorários (arts. 5º, LXXVI, e 226, § 1º) e aqueles referentes aos atos necessários ao exercício da cidadania (art. 5º, LXXVII). Essa dimensão negativa também serve de fundamento à resistência contra medidas que representem retrocesso quanto a direitos fundamentais compreendidos pelo mínimo existencial (cláusula da vedação do retrocesso). 2) Dimensão positiva do mínimo existencial: também conhecida como “status positivo do mínimo existencial”, permite invocar determinadas vantagens, sobretudo com referência aos direitos sociais que assegurem ao indivíduo não somente a susbsitência, como também os meios e as condições de vida digna. Nessa dimensão, o direito ao mínimo existencial reflete-se em direitos como a garantia de percepção do salário mínimo, incluindo a garantia de atualização monetária respectiva (art. 7, IV, e art. 203, V), bem como o ensino fundamental (arts. 206, IV, c\c 208, I, § 1º, e art. 211, § 4º) e, progressivamente, o ensino médio (Art. 208, II), além dos direitos à saúde e à assistência social, com coberturas universal e gratuita (art. 194, parágrafo único, I, c\c arts. 196 e 203).

160
Q

Explique a teoria dos quatro status de JELLINEK.

A

Concebida pelo alemão GEORGE JELLINEK no final do século XIX, essa teoria defende que os indivíduos podem ver colocados sob quatro posições (status) perante o Estado:

1) status subjectionis ou passivo: os indivíduos encontram-se posicionados passivamente, i.e., em situação de mera sujeição ou subordinação aos deveres que lhe podem ser atribuídos pelo Estado;
2) status negativus ou negativo: o poder estatal não é ilimitado, de modo que as pessoas dipõem de certas liberdades em relação ao Estado, ou seja, são titulares de pretensões de resistência contra a intromissão de agentes estatais;
3) status civitatis ou positivo: os indivíduos podem estar em posição que lhes permita exigir prestações, a seu favor, a serem adimplidas pelo Estado;
4) status activus ou ativos: as pessoas detêm o poder de interferir ou influenciar na formação da vontade do Estado.

161
Q

Diferencie direito a prestações em sentido estrito e direito a prestações em sentido amplo.

A

Em sentido estrito, os direito a prestações dizem respeito a “algo que o titular do direito, caso dispusesse dos meios financeiros suficientes e encontrasse no mercado uma oferta suficiente, poderia obter também de pessoas privadas” (ALEXY, 2001, p. 428). Correspondem, portanto, ao que se cosumou chamar de direito a prestações materiais.

Em sentido amplo, compreendem objetos que o mercado não dispõe ou não tem legitimidade para oferecer. Nesse sentido, ALEXY alude a outros tipos de direitos à prestação: os direitos a proteção e os direitos a organização e a procedimentos.

162
Q

O que são direitos prestacionais originários e direitos prestacionais derivados?

A

Os direitos prestacionais originários (ou direitos originários a prestações) são aqueles que, extraídos de normas dotadas de aplicabilidade imediata, geram posições de vantagem garantidas juridicamente, mesmo quando não haja regulmanetação ou ainda que o Poder Público sequer tenha colocado o serviço à disposição dos particulares. São direitos fundamentais cuja incidência implica direitos subjetivos a seus titulares, o que lhes permite exigir judicial ou extrajudicialmente as devidas prestações do sujeito passivo de forma direita, ou seja, sem necessidade de aguardar providências ulteriores. Nesse sentido, o § 1º do art. 208 da Constituição estabelece que o “acesso ao ensino obrigatório é direito público subjetivo”, a viabilizar, por exemplo, determinações judiciais para que se matriculem crianças em escolas de ensino fundamental, a despeito da alegação de falta de vagas, sem prejuízo da responsabilização do Estado (§ 6º do art. 37, c\c § 2º do art. 208). Também são exemplos de direitos prestacionais originários: (a) o direito das crianças ao atendimento em creches e pré-escolas (inciso IV do art. 2018 da Constituição) - 2 Turma do STF, ArGr no RE 410.715\SP; (b) a gratuidade do transporte coletivo urbano às pessoas idosas (§ 2º do art. 230) - Plenário do STF, ADIn 3.768\DF; (c) a garantia de gratificação natalina a aposentados e pensionistas (§ 6º do art. 201) - 1º Turma do STF, RE 206.074\SP.

Já os direitos prestacionais derivados (ou direitos derivados a prestações) são os que “não se realizam, inteiramente, sem a prévia regulamentação, ou seja, sem a prévia existência de uma política, de um serviço e\ou de um rubrica orçamentária” (CLÉVE, 2006, p. 34). Nessa categoria inclui-se a maior parte dos direitos sociais, por dependerem de prévia providências legislativas e administrativas para se tornarem exigíveis e serem adimplidos. Daí que, à falta dessas providências, tais direitos não geram posições de vantagem qualificadas como direitos subjetivos, o que impede sejam exigidos judicialmente. São aqueles direitos a prestação cujos deveres correspondente estão diretamente sediados em normas infraconstitucionais, de acordo com as previsões ditadas pelo poder de conformação legislativa. Exemplo: os direitos sociais previstos no art. 6º, com exceção daquelas prestações que se considerem abrangidas pelo mínimo existencial.

STF: Além dos precedentes do STF indentificado no texto acima, cumpre transcrever parte da ementa do AgRg no RE 393.175\RS, pela qual a 2 Turma da Corte acabou por reconhecer o caráter originário do direito das pessoas carentes ao fornecimento gratuito de medicamentos considerados indispensáveis: “O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa consequência constitucional indissociável do direito à vida”.

163
Q

Quais são os limites judiciais referentes à definição dos rumos das política públicas quando se trata de assegurar o adimplemento dos direitos fundamentais à prestação?

A

Sobre o assunto, sustenta VIEIRA DE ANDRADE (2001, p. 386), “na maior parte dos casos, o juiz tem de aceitar o poder de conformação do legislador e só em casos excepcionais ou em aspectos limitados se poderá concluir pela violação, que terá de ser manifesta, das normas constitucionais.” Também para CANOTILHO (2008, p. 15-68), embora os tribunais não possam “ficar alheios à concretização das normas directoras da constituição social, também não deveriam impor “à metódica constitucional a criação de pressupostos de facto e de direitos claramente fora da sua competência ou extravasando os limites jurídicos-funcionais”. Daí, conclui CANOTILHO, os “tribunais não podem neutralizar a liberdade de conformação do legislador, mesmo num sentido regressivo, em épocas de escassez e de austeridade”. STF: No AgRg no RE 410.715\SP, a 2 Turma do STF decidiu que, embora “resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional”

164
Q

Direitos fundamentais concedem a seus titulares pretensões juridicamente tuteláveis pelo Judiciário e suficientemente legítimas para alterar a vinculação ou a alocação de recursos decidida pelo Legislador e pelo Executivo?

A

Para GONET BRANCO, em opinião compartilhada pela maioria de doutrina, na “medida em que a Constitução não oferece comando indeclinável para as opções de alocação de recursos, essas decisões devem ficar a cargo de órgão político, legitimado pela representação popular, competente para fixar as linhas mestras da política financeira e social”. […] Porém, ao tratar da escassez de recursos estatais e a necessidade de garantir o “mínimo existencial”, DANIEL SARMENTO lembra que o Estado “não poderá denegar prestações voltadas ao atendimento de necessidades básicas das pessoas, sob a invovação de ausência de recursos, se estiver realizando despesas supérgluas - obras de embelezamento, publicidade, promoção de festas e eventos etc.” (2016, p. 232).

165
Q

Qual a opinião de ALEXY sobre a reserva do possível e o mínimo existencial?

A

Se a reserva do financeiramente possível pode ser entendida como princípio que se contrapõe à efetividade dos direitos a prestações materiais, a doutrina passou a construir raciocínios pelos quais esse princípio não é absoluto, nem serve de desculpa peremptória para desonerar o Estado do cumprimento, pelos menos das prestações compreendidas pelo direito ao mínimo existencial. Os fundamentos de uma e outra teoria já foram expostos anteriormente, o que dispensa novos detalhamentos. Contudo, segundo lições de ALEXY, cabe enfatizar que: (a) a dependência dos direitos sociais a questões orçamentárias não significa a ineficácia nem a inexistência desses direitos, senão apenas reforça a necessidade de juízos de ponderação que considerem, também, a reserva do financeiramente possível; (b) a própria identificação dos direitos abrangido pelo mínimo existencial passa pela prévia ponderação de princípios e bens constitucionais colidentes, entre os quais se insere o problema do financeiramente possível; (c) os direitos ligados ao mínimo existencial são aqueles que implicam deveres “definitivos” do Estado, contra os quais já não caberá invocar a reserva do possível, pois a ponderação terá revelado não existirem razões suficientemente fortes, tampouco aquelas de ordem orçamentária, que justifique a recusa em cumpri-los. Vírgulio Afonso da Silva sobre o mínimo existencial: […] Quando se analisou o suporte fático dos direitos sociais, o resultado foi um suporte nos seguintes moldes: se x é uma ação estatal que fomenta a realização de um direito social (DSx) e a inércia (ou insuficiência) estatal em relação a x não é fundamentalmente constitucional (¬FC(IEx)), então, a consequência jurídica deve ser o dever de realizar x (Ox). O conteúdo essencial de um direito social, portanto, está intimamente ligado, a partir da teoria relativa, a um complexo de fundamentações necessárias para a justificação de eventuais não-realizações desse direito. Em outras palavras: tanto quanto qualquer outro direito, um direito social também deve ser realizado na maior medida possível, diante das condições fáticas e jurídicas presentes. O conteúdo essencial, portanto, é aquilo realizável nessas condições. Recursos a conceitos como “mínimo existencial” ou a “reserva do possível” só fazem sentido diante desse arcabouço teórico. Ou seja, o mínimo existencial é aquilo que é possível realizar diante das condições fáticas e jurídica, que, por sua vez, expressam a noção, utilizadas às vezes de forma extremamente vaga, de reserva do possível. (p. 205)

166
Q

Em que consiste a assim chamada metodologia fuzzy e qual sua relação com a aplicação dos direitos fundamentais?

A

As ciências sociais são frequentemente criticadas por utilizarem metodologia “fuzzy” - métodos confusos, indeterminados e vagos - para tratar dos respectivos objetos de estudo. E, no âmbito da ciência jurídica, é sobretudo a teoria dos direitos fundamentais que recebe mais críticas dessa ordem. Segundo CANOTILHO (2004, p. 100), “paira sobre a dogmática e teoria jurídica dos direitos econômicos, sociais e culturais a carga metodológica da ‘vaguidez’, ‘indeterminação” e “impressionismo” que a teoria da ciência vem apelidando, em termos caricaturais, sob a designação de ‘fuzzysmo’ ou ‘metodologia fuzzy’.” Ainda para CANOTILHO, ao “falarem de direitos económicos, sociais e culturais os juristas não sabem muitas vezes do que estão a falar” (2004, p. 124). Daí por que os constitucionalistas haveriam de “ter consciência dos seus limites e reconhecer com humildade que a constituição já não é o lugar do superdiscurso social” (2004, p. 125). De fato, embora admita as sérias dificuldades que envolvem a efetivação dos direitos a prestação, a doutrina jurídica não aponta soluções claras à questão. Em geral, não aceita mais o caráter “meramente” programático das normas definidoras de direitos a prestações, porém tampouco reconhece que delas surjam direitos subjetivos plenamente exigíveis em face do Estado. Fica-se, então, num desconfortável meio-termo, entre o caráter jurídico-vinculante das normas de direitos fundamentais a prestação e os obstáculos que lhe são contraposto, como a reserva do financeiramente possível e a liberdade de conformação legislativa do conteúdo desses direitos fundamentais. […] Infelizmente, parece que o atual estágio da teoria dos direitos fundamentais não conseguiu ainda afastar por completo essa metodologia fuzzy. Decerto porque não se trata de problema somente jurídico, mas que envolve a ciência política e, sobretudo, a economia. […] Uma das mais bem-sucedidas tentativas de estruturar um método “coerente” a respeito dos direitos fundamentais é aquela elaborada por ALEXY, no clássico Teoria dos Direitos Fundamentais. Nada obstante, mesmo uma teoria muito bem elaborada, como a de ALEXY, parece não fugir do camaleão normativo identificado por CANOTILHO, pois tampouco deixa de padecer daquela “confusão entre conteúdo de um direito juridicamente definido e determinado e sugestão de conteúdo sujeita a modelações político-jurídicas cambiantes” (2004, p. 101).

167
Q

Alexy aceita o caráter programático da normas relativas a direitos fundamentais sociais?

A

ALEXY defende um modelo normativo dos direitos sociais baseado na ponderação de princípios (2001, p. 482-500). Para ele, o fato de os direitos sociais dependerem de questões financeiras não implica a inexistência desses direitos, seja porque alguns direitos podem ter mais peso que as razões financeiras do Estado, seja porque todos “os direitos fundamentais limitam a competência do legislador” (2001, p. 495). Desse modo, não há falar-se em direitos sociais baseados em normas meramente programáticas, sem caráter vinculante, e sim em direitos vinculantes prima facie, porém abertos a ponderações que lhe podem reduzir o âmbito de proteção definitiva. Nessa linha, direitos vinculantes prima facie gera deveres estatais igualmente prima facie, mas um dever prima facie conduz a um dever definitivo quando inexistirem razões aceitáveis para não se cumpri-lo. E mesmo que o cumprimento dos direitos sociais se sujeite a limitações fundadas em questões de competência legislativa e problemas financeiros, a reserva do possível não importa na “ineficácia” desses direitos. Simplesmente indica a necessidade de utilizar mecanismos de ponderação para definir quais deveres definitivos se extraem de direitos prima facie. Já os direitos ligados ao mínimo existencial geram deveres definitivos, pois as ponderações realizadas podem conduzir a diferentes direitos definitivos.