Teoria da Constituição - Juliano Taveira Bernardes Flashcards
Qual a diferença entre Estado e Nação?
“Estado é a entidade político-social juridicamente organizada para executar os objetivos da soberania nacional”. Nação constitui um “conjunto homogêneo de pessoas que se consideram ligadas entre si por determinado vínculos (linguístico, étnicos, geográficos, religiosos, culturais) Nação: realidade sociológica. Estado: realidade jurídica.
Quais são os elementos do Estado?
1) elemento espacial: território; 2) elemento pessoal: povo; 3) elemento organizativo: governo-poder (soberano). Atenção: Não há falar-se em Estado: (a) se o respectivo povo está privado de território (tal como os ciganos e os judeus - antes da criação do Estado de Israel); (b) se o povo vive em território sob a soberania de outros povo (ex.: os curdos ocupam território definido, mas não têm soberania sobre ele); (c) num território sem povo, tal como nas regiões polares (CENEVIVA); e (d) em relação a territórios colonizados, cuja soberania é exercida pelo Estado colonizador.
Quais são os pressupostos de existência do Estado Federal?
São pressupostos de existência do Estado federal: a) descentralização política prevista na própria constituição do Estado (repartição constitucional de competências), o que impede a livre ingerência por parte do poder central; b) participação das ordens jurídicas parcial (Estados-membros) na vontade criadora da ordem jurídica nacional, por meio de órgão representativo próprio (Senado ou Câmara Alta); c) auto-organização assegurada aos Estados-membros, mediante constituições estaduais (poder constituinte decorrente); e d) princípio da indissociabilidade (ou indissolubilidade) dos Estados-membros, que não possuem soberania para separarem-se do ente federalizado (proibição de secessão).
Quais são os pressupostos de manutenção do Estado Federal?
1) a rigidez constitucional; e 2) a existência de órgão, criado pela constituição, para realizar o controle de constitucionalidade das leis e decidir conflitos de competências entre as entidades federativas.
O que é o federalismo centrípeto e o federalismo centrífogo?
Os Estados federalizados formam-se por agregação ou por segregação. No primeiro caso, Estados pré-existentes renunciam à própria soberania para aglomerarem-se sob nova formação comum, que passará a ser detentora única da soberania e da personalidade de direito público externo (federalismo centrípeto). Exemplos: EUA e Alemanha. No segundo caso, o Estado é formado pela descentralização de um Estado unitário em vários centros de competência autônomos (federalismo centrífugo). Exemplos: Brasil, México e Argentina.
Quais são as principais diferenteças entre Federação e Confederação?
Estado federal - fundamento jurídico: Constituição < - > Estado Confederado - fundamento jurídico: tratado internacional Estado federal - Unidades parciais (Estados-membro) não possuem direito de secessão (princípio da indissociabilidade-indissolubilidade) < - > Estado Confederado - Unidades parciais possuem direito de secessão Estado federal - Unidades parciais detêm autonomia < - > Estado Confederado - Unidades parciais detêm soberania
Quais são as missões básica do Executivo?
Intervenção, fomento e serviço público.
A administração interna feita pelo Judiciário e Legislativo pode ser considerada uma exceção ao princípio da separação dos poderes?
A administração interna feita pelo Judiciário e Legislativo é função atípica desses Poderes, mas não constitui exceção ao princípio da divisão. Nesse sentido, para o STF, tanto o auto-governo quanto a existência de espaços variáveis de autonomia financeira e orçamentária fazem parte da independência dos Poderes (ADIn 135-PB).
Quais são as principais características de um governo republicano? Qual a diferença entre república e democracia?
1) temporariedade dos governos; 2) sucessão governamental por critérios eletivos (eletividade); 3) responsabilidade do governante e de todos demais agentes públicos; 4) representatividade popular (o exercício da função pública e os poderes a ele inerentes têm base na soberania popular).
Obs: São espécies republicanas: a) República aristocrática: o governo é exercido por alguma classe privilegiada, geralmente a nobreza; b) República democrática: considera o povo como titular do poder estatal. Importante: Atualmente, a qualificação “democrática” que se possa dar a algum governo não diz propriamente respeito à forma em que se exerce, senão ao regime político do Estado.
FOLHA:
Vira e mexe ouvimos alguém falar dos ‘princípios republicanos’ ou de violências contra a ‘República’. Do ponto de vista técnico, esse termos não significam muita coisa. É apenas uma muleta da retórica política. Quase sempre o que os políticos querem dizem é que é algo imoral ou não democrático. Mas isso não tem nada a ver com república. No mundo contemporâneo, o oposto de “República” é “monarquia”. Mas é perigoso confundirmos República com democracia ou moralidade, ou dizer que regimes monárquicos são menos democráticos que os republicanos. Mesmo se considerarmos democracia como apenas a existência de eleições justas, periódicas e transparentes, ou a existência de governos moralmente sóbrios, veremos que nem toda República é democrática ou possui um governo com boa moral. Basta olhar algumas Repúblicas como o Zimbábue ou Angola. Por outro lado, vários países sob os quais não paira qualquer dúvida se são democráticos e com governos de boa moral, são monarquias. Reino Unido, Dinamarca, Espanha e Mônaco, e.g., são todos monarquias. Você tem alguma dúvida que os direitos à cidadania, soberania, dignidade, pluralismo político e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa são mais respeitados em Londres e Copenhague do que em Luanda e Harare?
Além disso, mesmo que deixemos eleições e moralidade dos chefes de governo de lado, veremos que o fato de um país ser uma República não quer dizer necessariamente que a população estará em uma situação melhor do que as populações vivendo em países sob regimes monárquicos. Se olharmos os 10 países com melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Dezembro de 2008, veremos que 5 (Noruega, Holanda, Suécia, Japão e Luxemburgo) são monarquias, e outros 2 (Canadá e Austrália) possuem a rainha da Inglaterra como chefe de Estado, já que são parte do Common Wealth. Por outro lado, se olharmos os 10 países com piores índices de desenvolvimento humano, veremos que todos são Repúblicas: Serra Leoa, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Libéria, Moçambique, Níger, Burkina Faso, Burundi, Guine Bissau e Chad.
A intenção aqui não é fazer apologia desta ou daquela forma de governo, mas temos que ter cuidado para não nos deixarmos iludir por frases de efeito sem qualquer conteúdo.
A frase pronunciada acima teria sido muito melhor se fosse algo como “atentado contra (o princípio) da moralidade”. Este sim, não só tem um significado técnico, como está claro no art. 37 da Constituição Federal e pode, sim, ser usado para abrir um processo contra quem o quebra.
Diferença entre república e democracia:
Democracia é um Regime Político em que o governo é exercido por representantes eleitos pelo povo. República é a Forma de Governo em que a Chefia do Estado é exercida por mandatários não hereditários. Uma democracia pode não ser republicana quando o governo for exercido por representantes eleitos mas a Chefia do Estado for exercida por mandatários hereditários, que é o caso das monarquias. Uma república pode não ser democrática quando a chefia do estado e do governo for exercida por mandatário não eleito. Além do Regime Político e da Forma de Governo existe, ainda, o Sistema de Governo, que pode ser parlamentarista, quando o governo é exercido pelo parlamento por meio de seu lider, denominado “Primeiro MInistro”. Isso pode acontecer em monarquias ou repúblicas. E, nas repúblicas, o sistema é presidencialista quando o poder executivo do governo é exercido por um mandatário eleito. Nas monarquias absolutistas, o Chefe do Estado, normalmente, também é o Chefe do Governo.
REPÚBLICA:
Estado republicano é uma forma de governo ou uma estrutura política de poder em que o bem comum está acima de interesses particulares, de classes, grupos, corporações ou famílias. Surgido em Roma, nesse modelo, o chefe de Estado permanece no poder por tempo limitado e é escolhido pelo povo.
É o regime onde o Estado é soberano e o governo passageiro. Por esse motivo, o poder do chefe de Estado não é ilimitado e a escolha ocorre por meio do voto popular, que pode ser facultativo ou obrigatório (como ocorre ainda no Brasil, mesmo sendo uma democracia).
A permanência do chefe de Estado no poder é limitada. No Brasil, ocorre por quatro anos, que podem ser renovados por mais quatro desde que o administrador eleito seja novamente aprovado por voto popular.
Características
Defende o patrimônio público
Os cidadãos participam da definição de novas políticas
Utiliza funcionários governamentais
Institui o regime de cobrança de impostos
A escolha dos representantes é feita pelo voto popular
O poder é descentralizado, dividido entre executivo, legislativo e judiciário
Quais são as características do sistema presidencialista de governo?
a) Criação norte-americana (Constituição de 1787); b) típico das Repúblicas; c) Poder executivo é exercido pelo Presidente da República, que acumula as funções de Chefe de Estado e de Chefe de Governo d) a investidura e o exercício do mandato do Presidente independem da vontade do legislativo. e) Poder Legislativo não se sujeita à dissolução e seus membro são investidos em mandato com termo certo; f) há maior independência entre os Podes Executivo e Legislativo.
Quais são as características do sistema parlamentarista?
a) O Poder Executivo é dividido entre chefia do Estado (exercida pelo monarca ou pelo Presidente) e a chefia do Governo (de atribuição do Primeiro-Ministro); b) o Chefe do Estado nomeia ou indica o Primeiro-Ministro; c) o Primeiro-Ministro é quem nomeia ou indica os demais Ministros; d) a aprovação pela Assembleia do Primeiro-Ministro e de seu Ministérios dá-se em conjunto, juntamente com a deliberação sobre o plano de governo, ratificando-os policamente perante o povo; e) o governo deve confiança ao Parlamento; f) quebrada a confiança, formalizada por uma moção de desconfiança ou voto de censura (ambos de deliberação do Parlamento), é dissolvido o governo, que não possuia investidura por termo certo; e g) o Chefe do Estado poderá dissolver o Parlamento e convocar novas eleições, a fim de se apurar o grau de confiança dos parlamentares perante o povo.
Defina brevemente democracia e seu oposto?
A) Democracia: a soberania é da titularidade do povo, de forma que o governo é organizado “de baixo para cima”, conforme a vontade popular. Nos regimes democráticos, o poder político é concedido pelo Estado à parcela de indivíduos que constituem o “povo”. Enfim, a democracia pode ser sucintamente definida como processo de convivência social em que o poder emana do povo e há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em proveito do povo.
B) Autocracia: a estruturação de governo ocorre “de cima para baixo”, privilegiando-se a soberania do governante, ou seja, o princípio do chefe, Segundo MARCELO CARTANO, autocrático é aquele regime em que o poder político (incluindo o poder constituinte) é exercido em nome próprio, por uma pessoa ou por um grupo social (classe, casta, partido ou corporação).
Conceitue brevemente forma de estado, forma de governo e sistema de governo.
Forma de Estado: Modo como se estrutura e se organiza policamente um entidade estatal. Definida de acordo com o grau de centralização dos poderes estatais.
Forma de Governo: Modo de atribuição do poder governamental. Definida de acordo com o posicionamento dos órgão constitucionais em relação uns aos outros.
Sistema de Governo: Conjunto de norma que estabelecem como será a relação entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo.
Em sentido amplo, qual o conceito de constitucionalismo?
Em sentido lado, o constitucionalismo surge a partir do momento em que grupos sociais, racionalmente ou não, passam a contar com mecanismos de limitação do exercício do poder político. Nessa acepção ampla, configura-se independentemente da existência de normas escritas ou de desenvolvimento teórico.
Discorra brevemente sobre a passagem do constitucionalismo liberal para o constitucionalismo social.
Conforme SARMENTO e SOUZA NETO (2017, P. 83), se, no “constitucionalismo liberal, o Estado era o ‘guarda noturno’, que se dedicava apenas à garantia da segurança dos negócios privados, no constitucionalismo social ele assume um papel muito mais ambicioso na vida econômica”, incorporando “funções ligadas a prestações de serviços públicos para promover a igualdade material, por meio de políticas públicas redistributivas e fornecimento de prestações materiais para as camadas mais pobre da sociedade como saúde, educação e previdência social”.
CONSTITUCIONALISMO LIBERAL:
Para muitos, o constitucionalismo se inicia, de fato, a partir desse momento. Essa segunda fase, a que chamamos de constitucionalismo liberal, tem início no final do séc. XVIII com as revoluções liberais (Francesa e Americana), que resultaram na queda das grandes monarquias, provenientes da união da burguesia com o chamado Terceiro Estado (povo), em busca de direitos libertários. O contexto histórico, como vimos, era o absolutismo, daí porque os direitos individuais, também chamados de liberdades públicas, tornaram-se o núcleo das revoluções liberais. Foi aqui, a partir dessas revoluções, que ocorreu o surgimento das primeiras constituições escritas. O que se buscava com essas revoluções era a liberdade dos cidadãos em relação ao autoritarismo do Estado. Foi a partir daí que houve a necessidade de prever quais eram os direitos de cada indivíduo, evitando a atividade arbitrária do Estado. Essa instrumentalização dos direitos individuais veio por meio das primeiras Constituições escritas. Sob a influência do iluminismo liberalista, sentiu-se a necessidade de garantir taxativamente as liberdades individuais, fazendo-o por meio de leis.
(…)
Por influência do liberalismo iluminista, assim, criava-se a concepção do Estado mínimo como proteção às garantias individuais. O principal valor aqui, portanto, era a liberdade. É nessa época que surgem os chamados direitos de primeira dimensão (liberdades públicas). A atuação do Estado deveria limitar-se à defesa da ordem e segurança pública, de onde nasce o princípio da legalidade adminitrativa como subordinação à lei (os particulares podem fazer tudo o que a lei não veda, mas a Administração só pode fazer o que a lei permite). O Estado de Direito, nessa fase, é sinônimo de Estado Liberal. A característica marcante é o abstencionismo estatal, a garantia das liberdades públicas. Com isso, asseguram-se os direitos de primeira dimensão, que se referem aos direitos civis e políticos, como reivindicação das revoluções liberais. O Estado liberal, então ganha contornos bem definidos, seja no plano político (poder limitado pelo Direito), seja no plano econômico (Estado mínimo, não intervenção estatal). A instrumentalização desse Estado de Direito (Estado liberal) deu-se, então, a partir das primeiras Constituições escritas (constituições negativas), limitando a atuação estatal (abstencionismo), através das liberdades e direitos individuais (direitos de primeira geração). As duas experiências que impulsionaram todas essas mudanças foram as chamadas revoluções liberais Francesa e Americana. Mas grandes diferenças tivemos entre ambas. O constitucionalismo contemporâneo, aliás, vai ser exatamente o resultado da junção dessas duas experiências.
Com relação à experiência Francesa, tratou-se de uma sangrenta revolução que durou 10 anos, iniciando-se em 1789 com a convocação dos Estados Gerais e a Queda da Bastilha, encerrando-se em 1799 com o golpe de estado de Napoleão Bonaparte. Estava em causa a ruptura do regime absolutista e os privilégios do clero e da nobreza. O movimento tinha como ideário a democracia, a abolição da servidão e dos direitos feudais, proclamando o princípios universais da “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Diante desse contexto, surgiu, então, a Constituição Francesa de 1791, inspirada na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que lhe serviu de preâmbulo. Daí vieram, então, os direitos de primeira geração, as chamadas liberdades públicas. Era uma Constituição extremamente prolixa e sem rigidez, porque na Europa a Constituição era um documento de cunho político (carta de intenções), e não jurídico (vinculante). Na verdade, a supremacia constitucional só veio surgir com a experiência constitucional americana. Na Europa, a supremacia não era da Constituição, mas sim do Parlamento. Essa é a diferença substancial os dois movimentos. Na França, temos o Parlamento acima da Constituição. Nos Estados Unidos, temos a Constituição acima do Parlamento. Por consequência, na experiência francesa temos um judiciário fraco e na experiência americana temos um judiciário forte.
(…)
Logo, ao contrário do movimento europeu, em que havia desconfiança do judiciário e aumentava-se o poder do Parlamento, no modelo americano o inverso ocorre, havendo desconfiança com o parlamento e aumentando-se o poder do Judiciário. Quer dizer, o judiciário naquela época era o mais fraco dos poderes, tendo sido fortalecido na experiência americana. Daí porque foi ao judiciário a quem ficou incumbida a missão de exercer o controle de constitucionalidade e garantir a supremacia constitucional. Por isso, inclusive, que a Constituição americana nem contemplou direitos individuais, preferindo deixar a garantia destes ao judiciário do que ao parlamento. Enquanto a primeira Constituição francesa (1791) foi exageradametne prolixa, contendo os direitos e liberdades individuais como ideal político, a Constituição americana (1787) foi extremamente concisa. Preferiram inicialmente deixar somente ao judiciário a missão da efetivação dos direitos e garantias individuais, ao invés de transferí-los ao legislador, tendo sido acrescentados à Constituição americana de 1787 somente em momento posterior, via emendas. Se, de um lado, o avanço na garantia das liberdades individuais foi fruto inicial da experiência francesa, de outro lado, na experiência americana tivemos a garantia jurisdicional, além da supremacia constitucional e o início do controle de constitucionalidade.
CONSTITUCIONALISMO SOCIAL
Com o fim da I Guerra Mundial inicia-se uma nova fase do constitucionalismo, o chamado constitucionalismo social, que durou no período entre guerras, findando com o término da II Guerra Mundial, em meados do séc. XX. Esse fenômeno ocorreu porque, após a 1ª Guerra Mundial, tivemos um resultado devastador para o mundo, ficando algumas sociedades, inclusive nações européias, em grande ruína e com multidões de desvalidos, pessoas sem condições básicas de sobrevivência. Tudo isso acabou levando a necessidade de garantir nas Constituições a proteção dos chamados direitos sociais. Diante do contexto catastrófico surgido após a I Guerra Mundial, o Estado não podia ficar inerte. Não bastava mais o Estado apenas se abster e respeitar as liberdades individuais, era preciso assegurar direitos mínimos sociais. Nesse momento, novos movimentos revolucionários surgiram ao redor do mundo, inclusive com o comunismo passando a ganhar força. Começou-se a perceber um esgotamento da idéia liberal, que protegia apenas os direitos de liberdade, mas não os sociais. A mantença do Estado Liberal estava levando a desigualdades sociais gritantes. Urgia a intervenção estatal. De nada valeria a liberdade sem a igualdade material. E se esta não estava sendo atingida pelo Estado liberal (Estado abstencionista), caberia ao Estado social agir (Estado prestacional).
Dessa forma, diante da impossibilidade do constitucionalismo liberal atender as demandas sociais que abalavam o século XX, surgiu o constitucionalismo social e, junto com este, os direitos e garantias fundamentais de segunda dimensão: os chamados direitos sociais ou coletivos. A grande marca desse novo período, entao, é que a atuação estatal limitada e a interferência mínima na esfera privada acabou sendo abrandada pela necessidade do Estado regular, também, os direitos sociais. Com o passar do tempo, os direitos amparados nas Constituições foram ampliados para além dos direitos e liberdades individuais. Nesse contexto de transformação do Estado de Direito (do liberal para o social), temos duas Constituições que se destacaram: a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição Alemã de Weimar de 1919, ambas consagraram direitos coletivos e deram início ao Estado Social. Isso não significa que anteriormente não haviam direitos sociais, a própria Constituição Francesa de 1791, por exemplo, ainda que por influência da revolução liberal, já continha naquela época alguns direitos sociais previstos em seu texto. Contudo, isso não era uma tradição dentro do constitucionalismo, mas foi a partir dessas duas Constituições (Constituição Mexicana de 1917 e Constituição de Weimar de 1919) que passam a ser consagrados de forma mais sistemática os direitos sociais. Antes disso, embora até pudessem existir direitos sociais de forma remota em documentos esparsos, não há como se falar em Estado Social.
(https://jus.com.br/artigos/26028/a-evolucao-da-teoria-constitucional-e-as-perspectivas-para-o-constitucionalismo-do-futuro)
Qual a tese central do positivismo?
Em termos metodológicos, o positivismo é a corrente filosófica que defende, basicamente, a separação entre direito e moral (tese da separação ou da neutralidade). Como defendem positivistas clássicos como KELSEN, HART e BOBBIO, a validade de uma norma jurídica não implica necessariamente a respectiva validade moral, nem vice-versa. Embora haja ligações históricas, sociais, políticas e até linguísticas entre direito e moral, elas são meramente contingentes, e não lógica e conceitualmente necessárias. O direito não é necesariamente justo; mesmo o direito considerado injusto não deixa de ser direito.
Qual é a principal ideia da corrente jusnaturalista e qual sua relação com as atuais teses não positivistas?
O direito natural parte do pensamento segundo o qual existe um conjunto de leis perfeitas que a racionalidade humana consegue apenas revelar, mas cuja criação se deve, seja à divindade, seja à natureza. Dessarte, o direito natural pressupõe código de ética universalmente aceito e racionalmente perceptível a partir de leis divinas ou da natureza. […] A exemplo dos jusnaturalistas, os adeptos do não positivismo também defendem teses da vinculação entre o direito e a moral. Porém, o pensamento não positivista se distanciou dos problemas metodológicos dos jusnaturalistas, pois encontrou novas justificativas para suas teses não separatistas. Ao florescerem no segundo pós-guerra, em ordenamento jurídico repletos de princípios, as ideias não positivistas passaram a sustentar que o direito se tornara um ciência “prática”, orientada por “razões” também práticas, embasadas em preceitos morais. Dessarte, na presença de princípios morais positivados, sobretudo, no direito constitucional, o “direito funciona como se vigorasse um direito natural” (ZAGREBELSKY, 2003, P. 119), mas sem incorrer na falácia naturalista.
Quais são as principais características do positivismo?
1) aproximação quase plena entre direito e norma; 2) a afirmação da estatalidade do direito; 3) a completude do ordenamento jurídico; e 4) o formalismo jurídico e o dogma da subsunção (Barroso).
Qual a principal tese do neoconstitucionalismo?
[…] o neoconstitucionalismo teria inaugurado a fase do pós-positivismo, i. e., a “designação provisória e genérica” de um ideário difuso”, que incluiria “algumas ideias de justiça além da lei e da igualdade material mínima, advindas da teoria crítica, ao lado da teoria dos direitos fundamentais e da redefinição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica” (Barroso, 2009). Nesse sentido, para DANIEL SARMENTO e CLÁUDIO PEREIRA DE SOUZA NETO, por exemplo, o “pós-positivismo” se caracterizaria “por buscar a ligação entre o Direito e a Moral por meio da interpretação de princípios jurídicos muito aberto, aos quais é reconhecido pleno caráter normativo” (2017, p. 201).
Para os autores, a tese positivista ainda tem relevância nos dias de hoje ?
[…] a escola positivista se atualizou e se mantém atual, ao contrário do que equivocamente sugere a terminologia “pós-positivismo”. As veemente críticas lançadas ao positivismo clássico foram superadas, incluindo a questão da utilização de princípios jurídicos de conteúdo moral, além de problemas como a dicotomia subsunção-ponderação. Claro que a tensão entre as doutrinas posistivista e não positivista segue forte, principalmente pela repercussão dos escritos de DWORKIN, ALEXY e ZAGREBELSKY. Todavia, não parece que as inovações atribuídas ao neoconstitucionalismo sepultaram o positivismo jurídico, cujas teses, baseadas na distinção entre o direito e a moral, foram remodeladas e seguem servindo de explicação para o funcionamento dos sistema jurídicos contemporâneos. Afinal, o positivismo contemporâneo não nega que o direito positivo possa determinar sejam considerados preceitos morais (c.g., o princípio da moralidade previsto no caput do art. 37 da Constituição), apenas defende ser papel do próprio direito positivo decidir se tais considerações devam ou não ser feitas. Se até as teses da neutralidade moral do direito aceitam a positivação jurídica de normas morais; e se as constituições contemporâneas incorporaram vasta gama de princípios morais em seus catálogos de direitos fundamentais; perde bastante interesse o velho conflito entre positivistas e não positivistas, porquanto não há mais necessidade de recorrer a uma moral extrajurídica para justificar a validade ou invalidade de normas jurídica adjudicadas pelos juízes em casos difíceis. Como resumiu FERRAJOLI, o processo de positivação do direito natural fez com que o antigo conflito entre positivistas e jusnaturalistas perdesse, “em grande parte, seu significado filosófico-político, ao terem sido mudados os termos da separação entre direito e moral, entre validade e justiça” (2002, p. 288). Enfim, as aplicações das teses defendidas pelos “pós-positivistas” brasileiros, basicamente, não se diferem daquelas decorrentes das teses estrangeiras “não positivistas” que os inspiraram. Nada obstante, elas também podem ser acomodadas nas versões mais atualizadas do positivismo contemporâneo. Como explicou BERNAL PULIDO (2007), o “neoconstitucionalismo não implica necessariamente a aceitação de uma ideia semelhante de Constituição a um sistema axiológico independente de seu texto” (p. 302). Logo, até a tese dos direitos fundamentais como princípios aplicáveis mediante ponderação pode ser compatibilizada ao positivismo atual, pois o “próprio conceito de princípio, assim como a ideia de ponderação, partem da base segundo a qual as disposições de direito fundamental são indeterminada e impõe a ser intérpretes levar a cabo sua concretização” (p. 305). […]
Qual a relação que DIETER GRIMM traça entre o Estado Constitucional e o patriotismo constitucional?
Ao comentar o patriotismo constitucional após a reunificação alemã, sustenta DIETER GRIMM (2006, p. 94) que, entre os motivos do êxito do Estado Constitucional, o “mais importante é que a população se identifique com a Constituição e não honre violações constitucionais por parte de instâncias políticas. Para políticos que sempre recaem em situações nas quais as vinculações constitucionais perturbam seus planos políticos, não pode valer a pena desprezar a Constituição”.
O fenômeno da constitucionalização do direito privado se materializa por meio de que fatores?
1) da disciplina constitucional de institutos de direito privado (casamento, família, relações trabalhistas); 2) da interpretação conforme a constituição de disposições normativas referentes ao direito privado; e 3) de teorias e deciões a defender a intitulada “eficácia horizontal” dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas.
Qual o conceito de Constituição de Lassalle?
Para LASSALLE, “A constituição jurídica apenas incopora em documento escritos os fatores reais do poder, sem a concorrência dos quais a constituição não passaria de uma ‘folha de papel’. Esses fatores reais do poder é que são a essência da ‘constituição real’ de um país. Por isso, a verdadeira constituição baseia-se nos fatores reais e efetivos do poder. As constituições escritas só têm valor e durabilidade se exprirem fielmente correspondência com esse fatos reais de poder”. (p. 84)
Qual é o conceito ideal da Constituição?
O constitucionalismo é o movimento político que propugna pelo estabelecimento de uma Constituição que limite e organize o exercício do poder político. O primeiro constitucionalismo foi liberal, inspirado pelas revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, advindas da insurgência contra o Estado absolutista. Sua preocupação primeira era com o estabelecimento de constituições que limitasse o exercício do poder político, impedindo o arbítrio dos governantes. Para realizar essa função, as constituições deveriam possuir normas com dois conteúdos: normas instituidora de direitos individuais e normas que organizassem o Estado de acordo com o princípio da separação dos poderes. O arranjo institucional integrado por esses dois elementos configuraria um Estado constitucional moderado, capaz de proteger a vida, as liberdades, a segurança e propriedade dos indivíduos. A teoria da Constituição produzida até o século XX dedicou grande atenção ao problema da vinculação das constituições a esse conteúdo material, ora proclamando esse vínculo, ora criticando o idealismo que o sustenta. A primeira linha se identifica à formulação de um conceito ideal da Constituição. O conceito é ideal por ser formulado em razão da própria matéria que a Constituição deve conter: aquela correspondente ao modelo liberal de Estado. O papel das constituições é organizar o exercício do poder político e limitá-lo. Os documentos normativos que não tratam dessa matéria não podem ser considerados constitucionais, mesmo que sejam assim intitulados. O constitucionalismo, como movimento político, só teria sentido se a Constituição fosse concebida em conformidade com o seu conceito ideal, que veicula os objetivos de racionalizar, limitar e moderar o exercício do poder político. Obs: com o predomínio do positivismo jurídico, a concepção ideal da Constituição cedeu espaço a outras construções, mais focadas na forma constitucional do que no seu conteúdo. Todavia, com a crise do positivismo, a partir da segunda metade do século XX, o componente ideal volta a penetrar em teorias e filosofias contemporâneas da Constituição, agora associada a outras dimensões. O elemento ideal, porém, é enriquecido com novos aportes, relacionados a temas como democracia e igualdade material, que não se enquadravam na moldura do liberalismo-burguês dos século XVIII e XIX.
Qual o conceito de Constituição de Carl Schimitt?
No importante debate constitucional travado no cenário da Constituição de Weimar surgiram teorias alternativas tanto ao idealismo da corrente liberal quanto ao formalismo de Kelsen e de outros positivistas. Os protagonistas daquele debate sustentavam, de diferentes maneiras, teorias constitucionais centradas na realidade concreta. Eram as “teorias materiais da Constituição” - materiais por privilegiarem elementos oriundos da realidade costitucional, e não por prescreverem determinado conteúdo particular. A teoria mais influente nessa linha foi proposta por Carl Schimitt, para o qual a Constituição deveria ser definida como “decisão política fundamental” do poder constituinte. Trata-se da decisão política que modela a substância do regime. Em relação à “decisão política fundamental, (…) todas as regulações normativas são secundárias”. Ela consiste na manifestação concreta do poder político, que toma a decisão fundamental, pondo fim ao conflito antes existente e definindo as bases do novo regime: uma democracia ou uma ditadura, um Estado capitalista ou socialista etc. As “leis constitucionais” - leia-se, a Constituição escrita -, podem conter diversos elementos que não sejam propriamente constitucionais, porque dissociados da decisão política fundamental do poder constituinte. O conceito de Constituição de Carl Schimitt não se apoia em critérios de justiça ou racionalidade do conteúdo normativo adotado, como sustenta a teoria ideal. Para Schimitt, o poder constituinte pode estabelecer qualquer conteúdo constitucional, inclusive um completamente divergente dos princípios do Estado Liberal. Nisso repousa o aspecto central da sua concepção “decisionista”, que considerava a Constituição não como positivação de um sistema racional de princípios, mas como um ato de “vontade” do poder constituinte. […]
Qual o conceito de Kelsen de Constituição?
O conceito jurídico de constituição reconduz ao positivismo da escola de KELSEN e às respectivas explicações acerca do ordenamento jurídico. Nessa perspectiva, a ordem jurídica não é sistema de normas ordenadas no mesmo plano, umas ao lado das outras, mas construção normativa escalonada em diferente camadas e níveis. Destarte, o autor toma a palavra constituição em dois sentidos distintos. No primeiro deles, sentido lógico-jurídico, constituição seria NORMA FUNDAMENTAL HIPOTÉTICA com função de servir de fundamento lógico transcendental de validade da constituição jurídico-positiva. De forma diversa, no sentido jurídico-positivo, constituição deve ser entendida como NORMA POSITIVA SUPREMA, como conjuto de normas que regula a criação de outras normas, ou seja, a lei nacional no seu mais alto grau. Desta forma, as normas jurídica devem manter, entre si, relação hierárquica de fundamentação e derivação. Uma norma jurídica só é válida se encontrar fundamento em norma superior que lhe regula o respectivo processo de produção. E a constituição ocupa o nível normativo mais alto no ordenamento positivo estatal. Dessa posição hierárquica mais elevada, é a constituição que regula a produção das outras normas jurídica estatais, servindo assim de parâmetro superior da validade das demais normas de determinado ordenamento jurídico.
Há uma classificação para constituição que se chama heterônoma. O que ela quer dizer?
Classificação relativa à forma. Heterônoma (heteroconstituição): constituição elaborada ou imposta, da parte de um Estado. Trata-se de constituição concebida por procedimentos externos de formação originados em “atos de soberania (decisão constituinte) imputáveis a um Estado diverso daquele que será disciplinado pela nova constituição” (VERGOTTINI, 2013, p. 249). Tipo de constituição manifestado, geralmente, em contextos de pós-ocupação militar ou durante processos negociados de descolonização. Exemplo clássico: a Constituição japonesa de 1946, que teve seu projeto escrito pelas forças norte-americanas de ocupação, logo após a II Guerra Mundial; e a Constituição alemã de 1949, cuja minuta teve de ser aprovada pelos comandantes das potÊncais aliadas. Também se consideram constituição heterônomas aquelas aprovadas para várias ex-colônias do Reino Unido, tais como as Constitutição do Canadá (1867) e a da Austrália (1901), cujos textos foram elaborados por lei votada pelo parlamento britânico.
Quanto à essência, como podem ser classificadas as constituições?
Segundo a classificação ontológica de Karl Loewenstein, basenada na conformação constitucional quanto à realidade do processo de poder político, uma constituição pode ser:
a) Normativa: aquela cujas normas dominam o processo político, pois são lealmente observadas por todos os interessados, fazendo com que o poder se adapte ao texto constitucional. A constituição é efetivamente aplicada.
b) Nominal: constituição carente de realidade existencial. Apesar de ser juridicamente válida, o processo político a ela não se curva ou se adapta adequadamente. Não é aplicada efetivamente.
c) Semântica: modelo constitucional que, em vez de servir como mecanismo de limitação do poder estatal, visa apenas à estabilização e conservação da estrutura de dominação do poder político.
Em que consiste a constituição plástica?
Pode ser traduzida como a qualidade técnica de melhor localizar, topograficamente, dentro do texto constitucional, as diversas matérias que este contém, de modo a favorecer-lhes a sistematização e interpretação, além de permitir o preenchimento de regras constitucionais por meio do legislador ordinário, assegurando que a constituição acompanhe as oscilações da vontade popular (MACHADO HORTA). Na mesma linha, para UADI BULOS, é a constituição que apresenta mobilidade que lhe permite projetar sua força normativa nos vários setores da realidade estatal. Já para SAHID MALU, constituição plástica é sinônimo de constituição flexível. (p. 94)
O que é um constituição dúctil?
Segundo GUSTAVO ZAGREBELSKY, as constituições atuais podem ser consideradas tanto pluralistas quanto dúcteis. Pluralistas, porque não representam uma única ideologia, já que são obras de consenso formado a partir de recíprocas concessões acertadas entre forças políticas distintas. Dúcteis, porque veiculam conteúdos tendencialmente contraditórios entre sim, sem que se lhes possa traçar uma hierarquia rigorosa. Pelo contrário, esses conteúdos devem ser assim preservados, de modo a conceder ampla margem à configuração legislativa, além de abertos a possíveis poderações judiciais. Assim, estabelecem-se mútuas relações entre legislador e juiz, política e justiça. Numa constituição dúctil e repleta de princípios, dificilmente haverá matérias subtraídas, seja da justiça, seja da política.
Como deve ser classificada a constituição de 1988?
Quanto ao conteúdo: formal (oposto à material). Quanto à estabilidade: rígida. Quanto à forma: escrita. Quanto à origem: promulgada. Quanto ao modo de elaboração: dogmática (histórica). Quanto à extensão: analítica. Quanto à essência: nominal.
O que é o Poder Constituinte? Tem ele natureza de poder de fato ou de poder jurídico?
É a manifestação soberana da vontade política de um povo, social e juridicamente organizado (ALEXANDRE DE MORAES); a expressão soberana da vontade capaz de fazer nascer um núcleo social (TEMER). Pela escola positivista, não se reconhecem formas de direito além das previstas ou das admitidas pelo direito positivo. Nesse rumo, o poder constituinte originário é espécie de poder de fato, que se impõe, seja à base da força, seja pelo consenso popular, sem fundamento jurídico prévio em nenhuma disciplina normativa anterior , tampouco em qualquer tipo de direito que pudesse contra ele ser invocado. Trata-se, aliás, da tese ratificada pelo STF na ADInMC 2.356-DF, quando a Corte entendeu que o poder constituinte “provém do exercício de um poder de fato ou suprapositivo”. STF: “A eficácia das regras jurídicas produzidas pelo poder constituinte (redundantemente chamado de “originário”) não está sujeita a nenhuma limitação normativa, seja de ordem material, seja formal, porque provém do exercício de um poder de fato ou suprapositivo. Já as normas produzidas pelo poder reformador, essas tÊm sua validez e eficácia condicionadas à legitimação que recebam da ordem constitucional. Daí a necessária obediência das emendas constitucionais às chamadas cláusulas pétreas” (ADINnMC 2.356-DF).
Em que consiste bootstrapping constitucional, expressão introduzida no direito constitucional por Jon Elster?
Expressão introduzida na ciência política e no direito constitucional por JON ELSTER para se referir ao “processo pelo qual uma assembleia constituinte corta seus laços com as autoridades que a convocaram e arroga para si mesma alguns ou todos os poderes delas” (ELSTER, 1993, p. 549). Os exemplos estudados por ELSTER foram a Constituição norte-americana e a Constituição francesa do Terceiro Estado, cuja assembleias constituintes não se submeteram às restrições traçadas pelos respectivos atos de criação e se autoproclamaram soberanas. […] No Brasil, exemplo de bootstrapping parece ser a EC 26-85, que rompeu com os limites formais e materiais previstos na Constituição em vigor e acabou por convocar uma “livre e soberana” Assembleia Nacional Constituinte incumbida de elaborar um nova constituição (que viria a ser a Constituição de 1988).
O exercício do poder constituinte originário ocasiona a instauração de uma nova ordem constitucional, que pode se dar em sentido material ou em sentido formal. Explique esses dois sentidos.
Poder Consituinte Originário: é o poder cujo exercício ocasiona a instauração de novas ordens constitucionais, seja por meio da criação de uma “primeira constituição”, seja mediante o rompimento da ordem anterior.
Configuram instaurações constitucionais:
a) em sentido material, quando mudanças constitucionais, ainda que procedidas de acordo com procedimentos autorizados, alterarem os princípios supremos da constituição em vigor, i.e., a identidade axiológica da constituição modificada; ou
b) em sentido formal, toda vez que mudanças constitucionais ocorrerem sem a observância dos procedimentos necessários.
Quais são as características do poder constituinte originário?
Prevalece na doutrina brasileira a tese positivista segundo a qual o poder constituinte é poder de fato. Daí, como apresenta natureza essencialmente política (e não jurídica), afirma-se que o poder constituinte tem por características ser:
a) inicial: pois sua obra (constituição) é a base de uma nova ordem jurídica;
b) juridicamente ilimitado: porquanto não tem de respeitar os limites impostos pelo direito antecessor;
c) incondicionado: sua manifestação não está sujeita a qualquer regra de forma ou de fundo;
d) autônomo: a estruturação da constituição é decidida pelo próprio constituinte originário.
A ausência de limites é uma das características do poder constituinte originário cujo reconhecimento não é unânime na doutrina. Explicite as objeções que lhe são opostas.
Juliano e Olavo: Não é absolutamente correta a tese segunda a qual o poder constituinte originário não possua limites. Mesmo o poder constituinte deve obediência a postulados lógico-normativos. Como explica Von WRIGHT, não adiante querer editar norma a permitir algo que seja necessário ou a determinar que se faça o que é fisicamente impossível. Outro limite dessa natureza parece ser aquele demonstrado pelo “paradoxo da onipotência”. […]
Ademais, autores como VANOSSI reconhecem ainda a presença de limites extrajurídicos ao poder constituinte originários, tais como (a) limites ideológicos, consistentes em crenças ou em valores que operam no âmbito supraestrutural; e (b) limites estruturais, que conformam o âmbito social subjacente (a infraestrutura), como o sistema produtivo, as classes etc.
Atenção
A terminologia a respeito dos limites materiais do poder constituinte originário é das mais variadas. JORGE MIRANDA (1997, Tomo II, p. 107), por exemplo, identifica os três seguintes tipos: (a) os limites transcendentes, que são os que se antepõem ou se impõe à própria vontade do Estado, tais como os imperativos do direito natural e de valores éticos superiores e presentes numa “consciência jurídica colectiva”, v.g., os “direitos fundamentias imediatamente conexos com a dignidade da pessoa humana”. Nessa linha, seria “inválido ou ilegítimo” criar normas constitucionais que negassem a liberdade de crenças ou a liberdade pessoal ou que instituíssem desigualdades em razão da raça; (b) os limites imanentes, a decorrerem “da noção e do sentido do poder constituinte formal enquanto poder situado, que se identifica por certa origem e finalidade e se manifesta em certas circunstâncias”; e, ainda, (c) os limites heterônomos, ou seja, aqueles “provenientes da conjugação com outros ordenamentos jurídicos” e que se referem à sujeição a certas regras ou atos provenientes do direito internacional.
A revolução é um direito do povo?
Para doutrina jusnaturalista, segundo a qual o poder constituinte originário radica numa ordem jurídica supra positiva, a revolução é um direito do povo; e para os positivistas, que não aceitam a natureza jurídica do poder constituinte, trata-se do poder inerente à soberania popular, e não de um suposto “direito” de revolução. (p. 111)
Há poder constituinte decorrente no âmbito do DF e dos Municípios?
[…] ao menos no que diz respeito ao DF, parece bastante aceitável a tese da existência do poder constituinte decorrente. Quanto aos Municípios, a tese encontra problemas adicionais. Não a aceita a maioria da doutrina, mas ainda assim já foi considerada válida por autores como JOSÉ AFONSO DA SILVA, SÉRGIO RESENDE DE BARROS, SARMENTO e SOUZA e UADI BULOS, embora este último, em seu Curso de direito constitucional, tenham passado a negar a existÊncia de poder constituinte decorrente tanto ao DF quanto aos Municípios. Argumentos contra: 1) fundamento semântico ou formal: como o DF nem os Municípios possuem constituições , senão apenas leis orgânicas, tampouco disporiam de poderes constituintes (PEDRO LENZA). 2) fundamento da vinculação direta: a característica essencial do poder constituinte decorrente radicaria no fato de estar vinculado diretamente aos comandos advindos do poder constituinte originário. Logo, como as leis orgânicas municipais estão sujeitas aos princípios tanto da Constituição Federal quanto da Constitituição do Estado-membro respectivo, os Municípios não contam com poder constituinte decorrente (ARAÚJO E NUNES JÚNIOR) 3) fundamento do silêncio eloquente: se o poder constituinte originário quisesse outorgar poderes constituintes ao DF ou aos Municípios , teria feito de forma expressa, tal como o fez em relação aos Estados-membros (Art. 11 do ADCT). Argumentos a favor: 1) o termo lei orgânica não passa de uma reminiscência histórico linguística advinda de constituições passadas, períodos que nem o DF nem os municípios eram reconhecidos como entidades federativa. O que importa, ademais, não é o nome do diploma normativo, mas sim a função por ele exercida (fundamento material, que no caso é bastante similar ao das constituições estaduais. 2) O argumento da vinculação direta não se aplica ao DF. “Relativamente aos Municípios, a grande questão está em entender a forma federativa peculiar instituída pela Constituição. Isso porque, se o constituinte originário, de um lado, restringiu a autonomia municipal em face dos princípios previsto tanto na Constituição Federal quanto na constituição do Estado-membro onde se localizarem os Municípios (cf. art. 29 e 35; e parágrafo único do art. 11 do ADCT), de outro lado, concedeu a essas entidades pública inegável status de entidade federativa (ver caput do art. 1). Logo, diante desse especial status federativo, é possível defender-se a existência de um poder constituinte decorrente municipal, ainda que atípico em termos de direito comparado, pois tal poder está sujeito a uma dupla vinculação normativa (limitações da Constituiçõa Federal e da constituição do Estado respectivo). Além disso, o argumento da vinculação direta revela-se inteiramente falho para se aplicar aos Municípios localizados em Território Federal, hipótese em que não há falar-se em vinculação a preceitos de nenhum constituição estdual. […] Não bastasse, a vinculação municipal advinda das normas da constituição estadual é restrita pela própria Constituição Federal […]. Daí por que o fundamento da vinculação direta tampouco se mostra decisivo.
É cabível iniciativa popular para propositura de emenda à Constituição?
[…] NA ADIn 825-ap (j. em 25-10-2018), o Plenário do STF reputou constitucional a possibilidade de iniciativa popular em matéria de emenda à constituição estadual. Entendeu a Corte que a ausência de simetria em face das regras existentes na Constituição Federal, em relação ao poder de emenda constitucional, não afasta a faculdade de o Estado-membro aumentar os mecanismos de participação direta. Ver Inf. 921-2018.
Poder constituinte derivado decorrente pode criar novas hipóteses de foro especial por prerrogativa de função?
Em razão da abertura da regra do § 1º do art. 125 da CF, a jurisprudência do STF reconhece ao constituinte estadual legitimidade para, ao fixar a competÊncia dos tribunais de justiça, estender foro especial por prerrogativa de função a agentes estaduais e municipais não contemplados pelo constituinte federal, observadas as “limitações que decorram explícita ou implicitamente da própria Constituição Federal” (HC 70.474-RS, 1 Turma). Logo, tal extensão deveria pautar-se pelo princípio da simetria, até porque a criação de nova hipóteses de foro especial acaba por se refletir na competência da Justiça Comum Federal, pois as autoridades com foro especial no TJ deverão ser julgada, por crime federais, pelo TRF. Daí a tese da validade da extensão da prerrogativa somente em favcor de autoridades estaduais e municipais que desempenhem funções similares às de agentes federais detentores de prerrogativa de foro estabelecida na CF, como no caso dos Vice-Governadores e dos Secretários de Estado, quando comparados ao Vice-Presidente da República e aos Ministros de Estado. Nesse sentido, aliás, a 2 Turma do STF reputou constitucional “norma de Constituição estadual que atribuíra competência originária do TJ para processar e julgar Vereador” por crimes comuns (RE 464.935-RJ). Porém, na ADIn 2.587-GO, embora declarada a inconstitucionalidade da prerrogativa deferida pelo constituinte estadual aos delegados de Polícia Civil, o STF validou a extensão do foro especial a procuradores e defensores públicos estaduais, a despeito de os congêneres federais tampouco possuírem prerrogativa semelhante. (p. 119)
OBSERVAÇÃO (julgado de final de 2020):
É inconstitucional dispositivo de Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de função para Defensores Públicos e Procuradores do Estado. Constituição estadual não pode atribuir foro por prerrogativa de função a autoridades diversas daquelas arroladas na Constituição Federal. STF. Plenário. ADI 6501 Ref-MC/PA, ADI 6508 Ref-MC/RO, ADI 6515 Ref-MC/AM e ADI 6516 RefMC/AL, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 20/11/2020 (Info 1000).
O que é o poder constituinte difuso, quais suas características e quais suas formas de manifestação?
[…] mesmo nas constituições rígidas, o poder constituinte não se resume às espécies originária e derivada. Em estado de latência, encontra-se igualmente o chamado poder constituinte difuso. E embora não previsto ou organizado pela constituição, ele realiza notável papel na criação e no desenvolvimento da eficácia de normas constitucionais, sem alteração formal dos textos constitucionais. - Característica do poder constituinte difuso: Segundo UADI BULOS (2008, p. 320), o poder constituinte difuso tem por características: (a) a latência: é o poder invisível, que só aparece quando necessário; (b) a permanência: tem ação permanente e não menos real que a ocasionada pelos poderes formais de reforma constitucional; (c) a informalidade: não está previsto entre os macanismos de reforma constitucional; e (d) a continuidade: o exercício do poder difuso permite continuar a obra constituinte, seja complementando-a, seja preenchendo as lacunas e os espaços em branco deixados no texto constitucional. As manifestações do poder constituinte difuso tornam-se mais evidentes quando órgãos incumbidos de aplicar as normas constitucionais deparam-se com imperfeições ou obsercuridades, espaços vazios ou omissões deixados na constituição escrita. Daí por que procuram corrigir esses problemas e defeitos por meio de expedientes não previstos formalmente pelo texto constitucional, tais como normas extraídas de praxes constitucionais, como as convenções constitucionais e os costumes constitucionais, bem assim de mutações constitucionais. (p. 120)
O Poder Legislativo pode promover mutações constitucionais por meio da edição de leis?
É bastante discutível a possibilidade de a lei promover mutações constitucionais. Isso porque, no geral, não se aceita a “interpretação da constituição conforme a lei”, mas somente a “interpretação da lei conforme a constituição”. Porém, em obra clássica do direito nacional, ANNA FERRAZ (1986, P. 92), fala que a interpretação constitucional feita pelo legislador também constitui espécie de mutação constitucional. Isso ocorreria quando: (a) se “transmuda o sentido atribuído aos conceitos fixados pela norma constitucional, para adaptá-la a realidades novas, a situações distintas, a momentos e circunstância sociais, políticas ou econômicas distintas”; (b) “se altera, se amplia ou se restringe o programa apenas esboçado pela norma constitucional”, ou, ainda, (c) “quando se preenchem vazios constitucionais, se suprem omissões, se esclarecem obscuridades, dando-se, por via legislativa, novo alcance ao texto constitucional, que irá abranger situações novas ou disciplinar, de modo atual e definido, comportamentos imprecisamente previstos na Constituição”. Nesse sentido, é difícil discordar de ANNA FERRAZ. Afinal, não é incomum que o legislador, ao exercer seu poder de conformação legislativa, acabe por acrescentar novas dimensões aos programas normativos das constituições, daí gerando autênticas mutações constitucionais. Para exemplificar, parece ser caso de mutação constitucional revelada pela interpretação legislativa aquela regra do parágrafo único do art. 1 da Lei 9.296-96, que regulamentou a parte final do inciso XII do art. 5 da Constituição. É que o legislador cuidou aí não somente da interceptação “telefônica”, prevista pelo constituinte originário, às quais o dispositivo regulamentado não se referira. Portanto, a lei “atualizou” o programa normativo constitucional, numa espécie de mutação constitucional por via interpretação legislativa. De outro lado, ao tratar da mutação constitucional pela atuação do legislador, LUÍS ROBERTO BARROSO alude ainda às leis que buscam “modificar a interpretação que tenha sido dada a alguma norma constitucional”. Assim, a mutação ocorreria nas hipóteses em que, havendo mais de uma interpretação possível, “o legislador opte por uma delas, exercitando o papel que lhe é próprio, de realizar escolhas políticas” (BARROSO, 2009, p. 132). Contudo, nessas hipóteses, não parece que a lei possa alterar a Constituição em si, nem modificar interpretações constitucionais divergentes, quando já fixadas pelo Judiciário, sob pena da flagrante inconstitucionalidade desse tipo de “ativismo congressual” (v. item 3.4. do Capítulo 7 do tomo II). Uma lei que procurasse modificar interpretação constitucional anterior não seria em si instrumento de mutação constitucional. Quando muito, poderia ser vista como manifestação da ocorrência de mutação pretérita, caso em que se admitiria a constitucionalidade da legislação, mas desde que se entendesse que a mudança do parêmetro interpretativo constitucional já estivesse em vigor, por força de mutação constitucional, antes da aprovação da lei. (p. 123)
As mutações constitucionais operam efeitos retroativos?
Embora mutações constitucionais não devessem surtir efeitos retroativos, pois se consideram modificações das normas constitucionais, o STF nem sempre tem observado essa orientação, como se vê: (a) das decisões que elevaram a posição hierárquica dos tratados internacionais sobre direitos humanos, cujos efeitos têm sido aplicados retroativamente, de modo a incidirem tanto sobre fatos anteriores quanto sobre tratados interenacionais também anteriormente internalizados, como é o caso do Pacto de São José da Costa Rica; e (b) da mencionada decisão do Plenário do STF no RE 778.889-PE, que foi acompanhada de autorização para que as adotantes pudessem fruir, a qualquer tempo, do prazo maior da licença assegurado às gestantes, mesmo que a adoção tenha ocorrido em data anterior à decisão, “extinguindo-se tal direito apenas com a maioridade da criança”.
Quais são os limites das mutações constitucionais?
[…] a legitimidade das mutações constitucionais gira em torno do âmbito de elasticidade textual das disposições constitucionais. Como disse KONRAD HESSE (1992), “o conteúdo da norma constitucional só poderá modificar-se no interior do marco traçado pelo texto” (p. 101). Assim, o “texto da Constituição erige-se em limite absoluto de uma mutação constitucional” (p. 102). “Tudo o que se situe mais adiante dessas possibilidades não será mutação constitucional, senão quebra constitucional ou anulação da Constituição” (p. 103). Daí a inconstitucionalidade das chamadas mutações constitucionais “exogenéticas” (CANOTILHO, 1998, p. 1.154), porquanto produzidas fora das margens admitidas pelo programa normativo das normas constitucionais. Ademais, segundo SARMENTO e SOUZA NETO (2017, p. 358), as mutações constitucionais devem respeitar os “limites impostos pelo sistema constitucional, delineados por meio de escolhas fundamentais feitas pelo constituinte”, bem como as cláusulas pétras.
Quais motivos ensejam a mutação constitucional?
Segundo o STF: “A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea”. No julgamento da QO na AP 937-RJ (j. em 3-5-2018), no qual o STF restringiu o foro especial por prerrogativa de função concedido aos parlamentares, sustentou-se a necessidade de reconhecer a mutação constitucional, não porque o entendimento anterior “fosse propriamente errado, mas porque a realidade fática mudou, ou porque a percepção social do Direito mudou, ou porque as consequência práticas de uma orientação jurisprudencial se revelaram negativas” (Inf. n. 868-2018)
As limitações do poder de reforma também restrigem o poder de revisão?
Sim, e também o poder constituinte decorrente. (p. 131)
Existe alguma limitação temporal ao poder de reforma?
A Constitução de 1988, em relação ao poder geral de reforma, não adiou a aprovação de emendas constitucionais por determinado período de tempo. No dia seguinte à promulgação do Texto Constitucional, já poderiam ser apresentadas proposta de emendas constitucionais (PECs). Por isso, a doutrina majoritária sustenta que a atual Constituição não previu limitações temporais. Contudo, em relação ao exercício do poder de revisão constitucional, houve previsão expressa de limite temporal: somente após cinco anos da promulgação da Constituição (ADCT, art. 3). Atenção: Nos termos da chamada regra da não repetibilidade, a “matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta de emenda na mesma sessão legislativa” (§ 5º do art. 60). Logo, é possível aí reconhecer caso especial de limitação temporal. Afinal, embora não impeça todo tipo de emenda, essa regra restritiva implica impedimento de ordem cronológica e predeterminada a quaisquer propostas de emenda constitucional que já tenham sido recusadas: elas só poderão ser representadas a partir da data de início de outra sessão legislativa. Contudo, esse entendimento não encontra apoio na doutrina majoritária, segundo a qual se trata de limitação do tipo procedimental (ou formal), e não temporal. (p. 131-132)
Quais fases do processo legislativo da emenda constitucional são atingidos pelas limitações circunstanciais?
Diferentemente do § 4º do mesmo artigo 60, o § 1º não proibiu apenas a “deliberação” de propostas de emenda constitucional. Ele vedou que a Constituição fosse “emendada” durante a intervenção federal, o estado de defesa ou o estado de sítio. Portanto, o dispositivo impede não só a apresentação de novas propostas de emenda constitucional (PECs), como ainda determina a suspensão de todos os atos do processo legislativo ligado à tramitação das PECs anteriormente apresentadas, incluindo as respectivas discussões e votações. Afinal, se a razão das limitações circunstanciais ao poder reformador é evitar a aprovação de emendas constitucionais casuístas ou apressadas, em momentos de intensa gravidade institucional, não faz sentido permitir que se deflagrem novas propostas, nem que as propostas já em tramitação tenham andamento, pois isso tornaria mais próxima ou provável a mudança constitucional que se pretendeu evitar. […] Contrariamente, em doutrina minoritária, CAVALCANTE FILHO defende que o § 1 do art. 60 só impede “a votação da PEC, mas não sua discussão” (2012, p.141). E, a partir da intervenção federal decretada em 2018 no Estado do Rio de Janeiro, essa tese a restringir o alcnce do § 1 do art. 60 da CF somente à probição de deliberar propostas de emendas constitucionais ganhou mais força. Nesse rumo, em 13-3-2018, ao decidir questão de ordem, o Presidente da Câmara dos Deputados considerou que, a despeito da vigência da intervenção federal, as PECs em trâmite poderiam ser discutidas na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e nas comissões especiais, desde que não chegassem ao Plenário da Casa para deliberação. Na mesma linha, no STF, o Ministro DIAS TOFFOLI entendeu que o § 1 do art. 60 “não proíbe expressamente a tramitação de PEC”, pelo que “ficam suspensos - é certo - todos os atos deliberativos do processo legislativo da emenda constitucional, mas não a tramitação das propostas de emendas” (MS 35.535-DF, decisão monocrática de 26-6-2018).
As regras relativas à iniciativa de lei aplicam-se às propostas de emenda constitucional?
A Constituição Federal impõe a iniciativa “qualificada e taxativa como exigência À apresentação de proposta de emendas constitucionais (art. 60, I a III). Porém, não listou nenhum matéria a exigir a iniciativa “reservada” por parte de algum órgão ou autoridade específicos. Daí se entender que, ao contrário do que ocorre com o poder constituinte derivado decorrente, as regras constitucionais referentes ao poder de iniciativa de “lei” não significam limites materiais, sequer implícitos, ao constituinte reformador). […] na ADInMC 5.296-DF, o Plenário decidiu ser “insubsistente condicionar a legitimação para propor emenda à Constituição, nos moldes do art. 60 da CF, à leitura conjunta desse dispositivo com o art. 61, § 1º, que prevê as hipóteses em que a iniciativa de leis ordinárias e complementares é privativa da Presidência da República” (j. em 18.5-2016). Nesse precedente, destaque para o voto intermediário do Min. TEORI ZAVASCKI, para quem seria “preciso adotar um critério em relação a projeto de emenda constitucional. Assim, se se tratasse de tentativa de constitucionalizar matéria típica de lei ordinária, superando a questão da reserva legal, isso poderia compromete a higidez do Poder a quem a Constituição atribui reserva de iniciativa” (inf. 804-2015).
O substitutivo de emenda constitucional pode ser apreciado na mesma sessão legislativa que a da rejeição da emenda?
No MS 22.503-DF, para afastar alegação de descumprimento do art. 60, § 5º, da CF-88, o Plenário da Corte decidiu que o “que não pode ser votado na mesma sessão legislativa é a emenda rejeitada ou havida por prejudicada, e não o substitutivo que é uma subespécie de projeto originariamente proposto.”
A interpretação das cláusulas pétreas, para fins de reforma constitucional, devem ser interpretada restritiva ou extensivamente?
[…] a melhor doutrina considera que as cláusulas pétreas devem ser interpretadas restritivamente, a fim de evitar comprometimento exagerado à necessidade de alterações constitucionais no decurso do tempo. Como explica EDUARDO APPIO, por exemplo, “uma excessiva limitação imposta pela interpretação da Corte Constitucional ao exercício do poder constituinte derivado pode representar um ‘paradoxo da democracia’, na medida em que as gerações futuras estarão presas a um texto constitucional que pode não correponder às suas necessidade” (p. 137).
Todos os dispositivos previstos no art. 5 da CF são cláusulas pétreas?
É discutível até se todas as normas incluídas no catálogo dos direitos e garantias individuais são mesmo cláusula pétras. Isso porque algumas delas, embora situadas no Capítulo I do Título II da Constituição, não são verdadeiramente direitos nem garantias individuais. Exemplo clássico é a sucessão civil de bens de propriedade estrangeira localizados em território nacional. Há quem sustente que essa diferenciação é indevida, pois permitiria que os poderes constituídos deliberassem sobre quais são os direitos e garantias efetivamente petrificados, raciocínio que atenta contra a vontade do constituinte originário, “que expressamente já incluiu todas as categorias de direitos no Título II da Constituição Federal” (SARLET et al, 2016, p. 148). Porém, autores com DANIEL SARMENTO e CLÁUDIO DE SOUZA NETO concordam em que o alcance desses limites materiais expressos aos poder de reforma constitucional não deve girar em torno da localização das normas no texto constitucional. Nessa linha, esse tipo de cláusula pétra protege “apenas os direitos materialmente fundamentais. Mas existe presução relativa de fundamentalidade em favor dos direito incluídos no catálogo constitucional (2017, 314). (p. 138)
A proteção da cláusula pétrea alcança os direitos sociais?
Segundo a literalidade do art. 60, § 4º, IV, da CF, apenas os direitos e garantias “individuais” foram expressamente protegidos contra o poder de reforma. Nada obstante, grande parte da doutrina reputa que todos (ou praticamente todos) os direitos fundamentais previstos na Constituição também estariam abrangidos pela proteção do art. 60, § 4º, IV.
Para INGO SARLET (2001, p. 366), por exemplo, “todos os direitos fundamentais consagrados em nossa Constituição (mesmo os que não integram o Título II) são, na verdade e em última análise, direitos de titularidade individual, ainda que alguns sejam de expressão coletiva.” Para DIRLEY CUNHA, a “proteção alcança todos dos direito e garantias fundamentais, incluindo os de natureza coletiva e difuso e os direitos sociais, em razão da concepção hoje dominante da unidade e indivisibilidade dos direitos e garantias” (2013, p. 247). Em sentido similar, segundo UADI BULOS, há uma “imprecisão” no inciso IV do § 4º do art. 60. Os direitos e garantias protegidos “não são apenas os individuais, isto é, as liberdades políticas clássicas. Englobam, também, os direito econômicos, os sociais e, ainda, os difusos, coletivos e individuais homogêneos (2008, p. 302). Na mesma linha, defende LUÍS ROBERTO BARROSO, são cláusula pétras não somente os direito e garantias individuais, mas também todos os “direitos fundamentais materiais”, i.e., aqueles direitos fundamentias que, conectados ao núcleo essencial da dignidade da pessoa humana, são imprescindíveis “para assegurar uma vida digna”, “independentemente de sua posição formal, da geração a que pertençam e do tipo de prestação a que dão ensejo” (2009, p. 178-180).
O assunto é bastante polêmico. Contudo, uma linha de interpretação assim extensiva, embora seja “politicamente progressista” e ofereça “maiores garantias aos titulares dos direitos fundamentais”, “do ponto de vista jurídico, não é convincente” (DIMOULIS e MARTINS, 2006, p. 55). Bem ou mal, a Constituição traçou várias distinções entre os diferentes tipos de direitos fundamentais, como se vê na própria subdivisão do Título II em capítulos reservados aos “direitos e deveres individuais e coletivos” (Cap. I), “direito sociais” (Cap. II), direitos “da nacionalidade” (Cap. III) e “direitos políticos (Cap. IV) e dos “partidos políticos” (Cap. V). Como afirmou o Min. AYRES BRITTO, em voto no RE 630.147-DF, a própria Constituição fez o “seccionamento” dos direitos fundamentais em “individuais e coletivos, sociais e políticos, mostrando que há distinção entre esses blocos de normatividade”. Daí ser preferivel entender que a restrição da cláusula pétrea aos direitos e garantias individuais decorre, não de uma “imprecisão” terminológica, mas da opção consciente do constituinte originário, que intencionalmente excluiu algumas das outras espécies de direitos fundamentais da proteção do art. 60, § 4º, IV. Nessa linha, a cláusula pétrea em destaque permitiria abranger todos os direitos e garantias individuais previstos no Capítulo I do Título II, incluindo os individuais “homogêneos” e os “de expressão coletiva”. Porém, não alcançaria automaticamente, por exemplo, aqueles direito fundamentais de natureza tipicamente coletiva ou difusa.
[…] até o momento, o STF não adota a tese da automática petrificação de todos os direito sociais, políticos e da nacionalidade, a menos que possam enquadrar-se na acepção ampla dos direito individuais em si, nos termos do art. 5, § 2º. Por outro lado, a partir de vários acórdãos da 2 Turma, a jurisprudência do STF já avança no reconhecimento de que o chamado princípio da “proibição do retrocesso” obsta o exercício do poder de reforma constitucional em relação a direitos ligados ao mínimo existencial, incluindo diversos direito sociais.
Assim, diante desse quadro polêmico, é melhor adotar posição intermediária, segundo a qual, embora não se encontrem petrificados todos os direitos fundamentais, devem ser reconhecidos como cláusula pétrea: (a) os direitos e garantias previstos no Capítulo I do Título II, inclusive aqueles direito individuais “homogêneos” e os “de expressão coletiva”; (b) outros direitos e garantias individuais que, a despeito de não estarem expressamente previstos no Capítulo I do Título II, são alcançados pela cláusual extensiva do art. 5, § 2º; e (c) os demais direito fundamentais, até mesmo certo direito sociais, à medida que conectados ao conceito de “mínimo existencial”.
É possível a ampliação do rol de direito individuais? Em caso positivo, essa ampliação também constituirá cláusula pétrea?
Parte da doutrina entende viável que a ampliação do rol de direito e garantias individuais, por emenda constitucional, implicaria a reflexa conversão dos conteúdos daí adicionados em cláusulas pétras. A ideia é simples: o constituinte originário proibiu qualquer reforma “tendente a abolir” direito ou garantia individual (inciso IV do § 4º do art. 60), mas deixou aberta a faculdade de incluir mais direitos ou garantias desse tipo no Texto Constitucional ( § 2º do art. 5). Logo, eventuais direitos e garantias que assim fossem incluídos passariam, pois, à automática condição de novas cláusulas pétras. Assim, caso alguma emenda constitucional acrescente novos direitos e garantias individuais, por exemplo, reformas supervenientes não poderiam mais suprimi-los, pois só existiria a possibilidade ampliar, e nunca de reduzir o conjunto de elementos integrantes das cláusulas pétreas. Contudo, esse raciocínio pressupõe que o constituinte derivado seja capaz de editar normas que limitem a si próprio, raciocínio equivocado e com graves inconsistências lógico-normativas. O problema remete, pois, à impossibilidade lógica de um órgão restringir os próprios poderes (v paradoxo da onipotência - item 1.5.1.2). Daí que, com exceção de novos conteúdos acrescentados por emenda constitucional apenas para explicitar temas ou normas que já estivessem implicitamente petrificadas, emendas supervenientes poderão removê-los no futuro. […] A única forma de contornar tais obstáculos de natureza lógica passaria por entender que o art. 60, § 4º , inciso IV petrificara não apenas os direitos e garantias individuais já existentes, mas quaisquer outros que venham (virtualmente) a ser acrescentados ao catálogo inicialmente promulgado em 5-10-1988. Todavia, isso seria defender a existência de outra classe de limitações implícitas, uma espécie de limite material virtual ou potencial ao constituinte derivado. Contudo, não se pode extrair um tipo de limite implícito dessa natureza sem que exista permissão expressa do próprio constituinte originário.
Cite as hipóteses de limitações implícitas ao poder constituinte derivado reformador.
1) proibição a que se façam novas revisões constitucionais: interpretação a contrario sensu do art. 3 da ADCT. Se fossem permitidas novas revisões, o constituinte originário as teria previsto expressamente.
2) a proteção a direitos e garantias individuais não previstos no Título II da CF-88. (na ADIN 1.946-DF, reconheceu-se o caráter pétreo da norma constitucional que proíbe diferença de salários, exercício de funções e critérios de admissão, por motivo de sexo (art. 7, XXX), exatamente por se reputá-la “um desdobramento do princípio da igualdade de direitos, entre homens e mulheres, previsto no inciso I do art. 5 da Constituição Federal).
3) a vedação à convalidação retroativa de inconstitucionalidade (constitucionalidade superveniente).
4) a impossibilidade de eliminação do controle de constitucionalidade das normas: trata-se de consequência implícita da própria rigidez constitucional (v. ZAGREBELSKY, 1988, p. 102). A existência de limites às reformas constitucionais precisa vir acompanhada de instrumentos de fiscalização contra eventuais abusos do poder reformador. Ademais, se nenhum fonte normativa pode dispor de seu próprio regime jurídico, o constituinte derivado não dispõe de competência para alterar os respectivos limites de atuação traçados pelo constituinte originário.
Dessarte, com base nas clássicas lições de NELSON DE SOUSA SAMPAIO, a maior parte da doutrina brasileira inclui ainda, entre as limitações materiais implícitas, os preceitos referentes:
1) à titularidade do poder constituinte originário, pois nenhum reforma constitucional poderá deslocar da soberania popular o poder constituinte originário que estabeleceu o próprio poder reformador;
2) à titularidade do poder constituinte derivado, porquanto o órgão detentor de seu exercício não pode renunciar nem delegar sua competência reformadora constitucional;
3) ao procedimento a que sujeita o poder de reforma, pois não “é possível conceber que a autoridade reformadora, como poder constituído que é, possa alterar as condições estabelecidas para o exercício de sua competência” (SAMPAIO, 1995, p. 106); e
4) às matéria subtraídas do próprio poder de reforma.
SARMENTO (p. 318):
O tema é complexo. De um lado, há autores que afirmam que existe um imperativo lógico que torna as regras que regem as reformas constituintes imunes ao poder constituinte reformador. Em razão da estrutura escalonada do ordenamento, uma norma jurídica não pode jamais dispor validamente sobre outra superior, que fixe os seus limites e as regras para a sua edição, “pois se um poder é outorgado por alguém, parece lógico que os limites desse poder só podem ser modificados pelo outorgante, nunca pelo próprio outorgado”. O raciocínio também vale para as emendas constitucionais, em face das regras que as disciplinam, ditadas pelo poder constituinte originário. Ao argumento lógico agrega-se outro, prático: permitir que o poder reformador disponha sobre os seus próprios limites implicaria negar a força vinculante desses limites. A cada vez que pretendesse atuar de maneira vedada pelo constituinte originário, bastaria ao constituinte derivado mudar ou eliminar o obstáculo jurídico que antes lhe fora imposto. A admissão desta possibilidade seria praticamente um convite à fraude da Constituição.
De outro lado, há também quem invoque argumento lógicos para permitir a possibildade da reforma das normas que disciplinam a alteração da Constituição. Argumenta-se ainda, em tom mais pragmático, que a admissão da alteração dos limites é preferível à ruptura constitucional. Há situações em que o propósito das forças política e sociais no sentido de alteração de uma decisão constitucional é tão intenso e firme, que não teria como ser barrado por um limite constitucional. Impedir, nesse quadro, a mudança perseguida, não traria mais estabilidade para o sistema constitucional, mas antes abriria espaço para um desnecessário rompimento.
Normas cuja competência para edição pertenciam em antiga constituição a União são recepcionadas por nova constituição que atribuiu aos Estado a competência para editar essas normas?
Se a nova Constituição alterou a regra de distribuição de competÊncia legislativa entre os entes da Federação, na aplicação do princípio tempus regit actum, não se pode cogitar de federalização de normas estaduais ou de estadualização de normas municipais. Assim, por força de modificação da regra de competência, opera-se a recepção somente se proveniente a norma de ente constitucional lotado em esfera superior até que se proceda à derrogaçao da norma por intermédio de diploma que atenda à nova distribuição de competência. Exemplo seria o complexo normativo promulgado pela União, que subsistiria “estadualizado” ou “municipalizado”, até ser derrogado por lei estadual ou municiapl. Mas o contrário não pode acontecer (PONTES DE MIRANDA, GILMAR FERREIRA MENDES e LUÍS ROBERTO BARROSO).
É cabível a modulação de efeitos da decisão sobre a recepção ou não de dispositivo anterior a CF?
No RE 600.885-RS, em julgamento com “repercussão geral”, o Plenário do STF entendeu por bem modular os efeitos da não recepção de ato normativo pré-constitucional. Após invocar motivos de segurança jurídica, a Corte decidiu por manter, até 31-12-2011, a validade de concursos públicos realizados sob a regra do art. 10 da Lei 6.880-80, muito embora tal dispositivo não tivesse sido recepcionado pelo art. 143, § 3º, inciso X, da Constituição Federal.
As normas infraconstitucionais revogadas por uma constituição voltam a produzir efeito caso essa constituição venha a ser rompida por outra com elas compatível?
[…] se há regra a impedir a repristinação automática de leis, ainda resta definir se uma nova constituição repristina, automaticamente, normas já revogadas por força de constituições anterior ou de normas infraconstitucionais pretéritas. A doutrina majoritária, porém, responde negativamente. Aplica-se ao caso das normas constitucionais o mesmo raciocínio do § 3º do art. 2º da LINDB. Logo, a repristinação constitucional do direito pretérito, embora possível, pressupõe norma constitucional explícita. Exemplo: para o STF, a disposição expressa contida no art. 75 da ADCT, incluído pela EC 21, de 18-03-99 (que instituiu a contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e de direitos de natureza financeira - CPMF), repristinou a legislação cujo prazo de eficácia temporária já havia se exaurido (ADIn 2.013-DF).
Incorre em vício de omissão acórdão do STF que, ao declarar a inconstitucionalidade de lei, não esclarece se as normas que aquela havia revogado voltam se ser aplicáveis?
Não, pois é “de índole infraconstitucional a controvérsia a respeito da legislação aplicável resultante do efeito repristinatório da declaração de inconstitucionalidade” (ED no RE 595.838-SP)
Admite-se a constitucionalização superveniente de dispositivo originariamente inconstitucional por conta de reforma da Constituição?
Embora haja opiniões em contrário (CELSO BASTOS, CANOTILHO e VITAL MOREIRA), é melhor defender que a nulidade resultante da relação de inconstitucionalidade não pode ser convalidade pelo constituinte derivado. Posição, v.g., de BANDEIRA DE MELLO e JORGE MIRANDA. Em se tratando de ato normativo já editado, a constitucionalização superveniente de dispositivo originalmente inconstitucional, em face de posterior reforma constitucional, será somente possível caso a emenda constitucional sobrevinda, ou mesmo norma da mesma hierarquia que seja posterior a esta (mas já embasada na constituição reformada), dispuser expressamente nesse sentido, por adoção analógica da fórmula de repristinação facultada pelo art. 2º, § 3º, da LINDB, Ainda assim, essa constitucionalização superveniente teria efeitos meramente ex nunc, equivalendo-se a modalidade de procedimento legislativo conciso, de pouco efeito prático, pelo qual, em vez de repetir o que havia sido dito pelo ato inconstitucional, a norma posterior reportar-se-ia à antiga, dando-se base de validade. No plenário do STF, em julgamento concluído em 2005, prevaleceu a tese segundo a qual o “sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente” (RE 346.084-PR) […] Todavia, vários acórdãos de Turmas do STF têm contrariado a orientação do Plenário, para adotar a tese da “constitucionalidade superveniente”. Nesse sentido, tanto a 1 Turma (v.g., ArRg no RE 457.661-RJ, j. em 7-2-2012; e AgRg no 508.993-RJ, j. em 26-11-2013) quanto a 2 Turma (e.g., AgRg no RE 570.016-RJ, j. em 19-08-2008) entenderam que dispositivo de emenda constitucional posterior (art. 4º da EC 42-2003) validara legislação estadual manifestamente contrária aos artigos 82 e 83 da ADCT (com redação da EC31-2000). Por isso mesmo, a fim de que o assunto seja reapreciado pelo Pleno da Corte, no AgRg no RE 592.152-SE (j. em 18-4-2017), a 1 Turma deu seguimento ao recurso.
Em que consiste a tese da desconstituicionalização? É ela admitida no Brasil?
O termo “descontitucionalização” tem dois significados. Pode relacionar-se tanto às normas da constituição anterior quanto às normas da atual constituição. Numa primeira acepção, desconstitucionalização é o instituto pelo qual as normas apenas formalmente constitucionais do regime anterior, embora perdendo a supremacia constitucional (i.e., o caráter hierarquicamente superior), continuam a vigorar sob a égide de uma nova constituição, mas com status de legislação infraconstitucional, numa descida na escala hierárquico-normativa. Significa a automática recepção, pelo constituinte originário, das normas da constituição revogada que estejam de acordo com a constituição superveniente, embora com força de lei ordinária, independente da previsão expressa. Posição admitida, v.g., por PONTES DE MIRANDA, MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO e RAUL MACHADO HORTA. Contudo, deve-se entender que a substituição de um regime constitucional se dá por completo. Descabe investigar se algumas das normas constitucionais da ordem anterior foram ou não mantidas pela nova constituição. A entrada em vigor da última manifestação do constituinte originário altera por completo o fundamento de validade do ordenamento jurídico pretérito, revogando interiormente a constituição passada, incluindo as normas não materialmente constitucionais. Daí, não se pode enxergar na simples omissão da constituição superveniente, ainda que haja compatibilidade material, o desejo de manter vigentes alguns dos preceitos da constituição anterior, mesmo aqueles somente constitucionais em sentido formal. Essa a opinião de JOSÉ AFONSO DA SILVA, de CELSO BASTOS, de MICHEL TERMER e de LUÍS ROBERTO BARROSO. Também o Plenário do STF não aceita a tese da desconstitucionalização, salvo por norma constitucional expressa (ED no AgRg nos EDv nos ED no AgRg no AI 386.820-RS) Obviamente, não há empecilhos a que o constituinte acate a tese da descontitucionalização, desde que o faça por intermédio de dispositivo expresso, para não deixar dúvidas quanto à vontade de assim proceder. Exemplo: o caput do art. 34 do ADCP recepcionou, ainda que transitoriamente, normas da Constituição anterior que regulavam os sistema tributário. […] Já numa segunda acepção, o termo desconstitucionalização está relacionada com a parte flexível de uma constituição semirrígida. Nesse sentido, representa a desqualificação, por obra do próprio constituinte, da supremacia constitucional de alguns dispositivos da constituição formal em vigor, os quais poderão então ser alterados sem formalidades especiais.
Com relação à retroatividade das Leis, o que dizem as teorias objetiva e subjetiva? Qual a adotada pelo ordenamento jurídico pátrio?
Há basicamente duas teorias para solucionar os problemas de retroatividade criados pela sucessão de lei no tempo (direito intertemporal).
Pela teoria subjetivista, a questão deve ser encarada sob o prisma dos direitos subjetivos que surgiram ao tempo da lei velha. Essa escola remete a doutrinadores como SAVIGNY, LASSALE e GABBA, bem como às diferenças conceituais entre “direitos adquiridos”, meras “expectativas de direito”, siples “faculdades legais” e institutos correlatos. Nessa linha, nem toda retroatividade normativa é censurável, mas somente aquela que interfere em direitos surgidos anteriormente.
Já pela teoria objetivistas, defendida principalmente por DE PAGE e ROUVIER, o estudo teórico dos direitos adquiridos não dá solução exata para os problemas do direito intertemporal. Daí, a ênfase dos estudos deve girar em torno das situações jurídicas já constituídas ao tempo do surgimento da lei nova. A retroatividade é o efeito da norma que atinge situações jurídicas anteriormente constituídas, independentemente do exame dos direitos subjetivos decorrentes da lei velha.
O Brasil adota a teoria subjetivista. Assim, os limites jurídicos à retroatividade não se atrelam propriamente às “situações jurídica” criadas anteriormente, Por isso, tanto a Constituição (art. 5, XXXVI) quanto a atual redação da Lei de Introdução Às Normas do Direito Brassileiro - LINDB (art. 6º, § 2º) aludem às figuras do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada como obstáculos à retroatividade das normas. Enfim, inspirado na teoria subjetivista, o direito brasileiro acolheu o princípio da não retroatividade restrita. Isso porque, desde que respeitados os direito subjetivos decorrentes tanto do direito adquirido quanto do ato jurídico perfeito ou da coisa julgada, “nada impede que o Estado edite e prescreva atos normativos com efeito retroativo” (STF, pleno, ADInMC 605-DF). […] Todavia, na prática, o dissídio entre as duas teorias “se reduz a proporções mínimas” (CARLOS MAXIMILIANO, 1955, p. 9). Daí, embora o direito brasileiro adote a teoria subjetivista, muitos dos problemas relativos à retroatividade da lei constumam ser resolvidos com o auxílio de raciocínios conectados à teoria objetivista. Nesse sentido, o próprio STF adota a noção de tripartição dos tipos de retroatividade, tese construída a partir dos tipos de situações jurídicas intertemporais em face das quais a incidência da norma deva ser considerada.
Assuntos relativos ao direito intertemporal são analisados pelo STF?
Sim, porquanto “configuram típica matéria constitucional, ainda que o conflito envolva apenas nromas de caráter local (estadual, distrital ou municipal) (STF, 1 Turma, RE 420.431-DF) As próprias definições e conceitos técnicos referentes aos limites à retroatividade normativa são matéria constitucional, razão por que, mesmo havendo leis ordinária a dispor sobre o assunto (v.g., art. 6 da LINDB), o tema não se resume a simples questão de direito infraconstitucional e pode ser discutido no STF por via de recurso extraordinário.
Explique o que é retroatividade máxima, média e mínima.
Retroatividade máxima: atinge a coisa julgada ou fatos consumados como a transação, o pagamento e prescrição implementados; - também chamada de “eficácia restituitória”, por retornar as partes ao status quo anterior.
Retroatividade média: - atinge fatos pendentes de ato jurídico ocorrido antes dela (facta pendentia), interferindo nos direitos já exigíveis, mas ainda não realizados antes da vigência.
Retroatividade mínima: - atinge apenas os efeitos dos fatos anteriores, mas produzidos após a data do início da vigência da norma; - para parte da doutrina, não se trata de verdadeira retroatividade, pois equivale ao chamado “efeito imediato forte da norma”.
Em que consiste o efeito imediato “forte” da norma?
Para que não sejam consideradas retroativas, as normas só podem surtir eficácia “imediata”, sem atingir fatos ou situações verificados no passado, tampouco dereitos subjetivos adquiridos anteriormente. Assim, devem ser interpretadas e aplicadas para gerar consequências jurídica referentes apenas a fatos e situações futuros. Por isso, diz o atual art. 6 da LINDB, a “Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adiquirido e a coisa julgada”. Nada obstante, sobretudo por influência de PAUL ROUBIER, há quem defenda que esse “efeito imediato” da norma alcançaria não apenas as situações futuras, mas também os efeitos futuros de situações jurídicas anteriores, sem que haja nisso verdadeira retroatividade. Destarte, aquelas hipóteses consideradas casos de “retroatividade mínima” não passariam, na verdade, de situações alcançadas pela eficácia imediata da norma, embora num sentido mais amplo. Daí as teorias acerca do chamado efeito imediato “forte” das normas. […] Para ROUBIER, explica WILSON BATALHA (1980, p. 49-50), se “a lei nova atinge situações constituídas ou extintas na vigência da lei antiga, ou se afeta os efeitos dessas situações, produzidos na vigência da lei antiga, então a lei nova será retroativa; mas, se a lei incide apenas sobre os efeitos futuros de situações constituídas na vigência da lei antiga, então a lei nova não terá efeito retroativo, mas sim efeito imediato”. Logo, pela teoria de ROUBIER, “os efeitos jurídicos futuros de uma situação existente serão determinados pela lei nova, sem que haja retroatividade, o que se aplica aos efeitos do casamento, da adoção, da menoridade, da interdição, da propriedade, do usufruto, etc.” (ESPÍNOLA e ESPÍNOLA FILHO, 1999, p. 252). Atenção: Mesmo para ROUBIER, as situações jurídicas criadas a partir de contratos anteriormente constituídos devem ser respeitadas pela lei nova. Nessa linha, os efeitos dos contratos em curso seguem regulados pela lei da época, inobstante o “efeito imediato” da lei nova. Porém, segundo ROUBIER, cabe diferenciar as leis que alteram o “regime do contrato” (i.e., aquelas que cuidam de obrigações e direito que as partes contraente estão, em princípio, livres para determinar por si mesmas) das leis que inovem o “estatuto legal” anterior, tal como as que modifiquem ou extinguem (sic) institutos jurídicos. Assim, o estabelecimento de novos estatutos legais pode afetar o contrato em curso, pois eles alteram a situação jurídica “primária” em face da qual o contrato não passa de uma situação jurídica “secundária” (v. BATALHA, 1957, p. 360-361) […] no STF, sobretudo a partir da ADIN 493-DF (salvo acórdãos isolados, como ArRg no RE 422.268-SP, 1 Turma), também prevalece o racioncío que afasta a tese da eficácia imediata “forte”. Para a Corte, é “firme” a orientação segundo a qual “a retroação ocorre ainda quando se pretende aplicar de imediato a lei nova para alcançar os efeitos futuros de fatos passados que se consubstanciem em qualquer das referidas limitações, pois ainda nesse caso há retroatividade - a retroatividade mínima -, uma vez que se a causa do efeito é o direito adquirido, a coisa julgada, ou o ato jurídico perfeito, modificando-se seus efeitos por força da lei nova, altera-se essa causa que constitucionalmente é infensa a tal alteração” (RE 188.366-SP, 1 Turma)
Qual tipo de retroatividade aplicável às normas constitucionais?
[…] embora as normas de um nova constituição possam retroagir em face de direitos subjetivos, só é automática a retroatividade mínima (ou o efeito imediato “forte”). Para que produzam efeitos retroativos máximos ou médios, mesmo as normas originalmente constitucionais têm de ser expressas a respeito (1 Turma do STF, Re 140.499-GO).