Juliano Bernarde e Olavo Ferreira - Direitos fundamentais em espécie Flashcards
O que são direitos individuais de expressão coletiva?
São direitos de titularidade individual, mas cujo exercício pressupõe a atuação convergente de uma pluralidade de pessoas. Exemplos: o direito de reunião e de associação; o direito de votar e de ser votado.
Em que momento se inicia a proteção conferida pelo direito constitucional à vida?
Na ADIn 3.510\DF, ao apreciar a constitucionalidade do art. 5 da Lei de Biossegurança, o Plenário do STF considerou que a inviolabilidade constitucional do direito à vida diz respeito, exclusivamente, a indivíduos que sobreviveram ao parto. Ou seja, no âmbito de proteção do direito constitucional à vida não alcança embriões nem fetos, mas somente aqueles que nascem vivos. Para a Corte, “o embrião é o embrião, o feto é o feto, e a pessoa humana é a pessoa humana. Donde não existente pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana”. Contudo, o STF ressaltou que o princípio da dignidade da pessoa humana autoriza o legislador a transbordar a proteção contitucional à vida, para proteger momentos da vida humana anteriores ao nascimento, tal como preveem alguns dispositivos do Código Civil (direitos do nascituro), da Lei 9.434\97 (vedação à gestante de dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo vivo) e do Código Penal (criminalização do aborto). Por outro lado, no mesmo precedente, o STF acabou por fixar que a proteção ao feto é matéria de status infraconsticucional.
Qual a diferença entre eutanásia e ortotanásia? Constituem crime essas práticas?
Eutanásia é a palavra de origem grega cujo significado literal é “morte sem sofrimento”. Implica, portanto, redução intencional do período durante o qual a vida normalmente se prolongaria. No caso da chamada eutanásia terapêutica, a indução ou antecipação da morte é feita com o objetivo de estancar ou evitar sofrimento extremo de pessoa sem chance de recuperação. Exemplo: o uso de medicamente legal para induzir a morte de paciente terminal.
Já a ortotanásia (para alguns, eutanásia passiva) importa apenas em permitir que a vida do paciente terminal se esvaia em seu ritmo natural, sem intervenção para abreviá-la. Decorre ou da inércia em adotar algum tratamento que poderia prolongar a vida do paciente ou da simples interrupção dos tratamentos de saúde que o mantinham vivo. Exemplo: o desligamento dos aparelhos de respiração artificial de doente com falência dos órgãos cardiorrespiratórios. […]
No Brasil, não há dúvidas em que estão proibidos os procedimentos voltados à eutanásia ativa, já que enquadrados no tipo penal do homicídio doloso, ainda que sob a modalidade privilegiada (art. 121, § 1º, do CP). Mas é controversa a situação penal da ortotanásia. Para muitos penalistas, a ortotanásia constitui homicício privilegiado praticado por conduta omissiva (homicídio comissivo por omissão), pois o médico que assiste o doente teria a “responsabilidade” de empregar todos os meios disponíveis para evitar o resultado morte (art. 121, § 1º, c\c art. 13, § 2º, do CP). Melhor entender, contudo, que a ortotanásia não configura crime, pois o médico não possui obrigação de artificialmente prolongar o sofrimento de paciente em estado terminal, se essa não é a vontade dele próprio ou de seu representante legal. [vai nessa linha o Código de Ética Médica aprovado em 2009]
Para que fique caracterizada a invasão de domicílio praticada por agentes estatais, é necessária prova de resistência do particular, ou cabe aos agentes demonstrar a existência do consentimento?
O consentimento [quanto à exposição] há de ser livre e bem orientado, embora possa ser tácito ou até posterior. Nessa linha, considera-se tacitamante consentida publicidade, por exemplo, quanto a atos praticados em local público, sobretudo por pessoas que despertem interesse público à informação. Contudo, em geral, não se deve presumir o consentimento tácito em situações de grande assimetria de poder, tais como em certas buscas domiciliares feitas por agentes do Estado. STF: Diferentemente da posição defendida no texto acima, no HC 79.512\RJ, o Plenário do STF entendeu que a prova da prévia resistência do particular era necessária à caracterização da violação do domicílio por parte de agentes fazendários, pois a Constituição ressalva as hipóteses em que o ingresso domiciliar ocorre sob a permissão do morador.
STJ (2021):
Em julgamento realizado nesta terça-feira (2), a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os agentes policiais, caso precisem entrar em uma residência para investigar a ocorrência de crime e não tenham mandado judicial, devem registrar a autorização do morador em vídeo e áudio, como forma de não deixar dúvidas sobre o seu consentimento. A permissão para o ingresso dos policiais no imóvel também deve ser registrada, sempre que possível, por escrito.
O colegiado estabeleceu o prazo de um ano para o aparelhamento das polícias, o treinamento dos agentes e demais providências necessárias para evitar futuras situações de ilicitude que possam, entre outros efeitos, resultar em responsabilização administrativa, civil e penal dos policiais, além da anulação das provas colhidas nas investigações.
Seguindo o voto do relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, a turma concedeu habeas corpus – requerido pela Defensoria Pública de São Paulo – para anular prova obtida durante invasão policial não autorizada em uma casa e absolver um homem condenado por tráfico de drogas. Os policiais alegaram que tiveram autorização do morador para ingressar na casa – onde encontraram cerca de cem gramas de maconha –, mas o acusado afirmou que os agentes forçaram a entrada e que ele não teve como se opor.
Há quebra de sigilo quando autoridades públicas, sem autorização judicial, mas autorizada por lei, acessam informações sigilosas dos cidadãos?
Quebra vs. transferência de sigilo: As restrições e intervenções admitidas em desfavor do direito à intimidade não implicam automática quebra de sigilo. Quando a Constituição e a leis asseguram a autoridades públicas o poder de acessar informações sigilosas, o interesse público a nortear a mitigação ao direito à intimidade justifica, via de regra, apenas a transferência do sigilo a ambiente diverso (em geral, ao ambiente das investigações policiais e dos processo judiciais). De modo que os dados sensíveis, embora licitamente acessados, seguem sigilosos em face de outros ambientes. A efetiva quebra do sigilo só ocorrerá quando for obrigatoriamente público o ambiente para o qual as informações sigilosas tiverem sido licitamente transferidas. (p. 54)
A proteção ao domicílio pode ser invocada para impedir o acesso do Fisco a estabelecimentos comerciais para examinar documentos úteis à atividade tributária do Estado?
É discutível se a proteção do domicílio, ao alcançar estabelecimentos comerciais, pode ser invocada para evitar o acesso do Fisco a documentos fiscais que ali se encontrem, arquivados ou não. Afinal, autoridades fiscais têm poderes para conferir e apurar a capacidade tributária e as atividades econômicas do contribuinte, nos “termos da lei” (art. 145, § 1º). E o art 195 do CTN afasta “quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas” do direito do Fisco “de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou discais, dos comerciantes industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los” (art. 195 do CTN). Bem por isso, a 2 Turma do STF, vencido o Min. CELSO DE MELLO, já decidira que pessoa jurídica que exerce atividade tributável não pode invocar o sigilo domiciliar para evitar a fiscalização tributária nem a eventual apreensão de documentos fiscais, até porque os documentos foram apreendidos no “interior da sede da empresa, e não no domicílio de seu responsável legal” (trecho do voto vencedor da Min. ELLEN GRACIE, no HC 87.654\PR, j. em 7-3-2006). Porém, a jurisprudência da Corte parece consolidada no sentido contrário. Embora não se tratasse de diligência em face de documentos fiscais da titularidade da própria sociedade fiscalizada, mas de busca e apreensão de livros e documentos de outrem e que estavam arquivados em escritório de contabilidade não aberto ao público, a ementa HC 93.050\RJ (da lavra do mesmo Ministro que ficara vencido no HC 87.654\PR) foi além das dimensões do caso e aproveitou para acentuar que o atributo da autoexecutoriedade dos atos administrativos “não prevalece sobre a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar, ainda que se cuide de atividade exercida pelo poder público em sede de fiscalização tributária” (2 Turma, j. em 10-6-2008). Ver, ainda, HC 82.788\RJ, 2 Turma, j. em 12-4-2005.
Se fotografia revelando a prática de pedofilia são furtadas de seu autor e depois entregues a polícia, essa prova poderá ser utilizada contra o criminoso?
Consequências da inviabilidade domiciliar: […] No âmbito processo, a consequência mais relevante diz com a ilicitude e, portanto, a imprestabilidade das provas colhidas mediante invasão domiciliar, as quais deverão ser extirpadas do processo sem prejuízo da contaminação daí derivada em face de outros elementos probatórios. Reparar que a nulidade das provas assim obtidas se estende não somente àquelas colhidas diretamente por agentes do Estado, mas também por particulares. Nesse último sentido, aliás, o STF já reconheceu como ilícita a prova do crime do art. 241 do ECA (guarda de material pornográfico envolvendo menores de idade), pois as fotografias comprometedoras haviam sido furtadas “do interior de um cofre existente em consultório odontológico pertencente ao réu, vindo a ser utilizado pelo Ministério Público, contra o acusado, em sede de persecução penal, depois que o próprio autor do furto entregou à Polícia as fotos incriminadoras que havia subtraído” (RE 251.445\GO, decisão monocrática do Min. CELSO DE MELLO).
Sobre o sigilo de dados, aponte as correntes que tratam do tema, a posição da jurisprudência e as normas editadas pelo legislador.
Sobre a concorrência da proteção proporcionada pelo incisos X e XII do art. 5 da Constituição, alinham-se três posições básicas:
1) teoria da proteção ampla: o sigilo de dados está assegurado genericamente no inciso X e também, mais especificamente, no inciso XII do art. 5, que protege não só a comunicação de dados, como também os dados sigilosos em si, incluindos os bancários e fiscais. É a posição majoritária da doutrina. Posicionamento acolhido pelo Plenário do STF quanto aos dados bancários (RE 389.808\PR, entendimento hoje superado) e aos dados sigilosos constantes em processos judiciais (Rcl 9.428\DF). Com exceção dos dados cadastrais (referentes à qualificação pessoal, filiação e endereço), foi a teoria adotada pelo legislador acerca das informações sigilosas armazenadas pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas administradoras de cartão de crédito (ver art. 17-B da Lei 9.613\98, incluído pela Lei 12.683\2012, e art. 15 da Lei 12.850\2013).
2) teoria da proteção restrita: conforma vários precedentes do STF, o sigilo de dados só está protegido pelo inciso X, pois o inciso XII só se refere ao sigilo de comunicação\transparência de dados (fluxo de informações), e não aos dados propriamente ditos (resultado do fluxo das informações). Trata-se de posição doutrinária minoritária, mas dominante no STF (Plenário: RE 418.416\SC, QO na Pet 577\DF e ADIn 2.407\SC; 2 Turma: RE 219.780\PE). É também a teoria que torna desnecessária a observância da reserva absoluta da jurisdição em matéria de obtenção de dados telefônicos, bancários e fiscais por parte das CPIs (por todos, v. MS 23.652\DF, Plenário do STF). Adotada pelo TRFs da 1 e 4 Regiões, o que ao Ministério Público obter (sic), diretamente, dados telefônicos de pessoas sob investigação, sem confundir o assunto com a cláusula do inciso XII do art. 5. Teoria reafirmada pelo Plenário do STF, em 24-2-2016, no julgamento do RE 601.314 (com repercussão geral) e da ADIn 2.390\DF.
3) teoria intermediária: parte da doutrina defende que o inciso XII protege as comunicações pessoais, incluindo os dados delas resultantes. Porém, os “dados constantes dos arquivos pessoais ou privados (“não transmitidos”)”, a exemplo dos dados fiscais, bancários e telefônicos, só contam com proteção genérica do inciso X do art. 5 (NOVELINO, 2009, p. 400-404).
Atenção: (a) Com relação aos dados sigilosos armazenados pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito, o legislador adotou a teoria da proteção restrita, em matéria de dados cadastrais (qualificação pessoal, filiação e endereço), mas adotou a teoria da proteção ampla, quanto às demais informações sigilosas mantidas por tais entidades. Ver o art. 17-A da Lei 9.613\98, incluído pela Lei 12.683\2012, bem como art. 15 da Lei 12.850\2013.
(b) Quanto aos dados telefônicos em si, o art. 17 da Lei 12.850\2013 passa a impressão de que se trata de informações disponíveis também aos delegados de polícia e ao Ministério Público. Porém, o próprio dispositivo remete ao art. 15 da mesma lei, que torna imprescindível autorização judicial para acessá-los. Nada obstante, o § 4º do art. 13-B do CPP, com redação da Lei 13.344\2016, permite que delegados de polícia e órgãos do Ministério Público possam obter, diretamente das empresas concessionárias, dados telefônicos ou telemático (sinais, informações e outros) que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos de crimes relacionados ao tráfico de pessoas. Contudo, essa previsão legal de acesso direito pressupõe prévio pedido à autoridade judicial, cuja resposta não tenha sido providenciada em até 12 horas.
(c) Com relação aos bancos de dados de reservas e registros de viagens arquivados em empresas de transporte, o legislador adotou a teoria da proteção restrita: tais informações podem ser diretamente acessadas, sem autorização judicial, pelo Ministério Público ou por delegados de polícia (art. 16 da Lei 12.850\2013).
É indispensável autorização judicial para restrição ao direito de privacidade? O sigilo bancário se insere no âmbito de proteção desse direito?
[…] Já no âmbito mais periférico [mais periférico que a esfera da publicidade] da proteção proporcionada pelo direito à privacidade está a esfera da privacidade. Tem a ver com aspectos da vida pessoal que, mesmo não abrangidos pela esfera da publicidade, são do conhecimento de pessoas sem grande intimidade com o titular do direito, tais como clegas de trabalho, vizinhos, prestadores de serviço em geral. Nesse âmbito incluem-se todos aqueles aspectos e dados sensíveis protegidos pelo direito geral à intimidade (Art. 5, X, da CF), cujo acesso não consentido pode ocorrer em condições menos rígidas que as exigidas para intervir nas duas outras esferas concêntricas. Daí por que, observados princípio do interesse público e a proporcionalidade, o legislador pode estabelecer restrições a esta esfera da privacidade, sem que a Constituição exija condicioná-las à reserva absoluta de jurisdição. Exemplos de aspectos que, protegidos pela esfera da privadade, podem ser acessados por certos órgãos públicos, independentemente de prévia autorização judicial: dados de registros telefônicos (informações sobre chamadas efetuadas e recebidas), os quais podem ser obtidos por CPIs ou pela agência reguladora do setor, bem como, em determinadas circunstâncias, pelo Ministério Público ou por autoridade policial (v. art. 13-A do CPP); as encomendas postais, cuja abertura é permitida em alguns casos previstos na Lei 6.539\79; os objetos sujeitos à verificação policial mediante buscas pessoais sem mandados judicial, nos termos do art. 244 do CPP; as informações patrimoniais e os dados cujo conhecimento seja necessário à administração e fiscalização tributárias podem ser acessados por agentes do Fisco (Constituição, art. 145, § 1º, c\c art. 195 do CTN). Incluem-se nessa esfera da privacidade os dados referentes aos sigilos fiscal e bancário. (p.50) […] As informações bancárias são dados sensíveis pertencentes à esfera da privacidade (inciso X do art. 5), e não propriamente à esfera da intimidade (inciso XII do art. 5). Logo, atendido o princípio da proporcionalidade, o legislador dispõe do poder de conformação\restrição do sigilo bancário em favor do interesse público, sem necessidade de monopólio judicial da primeira palavra (Reserva absoluta de jurisdição). (p. 69) [..] STF: No STF, no julgamento da QO na PET 577\DF (j. em 25-3-92), o Plenário manteve o entendimento do Min. CARLOS VELLOSO, segundo o qual o sigilo bancário estava protegido pela cláusula geral da privacidade (inciso X do art. 5 da Constituição), e não pelo inciso XII do art. 5- como defendia o voto vencido do Ministro MARCO AURÉLIO. […] essa distinção é altamente relevante. A se entender que o sigilo bancário está alcançado pela proteção especial do inciso XII do art. 5 (esfera da intimidade), só poderá ser acessado “por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Nessa linha, toda quebra de sigilo bancário passaria a depender de ordem de juízo criminal, o que inviabilizaria não só o acesso direto desses dados por autoridades administrativas, incluindo CPIs, como também interditaria a obtenção de dados bancários para fins de processo cíveis, incluindo execuções em geral, ações populares, ações civis públicas e de improbidade administrativa. Algo inteiramente incompatível com o sistema normativo de qualquer país. (p. 71)
Quais disposições constitucionais visam a garantir o direito da intimidade da pessoa (não privacidade)?
[…] em relação à esfera da intimidade da pessoa, a Constituição Federal assegura proteção de nível intermediário. Essa esfera engloba tanto os ambientes reservados em que se desenvolvem os atos da vida privada (domicílio, escritório profissional e, eventualmente, até computadores, tablets e smartphones) quanto aquelas informações e dados sensíveis compartilhados somente por círculo bastante restrito de pessoas, tais como empregados do ambiente domiciliar (âmbito do sigilo domiciliar), amigos próximos (âmbito do sigilo da amizade), familiares (âmbito do sigilo familiar) e profissionais específicos (âmbito do sigilo profissional em sentido amplo) - v.v., médico, psicólogos, advogados, contadores, padres. No Brasil, a esfera da intimidade beneficia as pessoas em geral (incluindo as jurídicas) e alcança os bens jurídicos especialmente protegidos pela inviolabilidade do domicílio (Art. 5, XI), pelos sigilos profissionais em sentido amplo (e.g., arts. 5, XIV, e 53, § 6º) e pelas comunicações\transmissões de dados (Art. 5, XII). De modo que a proteção reforçada atribuída a essa esfera faz com que o acesso não consentido a tais aspectos sigilosos, quando admissível, além da presença de outros requisitos, dependa sempre de ordem judicial (reserva absoluta de jurisdição ou monopólio judicial da primeira palavra).
O TCU pode requisitar a quebra do sigilo bancário?
[…] no julgamento do MS 22.801\DF (Pleno), o STF não reconheceu ao TCU poderes para requisitar a quebra de sigilo bancário, dada a ausência de “determinação na lei específica que tratou do tema” (LC 105\2001), “não cabendo a interpretação extensiva”.
Quais são órgões a respeito dos quais não pairam dúvidas sobre a competência para requisitar transferência do sigilo bancário?
(a) órgãos do Poder Judiciário; (b) Plenário da Câmara dos Deputados; (c) Plenário do Senado Federal; (d) Plenário das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), incluindo as CPIs instraurdas por Assembleias Estaduais, Câmara Distrital e Câmas Municipais (STF, ACO 730\RJ)
O MP tem legitimidade para requisitar o afastamento do sigilo bancário?
Autores como ALEXANDRE DE MORAES e NELSON NERY JUNIOR defendem a possibilidade de afastamento do sigilo bancário por determinação do Ministério Público, com fundamento no poder requisitório previsto no inciso VI do art. 129 da Constituição, bem como no § 2º do art. 8º da LC 75\93 (LOMPU), e, relativamente ao Ministério Público dos Estados-membros, no art. 80 da Lei 8.625\93, que determina a aplicação subsidiária da LC 75\93. Todavia, antes mesmo do controverso (e hoje superado) RE 389.808\PR, a 1 Turma do STF já entendera que, a se ter “presente que o sigilo bancário é espécie de direito à privacidade, que a CF consagra, art 5, X, somente autorização expressa da Constituição legitimaria o Ministério Público a promover, diretamente e sem a intervenção da autoridade judiciária, a quebra do sigilo bancário de qualquer pessoa” (RE 215.301\CE). No mesmo sentido, AgRg no RE 318.136\RJ, 2 Turma. De outro lado, no MS 21.729\DF, o Plenário do STF decidiu não estarem protegidos pela direito à privacidade as informações bancárias referentes a financimantos e empréstimos concedidos com recursos públicos (no caso, tratava-se de recursos subsidiados pelo erário federal). Logo, nessa hipóteses, a Corte admite o levantamento do sigilo bancário por requisição do Ministério Público_. Esse poder requisitório do Ministério Público foi confirmado e ampliado no RHC 133.118\CE (j. em 26-9-2017), precedente em que a 2 Turma do STF entendeu não só que, diante da “existência de indícios da prática de ilícitos penais envolvendo verbas públicas, cabe ao MP, no exercício de seus poderes investigatórios (CF, art. 129, VIII), requisitar os registros de operações financeiras relativos aos recursos movimentados a partir de conta-corrente de titularidade da prefeitura municipal”, como também que tal “requisição compreende, por extensão, o acesso aos registros das operações bancárias sucessivas, ainda que realizados por particulares, e objetiva garantir o acesso ao real destino desses recursos públicos.”_ Por fim, ao confirmar que as autoridades fazendárias podem acessar informações bancárias sem autorização judicial (RE 601.314\SP e ADIn 2.390\DF), o STF decidiu pela licitude do repasse de tais informações sigilosas ao Ministérios Público, para fins de instauração de processo penal (1 Turma, RE 1.057.667\SE, j. em 12-12-2017). Na mesma linha, para o STJ, é “lícito o compartilhamento promovido pela Receita Federal, dos dados bancários por ela obtidos a partir de permissivo legal, com a Polícia e com o Ministério Público, ao término do procedimento administrativo fiscal, quando verificada a prática, em tese, de infração penal (AgRg no REsp 1.601.127\SP, 5 Turma).
O Banco Central precisa de autorização judicial para acessar informação bancária sigilosa?
As autoridades do Banco Central do Brasil dispõem de poder implícito para acessar dados bancários sigilosos, mas somente quando atuarem como órgãos de fiscalização do Sistema Financeiro Nacional. Fora dessas atribuições, decidiu a 1 Turma do STF, não têm poder de quebrar sigilo bancário, nem mesmo sob a invocação do ainda vigente art. 37 da Lei 4.595\64 (RE 461.366\DF)
No âmbito do legislativo, quais órgãos podem determinar a quebra do sigilo fiscal?
“No âmbito do Poder Legislativo, apenas as CPIS, nos termos do art. 58, § 3º, da CF, podem determinar a apresentação de declaração de bens ou informações sob sigilo fiscal” (ADIn 2.225\SC, j. em 21-8-2014, Inf. 755\2014).
Qual o regimento jurídico das interceptações ambientais?
No Brasil, as interceptações ambientais merecem o mesmo tratamento constitucional dado às interceptações telefônicas. Afinal, “a inteceptação ambiental é essencialmente semelhante à interceptação telefônica” (MARMELSTEIN, 2016, p. 151), até porque dizem respeito a conversas que se desenvolvem em viva-voz e tempo real. Assim, o simples fato de as conversas ambientais dispensarem o uso de aparelho telefônico não justifica tratamento diverso. Destarte, por analogia ao inciso XII do art. 5 da Constituição, a interceptação ambiental parece sujeitar-se a idênticos requisitos traçados para as interceptações telefônicas: a imprescindibilidade de autorização judicial prévia e finalidade, via de regra, restrita à produção de provas em investigação ou processo criminal. Daí a ilicitude de toda forma de interceptação ambiental obtida, clandestina ou sub-repticiamente, por “arapongas”, detetives particulares ou algo do gênero. […] Contudo, ao regulamentar o inciso XII do art. 5 da Constituição, a Lei 9.296\96 tratou apenas das interceptações telefônicas. Assim só há expressa previsão legal de interceptações ambientais para fins de persecução penal de organizações crimininosas ou terroristas (Lei 12.850\2013, que revogou a Lei 9.034\95). Outro problema: diferentemente da legislação revogada (art. 2 da Lei n. 9.034\95, com redação da Lei 10.217\2001), o art. 3, II, da Lei 12.850\2013 não fala mais na necessidade de “circunstanciada autorização judicial”. Todavia, até por aplicação direta do art. 5, XII, da CF\88, cabe manter-se a exigência de prévia permissão judicial. Embora o legislador só tenha regulamentado a interceptação ambiental nessas hipóteses de organizações criminais ou terroristas, parece possível estender-lhe o uso na persecução de outros crimes. Como se sustentou, o simples fato de as conversas ambientes prescindirem do uso de aparelho telefônico não torna a interceptação ambiental dependente de previsão legal específica. É justificável aplica, por analogia, a regulamentação genérica da Lei 9.296\96, que trata das interceptações telefônicas. Na jurisprudência dos Tribunais Superiores, entretanto, não consta haver precedentes nesse sentido. Em sentido contrário, aliás, no HC 253.696\RO, a 6 Turma do STJ afastou a pertinência da aplicação analógica da Lei 9.29696 às escutas ambientais, por entender que “tal lei tem por objeto a regulamentação do art. 5, inciso XII, parte final, da Constituição Federal, ou seja, a quebra de sigilo das comunicações telefônicas”.
Qual é o entendimento do STF a respeito das gravações sub-reptícias?
De início, o STF validou a utilização de gravações sub-reptícias, mas só excepcionalmente, quando havia alguma excludente de ilicitude da prova. Ou seja, a prova era considerada a princípio ilícita, mas poderia ser utilizada em razão da presença de excludentes de ilicitude. Assim, com base no direito alemão, num caso de escuta telefônica autorizada por um dos interlocutores para registrar crime praticado pelo outro interlocutor, a 1 Turma teve por afastada “a ilicitude de tal conduta - a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja conhecimento do terceiro que está praticando o crime” (HC 74.678-SP). […] Nesse linha, a Corte considerou lícita até a divulgação televisiva de gravação não consentida realizada por um dos interlocutores a pedido de emissora de televisão, de pessoa que lhe exigia dinheiro para inserir falsa informação em documento público. Segundo o STF, a questão não envolvia a “inviolabilidade das comunicações, e sim da proteção da privacidade e da própria honra, que não constitui direito absoluto, devendo ceder em prol do interesse público” (HC 87.341-PR, 1 Turma). Posteriormente, o STF passou a dispensar até a presença de alguma excludente de ilicitude para reputar simplesmente lícitas as gravações\escutas sub-reptícias. No AgRg no RE 630.944\BA, por exemplo, a 2 Turma afirmou a licitude da prova “produzida a partir da gravação de conversa telefônica feita por um dos intelocutores, quando não existir causa legal de sigilo ou de reserva da conversação”. […] (p. 83)
Observação: O atual entendimento do STF ainda reserva algumas perplexidades. Se alguém tem o direito de gravar as próprias conversas, sem o conhecimento dos outros interlocutores, poderá também gravar e armazenar, somente para si, cenas de acontecimentos íntimos sem a anuência dos demais participantes? Essa simples pergunta demonstra que, para além das hipóteses de inocorrência de alguma causa legal de sigilo ou de reserva de conversação, segue em aberto o problema da eventual violação do direito à intimidade alheia (art. 5, X). Por isso, é preciso que a licitude da gravação sub-reptícia pressupunha não só a inexistência (a) de alguma causa legal de sigilo ou de reserva da conversação, como também de (b) certas “situações excepcionais em que, no fundo, prepondera a exigência da proteção da intimidade, ou se outra garantia da integridade moral da pessoa humana”, conforme anotou o Min. PELUZO no voto vencedor na QO no RE 583.937\RO.
O inciso XII do art. 5 da CF abrange os dados ou apenas sua comunicação?
[…] a melhora interpretação, adotada pelo STF, sustenta que a inviolabilidade assegurada pelo inciso XII do art. 5 só se volta contra a interceptação de correspodência ou de comunicações telegráficas, de dados e de conversa telefônica. Trata-se, portanto, de proteção contra a intervenção externa para a captação de informações ou conversas sigilosas durante o fluxo das correspondências\comunicações\trasmissões, e não pripriamente contra o acesso dos dados e conversas trasmitidos e recebidos pelo destinatário (resultados da comunicação em si), os quais contam com a proteção genérica do inciso X do art. 5.
CPI tem poder para quebrar sigilo de correspondência?
Embora o sigilo de correspondência tenha sido tratado de maneira aparentemente inexpugnável pelo inciso XII do art. 5, é possível relativizá-lo, mediante autorização judicial, pois o sistema constitucional não admite direitos fundamentais de natureza absoluta. […] Nesse sentido, após entender que o sigilo epistolar “não pode constituir instrumento de salvaguarda de prática ilícitas’, o STF já admitiu até que a administração penitenciária procedesse a interceptação de correspondências, sem autorização judicial, com base no art. 41 da LEP (HC 70.814\SP). Também quanto aos correios eletrônicos, o STJ já entendeu possível a interceptação, desde que autorizada judicialmente (HC 315.220\RS, 6 Turma). Via de regra, portanto, a quebra e a transferência do sigilo de correspondências, incluindos as eletrônicas, pressupõem ordem judicial devidamente fundamentada. Nem mesmo as CPIs dispõem de competência para decretar a quebra desse sigilo, pois o assunto se enquadra no círculo da intimidade, o que exige reserva absoluta de jurisdição. A violação não permitida do sigilo de correspondências implica crime tipificado nos artigos 151 e 152 do CP. (p. 87)
OBSERVAÇÃO: a proteção é só do fluxo de correspondências em geral. Assim, quanto a cartas e correspondências ainda não postadas, incluindo aquelas já recebidas pelo destinatário, não se aplica o sigilo específico do inciso XII. Incidirá ou o sigilo garantido pelo direito à intimidade (art. 5, XI), cujo âmbito de proteção é menor; ou então o sigilo do art. 5, XI, se estiverem guardadas em local protegido pela inviolabilidade do domicílio, caso em que necessária ordem judicial para busca e apreensão.
Se a pessoa entrega espontaneamente computador à autoridade policial, poderá esta acessar todos os dados nele contidos?
Há precedente da 1 Turma do STF no sentido de que, em caso de entrega espontânea de computadores, não cabe alegação de violação ao direito à intimidade, por se tratar de material disponibilizado, inclusive para o serviço público. Entendeu-se, ainda, não caracterizada quebra de sigilo de correspondência eletrônica, tampouco há quebra de troca de dados, mas sim acesso a dados registrado nos computadores (RHC 132.062).
Quais foram os fundamentos invocados pelo STF para chancelar a vedação a tratamentos diferenciados no âmbito do SUS, mediante contraprestação pecuniária paga pelo interessado?
Entendeu-se que possibilitar assistência diferenciada a pessoas numa mesma situação, dentro de um mesmo sistema público de saúde, vulneraria a isonomia e a dignidade humana. Para a Corte (RE 581.488\RS), embora a Constituição não vede o atendimento personalizado de saúde e ainda admita o sistema privado, os “atendimentos realizados pela rede pública, todavia, não devem se submeter à lógica do lucro, pro não ser essa a finalidade do sistema. Ainda que os supostos custos extras corressem por conta do interessado, a questão econômica ocupa papel secundário dentre os objetivos impostos ao ente estatal. A implementação de um sistema de saúde equânime é missão do Estado, que deve buscar a igualdade sempre que chamado a atuar”.
Conceitue, brevemente, o âmbito positivo do princípio da isonomia.
Se o princípio isonômico é concebido tanto no sentido formal quanto material, conclui-se que ele impõe, respectivamente, seja a igualdade na lei (“igualdade perante a lei”), seja a igualdade por intermédio da lei (“igualdade na lei”). Destarte, em seu âmbito negativo, o princípio da igualdade é encarado quer como exigência de tratamento igual, quer como proibição de tratamento desigual. Já no âmbito positivo, o princípio da isonomia representa o dever de favorecer e de criar pressupostos voltados à correção das distorções que atinjam aqueles menos favorecidos por quaisquer dos critérios (biológicos, sociais, econômicos, culturais, políticos) que possam dificultar o surgimento das mesmas “condições de partida” entre as pessoas. (p. 108)
“O princípio da isonomia, em seu sentido de igualdade formal, não admite o tratamento diferenciado entre indivíduos”. Certa ou errado?
Igualdade formal: igualdade perante a lei. Traduz-se como isonomia na fase de interpretação e aplicação de uma lei já elaborada, sem margem a invocação de critérios seletivos ou discriminatórios que não decorram claramente da própria lei. Destina-se ao intérprete e ao aplicador, que devem interpretar e aplicar a lei de forma igualitária, mesmo quando nela há discriminações. A afirmação já foi objeto de questionamento em concurso, e foi considerada errada. (p. 108 e 112)
Cotas raciais para ingresso em universidades públicas podem ser implementadas por atos infralegais?
[…] nos casos em que é materialmente constitucional a implantação de determinado sistema de ações afirmativas, nem por isso o Poder Público estará desonerado da exigência de observância do princípio da legalidade. Em razão da discriminação inversa inerente a toda ação afirmativa, parece que somente a lei poderá atenuar a garantia do caput do art. 5 e criar distinções entre indivíduos, ainda que mediante critérios absolutamente proporcionais e justificáveis do ponto de vista da isonomia material. Nada obstante, na ADPF 186\DF, o Pleno do STF não considerou essa linha argumentativa e reputou constitucional política de cotas criada por atos infralegais de universidade pública (resoluções e editais de vestibular). (p. 113)
Em que consiste a discriminação inversa?
Toda política de ação afirmativa acaba por discriminar, direta ou indiretamente, o segmento social que por ela não foi contemplado. Se a lei, mesmo que atendendo à Constituição, fixa determinada cota de cargos públicos a serem preenchidos por deficientes físicos, está consequentemente discriminando os demais candidatos que concorrerem aos mesmos cargos, e assim por diante. Daí se falar em discriminação inversa\reversa (ou discriminação positiva).
Porém, embora quaisquer políticas de ações afirmativas pressuponham alguma dose de disciminação inversa (positiva), nem por isso estarão indenes de eventuais excessos ou descios de finalidade. Nesse sentido, será indevida a discriminação inversa presente em alguma ação afirmativa quando implicar exorbitante desigualdade de tratamento em desfavor dos membros dos grupos majoritários por ela direta ou indiretamente prejudicados. Algo que se pode chamar de discriminação inverva\reversa (ou negativa). Afinal, também as ações afirmativas devem satisfazer critérios de proporcionalidade, pois são inconcebíveis discriminações inversas arbitrárias. […]
A ação afirmativa só será constitucional se os fatores discrimantens utilizados na identificação dos respectivos beneficiários foram condizentes com as dificuldades que a atuação estatal tenta atenuar ou remediar. Caso a desigualdade de “condições de partidas” advenha de motivações financeiras, por exemplo, não parece haver razões para privilegiar outras pessoas que não as portadoras de dificuldades econômicas, pois a medida se inadequada para atender à finalidade pretendida. É dizer, se a justificativa para reservar vagas em instituição públicas de ensino superior radicar na desigualdade entre aqueles que frequentaram e os que não frequentaram escolas particulares - sob a presunção de que a qualidade destas é melhor - ou entre os vestibulandos que trabalham e os que não trabalham para ajudar a família - daí se presumindo que estes últimos não tiveram o mesmo tempo útil de preparação para o vestibular -, não faz sentido atribuir cotas conforme critérios diversos (critérios exclusicamente raciais, por exemplo). Do contrário, a medida importaria em discriminação arbitrária que elevaria as mesmas dificuldades enfrentadas pelos vestibulandos trabalhadores e\ou egressos de escola pública, mas que não preenchessem os critérios raciais exigidos ao gozo das cotas. Ou seja, se eleger fator discriminante equivocado, a ação afirmativa poderá ser considerada inconstitucional.
STF: no exercício da presidência do STF, o Min. GILMAR MENDES confirmou o acórdão do TRF\4 Região que invalidara a criação de curso superior em instituição pública de ensino cujas vagas eram reservadas exclusivamente para assentados e parentes de assentados incluídos em programa de reforma agrária. Decidiu o Ministro que a instituição de curso especial, embora camuflada sob suposta “ação afirmativa”, no fundo, implicava violação ao princípio da proporcionalidade, já que o privilégio concedido a famílias de assentados não poderia prevalecer sobre os interesses contrapostos da titularidade das demais pessoas, bem como porque a discriminação inversa decorrente da medida vulnerava o princípio da universalidade do acesso ao ensino público (STA 233\RS). (p. 112-114)
É válida a exigência de altura mínima para o cargo de delegado?
[…] a despeito de reputar válida a exigência de altura mínima para o ingresso na carreira de delegado de polícia (RE 140.889\MS, 2 Turma), o STF reputou ilícita a mesma exigência acerca da “habilitação ao cargo de escrivão, cuja natureza é estritamente escriurária, mutio embora de nível elevado” (RE 150.455\MS, 2 Turma; e AgRg no RE 511.588\MG, 1 Turma).
O que diz a doutrina do impacto desproporcional, relativo ao princípio da isonomia? Responda dando um exemplo da jurisprudência pátria.
Originária do direito norte-americano, a doutrina do impacto desproporcional (“disparate impact doctrine”) advoga que medidas de particulares ou do Poder Público, embora aparentemente neutras do ponto de vista isonômico, poderão afrontar o princípio da igualdade caso a implementação delas gerar prejuízos desproporcionais a classes de pessoas que mereçam proteção especial. Ou seja, mesmo que não evidenciado algum intuito anti-isonômico na edição da medida, é preciso ainda analisar se da aplicação dela surgirão efeitos práticos discriminatórios. […] A teoria foi primeiramente adotada pela Suprema Corte americana a partir do caso Griggs vs Duke Power Co. (1971). Nesse precedente, entendeu-se que a eleição de testes de conhecimentos gerais como critério de promoção de empregados implicava em impactos desproporcionais em detrimento de trabalhadores negros, já que os empregados brancos teriam estudados em melhores escolas. Daí o raciocínio: a norma que proíbe discriminar proscreve não apenas a discriminação evidente, como também as práticas que se pareçam justas na forma, mas disciminatórias na operacionalização. No Brasil, em correlação ao princípio da isonomia, a doutrina do impacto desproporcional já foi utilizada pelo STF para declarar inconstitucional o art. 14 da EC 20\98 (ADInMC 1.946\DF). Tratava-se de norma que limitava em R$ 1,2 mil o valor mensal a ser pago pelo INSS - Instituto Nacional do Seguro Social durante o gozo de licença-maternidade. Contudo, entendeu a Corte que, ao recair sobre o próprio empregador o ônus da diferença entre a remunaração da empregada e o valor a ser pago pelo INSS, a emenda constitucional geraria discriminação e impactos desproporcionais à mulher trabalhadora. Conforme voto do Min. NELSON JOBIM: a “regra da EC 20\98, aparentemente neutra, produz discriminação não desejada pelo próprio legislador. As práticas de mercado passarão a responder com discriminação, quanto ao emprego da mulher”. (p. 118)
O que é o assim chamado “mercado livre de ideias”? É possível sua regulação?
A expressão “livre mercado de ideais” (“marketplace of ideas”) diz com o raciocínio de que a verdade surge da competição entre ideais em ambiente de livre e transparente discurso. Essa noção é atribuída, sobretudo, à obra clássica de JOHN STUART MILL (“On Liberty”, de 1859), entre cujos fundamentos consta: “embora a opinião silenciada possa estar errada, ela pode, o que muito comumente ocorre, conter uma parte da verdade; e uma vez que a opinião geral ou prevalecente em qualquer assunto é raramente ou nunca toda a verdade, é apenas pela colisão de opiniões divergentes que o restante da verdade tem alguma chance de ser preenchido”.
STF: Na Suspensão Liminar 1.178\PR (j. em 28-9-2018), o Min. LUIZ FUX consignou: “Sabe-se que o ‘mercado livre de ideias’, primeiramente referido por Oliver Wendell Holmes Jr, no caso Abrams v. United States, julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1919, possui falhas tão deletérias ao bem-estar social quanto um mercado totalmente livre de circulação de bens e serviços. Admitir que a transmissão de informações seria impassível de regulação para a proteção de valores comunitários equivaleria a defender a abolição de regulações da economia em geral. Por essa razão, Richard Posner já defendia a necessidade de regulação da liberdade de expressão, sempre que remediar de forma eficiente os riscos de divulgação de informações nocivas (POSNER, Richard A. “Free speech in an Economic Perspective”. In: 20 Suffolk U. L. Rev. 1 [1986])”.
Por que motivo o STF rejeita a possibilidade de regulamentação da profissão jornalística?
[…] no “campo da profissão de jornalista, não há espaço para a regulação estatal quanto às qualificações profissionais. O art. 5, incisos IV, IX, XIV, e o art. 220, não autorizam o controle, por parte do Estado, quanto ao acesso e exercício da profissão de jornalista. Qualquer tipo de controle desse tipo, que interfira na liberdade profissional no momento do próprio acesso à atividade jornalística, configura, ao fim e ao cabo, controle prévio que, em verdade, caracteriza censura prévia das liberdades de expressão e de informação, expressamente vedade pelo art. 5, inciso IX, da Constituição. A impossibilidade do estabelecimento de controle estatais sobre a profissão jornalística leva à conclusão de que não pode o Estado criar uma ordem ou um ocnselho profissional (autarquia) para a fiscalização desse tipo de profissão. O exercício do poder de polícia do Estado é vedado nesse campo em que imperam as liberdades de expressão e de informação.” (p. 128)
As empresas mantenedoras de redes sociais podem filtrar o conteúdo postado por seus usuários?
[…] nos dias atuais, surgem quanto à licitude da censura a postagens na internet. A questão diz respeito, sobretudo, ao poder que as próprias empresas mantenedoras de redes sociais ou similares (também chamadas de “provedores de aplicação” têm para interferir na liberdade de expressão dos respectivos usuários. Daí a pergunta: empresas gigantes como o Facebook ou o Twitter podem, unilateralmente, remover conteúdos e suspender contas em razão de postagens que considerarem inadequadas por motivos de natureza política, ideológica ou artística? Em outras palavras: as regras contratuais de convivência na rede, ditadas pelas próprias empresas provedoras de redes sociais, podem prevalecer sobre a proibição constitucional geral à censura (art. 5, IX)? A resposta parece ser negativa. Certo, o Marco Civil da Internet já menciona a proibição geral à censura na rede (art. 19) e até se preocupa em demarcar a responsabilidade civil referente a conteúdos que infrinjam direitos autorais e da personalidade, incluindo a honra e a reputação. Porém, não disciplinou o poder das provedoras de aplicação para executar controle próprios de conteúdo das postagens. Nada obstante, na feliz expressão de VLADIMIR ARAS (2018), o ambiente das redes sociais equivale ao de “cidades virtuais”, em que as pessoas se relacionam, dialogam, expõem ideias, comercializam bens e serviços etc. Nessa linha, havendo inegável assimetria de poder na relação entre tais empresas provedoras de aplicação e os usuários respectivos, parece aplicável a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, o que permite estender-lhes as diretrizes dos incisos IX e LV do art. 5 da Constituição, a despeito de eventuais disposições em contrário previstas em cláusulas contratuais. Assim, devem as provedoras de aplicação franquear aos usuários algum tipo de oportunidade efetiva de defesa ou recurso, bem como absterem-se de censurar, por motivos de natureza política, ideológica ou artística, a livre manifestação do pensamento em conteúdos postados na internet. Ressalvada, obviamente, a aplicação do regime clássico das limitações à liberdade de expressão, com possibilidade de exclusão de postagens, por exemplo, por conterem “fake news”, discursos de ódio, pornografia etc. (p. 129)
É constitucional o dispositivo da LOMAN que veda magistrado de emitir opiniões sobre processos pendentes?
Não parece ter sido recepcionada a norma da Lei Orgânica da Magistratura Nacional a proibir magistrado de se manifestarem, “por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças” (art. 36, III, da LC 35\79). É que, embora se tenha ressalvado a possibilidade de “crítica nos autos e em obras técnica ou no exercício do magistério”, a regra possui o claro objetivo imediato de bloqueio do próprio fluxo de ideias, sem justificativas plausíveis.
A lei pode proibir a utilização de aparelhos de sons perto de órgãos públicos?
Na ADInMC 1.969\DF foi considerado inconstitucional decreto do Governador do DF que proibira a utilização de utensílios sonoros nas manifestações públicas realizadas na Praça dos Três Poderes, na Esplanada dos Ministérios ou na Praça do Buriti. Entendeu-se que o ato normativo, a pretexto de zelar pelo bom funcionamento dos órgãos públicos, objetivava, na verdade, a impedir a livre expressão e o direito de reunião.
É constitucional a regra do ENEM relativa à anulação de redação desrespeitosa a direitos humanos?
Decisões monocrática da Ministra CÁRMEM LÚCIA (STA 864\DF e SL 1.127\DF) validaram decisão do TRF1 que suspendera a aplicação de regra do edital do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) quanto à anulação da redação desrespeitosa a direitos humanos. Para a Ministra, a decisão recorrida garantia o exercício do direito à liberdade de expressão e de opinião, constitucionalmente assegurado. Afinal, não “se desrespeitam direito humanos pela decisão que permite ao examinador a correção das provas e a objetivação dos critérios para qualquer nota conferida à prova. O que os desrespeitaria seria a mordaça prévia do opinar e do expressar do estudante candidato. Não se combate a intolerância social com maior intolerância estatal”. Ainda segundo a Ministra, o “que se aspira é o eco dos direitos humanos garantidos, não o silêncio de direitos emudecidos. Não se garantem direitos fundamentais eliminando-se alguns deles para se impedir possa alguém insurgir-se pela palavra contra o que a outro parece instigação ou injúria. Há meios e modos para se questionar, administrativa ou judicialmente, eventuais excesso. E são estas formas e estes instrumentos que asseguram a compatibilidade dos direitos fundamentais e a convivência pacífica e harmoniosa dos cidadãos de uma República”.
É possível estabelecer-se, por via judicial, restrições a priori à liberdade de imprensa?
[…] nos casos de colisão com outros diretos fundamentais, sobretudo com aqueles previstos no § 1º do art. 220, o problema diz com a possibilidade e o momento em que se podem estabelecer outras restrições à liberdade de impensa. Há, basicamente, duas teorias a respeito:
1) teoria da ponderação simples: na hipótese de colisão com os direitos ressalvados pelo § 1º do art. 220, e desde que atendidas diretrizes ligadas ao princípio da proporcionalidade, a liberdade de imprensa poderá sofrer restrições em casos concretos, incluindo a eventual proibição de publicações consideradas abusivas;
2) teoria da relativização somente “a posteriori”: a liberdade de imprensa e a livre circulação de ideias não podem ser restringidas a priori, nem mesmo pelo Judiciário, mas isso não impede a aplicação, a posteriori, de medidas contra os excessos cometidos, tais como a garantia do direito de resposta e a responsabilização civil e penal. […]
Por sua vez, a legislação civil optou, explicitamente, pela teoria da ponderação simples. O artigo 20 do CC admite a proibição da própria “divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa” - salvo se autorizadas ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. E o artigo seguinte do mesmo CC prevê que o juiz, “a requerimento do interessado”, poderá adotar as providências necessárias também para impedir - e não só para fazer cessar - atos contrários à inviolabilidade da vida privada da pessoa natural.
Na mesma linha, mais recentemente, em adesão à teoria da ponderação simples, a legislação processual civil previu o cabimento de medida cautelar, em ação civil pública, para evitar dano “à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos” (Art. 5 da Lei 7.347\85, com redação da Lei 13.004\2014). De outro lado, a legislação eleitoral adota a teoria da relativização somente “a posteriori”. Basta notar a Lei 9.504\97, que terminantemente veda a censura prévia “sobre o teor dos programas a serem exibidos na televisão, no rádio ou na Internet” (art. 41, § 2º), bem como “cortes instantâneos ou qualquer tipo de censra prévia nos programas eleitorais gratuitos” (art. 53, caput).
[…] Pois bem. A despeito dessa indefinição legislativa, parece mais correta a linha adotada pelo Ministro BARROSO em decisão monocrática tomada na RclMC 18.638\CE (j. em 14-9-2014). Para ele, embora a liberdade de expressão possua natureza preferencial (i.e., deve preponderar na maior parte dos casos), não se pode excluir, ainda que em termos absolutamente excepecionais, a possibilidade “da proibição prévia de publicações, reservando-se essa medida aos raros casos em que não seja possível a composição posterior do dano que eventualmente seja causado aos direitos da personalidade”.
Contudo, na ementa da ADInMC 4.451\DF, em que se discutia dispositivo da legislação eleitoral que proibia emissoras de rádio e televisão de veicularem programas que degradassem ou ridicularizassem candidato, partido ou coligação (Art. 45, II, da Lei 9.504\97), o Min. AYRES BRITTO voltou a consignar, em obiter dicta, que a “crítica jornalística em geral, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura”. Ademais, na ADIN 4.815 (j. em 16-10-2015), em que se questionava a necessidade de prévia autorização para publicar obras biográficas, o Plenário do STF deu interpretação conforme a constituição aos artigos 20 e 21 do Código Civil e declarou inexigível o consentimento de pessoa biografada. Nesse precedente, conquanto a questão não versasse proppriamente sobre a liberdade de imprensa, e sim o direito genérico à liberdade de expressão e manifestação do pensamento, prevaleceu a teoria da relativização somente “a posteriori”. Entendeu a Corte que qualquer interveção jurisdicional, em relação a eventuais abusos cometidos pelo autor da biografia no exercício da liberdade de expressão, terá de incidir após a publicação da obra.
Esse o quadro, a despeito da legislação e dos precedentes importantes em sentido contrário, a tendência atual da jurisprudência do STF parece aderir à ideia segundo a qual a liberdade de expressão só pode ser restringida a posteriori, sobretudo no que diz respeito aos órgão de comunicação social.
DIZER DIREITO 2018: Rcl 223328\RJ, Rel. Min. Barroso (Info 893). “[…] prefência por sanções a posteriori, que não envolvam a proibição prévia da divulgação: o uso abusivo da liberdade de expressão pode ser reparado por mecanismos diversos, que incluem a retificação, a retratação, o direito de resposta, a responsabilização civil ou penal e a proibição da divulgação. Somente em hipóteses extremas se deverá utilizar a última possibilidade. Nas questões envolvendo honra e imagem, por exemplo. como regra geral será possível obter reparação satisfatória após a divulgação, pelo desmentido - por retificação, retratação ou direito de resposta - e por eventual reparação do dano, quando seja o caso”.
Leis que vedam o uso de máscaras em manifestações encontram amparo na vedação ao anonimato?
Tais lei […] parecem não passar pelo teste de constitucionalidade. É que estabelecem proibições desconectadas do contexto e da finalidade em que estabelecida a vedação constitucional ao anonimato. E o direito à liberdade de reunião não traz proibição semelhante. Como sintetiza GEORGE MARMELSTEINS, “o mero fato de usar máscara em uma manifestação não pode ser considerado como um ato ilícito. A ilicitude está em praticar violência durante as manifestações e esconder-se sob o manto do anonimato para não ser responsabilizado (2016, p. 122). Ademais, mesmo que se entendesse justificável a medida em razão do princípio da ordem e segurança públicas, a matéria seria da competência privativa do legislador federal (CF, art. 22, I). Assim, a proibição geral ao uso de máscaras em manifestações, sobretudo quando não veiculada por lei federal, é inconstitucional. Sem prejuízo da eventual identificação de responsáveis concretos pela prática de infrações penais, nos termos do art. 6 do CPP. Porém, a Corte Especial do TJRJ já declarou a constitucionalidade da Lei 6.528\2013, ao argumento de que se tratava da regulamentação do artigo 23 da Constituição Estadual, que dispõe sobre o direito de reunião. Nada obstante, a questão será decidida pelo STF, que já reconheceu a repercussão geral da discussão (ARE 905.149\RJ).
O discurso de ódio é crime no Brasil?
No Brasil, a despeito de o constituinte não haver reproduzido preceito da Constituição anterior segundo o qual a liberdade de manifestação de pensamento não tolerava “preconceitos de religião, raça ou de classe” (quarta parte do § 8º do art. 153), prevalece a tese de que os discursos de ódio não contam com a proteção jurídica. A Constituição repudia o racismo expressamente (art. 4, VIII; e inciso XLII do art. 5) e há normas infraconstitucionais que penalizam os atos de indução, incitação, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (A lei 7.716\89 proíbe não só qualquer publicação de discursos de ódio, inclusive pelos meios de comunicação social como a própria fabricação, comercialização, distribuição ou veiculação de símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo (Art. 20, § 1º). […] No Plenário do STF, em precedente a discutir o caráter criminoso de publicação literária preconceituosa e antissemita, venceu a posição pela antijuridicidade dos discursos de ódio. Para a Corte, o “preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra”. Considerou-se que a “edição e publicação de obras escritas veiculando idéias anti-semitas” eram equivalentes “à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas consequências históricas dos atos em que se baseiam” (HC 82.424\RS, caso ELLwanger).
Quais as condições elencadas pelo STF para que um discurso religioso seja considerado discriminatório?
No RHC 134.682\BA, a 1 Turma decidiu: “No que toca especificamente à liberdade de expressão religiosa, cumpre reconhecer, nas hipóteses de religiões que se alçam a universais, que o discuso proselitista é da essência de seu integral exercício. De tal modo, a finalidade de alcançar o outro, mediante persuasão, configura comportamente intrínseco a religiões de tal natureza. Para a consecução de tal objetivo, não se revela ilícito, por si só, a comparação entre diversas religiões, inclusive com explicitação de certa hierarquização ou animosidade entre elas. 5. O discurso discriminatório criminoso somente se materializa após ultrapassadas três etapas indispensáveis. Uma de caráter cognitivo, em que atestada a desigualdade entre grupos e\ou indivíduos; outra de viés valorativo, em que se assenta suposta relação de superioridade entre ele e, por fim; uma terceira, em que o agente, a partir das fases anteriores, supõe legítima a dominação, exploração, escravização, eliminação, supressão ou redução de direitos fundamentais do diferente que compreende inferior”.
A reunião fortuita e não organizada de pessoas está garantida pelo direito constitucional de reunião? Quais as condições para que se possa falar em direito de reunião?
Conforme ensina PEDRAZZOLI (2015), a doutrina tradicional costuma dizer que a garantia constitucional do direito de reunião pressupõe a caracterização dos seguintes elementos: (a) pessoal: é preciso o envolvimento de mais de uma pessoa. Trata-se, necessariamente, de direito fundamental de expressão coletiva, pois ninguém se reúne consigo mesmo; (b) espacial: deve haver aproximação física de pessoas. Mas, atualmente, é possível defender que o direito à reunião estende-se, ainda, a ambientes virtuais, como no caso de “reunião” em comunidades da Internet; (c) temporal: a garantia não subsiste após a aproximação das pessoas se desfazer no tempo; (d) organizacional: a aglomeração de pessoas carece de um mínimo de “organização interna”, ainda que sem maiores formalidades, pois o direito constitucional de reunião não se caracteriza quando pessoas se reúnem de forma fortuita ou desordenada; e (e) teleológico: o direito de reunião pressupõe certa finalidade que, relacionada à manifestação, à troca ou à defesa de ideias (de natureza política, cultural, social, religiosa etc.), seja compartilhada pela interação das pessoas que se reúnem, ainda que mediante a mera presença silenciosa. No que se diferencia, v.g., dos espetáculos de diversão coletiva, em que a presença do público se justifica por questões econômicas, uma vez que cada indivíduo, em tese, poderia assisti-lo isoladamente (pela televisão, assistindo a um vídeo, ouvindo um disco etc.). Assim, “excluem-se da proteção constitucional do direito de reunião as situações em que pessoas estão em um mesmo espaço físico, mas sem estabelecer qualquer relação ou comunicação entre si”, situação protegida pelo direito de ir e vir (PEDRAZOLI, 2015, . 872). Inclui-se no elemento teleológico, pois, o caráter tanto não ocasional quanto voluntário da aglomeração de pessoas. Nessa linha, com base em PONTES DE MIRANDA, pode-se dizer que liberdade de reunião não abrange o ajuntamento ocasional de curiosos diante de um acidente de trânsito, por exemplo; tampouco a compulsória convocação de conscritos para participarem de um desgile militar.
Em que locais pode ser exercido o direito de reunião? Há algum em que ele é proibido? Admite-se reunião com armas?
Diferentemente da Constituição de 1937, a atual não restringiu o direito de reunião aos locais “a céu aberto”. A Assembleia Constituinte optou pela expressão “locais abertos ao público” e ainda rejeitou várias propostas que obstariam o exercício do direito caso interferisse no fluxo normal de pessoas e veículos. Ademais, ao contrário do regime constitucional de 1967\1969 (art. 153, § 27), não há previsão de lei a predeterminar locais de reunião. Daí não ter sido recepcionado o art. 3 da Lei 1.207\50, que atribuía à autoridade policial poderes para fixar lista de praças aptas à realização de reuniões.
Assim, pela CF\88, o direito de reunião pode ser exercido em todo o logradouro inserido no conceito de bens públicos de uso comum do povo, tais como parques, praias, praças públicas, bem como as vias de tráfego. Contudo, a liberdade constitucional não alcança os bens públicos de uso especial onde se prestem serviços públicos específicos (escolas, prédios, repartições públicas etc.). Destarte, o direito de reunião não serve de base para justificar invasões\ocupações em locais desse tipo, sobretudo quando neles se prestarem “atividades essenciais” ou o “atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”, circunstâncias nas quais o constituinte restringe até mesmo o direito de greve dos próprio servidores\empregado que ali trabalharem (art. 9, § 1).
Observação:
[…] certas condicionantes do inciso XVI do art. 5 da Constituição não se aplicam às reuniões em locais privados e fechados ao público. Nesses ambientes, ressalvadas as exceções constitucionais (v.g, art. 5, XI; 136, § 1, I “b”; e 139, IV), é ainda mais ampla a liberdade de reunião, em virtude da proteção advinda da concorrência de outros direitos fundamentais, tais como a inviolabilidade dodomicílio, o direito de propriedade, a liberdade de culto e de associação (sobre a concorrência de direitos fundamentais, v. Tomo I, Parte III, item 91). Daí se admitir que, em edifício privado, indendentemente de licença ou aviso prévio a alguma autoridade, se reúnam até pessoas armadas (munidas de permissão própria, claro), como no caso de reunião de policiais civis na sede da respectiva associação.
Qual a consequência da falta de aviso da realização de reunião em local proíbido?
[…] a exigência de prévio aviso à autoridade competente não se confunde com algum tipo de pedido de autorização. A intenção do constituinte foi apenas evitar que se frustre a realização de outra reunião igualmente convocada para mesmo local e horário. Logo, a falta de aviso ou a comunicação intempestiva, embora possam importar na eventual responsabilização dos organizadores e\ou participantes por ilícitos decorrentes da negligência, não tornam ilegítima a reunião, nem permitem ao Poder Público dissolvê-la só por isso. Daí a inconstitucionalidade, por exemplo, do art. 4 da Lei 6.528\2013, do Estado do Rio de Janeiro, na parte em que autoriza a dissolução de reunião que não tenha sido previamente comunicada à autoridade policial.
[…]
Avisada previamente, caberá à autoridade tormar as providências necessária a assegurar o exercício do direito de reunião, especialmente aquelas ligadas à segurança pública (policiamente, interdição de vias públicas etc.). Trata-se do aspecto prestacional do direito de reunião, algo ligado à perspectiva objetiva dos direitos fundamentais. E para garantir a segurança pública do evento, extrai-se, implicitamente, que o aviso prévio deverá indicar a qualificação dos organizadores, o local e o eventual percurso da manifestação, além de data e horário de início e término do evento, incluindo a previsão do número de pessoas aguardadas. Autores como PAULO BRANCO defendem, ainda, ser “indispensável que o aviso indique o objetivo da reunião” (2008, p. 398).
DIZER O DIREITO:
E por que existe esse aviso prévio?
A exigência de aviso prévio existe unicamente para permitir que o poder público zele para que o exercício do direito se dê de forma pacífica e que não frustre outra reunião no mesmo local.
Assim, esse prévio aviso deve ocorrer sempre que possível, mas, se não existir, não se pode falar em reunião ilegal.
Conforme explicou o Min. Dias Toffoli:
“(…) o ‘prévio aviso à autoridade competente’, nos termos do art. 5º, inciso XVI, da Constituição, não constitui condicionante ao exercício do direito de reunião e de manifestação, mas formalidade a ser cumprida, sempre que possível, a fim de propiciar que o direito de reunião e de livre manifestação seja exercido de maneira pacífica, ordeira e segura (…)”
Como deve ocorrer essa notificação? Exige-se alguma formalidade especial?
NÃO. Basta que a notificação seja efetiva, isto é, que permita ao poder público realizar a fiscalização da segurança da manifestação ou reunião.
O STF afirmou que as autoridades públicas devem adotar uma postura ativa, ou seja, diante de uma reunião que esteja sendo anunciada publicamente ou que já esteja ocorrendo, as autoridades não podem simplesmente alegar que não foram previamente notificadas.
Afinal de contas, manifestações espontâneas (sem estarem previamente organizadas) não são proibidas nem pelo texto constitucional, nem pelos tratados de direitos humanos. Assim, repito, a inexistência de notificação não torna ipso facto (por si só) ilegal a reunião.
De igual modo, não se depreende do texto constitucional qualquer exigência relativamente à organização. A liberdade de expressão e reunião pode, com efeito, assumir feição plural e igualitária, não sendo possível estabelecer, como regra, uma organização prévia.
Em outras palavras, a reunião não precisa ter um organizador que faça a prévia comunicação.
Assim, não há como exigir-se que a notificação seja pessoal ou de algum modo registrada, porque implica reconhecer como necessária uma organização que a própria Constituição não impôs.
A presença de pessoas armadas na renião autoriza sua dissolução?
A Constituição proíbe reuniõe que não tenham caráter pacífico, bem como a presença de armas (brancas ou de fogo), ainda estejam em poder de pessoas com permissão para portá-las. Todavia, a liberdade de reunião é direito de natureza individual, embora de “expressão coletiva”. Logo, se os objetivos da reunião em si não forem belicosos, a ocorrência de pessoa armada ou com propósito e\ou atitude individualmente belicosas não tolhe o direito das demais. Assim, a polícia não poderá dissolver a reunião só por isso. “Cabe-lhe desarmar tal pessoa ou, então, afastá-la da reunião, que prosseguirá normalmente com os demais participantes que não estejam armados” (MELLO FILHO, 1986, p. 474).
Porém, como adverte PONTES DE MIRANDA (1971, p. 604), é “possível que se formem ‘grupos armados’, grupos compactos em que, algum ou alguns estando armados, a arma ou armas são de todos os do grupo, como unidade ofensiva. Aí, sim, não há direito de reunião quanto a todos os que fazem parte do grupo armado”.
Admite-se reunião cujo objetivo seja manifestar-se contra a ordem constitucional? O grupo que se reúne tem o direito de impedir que pessoa que não comungam do ideário que anima a reunião dela participem?
[…] a liberdade de expresão do pensamento nas reuniões, desde que manifestada de forma pacífica e sem incitação à violência, protege manifestações contra determinada norma constitucional (a proibição da pena de morte, v.g.) ou até favoráveis a uma nova constituição, incluindo aquelas posições contraditórias ao próprio regime democrático, como a defesa de intervenção militar ou alguma excrescência do gênero. De outro lado, também os que não participem da reunião\manifestação têm o dever a priori de tolerá-la e de evitar provocações com os manifestantes, o que ilustra a eficácia horizontal do direito de reunião (PAULO BRANCO). Afinal, “o direito de reunião em espaço aberto pode ser exercido mesmo em oposição a outras pessoas” e o “grupo que se reúne tem o direito de impedir que pessoas que não comungam do ideário que anima a reunião dela participem” (BRANCO, 2008, p. 400). Nesse sentido, o TJSP confirmou ordem judicial de retirada de outdoors que, trazendo mensagens bíblicas contrárias ao homossexualismo, haviam sido afixados no percurso da “Parada do Orgulho LGBT” que se realizaria alguns dias depois […]
A CF\88 admite associações sem registro em órgão competente?
Via de regra, as associações são pessoas jurídica privadas, constituídas conforme a lei civil, que só adquirem personalidade após inscritas no registro civil de pessoas jurídicas. Todavia, autores como BERNARDO GONÇALVES FERNANDES e JOSÉ CRITELLA JÚNIOR entendem que o direito constitucional protege ainda as associações juridicamente despersonalizadas. Raciocínio que permite incluir os chamados movimentos sociais, que funcionam sem registro civil.
Diferentemente do que previu em relação aos sindicatos (art. 8, I), a Constituição não exige registro no “órgão competente” como pressuposto de funcionamento das associações. O direito de associação é livre, ainda que exercido secretamente, desde que possua finalidades lícitas, sem caráter paramilitar. Contudo, o próprio constituinte deixa claro que o registro associativo é exigência para o pleno exercício dos direitos próprios da associação. Basta notar que o art. 5, LXX, letra “b”, restringe somente à “associação legalmente constituída” e “em funcionamento há pelo menos um ano” o direito à impetração do mandado de segurança coletivo. […] Com essa discrepância de tratamento, tenta-se estimular a legalização das associações despersonalizadas, até para evitar sejam usadas irresponsável ou temerariamente. Afinal, pelas mesmas motivações por que a Constituição veda o anonimato, as entidades associativas despersonalizadas não podem servir de escudo contra eventual responsabilização civil, penal ou administrativa. E, ao optarem por mantê-las à margem de registro constitutivos, as pessoas que as dirigem assumem, por conta e risco próprios, a responsabilidade solidária e subsidiária por ilícitos imputáveis à entidade despersonalizada, sem prejuízo da responsabilização pessoal dos infratores.
O Poder Executivo pode suspender por conta própria as atividades de associação destinada a fins ilícitos?
Embora o Estado não possa, em princípio, interferir nos assuntos associativos (art. 5, XVIII), uma vez constatada a existência de associações (de fato ou de direito) com finalidade ilícita ou caráter paramilitar, elas “poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado (art. 5, XIX). Contudo, “somente o Poder Judiciário, por meio de processo regular, poderá decretar a suspensão ou a dissolução compulsória das associações”, de modo que atos “emanados do Executivo ou do Legislativo, que provoquem a compulsória suspensão ou dissolução de associações, mesmo as que possuam fins ilícitos, serão inconstitucionais” (STF, ADIn 3.045\DF). Daí não ter sido recepcionado o Decreto-Lei 8\66, que permitia ao Presidente da República suspender o funcionamento de associação que desenvolvesse “atividade contrária à ordem pública ou à segurança nacional”.
Quais pessoas podem ser sujeitos passivos da ação de desapropriação?
[…] os sujeitos passivos são normalmente os particulares, mas é também possível que um entidade federativa de nível superior desaproprie bens daquela situada em nível inferior, após autorização legislativa (art. 2, § 1º, do DL 3.365\41). Para melhor doutrina, é ainda possível desapropriar bens que, localizados no território nacional, sejam da propriedade de pessoas jurídica de direito público internacional, tais como Estados estrangeiros e organismos internacionais. Assim, somente os bens da União não são passíveis de desapropriação.
Qual a natureza jurídica do instituto previsto no art. 1.228, § 4º, do CC?
§ 4 o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
Parte da doutrina viu nesse § 4º a criação de nova espécie de usucapião. Porém, a doutrina majoritária entende cuidar-se de modalidade de desapropriação judicial. Parece, contudo, tratar-se de outra figura: um caso de alienação compulsória de imóvel.
Com efeito, não se trata mesmo de usucapião, pois a efetiva perda da propriedade deve ser antecedida de indenização equivalente ao “preço” do imóvel. Nesse sentido, o § 5º do art. 1.228 determina ao juiz a fixação de “justa indenização devida ao proprietário”, bem como estabelece que o registro do imóvel, em nome dos possuidores, pressupõe o pagamento do preço fixado. Ademais, ao contrário da típica sentença de cunho declaratório de usucapião, a regra dá origem a sentença do tipo “constitutivo”: o ato judicial só terá eficácia translativa de domínio após o pagamento da indenização.
De outro lado, como já se sustentou (BERNARDES, 2003), não parece correto confundir o instituto com algum tipo de desapropriação, ainda que judicial, pois o registro da propriedade se dá em favor de particulares. Assim, falta-lhe a característica mais singela da desapropriação: a transferência compulsória da propriedade particular (ou pública de entidade de grau inferior para superior) para o Poder Público ou a agentes delegados. Não bastasse, outras objeções parecem contradizer a doutrina majoritária: (a) não é o Poder Público quem deva suportar a despesa com o pagamento do preço; (b) já existe hipótese de interesse público para desapropriação em caso muito semelhante (art. 2, IV, da Lei 4.132\62); e (c) pela antiga tradição brasileira, não compete ao Judiciário decidir sobre a oportunidade e conveniência de desapropriações (art. 9º do DL 3.365\41).
Enfim, ao contrário da doutrina majoritária, os §§ 4º e 5º do art. 1.228 do CC não parecem regular caso de desapropriação judicial, mas de alienação compulsória de imóvel. O que fez o legislador foi conceder poderes para que o juiz da ação reivindicatória, uma vez presentes o pressupostos legais, supra a vontade do proprietário e permita que possuidores de boa-fé adquiram a propriedade do imóvel, de forma onerosa, a despeito da aquiescência do titular.
De qualquer forma, a alienação forçada há de ser considerada forma originária de aquisição da propriedade, o que torna o imóvel após registrado em nome dos possuidores, liberado de quaisquer ônus anterior, além de insuscetível de reivindicação. Aos eventuais credores do antigo proprietário, caberá somente a sub-rogação no preço fixado para o imóvel, embora garantidas à Fazenda Pública as prefências legais.
A expropriação-sanção prevista no art. 243 da CF alcança a totalidade do imóvel, ou apenas as áreas utilizadas para o cultivo ilegal de plantas psicotrópicas?
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. EXPROPRIAÇÃO. GLEBAS. CULTURAS ILEGAIS. PLANTAS PSICOTRÓPICAS. ARTIGO 243 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INTERPRETAÇÃO DO DIREITO. LINGUAGEM DO DIREITO. LINGUAGEM JURÍDICA. ARTIGO 5º, LIV DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. O CHAMADO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 1. Gleba, no artigo 243 da Constituição do Brasil, só pode ser entendida como a propriedade na qual sejam localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas. O preceito não refere áreas em que sejam cultivadas plantas psicotrópicas, mas as glebas, no seu todo. 2. A gleba expropriada será destinada ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos. 3. A linguagem jurídica corresponde à linguagem natural, de modo que é nesta, linguagem natural, que se há de buscar o significado das palavras e expressões que se compõem naquela. Cada vocábulo nela assume significado no contexto no qual inserido. O sentido de cada palavra há de ser discernido em cada caso. No seu contexto e em face das circunstâncias do caso. Não se pode atribuir à palavra qualquer sentido distinto do que ela tem em estado de dicionário, ainda que não baste a consulta aos dicionários, ignorando-se o contexto no qual ela é usada, para que esse sentido seja em cada caso discernido. A interpretação/aplicação do direito se faz não apenas a partir de elementos colhidos do texto normativo [mundo do dever-ser], mas também a partir de elementos do caso ao qual será ela aplicada, isto é, a partir de dados da realidade [mundo do ser]. 4. O direito, qual ensinou CARLOS MAXIMILIANO, deve ser interpretado “inteligentemente, não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis”. 5. O entendimento sufragado no acórdão recorrido não pode ser acolhido, conduzindo ao absurdo de expropriar-se 150 m2 de terra rural para nesses mesmos 150 m2 assentar-se colonos, tendo em vista o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos. 6. Não violação do preceito veiculado pelo artigo 5º, LIV da Constituição do Brasil e do chamado “princípio” da proporcionalidade. Ausência de “desvio de poder legislativo” Recurso extraordinário a que se dá provimento.
(RE 543974, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 26/03/2009, DJe-099 DIVULG 28-05-2009 PUBLIC 29-05-2009 EMENT VOL-02362-08 PP-01477 RTJ VOL-00209-01 PP-00395)
Um ente político pode requisitar de outro ente político a utilização de bens ou serviços?
[…] Referido inciso II do art. 22 evidencia, ainda, a possibilidade de requisições em tempo de guerra, circunstância em que não estão circunscritas a objeto da propriedade “privada” - diferentemente da previsão genérica do inciso XXV do art. 5 - e poderão atingir, por exemplo, bens ou serviços das demais unidades federativa ou até de Estado ou organismos internacionais. Todavia, o poder requisitório para situações de guerra é originariamente reservado a autoridades federais, pois compete à União tanto declarar a guerra (art. 21, II) quanto prover os recursos e instrumentos necessários para sustentá-la (v. artigos 148, I, e 154, II).
XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
III - requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra;
A importação ilegal de mercadorias gera o perdimento do veículo utilizado em seu transporte?
[…] nos termos do art. 5, XLIV, da Constituição é válida a lei penal que estabelece pena de perdimento de bens em caso de condenação criminal (art. 91, II, do CP), sem que se possa invocar a proibição do confisco.
No entanto, com base na proibição do confisco e no princípio da proporcionalidade, a jurisprudência tem mitigado as hipóteses de perdimento administrativo de veículo utilizados para importação ilegal de mercadorias (DL 37\66. art. 104, V). Conforme dezenas de precedentes, “se o valor das mercadorias apreendidas não guardar qualquer relação com o valor do veículo que as transporta, a pena de perdimento deste deve ser anulada para evitar que se caracterize o confisco” (STJ, REsp 111.127\RS, 2 Turma). Também quanto à pena de perdimento administrativo de “veículos de qualquer natureza” utilizados na prática de infrações ambientais (Lei 9.605\98, art. 25, § 4º, e 72, IV), além do raciocínio ligado à exigência de proporcionalidade entre o dano ambiental e o valor do veículo (TRF\4 Região, AC 13.548\RS, 3 Turma), há acórdãos a condicionar a aplicação da penalidade à existência de “provas sobre o uso específico e exclusivo do veículo para a prática delituosa” (v.g., TRF\1 Região, REOMS 0001977-82.2002.4.01.3301\BA, 5 Turma).