Jurisprudência até 2019 Flashcards

1
Q

A Lei 12.990\2014, referente às cotas raciais em concursos públicos, se aplica ao âmbito estadual e municial?

A

A reserva de vagas tratada pela Lei nº 12.990/2014 vale para todos os três Poderes da União (Executivo, Legislativo e Judiciário), além do MPU e DPU.

A Lei nº 12.990/2014 não se aplica para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. No entanto, caso estes entes editem leis semelhantes, elas também são consideradas constitucionais.

Não ficou definido, neste julgamento, se as cotas valem também para concursos de remoção e promoção. Isso porque este tema não constou do pedido nem foi discutido em memoriais.

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Q

A Lei 12.990\2014, referente às cotas raciais em concursos públicos, se aplica ao âmbito estadual e municial?

A

A reserva de vagas tratada pela Lei nº 12.990/2014 vale para todos os três Poderes da União (Executivo, Legislativo e Judiciário), além do MPU e DPU.

A Lei nº 12.990/2014 não se aplica para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. No entanto, caso estes entes editem leis semelhantes, elas também são consideradas constitucionais.

Não ficou definido, neste julgamento, se as cotas valem também para concursos de remoção e promoção. Isso porque este tema não constou do pedido nem foi discutido em memoriais.

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3
Q

O Estado pode restringir a apresentação de programa de TV em determinado horário para proteger o direito de criança e adolescentes?

A

É inconstitucional a expressão “em horário diverso do autorizado” contida no art. 254 do ECA.

“Art. 254. Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação: Pena - multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em caso de reincidência a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias.”

O Estado não pode determinar que os programas somente possam ser exibidos em determinados horários. Isso seria uma imposição, o que é vedado pelo texto constitucional por configurar censura. O Poder Público pode apenas recomendar os horários adequados. A classificação dos programas é indicativa (e não obrigatória). STF. Plenário. ADI 2404/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 31/8/2016 (Info 837).

Informativo:

O tema é tratado em alguns dispositivos da CF/88. Confira:

Art. 21. Compete à União: XVI - exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão;

Art. 220 (…) § 3º Compete à lei federal: I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Liberdade de programação é uma forma de liberdade de expressão

A Constituição Federal garante a liberdade de expressão (art. 5º, IX, da CF/88) e a liberdade de comunicação social, prevista no art. 220 da CF/88:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

Como consectário dessa garantia, as emissoras de rádio e TV gozam de “liberdade de programação”, sendo esta uma das dimensões da liberdade de expressão em sentido amplo. Assim, a programação das emissoras deve permanecer como sendo uma tarefa autônoma e livre de interferências do Poder Público.

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4
Q

O proselitismo religioso pode caracterizar crime de racismo?

A

Resumo

  • Só haverá racismo se o discurso da religião supostamente superior for de dominação, opressão, restrição de direitos ou violação da dignidade humana das pessoas integrantes dos demais grupos.
  • A incitação ao ódio pode caracterizar racismo.

Informativo n. 849

Determinado padre escreveu um livro, voltado ao público da Igreja Católica, no qual ele faz críticas ao espiritismo e a religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé.

O Ministério Público da Bahia ofereceu denúncia contra ele pela prática do art. 20, § 2º da Lei nº 7.716/89 (Lei do racismo).

No caso concreto, o STF entendeu que não houve o crime.

A CF/88 garante o direito à liberdade religiosa. Um dos aspectos da liberdade religiosa é o direito que o indivíduo possui de não apenas escolher qual religião irá seguir, mas também o de fazer proselitismo religioso.

Proselitismo religioso significa empreender esforços para convencer outras pessoas a também se converterem à sua religião.

Desse modo, a prática do proselitismo, ainda que feita por meio de comparações entre as religiões (dizendo que uma é melhor que a outra) não configura, por si só, crime de racismo.

Só haverá racismo se o discurso dessa religião supostamente superior for de dominação, opressão, restrição de direitos ou violação da dignidade humana das pessoas integrantes dos demais grupos. Por outro lado, se essa religião supostamente superior pregar que tem o dever de ajudar os “inferiores” para que estes alcancem um nível mais alto de bem-estar e de salvação espiritual e, neste caso não haverá conduta criminosa.

Na situação concreta, o STF entendeu que o réu apenas fez comparações entre as religiões, procurando demonstrar que a sua deveria prevalecer e que não houve tentativa de subjugar os adeptos do espiritismo.

Pregar um discurso de que as religiões são desiguais e de que uma é inferior à outra não configura, por si, o elemento típico do art. 20 da Lei nº 7.716/89. Para haver o crime, seria indispensável que tivesse ficado demonstrado o especial fim de supressão ou redução da dignidade do diferente, elemento que confere sentido à discriminação que atua como verbo núcleo do tipo. STF. 1ª Turma. RHC 134682/BA, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 29/11/2016 (Info 849)

Informativo n. 893

A incitação ao ódio público contra quaisquer denominações religiosas e seus seguidores não está protegida pela cláusula constitucional que assegura a liberdade de expressão. Assim, é possível, a depender do caso concreto, que um líder religioso seja condenado pelo crime de racismo (art. 20, §2º, da Lei nº 7.716/81) por ter proferido discursos de ódio público contra outras denominações religiosas e seus seguidores. STF. 2ª Turma. RHC 146303/RJ, rel. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Dias Toffoli, julgado em 6/3/2018 (Info 893).

Teor:

Conforme explicou o Min. Dias Toffoli, o Brasil, social e historicamente, orgulha-se de ser um país de tolerância religiosa, valor que faz parte da construção de nosso estado democrático de direito. De acordo com o Ministro, existem diversos trechos no discurso do condenado que alimentam o ódio e a intolerância. Assim, se o Estado não exercer seu papel de pacificar a sociedade, vai se chegar a uma guerra de religiões. “Ao invés de sermos instrumento de pacificação, vamos aprofundar o que acontece no mundo”, afirmou o Ministro.

O preâmbulo da Constituição Federal fala na construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social. A ação do condenado atua, portanto, contra um importante valor escolhido como fundamento da República Federativa do Brasil, que é a solidariedade.

A despeito da importância conferida à liberdade de expressão, o próprio texto constitucional determina que sejam respeitados determinados limites. O art. 220, § 1º, da Constituição diz que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observados determinados incisos do art. 5º, onde estão contidas as limitações.

O direto de pensar, falar e escrever sem censuras ou restrições é o mais precioso privilégio dos cidadãos, mas esse direito não é absoluto e sofre limitações de natureza ética e jurídica.

Caso Ellwanger

Os Ministros relembraram ainda o célebre julgamento do “caso Ellwanger” (HC 82424), em setembro de 2003, quando o STF manteve a condenação imposta ao escritor gaúcho Siegfried Ellwanger por crime de racismo contra os judeus. Veja trechos da ementa:

(…) 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros “fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias” contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). (…)

  1. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, “negrofobia”, “islamafobia” e o anti-semitismo.

(…) 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal.

  1. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o “direito à incitação ao racismo”, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade juríddica. (…) STF. Plenário. HC 82424, Relator p/ Acórdão Min. Maurício Corrêa, julgado em 17/09/2003.

Hate speech (discurso de ódio)

O tema acima exposto está ligado ao que a doutrina chama de hate speech (discurso de ódio).

Discurso de ódio (hate speech) são “manifestações de pensamento que ofendam, ameacem ou insultem determinado grupo de pessoas com base na raça, cor, religião, nacionalidade, orientação sexual, ancestralidade, deficiência ou outras características próprias.

(…)

No direito norte-americano, prevalece o entendimento de que até o discurso de ódio (hate speech) incluise no âmbito de proteção da liberdade de expressão.” (BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Direito Constitucional. Tomo II. 7ª ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 128).

No Brasil, ao contrário dos EUA, prevalece que o hate speech não é protegido pela ordem constitucional. Isso porque o direito à liberdade de expressão não é absoluto, podendo a pessoa que proferiu o discurso de ódio ser punida, inclusive criminalmente, em caso de abuso.

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5
Q

A ADPF 130\DF pode ser utilizada como parâmetro para ajuizamento de reclamação que verse sobre conflito entre a liberdade de expressão e de informação e a tutela das garantias individuais?

A

Sim, pode (STF. 1ª Turma. Rcl 28747/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ ac. Min. Luiz Fux, julgado em 5/6/2018 - Info 905)

Teor do info 893:

Cabimento de reclamação quando há afronta à liberdade de imprensa Em regra, o STF é muito restritivo em aceitar reclamações propostas contra decisões que teriam desrespeitado acórdãos da Corte.

Essa posição do STF está dentro daquilo que se chama de “jurisprudência defensiva”, ou seja, uma postura interpretativa dos Tribunais Superiores de restringir o cabimento de recursos e de ações autônomas (como é o caso da reclamação), com o objetivo de reduzir a quantidade de processos que chegam aos Tribunais.

Assim, os Ministros do STF e do STJ adotam um “rigor” maior na análise dos aspectos formais a fim de limitar os casos que chegam para análise dos Tribunais.

Um exemplo de “jurisprudência defensiva” é a interpretação consolidada no STF no sentido de que não se deve adotar a teoria da transcendência dos motivos determinantes. Pela teoria da transcendência dos motivos determinantes (efeitos irradiantes dos motivos determinantes), a ratio decidendi, ou seja, os fundamentos determinantes da decisão do STF também teriam efeito vinculante.

Ocorre que, como já dito, o Supremo não acolhe esta posição e entende que, em regra, as decisões proferidas pelo STF em controle abstrato de constitucionalidade devem ter eficácia vinculante apenas quanto à parte dispositiva do julgado. Assim, em regra, não se admite reclamação sob a alegação de que houve violação dos fundamentos da decisão do STF. Nesse sentido:

(…) a exegese jurisprudencial conferida ao art. 102, I, “l”, da Magna Carta rechaça o cabimento de reclamação fundada na tese da transcendência dos motivos determinantes. (…) STF. 1ª Turma. Rcl 22470 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 24/11/2017.

Como explica o Min. Roberto Barroso, essa recusa em se admitir a transcendência dos motivos determinantes representa “uma jurisprudência defensiva, destinada a conter a multiplicação de reclamações, em número que ultrapassaria a capacidade física de julgamento dos ministros”. Essa linha restritiva, no entanto, tem sido excepcionada em processos relacionados com a liberdade de expressão ou liberdade de imprensa. Nesses casos, o STF tem proferido inúmeras decisões admitido reclamações mesmo que a decisão reclamada não esteja baseada no mesmo ato declarado inconstitucional em sede concentrada.

A justificativa para essa postura mais ampla está no fato de que “a liberdade de expressão ainda não se tornou uma ideia suficientemente enraizada na cultura do Poder Judiciário de uma maneira geral. Não sem sobressalto, assiste-se à rotineira providência de juízes e tribunais no sentido de proibirem ou suspenderem a divulgação de notícias e opiniões, num “ativismo antiliberal” que precisa ser contido.” (Min. Roberto Barroso).

Em suma, o STF possui uma posição menos rigorosa ao analisar reclamações envolvendo decisões que violem a liberdade de expressão. Por essa razão, é cabível reclamação contra decisão judicial que determina a retirada de matéria jornalística da página eletrônica do meio de comunicação mesmo que esta decisão esteja supostamente baseada no art. 20 do Código Civil, e não na Lei de Imprensa.

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6
Q

É possível a retirada de matéria jornalística de site por decisão judicial? Isso configura censura?

A

Resumo

A retirada de matéria de circulação configura censura em qualquer hipótese, o que se admite apenas em situações extremas.

Informativo:

O STF tem sido mais flexível na admissão de reclamação em matéria de liberdade de expressão, em razão da persistente vulneração desse direito na cultura brasileira, inclusive por via judicial.

No julgamento da ADPF 130, o STF proibiu enfaticamente a censura de publicações jornalísticas, bem como tornou excepcional qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões.

A liberdade de expressão desfruta de uma posição preferencial no Estado democrático brasileiro, por ser uma pré-condição para o exercício esclarecido dos demais direitos e liberdades.

A retirada de matéria de circulação configura censura em qualquer hipótese, o que se admite apenas em situações extremas.

Assim, em regra, a colisão da liberdade de expressão com os direitos da personalidade deve ser resolvida pela retificação, pelo direito de resposta ou pela reparação civil.

Diante disso, se uma decisão judicial determina que se retire do site de uma revista determinada matéria jornalística, esta decisão viola a orientação do STF, cabendo reclamação. STF. 1ª Turma. Rcl 22328/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 6/3/2018 (Info 893).

Teor:

A solução de conflitos entre liberdade de imprensa e direitos da personalidade

A censura consiste na possibilidade de o Estado interferir no conteúdo da manifestação do pensamento.

A censura é proibida pela CF/88 em diversos dispositivos (art. 5º, IV, IX e XIV, bem como art. 220, §§ 1º e 2º).

Diante da existência de diversos dispositivos assegurando a liberdade de expressão, podemos dizer que a Carta de 88 conferiu uma espécie de “prioridade” para essa garantia. Assim, embora não haja hierarquia entre direitos fundamentais, a liberdade de expressão (aqui entendida em sentindo amplo) possui uma posição preferencial (preferred position) em relação aos demais direitos. Isso significa que o afastamento da liberdade de expressão é excepcional, e o ônus argumentativo é de quem sustenta o direito oposto.

Como consequência disso, deve-se fazer uma análise muito rigorosa, criteriosa e excepcional de toda e qualquer medida que tenha por objetivo restringir a liberdade de expressão.

Razões pelas quais a liberdade de expressão ocupa lugar privilegiado

O Min. Roberto Barroso cita 5 motivos principais pelos quais a liberdade de expressão ocupa um lugar privilegiado tanto no ordenamento jurídico interno como nos documentos internacionais. São eles:

a) a liberdade de expressão desempenha uma função essencial para a democracia, ao assegurar um livre fluxo de informações e a formação de um debate público robusto e irrestrito, condições essenciais para a tomada de decisões da coletividade e para o autogoverno democrático;
b) a proteção da liberdade de expressão está relacionada com a própria dignidade humana, ao permitir que indivíduos possam exprimir de forma desinibida suas ideias, preferências e visões de mundo, bem como terem acesso às dos demais indivíduos, fatores essenciais ao desenvolvimento da personalidade, à autonomia e à realização existencial;
c) este direito está diretamente ligado à busca da verdade. Isso porque as ideias só possam ser consideradas ruins ou incorretas após o confronto com outras ideias;
d) a liberdade de expressão possui uma função instrumental indispensável ao gozo de outros direitos fundamentais, como o de participar do debate público, o de reunir-se, de associar-se, e o de exercer direitos políticos, dentre outros; e
e) a liberdade de expressão é garantia essencial para a preservação da cultura e da história da sociedade, por se tratar de condição para a criação e o avanço do conhecimento e para a formação e preservação do patrimônio cultural de uma nação.

Critérios para a ponderação entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade

O Min. Roberto Barroso defende a aplicação de 8 critérios ou elementos a serem considerados na ponderação entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade. São eles:

a) veracidade do fato: a notícia divulgada dever ser verdadeira. Isso porque a informação que goza de proteção constitucional é a verdadeira. A divulgação deliberada de uma notícia falsa, em detrimento de outrem, não constitui direito fundamental do emissor. Os veículos de comunicação têm o dever de apurar, com boa-fé e dentro de critérios de razoabilidade, a correção do fato ao qual darão publicidade. É bem de ver, no entanto, que não se trata de uma verdade objetiva, mas subjetiva, subordinada a um juízo de plausibilidade e ao ponto de observação de quem a divulga. Para haver responsabilidade, é necessário haver clara negligência na apuração do fato ou dolo na difusão da falsidade.
b) licitude do meio empregado na obtenção da informação: o conhecimento acerca do fato que se pretende divulgar tem de ter sido obtido por meios admitidos pelo direito. A Constituição, da mesma forma que veda a utilização, em juízo, de provas obtidas por meios ilícitos, também proíbe a divulgação de notícias às quais se teve acesso mediante cometimento de um crime. Se o jornalista ou alguém empreitado pelo veículo de comunicação realizou, por exemplo, uma interceptação telefônica clandestina, invadiu domicílio, violou o segredo de justiça em um processo de família ou obteve uma informação mediante tortura ou grave ameaça, sua divulgação, em princípio, não será legítima. Note-se ainda que a circunstância de a informação estar disponível em arquivos públicos ou poder ser obtida por meios regulares e lícitos torna-a pública e, portanto, presume-se que a divulgação desse tipo de informação não afeta a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem dos envolvidos.
c) personalidade pública ou privada da pessoa objeto da notícia: a depender se a pessoa for uma personalidade pública ou privada, o grau de exposição é maior ou menor.
d) local do fato: deve-se analisar também se os locais dos fatos narrados são reservados ou protegidos pelo direito à intimidade.
e) natureza do fato: deve-se analisar se os fatos divulgados possuem caráter sigiloso ou se estão relacionados com a intimidade da pessoa.
f) existência de interesse público na divulgação em tese: presume-se, como regra geral, o interesse público na divulgação de qualquer fato verdadeiro.
g) existência de interesse público na divulgação de fatos relacionados com a atuação de órgãos públicos.
h) preferência por sanções a posteriori, que não envolvam a proibição prévia da divulgação: o uso abusivo da liberdade de expressão pode ser reparado por mecanismos diversos, que incluem a retificação, a retratação, o direito de resposta, a responsabilização civil ou penal e a proibição da divulgação. Somente em hipóteses extremas se deverá utilizar a última possibilidade. Nas questões envolvendo honra e imagem, por exemplo, como regra geral será possível obter reparação satisfatória após a divulgação, pelo desmentido – por retificação, retratação ou direito de resposta – e por eventual reparação do dano, quando seja o caso.

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7
Q

Em caso de ofensa a honra em veículo de comunicação, o ofensor pode ser condenado, como forma de reparação do dano, a publicar no mesmo veículo a sentença condenatória que reconheceu a ilicitude do ato?

A

Resumo

O direito à retratação e ao esclarecimento da verdade possui previsão na Constituição da República e na Lei Civil, não tendo sido afastado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 130/DF.

O princípio da reparação integral (arts. 927 e 944 do CC) possibilita o pagamento da indenização em pecúnia e in natura, a fim de se dar efetividade ao instituto da responsabilidade civil.

Dessa forma, é possível que o magistrado condene o autor da ofensa a divulgar a sentença condenatória nos mesmos veículos de comunicação em que foi cometida a ofensa à honra, desde que fundamentada em dispositivos legais diversos da Lei de Imprensa. STJ. 3ª Turma. REsp 1.771.866-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/02/2019 (Info 642).

Teor:

Liberdade de expressão não é absoluta

A regra geral é a liberdade de informação. Entretanto, não se trata de liberdade absoluta. Seu exercício encontra limites no dever de respeito aos demais direitos e garantias fundamentais também protegidos:

(…) 3. Os direitos à informação e à livre manifestação do pensamento não possuem caráter absoluto, encontrando limites em outros direitos e garantias constitucionais que visam à concretização da dignidade da pessoa humana. 4. No desempenho da função jornalística, as empresas de comunicação não podem descurar de seu compromisso com a veracidade dos fatos ou assumir uma postura injuriosa ou difamatória ao divulgar fatos que possam macular a integridade moral do indivíduo. (…) STJ. 3ª Turma. REsp 1.567.988/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/11/2018.

Narrativa de fatos verídicos ou verossímeis

Em princípio, não configuram ato ilícito as publicações que narrem fatos verídicos ou verossímeis, mesmo que tais opiniões sejam severas, irônicas ou impiedosas.

Essa conclusão se mostra ainda mais forte em se tratando notícias ou críticas envolvendo a atividade profissional de figuras públicas que exerçam cargos estatais, gerindo interesses da coletividade.

Portanto, a assunção de cargos públicos, como a presidência de um Tribunal, torna o sujeito uma pessoa pública, cujos atos estão sujeitos a maior exposição e mais suscetíveis à mitigação dos direitos de personalidade.

No entanto, mesmo em tais hipóteses, a liberdade também não será absoluta.

Assim, se ficar demonstrado, no caso concreto, que o autor da obra não teve compromisso ético com a informação verdadeira, violou direitos da personalidade e fez críticas com nítido propósito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa atingida, estará plenamente configurado o ato ilícito capaz de ensejar a condenação ao pagamento de indenização por danos morais.

Publicação da decisão judicial e da petição inicial

Conforme já vimos, a Lei de Imprensa não mais subsiste em nosso ordenamento jurídico, não tendo sido recepcionada pela CF/88. Por consequência, de fato, não é mais válida a previsão do art. 75 da Lei nº 5.250/67, que possibilitava a publicação da sentença cível ou criminal, transitada em julgado, na íntegra, a pedido da parte prejudicada, em jornal, periódico ou através de órgão de radiodifusão de real circulação, ou expressão, às expensas da parte vencida ou condenada.

Contudo, apesar disso, ainda existe fundamento constitucional e legal para que o juiz determine ao jornal, revista ou editora a divulgação da íntegra da sentença que o condenar em danos morais. A isso se chama “direito de retratação e de esclarecimento da verdade”.

Fundamentos do direito de retração e de esclarecimento da verdade

Os direitos ao esclarecimento da verdade, à retificação da informação inverídica ou à retratação não foram banidos do ordenamento jurídico brasileiro com a declaração de não recepção da Lei de Imprensa.

Tais direitos continuaram existindo com amparo em outros dispositivos da legislação civil vigente.

Desse modo, ainda existem dispositivos que autorizam esses direitos. E quais seriam eles? Que dispositivos o magistrado pode utilizar para fundamentar essa imposição? Arts. 927 e 944 do Código Civil:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

O art. 927 do Código Civil impõe àquele que, cometendo ato ilícito, causar dano a outrem, a obrigação de repará-lo, ao passo que o art. 944 do mesmo diploma legal determina que a indenização seja medida pela extensão do dano. Isso significa que a principal função da indenização é promover a reparação da vítima, anulando, ao máximo, os efeitos do dano.

Especificamente sobre o dano moral, oportuno relembrar que ele decorre de um dever jurídico geral de abstenção assumido por toda a coletividade perante o seu titular: o dever de não violar os direitos inerentes à sua personalidade. Trata-se, pois, de regra primacial e elementar do convívio em sociedade, cuja violação sujeita o agente às sanções jurídicas, dentre as quais a reparação.

Assim, violado esse dever de abstenção, ocasionando a ofensa à honra e à imagem do recorrente, cabe a ele a pretensão de restaurar o seu direito. Por sua vez, a jurisdição deve dispor de meios para garantir a pacificação social, o que inclui afastar ou mitigar os efeitos nefastos do dano.

Por isso, a reparação deve ser buscada de forma ampla, admitindo não só a pecúnia, mas também a reparação in natura, nos casos em que ela se mostrar proporcional, possível e adequada.

Nessa linha de raciocínio, tal entendimento foi cristalizado no Enunciado 589 da VII Jornada de Direito Civil: “a compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação in natura, na forma de retratação pública ou outro meio.”

O CC/2002 determina que a pessoa que causar dano a outrem fica obrigada a repará-lo.

Quando o juiz condena o jornal/revista a publicar em suas páginas, na íntegra, a sentença condenatória, isso configura uma forma de reparação específica da honra do autor.

A reparação dos danos morais com pagamento de dinheiro é apenas uma compensação pelo sofrimento causado à vítima. No entanto, a publicação da sentença que condena o jornal/revista é um modo de divulgar, para a coletividade, que a honra daquela pessoa deve ser respeitada e que o órgão de imprensa praticou um ato ilícito.

Em suma, a divulgação da sentença condenatória é considerada como uma forma de reparação específica do dano moral.

Desse modo, é possível que sentença condenatória determine a sua divulgação nos mesmos veículos de comunicação em que foi cometida a ofensa à honra, desde que fundamentada em dispositivos legais diversos da Lei de Imprensa.

Não é censura

Vale ressaltar, por fim, que não se trata de censura ou controle prévio dos meios de comunicação social e da liberdade de expressão, pois não se está impondo nenhuma proibição de comercialização da obra literária, nem mesmo se determinando que as edições até então produzidas sejam recolhidas ou destruídas, o que seria de todo contrário ao ordenamento jurídico.

Direito de retração x direito de resposta

Oportuno ressaltar, ainda, que o direito de publicação da sentença não pode ser confundido com o direito de resposta.

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8
Q

A divulgação de imagem de cadáver morto em via pública por veículo jornalístico gera direito à indenização aos familiares da vítima?

A

Resumo

Jornal divulgou a foto do cadáver de um indivíduo morto em tiroteio ocorrido em via pública.

Os familiares do morto ajuizaram ação de indenização por danos morais contra o jornal alegando que houve violação aos direitos de imagem.

O STF julgou a ação improcedente argumentando que condenar o jornal seria uma forma de censura, o que afronta a liberdade de informação jornalística. STF. 2ª Turma. ARE 892127 AgR/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 23/10/2018 (Info 921).

Teor:

O STF entendeu que o juiz assumiu o papel do jornalista e do jornal de escolher o conteúdo da reportagem e ele próprio decidiu o que seria necessário ou não mostrar na matéria jornalística, realizando, assim, restrição censória (censura) ao agir da imprensa.

O fato noticiado existiu (é verídico) e o juiz condenou o jornal unicamente por não ter feito o “sombreamento” da imagem divulgada e que, na sua visão, seria necessária para não expor o cadáver. Assim, para a Min. Cármen Lúcia, não houve exercício irregular ou abusivo da liberdade de imprensa, que é assegurada pela Constituição Federal.

A decisão das instâncias inferiores condenando o jornal vai contra a jurisprudência do STF que garante a liberdade de informação jornalística e proíbe a censura. Isso foi assentado pelo STF no julgamento que declarou a não-recepção da Lei de Imprensa (ADPF 130).

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9
Q

É possível que o Fisco requisite das instituições financeira informações bancárias sobre os contribuintes sem intervenção do Poder Judiciário?

A

Resumo

As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios podem requisitar diretamente das instituições financeiras informações sobre as movimentações bancárias dos contribuintes. Esta possibilidade encontra-se prevista no art. 6º da LC 105/2001, que foi considerada constitucional pelo STF. Isso porque esta previsão não se caracteriza como “quebra” de sigilo bancário, ocorrendo apenas a “transferência de sigilo” dos bancos ao Fisco.

Vale ressaltar que os Estados-Membros e os Municípios somente podem obter as informações previstas no art. 6º da LC 105/2001, uma vez regulamentada a matéria de forma análoga ao Decreto Federal nº 3.724/2001, observados os seguintes parâmetros:

a) pertinência temática entre a obtenção das informações bancárias e o tributo objeto de cobrança no procedimento administrativo instaurado;
b) prévia notificação do contribuinte quanto à instauração do processo e a todos os demais atos, garantido o mais amplo acesso do contribuinte aos autos, permitindo-lhe tirar cópias, não apenas de documentos, mas também de decisões;
c) sujeição do pedido de acesso a um superior hierárquico;
d) existência de sistemas eletrônicos de segurança que fossem certificados e com o registro de acesso; e, finalmente,
e) estabelecimento de mecanismos efetivos de apuração e correção de desvios. A Receita Federal, atualmente, já pode requisitar tais informações bancárias porque possui esse regulamento. Trata-se justamente do Decreto 3.724/2001 acima mencionada, que regulamenta o art. 6º da LC 105/2001. O art. 5º da LC 105/2001, que permite obriga as instituições financeiras a informarem periodicamente à Receita Federal as operações financeiras realizadas acima de determinado valor, também é considerado constitucional.

STF. Plenário. ADI 2390/DF, ADI 2386/DF, ADI 2397/DF e ADI 2859/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgados em 24/2/2016 (Info 815).

STF. Plenário. RE 601314/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 24/2/2016 (repercussão geral) (Info 815).

Teor:

Mas o art. 6º não representa uma “quebra de sigilo bancário” sem autorização judicial?

NÃO. O STF entendeu que esse repasse das informações dos bancos para o Fisco não pode ser chamado de “quebra de sigilo bancário”. Isso porque as informações são passadas para o Fisco (ex: Receita Federal) em caráter sigiloso e permanecem de forma sigilosa na Administração Tributária. Logo, é uma tramitação sigilosa entre os bancos e o Fisco e, por não ser acessível a terceiros, não pode ser considerado violação (quebra) do sigilo.

Assim, repito, na visão do STF, o que o art. 6º da LC 105/2001 faz não é quebra de sigilo bancário, mas somente a “transferência de sigilo” dos bancos ao Fisco. Os dados, até então protegidos pelo sigilo bancário, prosseguem protegidos pelo sigilo fiscal. Pode parecer um eufemismo, no entanto, é importante ficar atento porque isso pode ser exigido nas provas de concurso.

Para o STF, o simples fato de o Fisco ter acesso aos dados bancários do contribuinte não viola a garantia do sigilo bancário. Só haverá violação se esses dados “vazarem” para pessoas estranhas ao órgão fazendário. Aí sim haveria quebra do sigilo bancário por ter sido exposta a intimidade do contribuinte para terceiros.

Em casos de vazamento, a LC 105/2001 prevê punições ao responsável, que estará sujeito à pena de reclusão, de 1 a 4 anos, mais multa, além de responsabilização civil, culminando com a perda do cargo (art. 10).

Outros argumentos levantados pelos Ministros para considerarem o art. 6º constitucional:

 O sigilo bancário não é absoluto e deve ceder espaço ao princípio da moralidade nas hipóteses em que transações bancárias indiquem ilicitudes.

 A LC 100/2001 é um instrumento para fiscalizar o dever fundamental do contribuinte de pagar tributos. O dever fundamental de pagar tributos está alicerçado na ideia de solidariedade social. Assim, dado que o pagamento de tributos, no Brasil, seria um dever fundamental — por representar o contributo de cada cidadão para a manutenção e o desenvolvimento de um Estado que promove direitos fundamentais —, é preciso que sejam adotados mecanismos efetivos de combate à sonegação fiscal.

 A prática prevista na LC 105/2001 é comum em vários países desenvolvidos e a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo questionado seria um retrocesso diante dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil para combater ilícitos como a lavagem de dinheiro e evasão de divisas e para coibir práticas de organizações criminosas.

 A identificação de patrimônio, rendimentos e atividades econômicas do contribuinte pela administração tributária dá efetividade ao princípio da capacidade contributiva, que, por sua vez, sofre riscos quando se restringem as hipóteses que autorizam seu acesso às transações bancárias dos contribuintes.

 A LC 105/2001 não viola a CF/88. Isso porque o legislador não estabeleceu requisitos objetivos para requisição de informação pela administração tributária às instituições financeiras e exigiu que, quando essas informações chegassem ao Fisco, ali mantivessem o dever de sigilo. Com efeito, o parágrafo único do art. 6º preconiza que o resultado dos exames, as informações e os documentos deverão ser conservados em sigilo, observada a legislação tributária. Assim, não há ofensa a intimidade ou qualquer outro direito fundamental, pois a LC 105/2001 não permite a “quebra de sigilo bancário”, mas sim a transferência desse sigilo dos bancos ao Fisco.

 O art. 6º da LC 105/2001 é taxativo e razoável ao facultar o exame de documentos, livros e registros de instituições financeiras somente se houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

A decisão acima do STF foi proferida no julgamento das ADIs 2390, 2386, 2397 e 2859 e do RE 601.314 (repercussão geral).

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10
Q

O MP pode requisitar informações bancárias de particulares para descobrir o destino de recursos públicos advindo de conta bancária do Administração Pública?

A

Não são nulas as provas obtidas por meio de requisição do Ministério Público de informações bancárias de titularidade de Prefeitura para fins de apurar supostos crimes praticados por agentes públicos contra a Administração Pública.

É lícita a requisição pelo Ministério Público de informações bancárias de contas de titularidade da Prefeitura, com o fim de proteger o patrimônio público, não se podendo falar em quebra ilegal de sigilo bancário.

O sigilo de informações necessário à preservação da intimidade é relativizado quando há interesse da sociedade em conhecer o destino dos recursos públicos.

Diante da existência de indícios da prática de ilícitos penais envolvendo verbas públicas, cabe ao MP, no exercício de seus poderes investigatórios (art. 129, VIII, da CF/88), requisitar os registros de operações financeiras relativos aos recursos movimentados a partir de contacorrente de titularidade da Prefeitura. Essa requisição compreende, por extensão, o acesso aos registros das operações bancárias sucessivas, ainda que realizadas por particulares, e objetiva garantir o acesso ao real destino desses recursos públicos. STJ. 5ª Turma. HC 308.493-CE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 20/10/2015 (Info 572). STF. 2ª Turma. RHC 133118/CE, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 26/9/2017 (Info 879).

Teor:

MP pode requisitar os registros de operações financeiras feitas com recursos públicos, ainda que isso acabe atingindo indiretamente terceiros beneficiários dos valores

O poder do Ministério Público de requisitar informações bancárias de conta corrente de titularidade do Município abrange, por extensão, o direito de acesso aos registros das operações bancárias realizadas por particulares, a partir das verbas públicas creditadas naquela conta. Em outras palavras, o Ministério Público pode, por exemplo, requisitar, sem autorização judicial, os valores que o Município transferiu para contas de particulares.

Ora, de nada adiantaria permitir ao Ministério Público requisitar diretamente os registros das operações feitas na conta bancária da Municipalidade e negar-lhe o principal: o acesso ao real destino dos recursos públicos, a partir do exame de operações bancárias sucessivas (v.g., desconto de cheque emitido pela Municipalidade na boca do caixa, seguido de transferência a particular do valor sacado).

Decidir em sentido contrário implicaria o esvaziamento da própria finalidade do princípio da publicidade, que é permitir o controle da atuação do administrador público e do emprego de verbas públicas.

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11
Q

Quais órgão podem requerer informações bancárias diretamente das instituições financeiras?

A

1) Polícia - NÃO.
2) MP - NÃO. Exceção: É lícita a requisição pelo MP de informações bancárias de contas de titularidade de órgão e entidade públicas, com o fim de proteger o patrimônio público, não se podendo falar em quebra ilegal de sigilo bancário.
3) TCU - NÃO. Exceção: O envio de informação ao TCU relativas a operações de crédito originárias de recursos públicos não é coberto pelo sigilo bancário.
4) Receita Federal - Sim, com base no art. 6 do LC 105\2001. O repasse das informações dos bancos para o Fisco não pode ser definido como sendo “quebra de sigilo bancário”.
5) Fisco estadual, distrital, municipal - SIM, desde que regulamentem, no âmbito de suas esferas de competência, o art. 6 da LC 105\2001, de forma análogo ao Decreto Federal 3.724\2001.
6) CPI - SIM (Seja ela federal ou estadual\distrital) (art. 4, pár. 1 da LC 105\2001). Prevalece que CPI municipal não pode.

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12
Q

Normas que tratem de regime monetário, quando forem inseridas em contratos particulares, serão atingidas por leis posteriores que disponham de maneira diversa?

A

É constitucional o art. 38 da Lei 8.880/94, não importando a aplicação imediata desse dispositivo em violação ao art. 5º, XXXVI, da CF/88

O art. 38 da Lei nº 8.880/94 previu que a URV deveria ser utilizada como parâmetro de cálculo dos índices de correção monetária nos dois primeiros meses de implantação do Plano Real.

As pessoas que tinham contratos em vigor e que haviam sido celebrados antes da Lei nº 8.880/94 começaram a questionar a aplicação imediata deste dispositivo. Alegaram que a sua aplicação aos contratos em vigor seria inconstitucional por violar o direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88).

O STF não concordou com essa tese e decidiu que:

É constitucional o art. 38 da Lei nº 8.880/94 e que a sua aplicação imediata para os contratos em vigor não violou a garantia do “direito adquirido”, prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal.

Não é possível opor a cláusula de proteção ao direito adquirido ou ato jurídico perfeito em face da aplicação imediata de normas que tratam de regime monetário, as quais possuem natureza estatutária e institucional, como é a situação daquelas responsáveis por substituir uma moeda por outra.

As normas que tratam do regime monetário - inclusive, portanto, as de correção monetária -, têm natureza institucional e estatutária, insuscetíveis de disposição por ato de vontade, razão pela qual sua incidência é imediata, alcançando as situações jurídicas em curso de formação ou de execução. STF. Plenário. ADPF 77/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 16/5/2019 (Info 940). STF. 1ª Turma. RE 307108/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 12/11/2019 (Info 959).

Teor:

Quanto ao mérito, o STF concordou com a autora? Este dispositivo é constitucional e podia ser aplicado aos contratos em curso?

SIM.

É constitucional o art. 38 da Lei nº 8.880/94 (URV como forma de cálculo da correção monetária na implementação do Plano Real). A aplicação imediata desse dispositivo para os contratos em vigor não violou a garantia do “direito adquirido”, prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal. STF. Plenário. ADPF 77/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 16/5/2019 (Info 940) STF. 1ª Turma. RE 307108/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 12/11/2019 (Info 959).

A correção monetária visa recompor a perda do poder aquisitivo da moeda, em razão do ambiente inflacionário.

Quando esta Lei foi editada, o Brasil vivia a experiência da inflação galopante. Para seu controle, surgiu o Plano Real. Na época, o plano para a implantação do real foi dividido, basicamente, em três etapas:

a) estabelecimento, em bases permanentes, do equilíbrio das contas do governo;
b) criação da Unidade Real de Valor (URV); e
c) emissão da nova moeda.

O STF entendeu que é constitucional a aplicação imediata do art. 38 às obrigações em curso, firmadas antes de seu advento. Isso porque esse art. 38 tem natureza institucional estatutária. Isso quer dizer que ele é parte integrante e inseparável das leis e medidas provisórias responsáveis pela introdução do “Plano Real”, um programa governamental para combate à inflação.

Não é possível opor a cláusula de proteção ao direito adquirido ou ato jurídico perfeito em face da aplicação imediata de normas que tratam de regime monetário, as quais possuem natureza estatutária e institucional, como é a situação daquelas responsáveis por substituir uma moeda por outra. Esse entendimento já era consolidado no STF:

(…) 1. A aplicação da cláusula constitucional que assegura, em face da lei nova, a preservação do direito adquirido e do ato jurídico perfeito (CF, art. 5º, XXXVI) impõe distinguir duas diferentes espécies de situações jurídicas: (a) as situações jurídicas individuais, que são formadas por ato de vontade (especialmente os contratos), cuja celebração, quando legítima, já lhes outorga a condição de ato jurídico perfeito, inibindo, desde então, a incidência de modificações legislativas supervenientes; e (b) as situações jurídicas institucionais ou estatutárias, que são formadas segundo normas gerais e abstratas, de natureza cogente, em cujo âmbito os direitos somente podem ser considerados adquiridos quando inteiramente formado o suporte fático previsto na lei como necessário à sua incidência. Nessas situações, as normas supervenientes, embora não comportem aplicação retroativa, podem ter aplicação imediata.

  1. Segundo reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, as normas que tratam do regime monetário - inclusive, portanto, as de correção monetária -, têm natureza institucional e estatutária, insuscetíveis de disposição por ato de vontade, razão pela qual sua incidência é imediata, alcançando as situações jurídicas em curso de formação ou de execução. É irrelevante, para esse efeito, que a cláusula estatutária esteja reproduzida em ato negocial (contrato), eis que essa não é circunstância juridicamente apta a modificar a sua natureza.
  2. As disposições do art. 21 da Lei 9.069/95, resultante da conversão da MP 542/94, formam um dos mais importantes conjuntos de preceitos normativos do Plano REAL, um dos seus pilares essenciais, justamente o que fixa os critérios para a transposição das obrigações monetárias, inclusive contratuais, do antigo para o novo sistema monetário. São, portanto, preceitos de ordem pública e seu conteúdo, por não ser suscetível de disposição por atos de vontade, têm natureza estatutária, vinculando de forma necessariamente semelhante a todos os destinatários. Dada essa natureza institucional (estatutária), não há inconstitucionalidade na sua aplicação imediata (que não se confunde com aplicação retroativa) para disciplinar as cláusulas de correção monetária de contratos em curso.
  3. Recurso extraordinário a que se nega provimento. STF. Plenário. RE 212609, Rel. Min. Carlos Velloso, Rel. p/ Acórdão Min. Teori Zavascki, julgado em 29/04/2015.
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13
Q

O Habeas Data pode ser impetrado independetemente da (in)existência de recusa da autoridade administrativa?

A

Súmula 2 do STJ: “Não cabe o habeas data (CF/88, art. 5º, LXXII, ‘a’) se não houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa.”

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14
Q

Admite-se a diferenciação entre o prazo da licença-maternidade e da licença-adotante? Quanto à licença-adotante, pode-se estabelecer prazo superior para o caso de a criança adotada possuir menos de 1 ano?

A

O art. 210 da Lei nº 8.112/90, assim como outras leis estaduais e municipais, prevê que o prazo para a servidora que adotar uma criança é inferior à licença que ela teria caso tivesse tido um filho biológico. De igual forma, este dispositivo estabelece que, se a criança adotada for maior que 1 ano de idade, o prazo será menor do que seria se ela tivesse até 1 ano. Segundo o STF, tal previsão é inconstitucional. Foi fixada, portanto, a seguinte tese:

Os prazos da licença-adotante não podem ser inferiores ao prazo da licença-gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações. Em relação à licença-adotante, não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada. STF. Plenário. RE 778889/PE, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 10/3/2016 (repercussão geral) (Info 817).

Interior teor:

Proibição constitucional de discriminação entre filhos conforme a sua origem

Outra mudança importante no conceito tradicional de família diz respeito à igualdade entre os filhos. Na visão antiga, os filhos poderiam ter um tratamento diferenciado a depender de suas origens. Existia a ideia de filho legítimo (decorrente do nascimento biológico em um casamento), de filho ilegítimo (fruto de uma relação extraconjugal) e de filho adotivo.

O primeiro grupo (filhos legítimos) recebia uma maior proteção do ordenamento jurídico e as demais espécies eram discriminadas.

Tal distinção foi expressamente proibida pela CF/88, que assegurou o princípio da igualdade entre os filhos, não importando a sua origem. Veja:

Art. 227 (…) § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Desse modo, o art. 210 da Lei nº 8.112/90, ao estabelecer um tratamento diferenciado entre os filhos (os biológicos terão mais tempo de cuidado com a mãe do que os adotivos), viola frontalmente o art. 227, § 6º, da CF/88.

Crianças adotadas apresentam dificuldades ainda maiores que os filhos biológicos

O STF pontuou, ainda, que as crianças adotadas apresentam dificuldades inexistentes para filhos biológicos: histórico de cuidados inadequados, carência, abuso físico, moral e sexual, traumas, entre outros. Tudo isso faz com que se exija da mãe um cuidado ainda maior, o que será garantido por meio da licença no mesmo prazo concedida para a licença-maternidade decorrente da concepção de filhos biológicos.

Ademais, a previsão da Lei nº 8.112/90 de um prazo menor para as crianças adotadas com mais de 1 ano de idade também não se revela razoável. Nada indica que crianças mais velhas demandam menos cuidados se comparadas a bebês. Ao contrário, quanto maior a idade da criança, maior o tempo em que ela ficou submetida a esse quadro de abandono e sofrimento, e maior será a dificuldade para que se adapte à família adotiva.

Por isso, quanto mais a mãe puder estar disponível para a criança adotiva, especialmente nesse período inicial, maior a probabilidade de recuperação emocional da criança em adaptação.

Além disso, crianças adotadas apresentam mais problemas de saúde, se comparadas com filhos biológicos, e quanto mais avançada a idade da criança, menor a probabilidade de ser escolhida para adoção. Ademais, é necessário criar estímulos para a adoção de crianças mais velhas.

Portanto, o tratamento mais gravoso dado ao adotado de mais idade viola o princípio da proporcionalidade, e implica proteção deficiente.

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15
Q

É constitucional a autorização de trabalho de gestantes em trabalhos insalubres quando apresentado atestado médico?

A

É inconstitucional a expressão “quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento”, contida nos incisos II e III do art. 394-A da CLT, inseridos pelo art. 1º da Lei nº 13.467/2017.
Essa expressão, inserida no art. 394-A da CLT, tinha como objetivo autorizar que empregadas grávidas ou lactantes pudessem trabalhar em atividades insalubres.
Ocorre que o STF entendeu que o trabalho de gestantes e de lactantes em atividades insalubres viola a Constituição Federal.
O art. 6º da CF/88 proclama importantes direitos, entre eles a proteção à maternidade, a proteção do mercado de trabalho da mulher e redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
A proteção para que a gestante e a lactante não sejam expostas a atividades insalubres caracteriza-se como importante direito social instrumental que protege não apenas a mulher como também a criança (art. 227 da CF/88).
A proteção à maternidade e a integral proteção à criança são direitos irrenunciáveis e não podem ser afastados pelo desconhecimento, impossibilidade ou a própria negligência da gestante ou lactante em apresentar um atestado médico, sob pena de prejudicá-la e prejudicaro recém-nascido.
Em suma, é proibido o trabalho da gestante ou da lactante em atividades insalubres.
STF. Plenário. ADI 5938/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 29/5/2019 (Info 942).

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16
Q

Havendo suspeitas de que existe droga em determinada casa, será possível que os policiais invadam a residência mesmo sem ordem judicial e ainda que contra o consentimento do morador?

A

SIM.

No entanto, no caso concreto, devem existir fundadas razões que indiquem que ali está sendo cometido um crime (flagrante delito). Essas razões que motivaram a invasão forçada deverão ser posteriormente expostas pela autoridade, sob pena de ela responder nos âmbitos disciplinar, civil e penal. Além disso, os atos praticados poderão ser anulados.

A tese fixada pelo STF em sede de recurso extraordinário sob repercussão geral foi a seguinte:

A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas “a posteriori”, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticadosSTF. Plenário. RE 603616/RO, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4 e 5/11/2015 (repercussão geral) (Info 806).

OBSERVAÇÃO:

A mera intuição acerca de eventual traficância praticada pelo agente, embora pudesse autorizar abordagem policial, em via pública, para averigação, não configura, por si só, justa causa a autorizar o ingresso em seu domicílio, sem o seu consentimento e sem determinação judicial (REsp n. 1.574.681 - Info 606)

OUTRO JULGADO

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

Os policiais se deslocaram para o bairro Bom Jesus para verificar “denúncias anônimas”, recebidas pelo “disque denúncia”, de que estaria sendo praticado tráfico de drogas.

Ao chegarem no local, encontraram João na frente de uma casa.

Os policiais fizeram busca pessoal em João, mas não encontraram substância entorpecente.

Em seguida, os policiais perguntaram onde ficava a casa de João, tendo ele indicado.

Os policiais alegaram que João autorizou a entrada na residência para fins de busca e apreensão e que, ao revistarem o local, encontram grande quantidade de drogas escondida no armário.

João foi preso em flagrante e denunciado por tráfico de drogas.

Em seu interrogatório judicial, o réu negou veementemente que tenha autorizado a entrada dos policiais.

Essa apreensão foi lícita?

NÃO. O STJ entendeu que a busca foi ilícita, assim como todas as provas dela derivadas. Isso porque não houve comprovação de consentimento válido para o ingresso no domicílio do réu.

Na hipótese de suspeita de flagrância delitiva, qual a exigência, em termos de standard probatório*, para que policiais ingressem no domicílio do suspeito sem mandado judicial?

Para garantir a devida proteção da garantia constitucional à inviolabilidade do domicílio, os policiais deverão adotar as seguintes providências:

1) Autorização assinada pelo morador e por testemunhas

Os policiais deverão obter a autorização assinada pelo morador afirmando que permite a entrada, indicando, ainda, o nome de testemunhas que atestem que o morador consentiu com a entrada e que acompanhem a busca realizada. Isso deve ser registrado em auto circunstanciado.

Tal providência, aliás, já é determinada pelo art. 245, § 7º, do CPP, que prevê:

Art. 245. As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta.

(…)

§ 7º Finda a diligência, os executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com duas testemunhas presenciais, sem prejuízo do disposto no § 4º.

Embora esse dispositivo se refira ao cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar, por óbvio ele também deve se aplicar para qualquer forma de busca e apreensão efetuada pelo Estado em domicílios de suspeitos, com ou sem mandado judicial.

2) A diligência deverá ser integralmente registrada em vídeo e áudio

Além disso, será de fundamental importância que se registre, em vídeo e áudio, toda a diligência, especialmente nas situações em que, por ausência justificada do formulário ou por impossibilidade qualquer de sua assinatura, seja indispensável comprovar o livre consentimento do morador para o ingresso domiciliar.

A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada a prova enquanto durar o processo.

STJ. 6ª Turma. HC 598.051/SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 02/03/2021 (Info 687).

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17
Q

A empregada gestante tem direito à estabilidade caso tenha sido demitido por empregador que não sabia de sua gravidez?

A

A incidência da estabilidade prevista no art. 10, II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa.

Art. 10. (…) II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: (…) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

O único requisito exigido é de natureza biológica. Exige-se apenas a comprovação de que a gravidez tenha ocorrido antes da dispensa arbitrária, não sendo necessários quaisquer outros requisitos, como o prévio conhecimento do empregador ou da própria gestante.

Assim, é possível assegurar a estabilidade à gestante mesmo que no momento em que ela tenha sido demitida pelo empregador ele não soubesse de sua gravidez. STF. Plenário. RE 629053/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 10/10/2018 (repercussão geral) (Info 919).

LC 146/2014

Vale relembrar que a estabilidade vai até 5 meses após o parto. Se a criança nascer e a mãe falecer enquanto ainda estava no período de estabilidade (ex: a mãe faleceu logo depois do parto), a pessoa que ficar na guarda do seu filho terá direito ao restante do período de estabilidade. É o que prevê o art. 1º da LC 146/2014.

Ex: Maria faleceu logo após o parto. João, seu marido, ficou com a guarda da criança. Ele terá 5 meses de estabilidade em seu emprego.

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18
Q

O Poder Judiciário pode obrigar a Administração Pública a manter quantidade mínima de determinado medicamento em estoque?

A

Resumo

A Administração Pública pode ser obrigada, por decisão do Poder Judiciário, a manter estoque mínimo de determinado medicamento utilizado no combate a certa doença grave, de modo a evitar novas interrupções no tratamento.

Não há violação ao princípio da separação dos poderes no caso. Isso porque com essa decisão o Poder Judiciário não está determinando metas nem prioridades do Estado, nem tampouco interferindo na gestão de suas verbas. O que se está fazendo é controlar os atos e serviços da Administração Pública que, neste caso, se mostraram ilegais ou abusivos já que, mesmo o Poder Público se comprometendo a adquirir os medicamentos, há falta em seu estoque, ocasionando graves prejuízos aos pacientes.

Assim, não tendo a Administração adquirido o medicamento em tempo hábil a dar continuidade ao tratamento dos pacientes, atuou de forma ilegítima, violando o direito à saúde daqueles pacientes, o que autoriza a ingerência do Poder Judiciário. STJ. 1ª Turma. RE 429903/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 25/6/2014 (Info 752).

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Q
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20
Q

O Judiciário pode determinar reforma de cadeia ou construção de nova unidade prisional se houve alegação de restrição orçamentária por parte do Estado?

A

Resumo

Constatando-se inúmeras irregularidades em cadeia pública – superlotação, celas sem condições mínimas de salubridade para a permanência de presos, notadamente em razão de defeitos estruturais, de ausência de ventilação, de iluminação e de instalações sanitárias adequadas, desrespeito à integridade física e moral dos detentos, havendo, inclusive, relato de que as visitas íntimas seriam realizadas dentro das próprias celas e em grupos, e que existiriam detentas acomodadas improvisadamente –, a alegação de ausência de previsão orçamentária não impede que seja julgada procedente ação civil publica que, entre outras medidas, objetive obrigar o Estado a adotar providências administrativas e respectiva previsão orçamentária para reformar a referida cadeia pública ou construir nova unidade, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. STJ. 2ª Turma. REsp 1.389.952-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 3/6/2014 (Info 543).

Inteiro teor:

Inexistência de ofensa à separação dos poderes

Não há ofensa ao princípio da separação dos poderes. Isso porque a concretização dos direitos sociais não pode ficar condicionada à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa.

Seria distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente importantes.

Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, não existe empecilho jurídico para que o Judiciário determine a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal.

Inexistência de ofensa à previa previsão orçamentária

Não há que se falar em ofensa aos arts. 4º, 6º e 60 da Lei n. 4.320/64 (que preveem a necessidade de previsão orçamentária para a realização das obras em apreço), na medida em que o MP pediu, na ação civil pública, que o Estado incluísse previsão orçamentária para as obras solicitadas. Logo, não se desrespeitou a regra que determina a previsão orçamentária das obras.

Não aplicação da teoria da reserva do possível

Não se pode invocar a teoria da reserva do possível, importada do Direito alemão, como escudo para o Estado se escusar do cumprimento de suas obrigações prioritárias.

Realmente as limitações orçamentárias são um entrave para a efetivação dos direitos sociais. No entanto, é preciso ter em mente que o princípio da reserva do possível não pode ser utilizado de forma indiscriminada.

Na verdade, o direito alemão construiu essa teoria no sentido de que o indivíduo só pode requerer do Estado uma prestação que se dê nos limites do razoável, ou seja, na qual o peticionante atenda aos requisitos objetivos para sua fruição.

De acordo com a jurisprudência da Corte Constitucional alemã, os direitos sociais prestacionais estão sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade. Ocorre que não se podem importar preceitos do direito comparado sem atentar para Estado brasileiro. Na Alemanha, os cidadãos já dispõem de um mínimo de prestações materiais capazes de assegurar existência digna. Por esse motivo, o indivíduo não pode exigir do Estado prestações supérfluas, pois isso escaparia do limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado pela jurisprudência germânica.

Todavia, a situação é completamente diversa nos países menos desenvolvidos, como é o caso do Brasil, onde ainda não foram asseguradas, para a maioria dos cidadãos, condições mínimas para uma vida digna. Nesse caso, qualquer pleito que vise a fomentar uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem razão (supérfluo), pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado brasileiro.

É por isso que o princípio da reserva do possível não pode ser oposto a um outro princípio, conhecido como princípio do mínimo existencial. Somente depois de atingido esse mínimo existencial é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em quais outros projetos se deve investir.

Por esse motivo, não havendo comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário determine a inclusão de determinada políticapública nos planos orçamentários do ente político.

IMPORTANTE:

Em provas práticas do MP ou da Defensoria Pública, o candidato, ao preparar uma ação civil pública requerendo a implementação de alguma política pública, deverá pedir que a verba necessária para essa medida seja incluída no orçamento estatal a fim de evitar a alegação de violação aos arts. 4º, 6º e 60 da Lei n. 4.320/64 (que preveem a necessidade de previsão orçamentária para a realização das obras em apreço).

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Q

Imagina a seguinte situação. De 2010 a 2012, o prefeito da cidade era Auricélo. Era o primeiro madnato dele. Seis meses antes das eleições, auricélio renunciou ao cargo. Em 2012, Hélio (cunhado de Auricélo) vence a eleição para Prefeito da mesma cida. de 2013 a 2016, Hélio cumpre o mandato de prefeito.

Pergunta: em 2016, Hélio poderá se candidatar à reeleição ao cargo de prefeito?

A

Resumo

Ao se fazer uma interpretação conjugada dos §§ 5º e 7º do art. 14 da CF/88 chega-se à conclusão de que a intenção do poder constituinte foi a de proibir que pessoas do mesmo núcleo familiar ocupem três mandatos consecutivos para o mesmo cargo no Poder Executivo.

Em outras palavras, a CF/88 quis proibir que o mesmo núcleo familiar ocupasse três mandatos consecutivos de Prefeito, de Governador ou de Presidente. A vedação ao exercício de três mandatos consecutivos de prefeito pelo mesmo núcleo familiar aplica-se também na hipótese em que tenha havido a convocação do segundo colocado nas eleições para o exercício de mandato-tampão.

Ex: de 2010 a 2012, o Prefeito da cidade era Auricélio. Era o primeiro mandato de Auricélio. Seis meses antes das eleições, Auricélio renunciou ao cargo. Em 2012, Hélio (cunhado de Auricélio) vence a eleição para Prefeito da mesma cidade. De 2013 a 2016, Hélio cumpre o mandato de Prefeito. Em 2016, Hélio não poderá se candidatar à reeleição ao cargo de Prefeito porque seria o terceiro mandato consecutivo deste núcleo familiar. STF. 2ª Turma. RE 1128439/RN, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 23/10/2018 (Info 921).

Interior teor:

Art. 14 (…)

§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente. (…)

§ 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

A jurisprudência, ao interpretar esses dois parágrafos, afirma que o cônjuge ou parente do chefe do Poder Executivo (ex: cônjuge ou parente do Prefeito) só poderá concorrer para o mesmo cargo de chefe do Executivo (ex: só poderá concorrer ao cargo de Prefeito) se forem cumpridos dois requisitos:

1) o cônjuge ou parente só pode se candidatar a sucessão do titular quando este for reelegível. Ex: o parente do Prefeito quer concorrer à Prefeitura; esse parente só poderá concorrer se não houver nenhum impedimento para que o próprio Prefeito concorra; em outras palavras, o Prefeito poderá se candidatar à reeleição, mas escolheu não fazer isso; neste caso, seu parente poderá concorrer. Assim, se já era o segundo mandato consecutivo do Prefeito, por exemplo, seu parente não poderá concorrer; isso porque o próprio Prefeito não poderia participar novamente da eleição.
2) o titular deverá se afastar do mandato seis meses antes das eleições. Ex: Auricélio era Prefeito e renunciou ao cargo seis meses antes das eleições a fim de permitir que seu cunhado Hélio (que é parente por afinidade em segundo grau) fosse candidato ao mesmo cargo.

Terceiro mandato no mesmo núcleo familiar

O TSE considerou que, se fosse permitido que Hélio continuasse no cargo de Prefeito e exercesse o mandato de 2017 a 2020, isso significaria o terceiro mandato consecutivo do mesmo núcleo familiar para o mesmo cargo.

Para o TSE, ao se fazer uma interpretação conjugada dos §§ 5º e 7º do art. 14 da CF/88 chega-se à conclusão sobre qual foi a intenção do legislador constituinte: proibir que pessoas do mesmo núcleo familiar ocupem três mandatos consecutivos para o mesmo cargo no Poder Executivo.

Em outros termos, a CF/88 quis proibir que o mesmo núcleo familiar ocupasse três mandatos consecutivos de Prefeito, de Governador ou de Presidente.

Quando Hélio foi eleito em 2012 e passou a exercer o mandato em 2013, este foi o segundo mandato consecutivo de Prefeito daquele grupo familiar. Mesmo sendo uma outra pessoa, é como se fosse a reeleição de Auricélio. O mandato de 2013-2016 desempenhado por Hélio é como se fosse o segundo mandato de Auricélio. Logo, já chega. Não pode um terceiro consecutivo.

Obs1: quando falamos em “núcleo familiar” aqui estamos nos referindo ao cônjuge e aos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção (art. 14, § 7º).

Obs2: a causa de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º da CF/88 abrange o cunhado/cunhada do chefe do Poder Executivo (STF. Plenário. RE 171061, Rel. Min. Francisco Rezek, julgado em 02/03/1994)

Veja as palavras do Min. Celso de Mello:

O Poder Constituinte se revelou hostil a práticas ilegítimas que denotem o abuso de poder econômico ou que caracterizem o exercício distorcido do poder político-administrativo.

Com o objetivo de proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função pública, foram definidas situações de inelegibilidade destinadas a obstar, entre outras hipóteses, a formação de grupos hegemônicos que, ao monopolizarem o acesso aos mandatos eletivos, virtualmente patrimonializam o poder governamental, convertendo-o em verdadeira res (coisa) doméstica.

As formações oligárquicas constituem grave deformação do processo democrático. Nessa medida, a busca do poder não pode limitar-se à esfera reservada de grupos privados, sob pena de frustrarse o princípio do acesso universal às instâncias governamentais. Legitimar o controle monopolístico do poder por núcleos de pessoas unidas por vínculos de ordem familiar equivale a ensejar, em última análise, o domínio do próprio Estado por grupos privados.

A patrimonialização do poder revela inquestionável anomalia a que o STF não pode permanecer indiferente, pois a consagração de práticas hegemônicas na esfera institucional do poder político conduzirá o processo de governo a verdadeiro retrocesso histórico, o que constituirá situação inaceitável.

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O que é o voto híbrido? Ele é aceito pelo ordenamento jurídico?

A

Resumo

É inconstitucional a lei que determina que, na votação eletrônica, o registro de cada voto deverá ser impresso e depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado (art. 59-A da Lei 9.504/97, incluído pela Lei 13.165/2015).

Essa previsão acaba permitindo a identificação de quem votou, ou seja, permite a quebra do sigilo, e, consequentemente, a diminuição da liberdade do voto, violando o art. 14 e o § 4º do art. 60 da Constituição Federal.

Cabe ao legislador fazer a opção pelo voto impresso, eletrônico ou híbrido, visto que a CF/88 nada dispõe a esse respeito, observadas, entretanto, as características do voto nela previstas.

O modelo híbrido trazido pelo art. 59-A constitui efetivo retrocesso aos avanços democráticos conquistados pelo Brasil para garantir eleições realmente livres, em que as pessoas possam escolher os candidatos que preferirem. STF. Plenário. ADI 5889/DF, rel. orig. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 6/6/2018 (Info 905).

Inteiro teor:

ADI

A Procuradoria-Geral da República ajuizou ADI contra essa previsão.

Para a PGR, a reintrodução do voto impresso como forma de controle do processo eletrônico de votação “caminha na contramão da proteção da garantia do anonimato do voto e significa verdadeiro retrocesso”.

Ao determinar a impressão do voto no processo de votação eletrônica, a norma legal coloca em risco o direito fundamental do cidadão ao sigilo de seu voto, previsto no art. 14 da Constituição Federal.

Além disso, segundo a procuradora, a adoção do modelo impresso provoca risco à confiabilidade do sistema eleitoral, fragilizando o nível de segurança e eficácia da expressão da soberania nacional por meio do sufrágio universal.

Na petição inicial argumenta-se também a respeito da situação das pessoas com deficiência visual e das analfabetas, que não terão condições de conferir o voto impresso sem o auxílio de terceiros, o que, mais uma vez, importará quebra do sigilo de voto.

O que foi decidido?

O STF deferiu liminar na ADI para suspender o art. 59-A na Lei nº 9.504/97, incluído pela Lei nº 13.165/2015.

Este dispositivo viola a regra constitucional que garante o voto livre e secreto.

Os Ministros entenderam que a sistemática prevista no art. 59-A permite a identificação de quem votou, ou seja, a quebra do sigilo, e, consequentemente, a diminuição da liberdade do voto.

Outros argumentos apresentados pelos Ministros sustentaram a falta de proporcionalidade e razoabilidade da medida, uma vez que impõe altos custos de implantação – estimados em mais de R$ 2 bilhões – e traz riscos para a segurança das votações, sem haver garantia de que aumenta a segurança do sistema. Isso em um contexto em que faltam indícios de fraude generalizada no sistema de voto eletrônico, existente desde 1996. Foi ressaltada a confiança da população no sistema, tido como referência internacional, e no fato de que a alteração poderia, pelo contrário, minar essa confiança.

Retrocesso

Cabe ao legislador fazer a opção pelo voto impresso, eletrônico ou híbrido, visto que a CF nada dispõe a esse respeito, observadas, entretanto, as características do voto nela previstas.

No entanto, o modelo híbrido trazido pelo dispositivo impugnado constitui efetivo retrocesso aos avanços democráticos conquistados pelo Brasil para garantir eleições realmente livres, em que as pessoas possam escolher os candidatos que preferirem.

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A suspensão de direito políticos prevista no art. 15, III, da CF, aplica-se no caso de pena restritiva de direitos?

A

A suspensão de direitos políticos prevista no art. 15, III, da Constituição Federal, aplica-se no caso de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos.

Havendo condenação criminal transitada em julgado, a pessoa condenada fica com seus direitos políticos suspensos tanto no caso de pena privativa de liberdade como na hipótese de substituição por pena restritiva de direitos. Veja o dispositivo constitucional:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; STF. Plenário. RE 601182/MG, Rel. Min. Marco Au

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Quais são os requisitos exigidos para concessão judicial d medicamentos não previstos pelo SUS?

A

Resumo

A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:

(I) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;

(II) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; e

(III) existência de registro na ANVISA do medicamento. [observados os usos autorizados pela agência, segundo julgamento do ED] STJ. 1ª Seção. REsp 1.657.156-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 25/04/2018 (recurso repetitivo) (Info 625).

Inteiro teor:

Inexistência de violação ao princípio da separação dos Poderes

O entendimento acima não viola o princípio da separação dos Poderes. Isso porque uma das tarefas primordiais do Poder Judiciário é atuar para a efetivação dos direitos fundamentais, especialmente aqueles que se encontram previstos na Constituição Federal.

Assim, não há que se falar em violação ao princípio da separação dos Poderes, quando o Poder Judiciário intervém no intuito de garantir a implementação de políticas públicas, notadamente, como no caso em análise, em que se busca a tutela do direito à saúde.

“Seria distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente relevantes.” (STJ. 2ª Turma. REsp 1.488.639/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 16/12/2014).

Fundamento constitucional

O direito à saúde foi consagrado pela Constituição Federal de 1988 como direito fundamental do cidadão, corolário do direito à vida, bem maior do ser humano.

O art. 196 do Texto Constitucional estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

A propósito do tema, o STF, ao interpretar os arts. 5º, caput, e 196 da CF/88, consagrou o direito à saúde como consequência indissociável do direito à vida, assegurado a todas as pessoas (STF. 2ª Turma. ARE 685.230 AgR/MS, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 25/03/2013).

Para alcançar esse objetivo, a Carta Constitucional determinou a criação de um sistema único de saúde (SUS), que tenha como uma de suas diretrizes o “atendimento integral” da população (art. 198, II, da CF/88).

Fundamento infraconstitucional

A fim de dar concretude ao SUS, foi editada a Lei nº 8.080/90, que prevê que o Poder Público deverá fornecer assistência integral, inclusive farmacêutica:

Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

(…) Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).

(…) Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I - a execução de ações:

(…) d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;

Em 2011, foi editada a Lei nº 12.401/2011 que incluiu diversos dispositivos na Lei nº 8.080/90 tratando sobre a assistência terapêutica e prevendo o fornecimento de medicamentos. Veja o que diz o art. 19-M, um dos dispositivos acrescentados:

Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6º consiste em: I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P; (…)

O art. 19-P afirma que a dispensação (fornecimento) de medicamentos será feita com base no protocolo clínico ou de diretriz terapêutica e, na falta disso, com base nas relações de medicamentos do SUS:

Art. 19-P. Na falta de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, a dispensação será realizada:

I - com base nas relações de medicamentos instituídas pelo gestor federal do SUS, observadas as competências estabelecidas nesta Lei, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite;

II - no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores estaduais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Bipartite;

III - no âmbito de cada Município, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores municipais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada no Conselho Municipal de Saúde.

O art. 19-Q trata sobre o procedimento para incorporação, exclusão ou alteração, pelo SUS, de novos medicamentos:

Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. (…)

O STJ entende que o fato de o medicamento não integrar a lista básica do SUS não tem o condão de eximir os entes federados do dever imposto pela ordem constitucional, porquanto não se pode admitir que regras burocráticas, previstas em portarias ou normas de inferior hierarquia, prevaleçam sobre direitos fundamentais (STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 405.126/DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 26/10/2016).

PRIMEIRO requisito

O primeiro requisito exigido pelo STJ foi o seguinte:

“Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;”

Sobre esse primeiro requisito, é importante que sejam feitas três observações:

Primeira observação. Na I Jornada de Direito da Saúde, organizada pelo CNJ, foi aprovado o enunciado 15 dizendo como deve ser este laudo médico. O STJ acolhe esse enunciado. Veja a sua redação:

Enunciado 15: As prescrições médicas devem consignar o tratamento necessário ou o medicamento indicado, contendo a sua Denominação Comum Brasileira (DCB) ou, na sua falta, a Denominação Comum Internacional (DCI), o seu princípio ativo, seguido, quando pertinente, do nome de referência da substância, posologia, modo de administração e período de tempo do tratamento e, em caso de prescrição diversa daquela expressamente informada por seu fabricante, a justificativa técnica.

Desse modo, a parte, quando for fazer o pedido do medicamento junto ao Poder Judiciário, deverá ficar atenta a isso.

Segunda observação. Este laudo médico não precisa ser assinado por médico vinculado ao SUS: “(…) Ressalte-se, ainda, que não há no ordenamento, jurídico brasileiro qualquer exigência que condicione o fornecimento de medicamento à prescrição exclusivamente por médico da rede pública. (…)” (STJ. AgInt no REsp 1.309.793/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 07/04/2017).

Assim, o laudo deve ser emitido pelo médico que assiste o paciente, seja ele público ou privado.

Terceira observação. O laudo médico deverá comprovar duas circunstâncias:

1ª) Imprescindibilidade ou necessidade do medicamento pleiteado para o tratamento da doença; e

2ª) Ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS.

Em outras palavras, o remédio pedido judicialmente deve ser imprescindível ou necessário e aqueles que existem no SUS não podem substitui-lo

. (…) O Supremo Tribunal Federal tem se orientado no sentido de ser possível ao Judiciário a determinação de fornecimento de medicamento não incluído na lista padronizada fornecida pelo SUS, desde que reste comprovação de que não haja nela opção de tratamento eficaz para a enfermidade. (…) STF. 1ª Turma. RE 831.385 AgR/RS, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 06/04/2015.

Terceira observação. O laudo médico deverá comprovar duas circunstâncias: 1ª) Imprescindibilidade ou necessidade do medicamento pleiteado para o tratamento da doença; e 2ª) Ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS. Em outras palavras, o remédio pedido judicialmente deve ser imprescindível ou necessário e aqueles que existem no SUS não podem substitui-lo. (…) O Supremo Tribunal Federal tem se orientado no sentido de ser possível ao Judiciário a determinação de fornecimento de medicamento não incluído na lista padronizada fornecida pelo SUS, desde que reste comprovação de que não haja nela opção de tratamento eficaz para a enfermidade. (…) STF. 1ª Turma. RE 831.385 AgR/RS, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 06/04/2015.

No mesmo sentido é o enunciado 14 da I Jornada de Direito da Saúde do CNJ: Não comprovada a inefetividade ou impropriedade dos medicamentos e tratamentos fornecidos pela rede pública de saúde, deve ser indeferido o pedido não constante das políticas públicas do Sistema Único de Saúde.

SEGUNDO requisito

Vamos relembrar o segundo requisito exigido pelo STJ: “incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito”.

Desse modo, o segundo requisito consiste na devida comprovação da hipossuficiência daquele que requer o medicamento, ou seja, que a sua aquisição implique o comprometimento da sua própria subsistência e/ou de seu grupo familiar.

Atenção! Não se exige comprovação de pobreza ou miserabilidade, mas, tão somente, a demonstração da incapacidade de arcar com os custos referentes à aquisição do medicamento prescrito.

Ex: a pessoa pode ser servidora pública, concursada, recebendo R$ 5 mil por mês; neste caso, não se trata de pessoa pobre; o remédio, contudo, custa R$ 100 mil cada dose. Ela não terá condições de adquiri-lo, preenchendo, portanto, o presente requisito.

TERCEIRO requisito

O terceiro requisito exigido pelo STJ diz respeito à “existência de registro na ANVISA do medicamento”. Assim, exige-se que o medicamento pretendido já tenha sido aprovado pela ANVISA. Esta exigência decorre de imposição legal, tendo em vista o disposto no artigo 19-T, II, da Lei nº 8.080/90:

Art. 19-T. São vedados, em todas as esferas de gestão do SUS:

I - o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico experimental, ou de uso não autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA;

II - a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na Anvisa.

Fazendo uma interpretação teleológica do art. 19-T, verifica-se que a intenção do legislador foi a de proteger o cidadão dos medicamentos experimentais, sem comprovação científica sobre a eficácia, a efetividade e a segurança do medicamento, a fim de assegurar o direito à saúde e à vida das pessoas.

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Q

O Poder Judiciário poder reconhecer a obrigação do Poder Público de conceder medicamento para uso off-label?

A

Ponto principal

  • Só é possível a concessão se o uso off-label tiver sido autorizado pela ANVISA, segundo STJ.

Resumo

Em, 25/04/2018, o STJ, ao julgar o REsp 1.657.156-RJ (Info 625), afirmou que o poder público é obrigado a conceder medicamentos mesmo que não estejam incorporados em atos normativos do SUS, desde que cumpridos três requisitos.

Em 12/09/2018, o STJ decidiu retificar o terceiro requisito da tese anteriormente fixada:

Redação original

A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (…) 3) existência de registro na ANVISA do medicamento.

Nova redação

A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (…) 3) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.

O que o STJ quis dizer com essa mudança:

  • Em regra, não é possível que o paciente exija do poder público o fornecimento de medicamento para uso off-label;
  • Excepcionalmente, será possível que o paciente exija este medicamento caso esse determinado uso fora da bula (off-label) tenha sido autorizado pela ANVISA. Em outras palavras, o requisito do registro na ANVISA afasta a possibilidade de fornecimento de medicamento para uso off-label, salvo se autorizado pela ANVISA.

Interior teor:

O STJ acolheu este pedido dos embargos de declaração?

SIM.

A Lei nº 8.080/90 regula as ações e serviços de saúde executados, pelo Governo ou pela iniciativa privada, em nosso país.

O art. 19-T desta Lei prevê o seguinte:

Art. 19-T. São vedados, em todas as esferas de gestão do SUS:

I - o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico experimental, ou de uso não autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA;

II - a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na Anvisa.

Este artigo apresenta duas vedações distintas:

1) proíbe o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso pelo SUS de medicamento que foi empregado ou prescrito fora do uso autorizado pela ANVISA, ou seja, quando o medicamento foi prescrito para tratamento não indicado na bula e aprovado no registro em referido órgão regulatório (inciso I).
2) impede a dispensação (fornecimento), o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso pelo SUS de medicamento que não tenha ainda sido registrado na ANVISA (inciso II).

Assim, nos termos da legislação vigente, no âmbito do SUS, somente podem ser utilizados medicamentos que tenham sido previamente registrados ou com uso autorizado pela ANVISA. Em outras palavras, a legislação proibiu, no âmbito do SUS, uso de medicamentos off-label.

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26
Q

O Poder Público pode ser condenado a fornecer medicamento não registrado pela ANVISA?

A

Resumo

Fornecimento pelo Poder Judiciário de medicamentos não registrados pela ANVISA

  1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais.
  2. A ausência de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial.
  3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos:
    a) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);
    b) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e
    c) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.
  4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União. STF. Plenário. RE 657718/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 22/5/2019 (repercussão geral) (Info 941).

Interior teor:

Indaga-se: abstraindo o caso concreto, de uma forma genérica, é possível que o Poder Judiciário condene o Poder Executivo a fornecer medicamentos que ainda não foram registrados na ANVISA? O que o STF entendeu sobre o assunto?

Em regra, NÃO.

Como regra geral, o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos não registrados na ANVISA por decisão judicial. Isso porque o registro na ANVISA é uma proteção à saúde pública. É por meio dele que se atesta a eficácia, a segurança e a qualidade dos medicamentos comercializados no país. Além disso, ele serve também para garantir o devido controle dos preços.

O registro sanitário não é, assim, um procedimento meramente burocrático e dispensável, mas processo essencial para a tutela do direito à saúde de toda a coletividade.

Tendo em vista essa preocupação, a Lei nº 6.360/76 proibiu a industrialização, exposição à venda e entrega ao consumo de qualquer medicamento antes de registrado no Ministério da Saúde (art. 12 c/c art. 1º), bem como previu requisitos específicos para a obtenção do registro, tais como o reconhecimento, por meio de comprovação científica e de análise, de que o produto seja seguro e eficaz para o uso a que se propõe, e possua a identidade, atividade, qualidade, pureza e inocuidade necessárias (art. 16, II).

Considerando a importância do bem jurídico tutelado pela atuação da ANVISA (direito à saúde) e tendo em vista o grau de complexidade e de preparação técnica exigido para a tomada de decisão sobre o registro de um medicamento, recomenda-se que haja uma especial deferência (respeito) em relação às decisões da ANVISA e uma menor intensidade da revisão jurisdicional a fim de que o Poder Judiciário não se sobreponha à atuação da entidade competente, com evidente violação ao direito à saúde e ao princípio da separação de Poderes.

Exceção: demora irrazoável da ANVISA para apreciar o registro aliada a três requisitos. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido e desde que preenchidos três requisitos cumulativos:

a) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);
b) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e
c) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. Vamos analisar cada um dos itens da exceção.

Vamos analisar cada um dos itens da exceção.

Pressuposto: mora irrazoável da ANVISA

Ocorre a mora irrazoável da ANVISA quando esta agência não termina o processo de registro do medicamento no prazo estipulado pela Lei nº 13.411/2016.

A Lei nº 13.411/2016 alterou a Lei nº 6.360/76 (que dispõe sobre a vigilância sanitária dos medicamentos) e a Lei nº 9.782/99 (que trata sobre a ANVISA) e, dentre as mudanças efetuadas, estabeleceu prazos para o registro dos medicamentos.

Conforme a Lei nº 13.411/2016, os prazos máximos para a decisão final nos processos de registro serão:

I - para a categoria prioritária, de 120 dias e de 60 dias, contados a partir da data do respectivo protocolo de priorização;

II - para a categoria ordinária, de 365 dias e de 180 dias, contados a partir da data do respectivo protocolo de registro. Esses prazos poderão ser prorrogados por até um terço do prazo original, uma única vez.

Vale ressaltar que, mesmo na hipótese de retardamento irrazoável da ANVISA, é preciso, ainda, que haja comprovação efetiva do preenchimento cumulativo de três requisitos, voltados a assegurar, na maior extensão possível, tanto a segurança e a eficácia do medicamento, quanto à efetiva necessidade de sua dispensação.

Primeiro requisito específico: o medicamento deve ter sido submetido a registro no Brasil

Em regra, para que o Poder Judiciário conceda um medicamento ainda não registrado na ANVISA, é necessário que o fabricante deste medicamento já tenha, pelo menos, solicitado esse registro.

Se o laboratório responsável nem pediu o registro na ANVISA, não é possível, em regra, conceder esse medicamento.

Exceção: no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras, será possível conceder este fármaco mesmo que o laboratório ainda não tenha pedido o registro na ANVISA. Medicamento órfão é um termo usado para designar o fármaco que se mostre eficaz no tratamento ou diagnóstico de doenças raras ou ultrarraras.

Doenças raras/ultrarraras ou órfãs são aquelas que afetam um pequeno número de pessoas quando comparado com a população geral.

Como no caso de medicamentos órfãos há um interesse comercial menor dos laboratórios de providenciar sua aprovação na ANVISA, o STF entendeu que seria possível concedê-los mesmo que não tenha sido pedido o registro do medicamento no Brasil.

Segundo requisito específico: existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior

O STF afirmou o seguinte: é até possível que o Poder Judiciário conceda o medicamento sem registro na ANVISA, mas esta droga já deve ter sido registrada em alguma renomada agência que faça regulação de medicamentos no exterior. Como exemplos de renomadas agências de regulação podemos citar:

• Food and Drug Administration – FDA, nos EUA

; • European Medicine Agency – EMEA, responsável pela regulação dos medicamentos nos países da União Europeia.

• Japanese Ministry of Health & Welfare, do Japão.

Trata-se de uma segurança para a saúde da população brasileira, considerando que há uma garantia mínima de que aquele determinado medicamento já foi estudado e avaliado de forma séria e criteriosa por uma agência especializada.

Terceiro requisito específico: inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil

O remédio pedido judicialmente deve ser imprescindível ou necessário e aqueles que existem no Brasil já registrados não podem substitui-lo.

Se o paciente tiver outra opção satisfatória para o tratamento da doença com o devido registro sanitário, não pode o Poder Judiciário compelir o Poder Público a importar o fármaco pedido pelo paciente, mesmo quando os graus de eficácia dos tratamentos não sejam idênticos.

Conclusão:

Preenchidos esses três requisitos e constatando-se que o medicamento pleiteado aguarda por prazo irrazoável a análise e o deferimento de seus pedidos de registro pela agência reguladora, deve-se reconhecer que está justificada a determinação judicial de dispensação de medicamento não registrado no Brasil. A criação dessa única hipótese excepcional de deferimento de demanda judicial por fármaco não registrado na ANVISA, com os cuidados (requisitos) elencados acima, justifica-se pela impossibilidade de penalizar-se o paciente pela mora administrativa.

A decisão do STF no RE 657718/MG afeta, de algum modo, o entendimento do STJ fixado no REsp 1.657.156-RJ (mencionado no início da explicação)?

Apenas em parte do item “iii”. Conforme vimos acima, o STJ decidiu que:

A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:

i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência. STJ. 1ª Seção. EDcl no REsp 1.657.156-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 12/09/2018 (recurso repetitivo) (Info 633).

Com a decisão do STF no RE 657718/MG, este item “iii” do julgado do STJ deverá ser lido com o acréscimo de uma exceção, da seguinte maneira:

iii) “existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência”, podendo, excepcionalmente, haver a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos:
a) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);
b) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e
c) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.

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Q

É possível que o Poder Público seja condenado a fornecer medicamentos experimentais?

A

NÃO.

Medicamentos experimentais são aqueles sem comprovação científica de eficácia e segurança, e ainda em fase de pesquisas e testes. Um conhecido exemplo de medicamento experimental é a fosfoetanolamina sintética (a chamada “pílula do câncer”). O STF afirmou que não há nenhuma hipótese em que o Poder Judiciário possa obrigar o Poder Executivo a fornecê-los:

O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. STF. Plenário. RE 657718/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 22/5/2019 (repercussão geral) (Info 941).

Nesse caso, a administração da substância representa riscos graves, diretos e imediatos à saúde dos pacientes. Não apenas porque, ao final dos testes, pode-se concluir que a substância é tóxica e produz graves efeitos colaterais, mas também porque se pode verificar que o tratamento com o fármaco é ineficaz, o que pode representar a piora do quadro do paciente e possivelmente a diminuição das possibilidades de cura e melhoria da doença.

A Lei nº 8.080/90 proíbe o fornecimento de medicamentos experimentais no âmbito do SUS:

Art. 19-T. São vedados, em todas as esferas de gestão do SUS:

I - o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico experimental, ou de uso não autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA;

II - a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na Anvisa.

Vale esclarecer que esse entendimento, por óbvio, não proíbe o fornecimento desses medicamentos no âmbito de programas de testes clínicos, acesso expandido ou de uso compassivo, sempre nos termos da regulamentação aplicável. Em outras palavras, os testes com medicamentos experimentais, respeitada a legislação vigente, podem continuar sendo realizados. O que o STF afirmou é que os doentes não podem exigir judicialmente do Estado o fornecimento de medicamentos experimentais.

OBSERVAÇÃO: Não se confunde com a hipótese de medicamento sem registro na ANVISA.

Portanto, não confunda:

Medicamentos experimentais

São aqueles sem comprovação científica quanto à sua eficácia e segurança, e ainda em fase de pesquisas e testes.

Não há nenhuma hipótese em que o Poder Judiciário possa obrigar o Estado a fornecê-los. É uma regra sem exceção.

Medicamentos com eficácia e segurança comprovadas, mas sem registro

São aqueles que já passaram por todas as etapas de testes, tendo sido comprovadas a sua eficácia e segurança. Apesar disso, ainda não foram registrados na ANVISA.

Podem ser excepcionalmente concedidos em caso de irrazoável mora da ANVISA em apreciar o registro e desde que cumpridos os três requisitos cumulativos acima explicados.

((a) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); b) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e c) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.)

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28
Q

Se a ANVISA negou o registro do medicamento, ainda assim o Poder Judiciário poderá concedê-lo?

A

O Min. Roberto Barroso defendeu que não.

A ideia é que sempre se deve privilegiar a análise técnica da agência reguladora nacional.

Assim, se a ANVISA decidir, fundamentadamente, pela negativa de registro, em nenhuma hipótese pode o Poder Judiciário se sobrepor à manifestação da Agência para deferir pedidos individuais de fornecimento do medicamento.

Mesmo no caso em que a ANVISA não tenha concluído a análise do processo, mas já tenha emitido primeira manifestação no sentido de indeferir o pedido de registro, é preciso que as decisões judiciais sejam deferentes ao exame técnico realizado, à luz das suas capacidades institucionais. Isso, é claro, não impede a propositura de demandas judiciais que questionem a própria decisão da agência, comprovandose técnica e cientificamente que foi equivocada.

STF. Plenário. RE 855178 ED/SE, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 23/5/2019 (Info 941).

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29
Q

Pedro sofre de hipertensão pulmonar primária e precisa de um remédio que não é fornecido pelo SUS. A ação pleiteando o fornecimento deste medicamento deverá ser proposta contra a União, Estado ou Município? Qual ente federativo tem o dever de fornecer o medicamento e custear o tratamento de saúde?

A

Resumo

  • Os entes da Federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. STF. Plenário. RE 855178 ED/SE, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 23/5/2019 (Info 941).
  • As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. STF. Plenário. RE 657718/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 22/5/2019 (repercussão geral) (Info 941).
  • Vale aqui um esclarecimento: a parte que pleiteia o fornecimento de medicamento não registrado na ANVISA não está obrigada a ajuizar a ação apenas contra a União. O que o STF decidiu é que a União obrigatoriamente deverá estar no polo passivo. Em outras palavras, existe a obrigatoriedade de a União figurar no polo passivo, mas não a sua exclusividade.

Interior teor:

Os três entes federativos possuem responsabilidade (União, Estados/DF e Municípios). Segundo a CF/88, a competência para prestar saúde à população é comum a todos os entes:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (…)

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

O STF, ao interpretar esse dispositivo, entende que a prestação dos serviços de saúde e o fornecimento de medicamentos representam uma responsabilidade solidária dos três entes federativos (não se trata de responsabilidade subsidiária).

Sendo a responsabilidade solidária, o doente tem liberdade para ajuizar a ação somente contra a União, somente contra o Estado-membro/DF, somente contra o Município, contra dois deles (ex: União e Estado) ou contra os três entes em litisconsórcio.

Assim, a parte pode incluir no polo passivo qualquer um dos entes, isoladamente, ou conjuntamente. A parte escolhe contra qual (ou quais) ente(s) irá propor a ação.

Magistrado pode direcionar o cumprimento e determinar o ressarcimento

A responsabilidade dos entes é solidária. No entanto, dentro da estrutura do SUS, existe uma divisão das competências de cada ente, que pode ser assim resumida em linhas gerais:

  • União: coordena os sistemas de saúde de alta complexidade e de laboratórios públicos.
  • Estados: coordenam sua rede de laboratórios e hemocentros, definem os hospitais de referência e gerenciam os locais de atendimentos complexos da região.
  • Municípios: prestam serviços de atenção básica à saúde.
  • Distrito Federal: acumula as competências estaduais e municipais.

Essas competências não são facilmente identificáveis e, em diversos casos, o jurisdicionado teria enorme dificuldade de saber se a prestação de saúde que deseja é de competência da União, do Estado ou do Município. Por essa razão, desenvolveu-se essa ideia da solidariedade com a liberdade de o autor propor a ação contra qualquer um dos entes.

Ocorre que é possível que o magistrado, depois de proposta a ação, direcione o cumprimento da medida pleiteada conforme as regras de competência acima explicadas. Ex: um paciente ajuíza ação contra os três entes pleiteando o fornecimento de determinado medicamento. O magistrado identifica que a competência para concedê-lo é do ente local e, por essa razão, concede a medida liminar apenas contra o Município, determinando que ele forneça o aludido remédio.

Além disso, se um dos entes, em caso de urgência, custear a obrigação que seria de outro, é possível que o magistrado determine o ressarcimento a ser realizado por aquele ente que tinha a obrigação. Ex: um paciente ajuíza ação contra os três entes pleiteando tratamento de alta complexidade. É concedida a liminar contra os três entes e o Município cumpre a obrigação pedida. Ocorre que se constata que a competência para essa medida era da União. O magistrado poderá, então, condenar a União a ressarcir o Município.

Assim, caso se direcione e depois se alegue que, por alguma circunstância, o atendimento da demanda da cidadania possa ter levado um ente da Federação a eventual ônus excessivo, a autoridade judicial determinará o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

Essa tese do STF está de acordo com o enunciado 60, aprovado na II Jornada de Direito da Saúde, promovida pelo CNJ, na qual participaram os maiores estudiosos do tema no país:

Enunciado 60: A responsabilidade solidária dos entes da Federação não impede que o Juízo, ao deferir medida liminar ou definitiva, direcione inicialmente o seu cumprimento a um determinado ente, conforme as regras administrativas de repartição de competências, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento.

Cuidado. Exceção no caso do fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA

Vimos acima que, em regra, a parte pode incluir no polo passivo qualquer um dos entes, isoladamente, ou conjuntamente.

Existe, contudo, uma exceção: se o indivíduo estiver pleiteando o fornecimento de um medicamento que ainda não foi aprovado pela ANVISA, neste caso terá que ajuizar a ação necessariamente contra a União.

Como a ANVISA integra a estrutura da Administração Pública Federal, não se pode permitir que Estados e Municípios (entes federativos que não são responsáveis pelo registro de medicamentos) sejam condenados a custear tais prestações de saúde quando eles não têm responsabilidade pela mora da Agência, nem têm a possibilidade de saná-la.

Quanto à competência, em razão da presença da União no polo passivo, a ação deverá ser proposta na Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da CF/88:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

Vale aqui um esclarecimento: a parte que pleiteia o fornecimento de medicamento não registrado na ANVISA não está obrigada a ajuizar a ação apenas contra a União. O que o STF decidiu é que a União obrigatoriamente deverá estar no polo passivo. Em outras palavras, existe a obrigatoriedade de a União figurar no polo passivo, mas não a sua exclusividade.

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Q

O fato de terem se passado vários anos desde o ajuizamento de MS em que se postula ao Estado o fornecimento de leite especial necessário à sobrevivência de menor faz com que o mandamus perca o seu objeto?

A

Principal Ponto

Não perde o objeto. Se ficar realmente comprovada a impossibilidade de se acolher o pedido principal formulado na exordial, em virtude da longa discussão judicial acerca do tema, nada impede que a parte requeira a conversão em perdas e danos.

Resumo

Não há perda do objeto em mandado de segurança cuja pretensão é o fornecimento de leite especial necessário à sobrevivência de menor ao fundamento de que o produto serve para lactentes e o impetrante perdeu essa qualidade em razão do tempo decorrido para a solução da controvérsia.

Como se trata de direito fundamental da pessoa e dever do Poder Público garantir a saúde e a vida, não há que se falar que o pleito se tornou infrutífero pelo simples fato de a solução da demanda ter demorado.

A necessidade ou não do fornecimento de leite especial para a criança deverá ser apurada em fase de execução. Se ficar realmente comprovada a impossibilidade de se acolher o pedido principal, em virtude da longa discussão judicial acerca do tema, nada impede que a parte requeira a conversão em perdas e danos. STJ. 1ª Turma. AgRg no RMS 26.647-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, , julgado em 2/2/2017 (Info 601).

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Q

É possível que uma universidade pública cobre mensalidade dos alunos do curso de especialização (pós-graduação)?

A

Resumo

A garantia constitucional da gratuidade de ensino não obsta a cobrança por universidades públicas de mensalidade em cursos de especialização. STF. Plená rio. RE 597854/GO, Rel. Min. Edson Fáchin, julgádo em 26/4/2017 (repercussá o gerál) (Info 862).

Inteiro teor:

É possível que uma universidade pública cobre mensalidade dos alunos do curso de graduação?

NÃO. Essa cobrança violaria o art. 206, IV, da CF/88, que determina que o ensino público no Brasil seja gratuito:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

Cuidado!

Há uma exceção a essa regra, conforme previsto no art. 242 da CF/88:

Art. 242. O princípio do art. 206, IV, não se aplica às instituições educacionais oficiais criadas por lei estadual ou municipal e existentes na data da promulgação desta Constituição, que não sejam total ou preponderantemente mantidas com recursos públicos.

É possível que uma universidade pública cobre mensalidade dos alunos do curso de especialização (pósgraduação)?

SIM.

Por que essa diferenciação?

“Ensino”, “pesquisa” e “extensão” são atividades diferentes e, por essa razão, receberam tratamento diferenciado por parte do texto constitucional. Um exemplo disso está nos arts. 212 e 213 da CF/88.

O art. 212, caput, afirma que determinado percentual da receita pública deverá ser obrigatoriamente destinado à “manutenção e desenvolvimento do ensino”.

O art. 213, § 2º, por outro lado, preconiza que as atividades de pesquisa e de extensão “poderão receber apoio financeiro do Poder Público”.

A interpretação conjugada desses dispositivos permite chegar a duas conclusões:

 Os recursos públicos são destinados de forma prioritária, para o ensino público;

 A pesquisa e a extensão também são financiadas por recursos públicos, no entanto, a CF/88 autorizou que tais atividades possam captar recursos privados para o desenvolvimento dessas áreas.

As atividades de pós-graduação enquadram-se como “ensino”?

NÃO. O conceito de “manutenção e desenvolvimento do ensino” (art. 212 da CF/88) não abrange as atividades de pós-graduação. A pós-graduação está relacionada com a pesquisa e extensão.

A mensalidade cobrada pela universidade no curso de pós-graduação possui natureza jurídica de “taxa” (tributo)?

NÃO. Por serem atividades extraordinárias desempenhadas de modo voluntário pelas universidades, estas mensalidades são classificadas como tarifa.

Dessa forma, por não ser taxa, a cobrança de mensalidade para os cursos de especialização não está sujeita à legalidade estrita. Em outras palavras, as universidades podem regulamentar a forma de remuneração desse serviço desempenhado sem necessidade de lei.

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32
Q

Colégios Militares do Exército podem cobrar mensalidade dos seus alunos?

A

Resumo

Não viola a Constituição Federal a cobrança de contribuição obrigatória dos alunos matriculados nos Colégios Militares do Exército Brasileiro.

Os Colégios Militares apresentam peculiaridades que fazem com que eles sejam instituições diferentes dos estabelecimentos oficiais de ensino, por razões éticas, fiscais, legais e institucionais.

Podem, assim, ser qualificados como instituições educacionais sui generis.

A quota mensal escolar exigida nos Colégios Militares não representa ofensa à regra constitucional de gratuidade do ensino público, uma vez que não há violação ao núcleo de intangibilidade do direito fundamental à educação.

Por fim, deve-se esclarecer que esse valor cobrado dos alunos para o custeio das atividades do Sistema Colégio Militar do Brasil não possui natureza tributária (não é tributo). Logo, é válida a sua instituição por meio de atos infralegais.

Portanto, são válidos os arts. 82 e 83, da Portaria 42/2008 do Comandante do Exército, que disciplinam essa cobrança. STF. Plenário. ADI 5082/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 24/10/2018 (Info 921).

Interior teor:

O Exército Brasileiro entende que os Colégios Militares do Exército são instituições militares com características próprias (conforme prevê o art. 1º da Lei nº 9.786/99) e, por isso, diferentes do sistema educacional brasileiro comum. Em razão disso, com amparo nos arts. 1º e 20 da Lei nº 9.786/99, seria possível a cobrança de mensalidade dos alunos.

ADI

O Procurador-Geral da República não concordou com essa cobrança de valores dos alunos dos colégios militares e ajuizou uma ADI contra os arts. 1º e 20 da Lei nº 9.786/99 e contra os arts. 82 e 83 da Portaria 42/2008 do Comandante do Exército.

O autor alegou que essa cobrança violaria, dentre outros dispositivos, o art. 206, IV e o art. 208, § 1º, ambos da CF/88, que determinam que o ensino público no Brasil seja gratuito (princípio da gratuidade do ensino em estabelecimentos oficiais):

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

Art. 208 (…) § 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

Além disso, o PGR afirmou que esse valor exigido dos alunos seria uma espécie de tributo e que não poderia ter sido criado por meio de Portaria, tendo, assim, havido ofensa ao princípio da legalidade tributária previsto no art. 150, I, da CF/88:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

O STF concordou com os argumentos do PGR? A ação foi julgada procedente?

NÃO. O Plenário do STF julgou improcedente a ADI proposta.

Instituições educacionais sui generis

Os Colégios Militares apresentam peculiaridades que fazem com que eles sejam instituições diferentes dos estabelecimentos oficiais de ensino, por razões éticas, fiscais, legais e institucionais. Podem, assim, ser qualificados como instituições educacionais sui generis (peculiares).

Diferenças pedagógicas

O ensino militar tem como pressuposto a capacitação de pessoas para o exercício das funções institucionais das Forças Armadas da República. O objetivo final é preparar quadros que possam servir às Forças Armadas. Isso “representa importante discrímen pedagógico, o qual reverbera em toda estrutura educacional”.

Diferenças fiscais e orçamentárias

Quanto às particularidades fiscais, deve-se esclarecer que o custeio da atividade educacional militar provém do orçamento do Ministério da Defesa e de contribuições dos usuários do serviço público, e não das ações orçamentárias do Ministério da Educação. Trata-se, assim, de um programa de ensino do Ministério da Defesa, e não do Ministério da Educação, que continua com seus projetos de ensino geral e gratuito.

“Essas escolas militares não se sujeitam à gratuidade, uma vez que não se encontram os colégios militares inseridos no sistema da rede pública de ensino e não participam daquela distribuição de recursos públicos destinados à educação.” (Min. Ricardo Lewandowski).

Diferenças quanto ao regime jurídico

Quanto à legalidade, o sistema de ensino militar apresenta regime jurídico diverso dos estabelecimentos públicos pertencentes ao sistema regular de ensino, sendo, inclusive, regido por lei própria (Lei nº 9.786/99).

Diferenças do ponto de vista institucional

Do ponto de vista institucional, os Colégios Militares apresentam-se como organizações militares que funcionam como estabelecimentos de ensino de educação básica, subordinada hierarquicamente ao Exército brasileiro, por isso chefiadas por Coronéis do Exército e com corpo docente formado prioritariamente por oficiais do Exército.

Não há ofensa ao princípio da gratuidade

A quota mensal escolar exigida nos Colégios Militares não representa ofensa à regra constitucional de gratuidade do ensino público, uma vez que não há violação concreta ou potencial ao núcleo de intangibilidade do direito fundamental à educação.

Em outras palavras, tais colégios são uma fração pequena e peculiar das instituições de ensino existentes no país e a existência de cobrança por parte deles não traz nenhum risco à garantia do direito fundamental à educação que continua sendo prestada pelas instituições em geral.

“O ensino básico obrigatório e gratuito remanesce disponível a toda a população brasileira de forma gratuita para o estudante” (Min. Fachin).

Portaria 42/2008 é válida

A Portaria 42/2008, que aprova o regulamento dos Colégios Militares, foi editada à luz da própria Constituição Federal e da Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), sendo, portanto, válida.

Valor cobrado não é tributo; logo, não há violação ao princípio da legalidade tributária

A quota mensal escolar cobrada dos alunos para o custeio das atividades do Sistema Colégio Militar do Brasil não possui natureza tributária. Não se trata de tributo porque o ingresso no Sistema de Ensino do Exército é facultativo e baseado em critérios meritocráticos. Assim, o vínculo jurídico do aluno com a instituição possui natureza contratual, de forma que o valor pago por ele não é tributo.

Vale a pena relembrar que o conceito de tributo, previsto no art. 3º do CTN, exige compulsoriedade e, portanto, exclui de sua abrangência os valores pagos a título de contrato (ajuste de vontades):

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Uma última pergunta: existem alguns colégios militares da Polícia Militar, ou seja, colégios estaduais mantidos e organizados pela Polícia Militar. É válida a cobrança de mensalidade ou de outros valores por parte desses colégios?

O STF não enfrentou este tema nesta ADI 5082/DF. Os Ministérios Públicos, em âmbito estadual, questionam essa cobrança alegando que ela violaria o princípio da gratuidade. Veremos como os Tribunais irão interpretar o tema agora com essa decisão do STF. Será necessário analisar o caso concreto para saber se esses colégios da Polícia Militar gozam das mesmas características dos Colégios Militares do Exército, inclusive quanto à questão orçamentária.

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33
Q

O ensino religioso nas escolas pública brasileiras pode ter natureza confessional, ou seja, ser vinculado a religições específicas?

A

Sim, pode.

Resumo

A CF/88 prevê que “o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.” (art. 210, § 1º).

Diante disso, nas escolas públicas são oferecidas aulas de ensino religioso, normalmente vinculadas a uma religião específica. É o chamado ensino religioso confessional.

O PGR ajuizou ADI pedindo que fosse conferida interpretação conforme a Constituição ao art. 33, §§ 1º e 2º da LDB e ao art. 11, § 1º do acordo Brasil-Santa Sé. Na ação, o PGR afirmava que não é permitido que se ofereça ensino religioso confessional (vinculado a uma religião específica). Para o autor, o ensino religioso deve ser voltado para a história e a doutrina das várias religiões, ensinadas sob uma perspectiva laica e deve ser ministrado por professores regulares da rede pública de ensino, e não por pessoas vinculadas às igrejas.

O STF julgou improcedente a ADI e decidiu que o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras pode ter natureza confessional, ou seja, pode sim ser vinculado a religiões específicas.

A partir da conjugação do binômio Laicidade do Estado (art. 19, I) e Liberdade religiosa (art. 5º, VI), o Estado deverá assegurar o cumprimento do art. 210, § 1º da CF/88, autorizando na rede pública, em igualdade de condições o oferecimento de ensino confessional das diversas crenças, mediante requisitos formais previamente fixados pelo Ministério da Educação.

Assim, deve ser permitido aos alunos, que expressa e voluntariamente se matricularem, o pleno exercício de seu direito subjetivo ao ensino religioso como disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, ministrada de acordo com os princípios de sua confissão religiosa, por integrantes da mesma, devidamente credenciados a partir de chamamento público e, preferencialmente, sem qualquer ônus para o Poder Público.

Dessa forma, o STF entendeu que a CF/88 não proíbe que sejam oferecidas aulas de uma religião específica, que ensine os dogmas ou valores daquela religião. Não há qualquer problema nisso, desde que se garanta oportunidade a todas as doutrinas religiosas. STF. Plenário. ADI 4439/DF, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 27/9/2017 (Info 879).

Interior teor:

Ensino religioso confessional

A Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) traz a seguinte previsão sobre o ensino religioso:

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.

§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.

§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso.

Em 2008, o Brasil assinou um acordo com a Santa Sé (suprema autoridade da Igreja Católica) a fim de dispor sobre a situação jurídica desta Igreja em nosso país.

Este acordo Brasil-Santa Sé (Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil) foi aprovado pelo Decreto Legislativo 698/2009 e promulgado pelo Presidente da República por meio do Decreto nº 7.107/2010. O artigo 11, § 1º do acordo prevê o seguinte:

Artigo 11 A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa.

§1º O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação.

Com base nesses dispositivos acima transcritos, em diversas escolas públicas são oferecidas aulas de religião com base nos fundamentos da Igreja Católica.

ADI

O Procurador-Geral da República ajuizou ação direta de inconstitucionalidade pedindo que fosse conferida interpretação conforme a Constituição ao art. 33, §§ 1º e 2º da Lei de Diretrizes e Bases e ao art. 11, § 1º do acordo Brasil-Santa Sé.

Na ação, a PGR afirmou não ser permitido que se ofereça ensino religioso confessional (vinculado a uma religião específica). Para o autor, o ensino religioso deve ser voltado para a história e a doutrina das várias religiões, ensinadas sob uma perspectiva laica.

A única forma de compatibilizar o caráter laico do Estado brasileiro com o ensino religioso nas escolas públicas consiste na adoção de “modelo não confessional”, em que a disciplina deve ter como conteúdo programático a exposição das doutrinas, práticas, história e dimensões sociais das diferentes religiões, incluindo posições não religiosas, “sem qualquer tomada de partido por parte dos educadores”, e deve ser ministrada por professores regulares da rede pública de ensino, e não por “pessoas vinculadas às igrejas ou confissões religiosas”.

O pedido do PGR foi acolhido? A ação foi julgada procedente?

NÃO. O STF julgou improcedente a ADI. Por maioria dos votos (6 x 5), os Ministros entenderam que o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras pode ter natureza confessional, ou seja, pode sim ser vinculado a religiões específicas.

Laicidade do Estado x Liberdade religiosa

O Estado brasileiro é laico (secular ou não-confessional), ou seja, aquele no qual não se tem uma religião oficial. Isso está consagrado no art. 19, I, da CF/88:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

Ao mesmo tempo, a CF/88 também assegura a liberdade religiosa, nos seguintes termos:

Art. 5º (…) VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

Além disso, a CF/88 previu a possibilidade de ser oferecido ensino religioso na rede pública de ensino:

Art. 210. (…) § 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

Desse modo, a partir da conjugação do binômio Laicidade do Estado (art. 19, I) e Liberdade religiosa (art. 5º, VI), o STF entendeu que o Estado deverá assegurar o cumprimento do art. 210, § 1º da CF/88, autorizando na rede pública, em igualdade de condições, o oferecimento de ensino confessional das diversas crenças, mediante requisitos formais previamente fixados pelo Ministério da Educação.

Assim, deve ser permitido aos alunos, que expressa e voluntariamente se matricularem, o pleno exercício de seu direito subjetivo ao ensino religioso como disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, ministrada de acordo com os princípios de sua confissão religiosa, por integrantes da mesma, devidamente credenciados a partir de chamamento público e, preferencialmente, sem qualquer ônus para o Poder Público.

Em outras palavras, se a igreja católica ou uma igreja evangélica quiser oferecer ensino religioso confessional cristão, ministrado por um padre ou pastor vinculado à Igreja, ela pode. Se uma mesquita islâmica também assim desejar, igualmente pode. Se o representante de uma religião de matriz africana quiser oferecer as aulas, isso deverá ser permitido e assim por diante.

O STF entendeu, portanto, que a CF/88 não proíbe que sejam oferecidas aulas de uma religião específica, que ensine os dogmas ou valores daquela religião. Não há qualquer problema nisso, desde que se garanta oportunidade a todas as doutrinas religiosas.

O ensino religioso é, então, encarado da seguinte forma: o Estado disponibiliza a estrutura física das escolas públicas, assim como já acontece com alguns hospitais e presídios, para que seja usada para que a religião que assim desejar possa fazer a livre disseminação de suas crenças e ideais para aqueles alunos que professam da mesma fé e que voluntariamente queriam cursar a disciplina.

E não se trata de permitir proselitismo religioso, que tem por objetivo a conversão de determinada pessoa para que adira a uma religião, pois o requisito constitucional primordial é a matrícula facultativa do aluno que já professa a crença objeto da disciplina.

Imposição de conteúdo viola a liberdade religiosa

O respeito ao binômio Laicidade do Estado/Consagração da Liberdade religiosa somente pode ser atingido se não houver dirigismo estatal na imposição prévia do conteúdo das aulas religiosas, o que significaria verdadeira censura à liberdade religiosa.

O direito fundamental à liberdade religiosa não exige do Estado concordância ou parceria com uma ou várias religiões; exige, no entanto, respeito. O Estado deve respeitar todas as confissões religiosas, bem como a ausência delas, e seus seguidores, mas jamais sua legislação, suas condutas e políticas públicas devem ser pautadas por quaisquer dogmas ou crenças religiosas ou por concessões benéficas e privilegiadas a determinada religião.

Conteúdo das aulas é definido pela religião que está promovendo o curso

O STF rejeitou a tese do PGR de que as aulas de ensino religioso deveriam ser voltadas para a história e a doutrina das várias religiões, ensinadas sob uma perspectiva laica e “isenta”.

Para o Supremo, não faria sentido garantir a frequência facultativa às aulas de ensino religioso se esse se limitasse a enunciar, de maneira absolutamente descritiva e neutra, princípios e regras gerais das várias crenças.

Se fosse para fazer apenas a descrição das religiões sob os enfoques histórico, sociológico ou filosófico, a CF não teria dito que a frequência é facultativa. Aliás, existem matérias, como a filosofia, a sociologia e a história que já abordam, de forma descritiva, os movimentos religiosos, sendo tais disciplinas, em regra, obrigatórias.

Como o Estado é laico e vigora a liberdade religiosa, os alunos não podem ser obrigados a frequentar essas aulas, mas elas podem existir, conforme previsto no art. 210, § 1º da CF/88.

Pontos de contato entre o Estado e as religiões

Apesar de o Estado brasileiro ser laico, ele não é avesso à religiosidade. Ao contrário, existe um relacionamento entre o Estado e as Igrejas, conforme explica José Afonso da Silva:

“O Estado Brasileiro é um Estado laico. A norma-parâmetro dessa laicidade é o art. 19, I, que define a separação entre Estado e Igreja. Mas como veremos ao comentá-lo, adota-se uma separação atenuada, ou seja, uma separação que permite pontos de contato, tais como a previsão de ensino religioso (art. 210, §1º), o casamento religioso com efeitos civis (art. 226, §2º) e a assistência religiosa nas entidades oficiais, consubstanciada neste dispositivo. Enfim, fazem-se algumas concessões à confessionalidade abstrata, porque não referida a uma confissão religiosa concreta, se bem que ao largo da história do país o substrato dessa confessionalidade é a cultura haurida na prática do Catolicismo”. (Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 7ª ed, p. 97).

Assim, a separação entre o Estado e as igrejas, proclamada no art. 19, I, da CF/88, não prejudica a colaboração do Poder Público com entidades religiosas. Isso é, inclusive, previsto na parte final do referido dispositivo constitucional.

Citem-se, como exemplo, as parcerias do Poder Público nas áreas da saúde com as Santas Casas de Misericórdia (católicas) e com a Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein.

[…]

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Q

Admite-se o homeschooling no Brasil? Justifique e, caso considere que não se admite, indique as consequência de sua adoção.

A

Não é possível, atualmente, o homeschooling no Brasil

Resumo

Não é possível, atualmente, o ensino domiciliar (homeschooling) como meio lícito de cumprimento, pela família, do dever de prover educação.

Não há, na CF/88, uma vedação absoluta ao ensino domiciliar. A CF/88, apesar de não o prever expressamente, não proíbe o ensino domiciliar.

No entanto, o ensino domiciliar não pode ser atualmente exercido porque não há legislação que regulamente os preceitos e as regras aplicáveis a essa modalidade de ensino.

Assim, o ensino domiciliar somente pode ser implementado no Brasil após uma regulamentação por meio de lei na qual sejam previstos mecanismos de avaliação e fiscalização, devendo essa lei respeitar os mandamentos constitucionais que tratam sobre educação. STF. Plenário. RE 888815/RS, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 12/9/2018 (repercussão geral) (Info 915).

Interior teor

Polêmica

O homeschooling gera intensos debates.

Seus defensores sustentam que o Estado não deve se imiscuir na decisão de como os pais irão educar seus filhos. Em outras palavras, a forma como os filhos serão educados deve ser uma decisão dos pais, não havendo motivo para ingerência estatal.

Os partidários do homeschooling invocam dois importantes documentos internacionais como fundamento normativo para esta prática:

Declaração Universal dos Direitos Humanos Artigo 26° (…)

3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“Pacto de São José da Costa Rica”) Artigo 12. Liberdade de consciência e de religião (…)

4. Os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções.

Por outro lado, aqueles que criticam o modelo afirmam que o homeschooling pode trazer danos psicológicos às crianças e adolescentes, especialmente em virtude da falta de socialização com outras pessoas da mesma idade.

Espécies de ensino domiciliar

Frequentemente, a palavra homeschooling é utilizada como sendo sinônima de ensino domiciliar. No entanto, o Min. Alexandre de Moraes, no julgamento do RE 888815/RS, afirma que existem quatro espécies principais de ensino domiciliar:

a) a desescolarização radical;
b) a desescolarização moderada;
c) o ensino domiciliar puro;
d) o homeschooling (ensino domiciliar utilitarista ou por conveniência circunstancial).

Assim, o homeschooling não se confunde com a desescolarização (chamada de unschooling). No homeschooling a criança ou adolescente aprende na sua casa as matérias que os demais estudam na escola. Isso é feito por causa de um dos objetivos acima explicados ou por uma conveniência circunstancial dos pais ou do aluno.

Por outro lado, o unschooling, também chamado de “desescolarização”, é a escolha feita pelos pais no sentido de que o filho não deve receber qualquer tipo de escolarização a fim de permitir que ele decida, no futuro, o próprio destino.

Conforme explica Manoel Morais de O. Neto Alexandre:

“Não devemos confundir o objeto do presente estudo com o fenômeno do unschooling, que nega a instituição escolar e coloca a própria criança como agente diretivo do aprendizado, escolhendo o que estudar, quando estudar e até mesmo se quer estudar. O homeschooling, por sua vez, não nega os currículos escolares e, na sua vertente majoritária, deseja que as crianças e adolescentes possam receber educação em casa, mas em parceria com as instituições do Estado, tanto na autorização do processo, quanto na avaliação do aprendizado.” (Disponível em http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/publicacoes-daconsultoria-legislativa/areas-da-conle/tema11/2016-14308_quem-tem-medo-dehomeschooling_manoel-morais)

O ensino domiciliar é permitido no Brasil?

Atualmente, não.

Mas a CF/88 proíbe o ensino domiciliar?

O Ministro Alexandre de Moraes explicou que a CF/88 veda três das quatro espécies mais conhecidas do ensino domiciliar: a desescolarização radical, a moderada e o ensino domiciliar puro. Isso porque elas afastam completamente o Estado do seu dever de participar da educação.

De outra banda, a CF/88 não proíbe o homeschooling, ou seja, o ensino domiciliar utilitarista ou por conveniência circunstancial. Essa modalidade pode ser estabelecida pelo Congresso Nacional.

CF/88 não proíbe, de forma absoluta, o “homeschooling”

Não existe, na CF/88, uma vedação absoluta ao ensino domiciliar.

A CF/88, apesar de não prever expressamente, não proíbe o ensino domiciliar.

Ao se analisar os dispositivos da Constituição Federal que tratam sobre a família, criança, adolescente e jovem (arts. 226, 227 e 229) em conjunto com os que cuidam da educação (arts. 205, 206 e 208) não se encontra uma proibição dessa forma de educação.

Mas, então, por que o “homeschooling” atualmente não é permitido?

Porque falta a edição de uma lei que o regulamente.

O STF decidiu que o ensino domiciliar somente pode ser implementado no Brasil após uma regulamentação por meio de lei na qual sejam previstos mecanismos de avaliação e fiscalização, devendo essa lei respeitar os mandamentos constitucionais, especialmente o art. 208, § 3º, da CF/88:

Art. 208 (…) § 3º Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola.

Nesse sentido, é necessário que a lei que venha a regulamentar o ensino domiciliar prescreva, dentre outros pontos, o que será essa “frequência”.

Desse modo, para o STF, o homeschooling (o ensino domiciliar utilitarista ou por conveniência circunstancial), atualmente, não é permitido por falta de regulamentação legal. No entanto, como a CF/88 não o proíbe, é possível que o Congresso Nacional edite uma lei disciplinando o tema, respeitados os dispositivos constitucionais relacionados com a educação.

E se, atualmente, os pais adotarem o “homeschooling”, o que pode acontecer?

Tais pais ou responsáveis poderão ser responsabilizados civil e até mesmo criminalmente. Isso porque o ordenamento jurídico, atualmente, obriga que os pais matriculem seus filhos menores nas escolas de educação formal. Veja:

<strong>Código Civil</strong>

Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:

I – dirigir-lhes a criação e a educação;

<strong>Lei nº 8.096/90 (ECA)</strong>

Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendolhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

(…) Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.

(…) Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de: II - reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares;

(…) Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável: V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar;

(…) Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar: Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação)

Art. 6º É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro) anos de idade.

Como o homeschooling atualmente não é permitido, há quem defenda que os pais que o praticam cometem o crime de abandono intelectual, tipificado no art. 246 do Código Penal:

Abandono intelectual Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

Para Damásio de Jesus, não há crime: Educação domiciliar constitui crime? Jornal Carta Forense, 1º abr. 2010. Por outro lado, Cleber Masson entende que o homeschooling, enquanto não houver disciplina legal sobre o assunto, configura o delito do art. 246 do CP (Direito Penal. São Paulo: Método, 2018, p. 215).

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Q

Cabe recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal de Justiça que defere pedido de intervenção estadual em município?

A

Não. É o que diz a Súmula 637 do STF: “Não cabe recurso exrtaordinário contra acórdão de Tribunal de Justiça que defere pedido de intervenção estadual em Município”.

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Q

No caso de descumprimento de ordem judicial por Estado relativa a desocupação de área de fazenda invadida pelo MST, como se define a competência para apreciação de pedido de intervenção federal? Quanto ao mérito, o fato de ter passado muitos anos desde a decisão impede que se defira a intervenção federal?

A

Resumo

A União poderá intervir no Estado ou DF para prover (garantir) a execução de ordem ou decisão judicial que esteja sendo desrespeitada (art. 34, VI, da CF/88). Ocorrendo esse descumprimento, o STF, o STJ ou o TSE, a depender de qual ordem/decisão judicial esteja sendo desatendida, irá requisitar do Presidente da República a intervenção federal.

Se o Estado/DF estiver descumprindo uma decisão de juiz ou Tribunal de 2ª instância, o Tribunal local deverá fazer uma representação ao Tribunal Superior competente (STF, STJ ou TSE) solicitando a intervenção. Se o Tribunal Superior concordar, ele irá requisitar ao Presidente da República a intervenção.

Para saber qual o Tribunal Superior será competente, deverá ser analisada a matéria discutida e para quem seria dirigido o eventual recurso.

Compete ao STJ julgar pedido de intervenção federal baseado no descumprimento de ordem de reintegração de posse de imóvel rural ocupado pelo MST expedida por Juiz Estadual e fundada exclusivamente na aplicação da legislação infraconstitucional civil possessória. Isso porque a decisão descumprida analisou tema relacionado com direito civil privado, não tendo feito considerações sobre questões constitucionais. Logo, o eventual recurso contra a decisão, quando o processo superasse as instâncias ordinárias e chegasse aos Tribunais Superiores, seria apreciado pelo STJ em sede de recurso especial. Não caberia, no caso, recurso extraordinário ao STF, razão pela qual esta Corte não seria competente para julgar o pedido de intervenção relacionada com o desatendimento da decisão.

Quanto ao mérito, na situação concreta envolvendo ocupação de sítio pelo MST, tendo sido deferida decisão judicial para a retomada do imóvel há muitos anos, o que não foi cumprido, deverá ser deferida a intervenção federal?

O STJ possui precedentes em sentidos opostos:

 NÃO: STJ. IF 111-PR, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 1º/7/2014. Neste precedente, entendeu-se que, como já se passaram muitos anos desde que a decisão judicial foi descumprida, a remoção das diversas famílias que vivem no local, se fosse feita hoje, iria causar um enorme conflito social, até mesmo porque não existe lugar para acomodar de imediato, de forma digna, essas pessoas. Logo, apesar de tecnicamente, a situação se enquadrar em uma hipótese de intervenção federal, esta não deveria ser decretada, devendo se considerar que as fazendas ocupadas foram afetadas ao interesse público e que a questão deverá ser resolvida em reparação a ser buscada via ação de indenização (desapropriação indireta) promovida pelo interessado.

 SIM. IF 107-PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 15/10/2014. A Corte decidiu que deve ser deferido pedido de intervenção federal quando verificado o descumprimento pelo Estado, sem justificativa plausível e por prazo desarrazoado, de ordem judicial que tenha requisitado força policial para promover reintegração de posse em imóvel rural ocupado pelo MST, mesmo que, no caso, tenha se consolidado a invasão por um grande número de famílias e exista, sem previsão de conclusão, procedimento administrativo de aquisição da referida propriedade pelo Incra para fins de reforma agrária. É certo que a ocupação de grande número de famílias é sempre um fato que merece a consideração da autoridade encarregada da desocupação, mas não é em si impeditiva da intervenção. A inércia do Estado-executivo em dar cumprimento à decisão do Estado-juiz enfraquece o Estado de direito, que caracteriza a República brasileira.STJ. Corte Especial. IF 111-PR, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 1º/7/2014 (Info 545). STJ. Corte Especial. IF 107-PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 15/10/2014 (Info 550).

Interior teor:

A parte autora (no caso, o proprietário) poderia ter representado ao STJ pedindo a intervenção? Isso seria correto?

NÃO. A representação ou requisição de Intervenção Federal constituem providências que cabem aos Tribunais e não à parte interessada. Isso porque a intervenção federal, no caso de descumprimento de decisão judicial, não é um instrumento de realização do direito do particular vitorioso no caso. Trata-se de um mecanismo de afirmação da autoridade do órgão judiciário cuja ordem ou decisão esteja sendo descumprida. Em outras palavras, não é um instrumento de defesa do direito da parte, mas sim de garantia da independência do Poder Judiciário.

No caso concreto, a parte autora fez o correto. Provocou o Tribunal de Justiça e este representou ao STJ pedindo a intervenção federal. Vale ressaltar que o autor não cometeu nenhuma irregularidade ao formular o pedido ao TJ porque este Tribunal local poderia até mesmo de ofício pedir a intervenção ao STJ. Ora, se ele poderia fazê-lo de ofício, nada impede que a parte o provoque.

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Q

É possível que o STF, ao julgar MS impetrado por parlamentar, exerça controle de constitucionalidade de projeto que tramita no Congresso Nacional e o declare inconstitucional, determinando seu arquivamento?

A

Em regra, não. Existem, contudo, duas exceções nas quais o STF pode determinar o arquivamente da propositura:

a) proposta de emenda constitucional que viole cláusula pétrea;
b) proposta de emenda constitucional ou projeto de lei cuja tramitação esteja ocorrendo com violação às regras constitucionais sobr eo processo legislativo.

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38
Q

Associação que abranja apenas fração da catergoria profissional possui legitimidade para ADI de norma que envolva outros representados?

A

As associações que representam fração de categoria profissional não são legitimadas para instaurar controle concentrado de constitucionalidade de norma que extrapole o universo de seus representados.

Ex: a ANAMAGES, associação que representa apenas os juízes estaduais, não pode ajuizar ADPF questionando dispositivo da LOMAN, considerando que esta lei rege não apenas os juízes estaduais, mas sim os magistrados de todo o Poder Judiciário, seja ele federal ou estadual.

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39
Q

Tratados internacionais podem ser usados como parâmetro em controle concetrado de constitucionalidade?

A

Resumo

Em regra, não é cabível ADI sob o argumento de que uma lei ou ato normativo violou um tratado internacional.

Em regra, os tratados internacionais não podem ser utilizados como parâmetro em sede de controle concentrado de constitucionalidade.

Exceção: será cabível ADI contra lei ou ato normativo que violou tratado ou convenção internacional que trate sobre direitos humanos e que tenha sido aprovado segundo a regra do § 3º do art. 5º, da CF/88. Isso porque neste caso esse tratado será incorporado ao ordenamento brasileiro como se fosse uma emenda constitucional. STF. Plenário. ADI 2030/SC, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 9/8/2017 (Info 872).

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40
Q
A
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41
Q

Cabe ADI contra resolução do TSE?

A

A Resolução do TSE pode ser impugnada no STF por meio de ADI se, a pretexto de regulamentar dispositivos legais, assumir caráter autônomo e inovador. (STF, Info 747).

É cabível ADI contra Resolução do TSE que tenha, em seu conteúdo material, “norma de decisão” de caráter abstrato, geral e autônomo, apta a ser apreciada pelo STF em sede de controle abstrato de constitucionalidade. STF. Plenário. ADI 5122, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 3/5/2018 (Info 900)

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42
Q

Cabe ADI contra Resolução do CNMP?

A

A Resolução do CNMP consiste em ato normativo de caráter geral e abstrato, editado pelo Conselho no exercício de sua competência constitucional, razão pela qual constitui ato normativo primário, sujeito a controle de constitucionalidade, por ação direta, no Supremo Tribunal Federal. STF. Plenário. ADI 4263/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 25/4/2018 (Info 899)

Obs.: também cabe contra Resolução do CNJ.

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43
Q

Cabe ADI contra regimento interno de Assembleia Legislativa?

A

Dispositivo de Regimento Interno de uma Assembleia Legislativa pode ser impugnado no STF por meio de ADI, desde que possua caráter normativo e autônomo. É o caso, por exemplo, de um artigo do Regimento Interno que preveja o pagamento de remuneração aos Deputados Estaduais em virtude de convocação para sessão extraordinária. STF. Plenário. ADI 4587/GO, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 22/5/2014.

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44
Q

Uma lei que possui destinatário determináveis pode ser considera abstrata?

A

Resumo

O fato de uma lei possuir destinatários determináveis não retira seu caráter abstrato e geral, tampouco a transforma em norma de efeitos concretos. STF. 1ª Turma. RE 1186465 AgR/TO, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 8/10/2019 (Info 955).

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45
Q

O que acontece se a lei impugnada por meio de ADI é alterada antes do julgamento da ação?

A

Neste caso, o autor da ADI deverá aditar a petição inicial demonstrando que a nova redação do dispositivo impugnado apresenta o mesmo vício de inconstitucionalidade que existia na redação original.

A revogação, ou substancial alteração, do complexo normativo impõe ao autor o ônus de apresentar eventual pedido de aditamento, caso considere subsistir a inconstitucionalidade na norma que promoveu a alteração ou revogação.

Se o autor não fizer isso, o STF não irá conhecer da ADI, julgando prejudicado o pedido em razão da perda superveniente do objeto. STF. Plenário. ADI 1931/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 7/2/2018 (Info 890).

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46
Q

O que acontece caso o ato normativo que estava sendo impugnado na ADI seja revogado antes do julgamento da ação?

A

Regra: haverá perda superveniente do objeto e a ADI não deverá ser conhecida (STF ADI 1203).

Exceção 1: não haverá perda do objeto e a ADI deverá ser conhecida e julgada caso fique demonstrado que houve “fraude processual”, ou seja, que a norma foi revogada de forma proposital a fim de evitar que o STF a declarasse inconstitucional e anulasse os efeitos por ela produzidos (STF ADI 3306).

Exceção 2: não haverá perda do objeto se ficar demonstrado que o conteúdo do ato impugnado foi repetido, em sua essência, em outro diploma normativo. Neste caso, como não houve desatualização significativa no conteúdo do instituto, não há obstáculo para o conhecimento da ação (STF ADI 2418/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 4/5/2016. Info 824).

Exceção 3: caso o STF tenha julgado o mérito da ação sem ter sido comunicado previamente que houve a revogação da norma atacada. Nesta hipótese, não será possível reconhecer, após o julgamento, a prejudicialidade da ADI já apreciada (STF. Plenário. ADI 951 ED/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 27/10/2016. Info 845).

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47
Q

Se for editada MP revogando lei que está sendo questionada por meio de ADI, esta ação poderá ser julgada enquanto a MP não for votada (enquanto a MP não for votada, não há perda do objeto)?

A

Resumo

Determinada lei foi impugnada por meio de ação direta de inconstitucionalidade.

Foi editada medida provisória revogando essa lei.

Enquanto esta medida provisória não for aprovada, será possível julgar esta ADI.

Assim, se chegar o dia de julgamento da ADI, e a MP ainda não tiver sido votada, o STF poderá apreciar livremente a ação, não tendo havido perda do interesse de agir (perda do objeto). Isso, porque a edição de medida provisória não tem eficácia normativa imediata de revogação da legislação anterior com ela incompatível, mas apenas de suspensão, paralisação, das leis antecedentes até o término do prazo do processo legislativo de sua conversão.

Embora seja espécie normativa com força de lei, a medida provisória precisa ser confirmada.

A medida provisória é lei sob condição resolutiva. Se for aprovada, a lei de conversão resultará na revogação da norma.

Dessa maneira, enquanto não aprovada a MP, não se pode falar em perda de interesse (perda do objeto). STF. Plenário. ADI 5717/DF, ADI 5709/DF, ADI 5716/DF e ADI 5727/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgados em 27/3/2019 (Info 935).

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48
Q

Se a MP objeto de ADI é convertida em lei antes do julgamento da ação, restará prejudicado o pedido formulado na ação? Em caso negativo, o autor da demanda é obrigado a aditá-la?

A

Se é proposta ADI contra uma medida provisória e, antes de a ação ser julgada, a MP é convertida em lei com o mesmo texto que foi atacado, esta ADI não perde o objeto e poderá ser conhecida e julgada.

Como o texto da MP foi mantido, não cabe falar em prejudicialidade do pedido. Isso porque não há a convalidação (“correção”) de eventuais vícios existentes na norma, razão pela qual permanece a possibilidade de o STF realizar o juízo de constitucionalidade.

Neste caso, ocorre a continuidade normativa entre o ato legislativo provisório (MP) e a lei que resulta de sua conversão.

Ex: foi proposta uma ADI contra a MP 449/1994 e, antes de a ação ser julgada, houve a conversão na Lei nº 8.866/94.

Vale ressaltar, no entanto, que o autor da ADI deverá peticionar informando esta situação ao STF e pedindo o aditamento da ação. STF. Plenário. ADI 1055/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 15/12/2016 (Info 851).

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49
Q

A alteração do parâmetro constitucional prejudica o conhecimento da ADI?

A

Resumo

A alteração do parâmetro constitucional, quando o processo ainda está em curso, não prejudica o conhecimento da ADI. Isso para evitar situações em que uma lei que nasceu claramente inconstitucional volte a produzir, em tese, seus efeitos. STF. Plenário. ADI 145/CE, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 20/6/2018 (Info 907).

Obs: o entendimento acima não é pacífico.

Interio teor:

O que acontece se, durante a tramitação de uma ADI, ocorre a alteração do parâmetro que havia sido invocado? Ex: em 1998, determinado Estado aprovou uma lei prevendo que os servidores aposentados deveriam pagar contribuição previdenciária; foi ajuizada uma ADI contra esta lei alegando que ela violou o art. 40 da CF/88; em 2003, antes que a ação fosse julgada, foi editada a EC 41 que alterou o art. 40 e passou a prever expressamente que os servidores inativos poderiam pagar contribuição previdenciária. Em outras palavras, o parâmetro invocado foi modificado. Diante disso, o julgamento da ADI ficará prejudicado?

NÃO. O conhecimento da ADI não fica prejudicado. Mesmo tendo havido a alteração do parâmetro, o STF terá que examinar o mérito da ADI e verificar se a lei impugnada violava ou não a redação do parâmetro antes da mudança efetuada. Em outras palavras, o STF terá que examinar se aquilo que o autor afirmou na ação estava correto, ou seja, se aquela lei violava a redação do parâmetro constitucional naquela época.

Por quê?

Porque a mudança da Constituição Federal não tem o condão (a força) de convalidar o vício da lei que era inconstitucional. Se a lei era inconstitucional na época em que foi editada, a alteração superveniente não poderá corrigi-la. Isso significa que o direito brasileiro não admite a figura da constitucionalidade superveniente. Nesse sentido:

(…) 1. Em nosso ordenamento jurídico, não se admite a figura da constitucionalidade superveniente. Mais relevante do que a atualidade do parâmetro de controle é a constatação de que a inconstitucionalidade persiste e é atual, ainda que se refira a dispositivos da Constituição Federal que não se encontram mais em vigor. Caso contrário, ficaria sensivelmente enfraquecida a própria regra que proíbe a convalidação.

2. A jurisdição constitucional brasileira não deve deixar às instâncias ordinárias a solução de problemas que podem, de maneira mais eficiente, eficaz e segura, ser resolvidos em sede de controle concentrado de normas.

3. A Lei estadual nº 12.398/98, que criou a contribuição dos inativos no Estado do Paraná, por ser inconstitucional ao tempo de sua edição, não poderia ser convalidada pela Emenda Constitucional nº 41/03. E, se a norma não foi convalidada, isso significa que a sua inconstitucionalidade persiste e é atual, ainda que se refira a dispositivos da Constituição Federal que não se encontram mais em vigor, alterados que foram pela Emenda Constitucional nº 41/03. (…) STF. Plenário. ADI 2158, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 15/09/2010

Constitucionalidade superveniente seria, portanto, a possibilidade de uma lei ou ato normativo inconstitucional ao tempo de sua edição se tornar constitucional a partir da promulgação de novo texto constitucional. Como já dito, a constitucionalidade superveniente não é aceita pelo STF. Isso porque a norma inconstitucional é nula desde o seu nascedouro, não podendo ser convalidada com a alteração do parâmetro constitucional. Adota-se o princípio da contemporaneidade para se analisar a constitucionalidade da norma.

Vale ressaltar que nos casos de alteração do parâmetro o STF deverá realizar dois juízos:

1) um juízo de constitucionalidade com relação ao parâmetro original, ou seja, verificar se a lei ou ato normativo impugnado era constitucional (compatível com o parâmetro impugnado);
2) um juízo de recepção ou não com o novo parâmetro, isto é, analisar se a lei ou ato normativo impugnado está de acordo com a redação atual da CF/88. Fala-se em recepção ou não nesta segunda hipótese porque o texto constitucional que se estará comparando é posterior à lei ou ato normativo impugnado.

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50
Q

Cabe a propositura de ADI por inconstitucionalidade material contra ato reconhecido formalmente constitucional em outra ação?

A

Sim, é possível.

O fato de o STF ter declarado a validade formal de uma norma não interfere nem impede que ele reconheça posteriormente que ela é materialmente inconstitucional.

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51
Q

O Estado-membro pode recorrer contra decisão proferida em sede de controle concetrado de constitucionalidade?

A

A legitimidade para recorrer, nestes casos, é do própri Governador (previsto como legitimado pelo art. 103 da CF\88).

Os Estados-membros não se incluem no rol dos legitimados a agir como sujeitos processuais em sede de controle concentrado de constitucionalidade (info 703).

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52
Q

A Fazenda Pública goza de prazo em dobra no processo objetivo de controle abstrado de constitucionalidade?

A

Não se conta em dobro o prazo recursal para a Fazenda Pública em processo objetivo, mesmo que seja para interposição de recurso extraordinário em processo de fiscalização normativa abstrata.

Não há, nos processos de fiscalização normativa abstrata, a prerrogativa processual dos prazos em dobro.

Não se aplica ao processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade a norma que concede prazo em dobro à Fazenda Pública.

Assim, por exemplo, a Fazenda Pública não possui prazo recursal em dobro no processo de controle concentrado de constitucionalidade, mesmo que seja para a interposição de recurso extraordinário. STF. Plenário. ADI 5814 MC-AgR-AgR/RR, Rel. Min. Roberto Barroso; ARE 830727 AgR/SC, Rel. para acórdão Min. Cármen Lúcia, julgados em 06/02/2019 (Info 929).

Inteiro teor:

Alguns dos argumentos invocados pelos Ministros:

  • Min. Alexandre de Moraes: salientou que o tratamento diferenciado (prazo em dobro) está relacionado com a defesa dos interesses subjetivos da Fazenda Pública e, portanto, não se aplica ao processo objetivo. Assim, a natureza objetiva do processo afasta a prerrogativa da Fazenda Pública.
  • Min. Edson Fachin: enfatizou que o tratamento isonômico na matéria (todos terem prazo simples nos processos objetivos), além de ser consentâneo com a orientação jurisprudencial adotada pelo STF há muito tempo, decorre do princípio republicano.
  • Min. Luiz Fux: assinalou que a Fazenda Pública, no caso do recurso extraordinário, é representante da unidade federativa onde há a declaração de inconstitucionalidade da lei por ela editada; logo, tem contato direto com a questão, e não se justifica o prazo em dobro.
  • Min. Gilmar Mendes: afirmou que o próprio CPC, no § 2º do art. 188, faz menção à inaplicabilidade desses prazos aos procedimentos especiais: Art. 188 (…) § 2º Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o ente público.
  • Min. Celso de Mello: defendeu que o processo de fiscalização normativa abstrata possui, normalmente, uma autonomia em relação aos institutos peculiares aos processos de índole meramente subjetiva. Em outras palavras, existem várias regras aplicáveis aos processos subjetivos que não incidem em caso de processos objetivos. Assim, o direito processual constitucional* é autônomo, regido por princípios próprios, em que são afastados os interesses meramente subjetivos.
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53
Q

É necessário procuração com poderes específicos para representar entidade em ADI?

A

O advogado que assina a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade precisa de procuração com poderes específicos. A procuração deve mencionar a lei ou ato normativo que será impugnado na ação. Repetindo: não basta que a procuração autorize o ajuizamento de ADI, devendo indicar, de forma específica, o ato contra o qual se insurge.

Caso esse requisito não seja cumprido, a ADI não será conhecida.

Vale ressaltar, contudo, que essa exigência constitui vício sanável e que é possível a sua regularização antes que seja reconhecida a carência da ação. STF. Plenário. ADI 4409/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 6/6/2018 (Info 905).

54
Q

É possível cumular ADI e ADC?

A

O STF entendeu que é possível a cumulação de pedidos típicos de ADI e ADC em uma única demanda de controle concentrado.

A cumulação de ações, neste caso, além de ser possível, é recomendável para a promoção dos fins a que destinado o processo objetivo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, destinado à defesa, em tese, da harmonia do sistema constitucional.

A cumulação objetiva permite o enfrentamento judicial coerente, célere e eficiente de questões minimamente relacionadas entre si.

Rejeitar a possibilidade de cumulação de ações, além de carecer de fundamento expresso na Lei 9.868/1999, traria como consequência apenas o fato de que o autor iria propor novamente a demanda, com pedido e fundamentação idênticos, ação que seria distribuída por prevenção. STF. Plenário. ADI 5316 MC/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 21/5/2015 (Info 786).

55
Q

ADPF pode ser usada para impugnar normas secundárias?

A

ADPF 210: “A ADPF é, via de regra, meio inidôneo para processar questões controvertidas derivadas de normas secundárias e de caráter tipicamente regulamentar”.

56
Q

É cabível ADPF para questionar interpretação judicial de norma constitucional?

A

Resumo

Determinada medida provisória foi editada criando a possibilidade de que empresas instalassem Centros Logísticos e Industriais Aduaneiros (CLIA), desde que autorizados pela Receita Federal.

Diversas empresas fizeram o requerimento pedindo a instalação desses Centros. Ocorre que, antes que a Receita examinasse todos os pedidos, a MP foi rejeitada pelo Senado.

O Congresso Nacional não editou decreto legislativo disciplinando as situações ocorridas durante o período em que a MP vigorou (§ 3º do art. 62 da CF/88).

Diante disso, as empresas defendiam a tese de que os requerimentos formulados deveriam ser apreciados pela Receita Federal com base no § 11 do art. 62:

“§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.”

O STF não concordou e afirmou que os pedidos formulados pelos interessados durante a vigência da MP 320/2006 não foram sequer examinados. Logo, não se pode dizer que havia ato jurídico perfeito.

O simples fato de ter sido feito o requerimento não significa “relação jurídica constituída”, de sorte que não se pode invocar o § 11 para justificar a aplicação da medida provisória rejeitada.

O mero protocolo do pedido não constitui uma “relação jurídica constituída” de que trata o § 11. STF. Plenário. ADPF 216/DF, Rel. Min. Cámen Lúcia, julgado em 14/3/2018 (Info 894)

Inteiro teor:

Primeira pergunta: cabe ADPF neste caso?

SIM.

É cabível ADPF para questionar interpretação judicial de norma constitucional. Em outras palavras, cabe ADPF para dizer que a interpretação que está sendo dada pelos juízes e Tribunais a respeito de determinado dispositivo constitucional está incorreta e, com isso, viola preceito fundamental. STF. Plenário. ADPF 216/DF, Rel. Min. Cámen Lúcia, julgado em 14/3/2018 (Info 894).

Vale ressaltar que, em outra oportunidade, o STF já havia decidido que:

Cabe ADPF para discutir a adequada interpretação do § 11 do art. 62 da CF/88, ou seja, se ela regularia apenas as relações no período de sua vigência ou também situações nas relações prospectivas. STF. ADPF 84 AgR/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 31/5/2006.

57
Q

ADI e ADPF são fungíveis entre si?

A

Resumo:

O STF reconhecer ser possível a conversão da ADPF em ADI quando imrópria a primeira, e vice-versa. No entando, essa fungibilidade não será possível quando a parte autora incorrer em erro grosseiro.

Julgado:

ADPF: fungibilidade e erro grosseiro O Plenário desproveu agravo regimental em arguição de descumprimento de preceito fundamental, na qual se discutia a inconstitucionalidade por omissão relativa à Lei 12.865/2013. O Tribunal, de início, reconheceu a possibilidade de conversão da arguição de descumprimento de preceito fundamental em ação direta quando imprópria a primeira, e vice-versa, se satisfeitos os requisitos para a formalização do instrumento substituto. Afirmou que dúvida razoável sobre o caráter autônomo de atos infralegais impugnados, como decretos, resoluções e portarias, e alteração superveniente da norma constitucional dita violada legitimariam a Corte a adotar a fungibilidade em uma direção ou em outra, a depender do quadro normativo envolvido. Ressaltou, porém, que essa excepcionalidade não estaria presente na espécie. O recorrente incorrera naquilo que a doutrina processual denominaria de erro grosseiro ao escolher o instrumento formalizado, ante a falta de elementos, considerados os preceitos legais impugnados, que pudessem viabilizar a arguição. No caso, ainda que a arguição de descumprimento de preceito fundamental tivesse sido objeto de dissenso no STF quanto à extensão da cláusula da subsidiariedade, nunca houvera dúvida no tocante à inadequação da medida quando o ato pudesse ser atacado mediante ação direta de inconstitucionalidade. Por se tratar de impugnação de lei ordinária federal pós-constitucional, propor a arguição em vez de ação direta, longe de envolver dúvida objetiva, encerraria incontestável erro grosseiro, por configurar atuação contrária ao disposto no § 1º do art. 4º da Lei 9.882/1999. Os Ministros Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia negaram provimento ao agravo por outro fundamento. Consideraram que o requerente, Sindicato Nacional das Empresas de Medicina de Grupo, por não ser uma confederação sindical, não preencheria o requisito da legitimação ativa “ad causam”. ADPF 314 AgR/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 11.12.2014. (ADPF-314)

58
Q

Cabe ADPF contra conjunto de decisões judiciais?

A

O Estado do Rio de Janeiro vive uma grave crise econômica, estando em débito com o pagamento de fornecedores e atraso até mesmo no pagamento da remuneração dos servidores públicos. Os órgãos e entidades também estão sem dinheiro para custear os serviços públicos.

Diante disso, diversas ações (individuais e coletivas) foram propostas, tanto na Justiça comum estadual como também na Justiça do Trabalho, pedindo a realização desses pagamentos. Os órgãos judiciais estavam acolhendo os pedidos e determinando a apreensão de valores nas contas do Estado para a concretização dos pagamentos.

Neste cenário, o Governador do Estado ajuizou ADPF no STF com o objetivo de suspender os efeitos de todas as decisões judiciais do TJRJ e do TRT da 1ª Região que tenham determinado o arresto, o sequestro, o bloqueio, a penhora ou a liberação de valores das contas administradas pelo Estado do Rio de Janeiro.

O STF afirmou que a ADPF é instrumento processual adequado para esse pedido e deferiu a medida liminar.

O conjunto de decisões questionadas são atos típicos do Poder Público passíveis de impugnação por meio de APDF. STF. Plenário. ADPF 405 MC/RJ, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 14/6/2017 (Info 869).

Inteiro teor:

É cabível ADPF contra “decisões judiciais”? Isso pode ser considerado como “ato do Poder Público”?

SIM.

O STF já havia reconhecido essa possibilidade: (…) Multiplicidade de ações judiciais, nos diversos graus de jurisdição, nas quais se têm interpretações e decisões divergentes sobre a matéria: situação de insegurança jurídica acrescida da ausência de outro meio processual hábil para solucionar a polêmica pendente: observância do princípio da subsidiariedade. Cabimento da presente ação. (…) STF. Plenário. ADPF 101, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 24/06/2009.

Agora, o STF reitera a mesma conclusão: O conjunto de decisões questionadas, que resultaram em bloqueios, arrestos e sequestros para atender a demandas relativas a pagamento de salários de servidores ativos e inativos, satisfação de créditos de prestadores de serviço e tutelas provisórias de prioridades, são atos típicos do Poder Público passíveis de impugnação por meio de APDF. STF. Plenário. ADPF 405 MC/RJ, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 14/6/2017 (Info 869).

A ADPF desempenha, no conjunto dos mecanismos de proteção da higidez da ordem constitucional, função específica de evitar, à falta de outro meio eficaz para tanto, a perenização no ordenamento jurídico de comportamentos estatais – ostentem eles ou não a natureza de atos normativos – contrários a um identificável núcleo de preceitos – princípios e regras – tidos como sustentáculos da ordem constitucional estabelecida.

A tutela sobre o descumprimento de preceito constitucional alcança um universo de comportamentos estatais mais amplo do que o de inconstitucionalidade. Isso porque a ADPF pode ser proposta contra “ato do Poder Público” e não apenas contra “lei ou ato normativo” (como na ADI).

59
Q

É possível a celebração de acordo em processo de índole objetiva?

A

SIM. É possível a celebração de acordo num processo de índole objetiva, como a ADPF, desde que fique demonstrado que há no feito um conflito intersubjetivo subjacente (implícito), que comporta solução por meio de autocomposição.

Vale ressaltar que, na homologação deste acordo, o STF não irá chancelar ou legitimar nenhuma das teses jurídicas defendidas pelas partes no processo.

O STF irá apenas homologar as disposições patrimoniais que forem combinadas e que estiverem dentro do âmbito da disponibilidade das partes.

A homologação estará apenas resolvendo um incidente processual, com vistas a conferir maior efetividade à prestação jurisdicional. STF. Plenário. ADPF 165/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 1º/3/2018 (Info 892).

Inteiro teor:

Exemplo:

As pessoas que tinham dinheiro em conta poupança nos anos de 1986 a 1991 foram prejudicadas pelos planos econômicos editados neste período (Planos Cruzado, Bresser, Verão e Collor II). Isso porque esses planos fizeram a conversão dos valores depositados de forma errada (os chamados “expurgos inflacionários”).

Em razão disso, tais poupadores ingressaram com ações judiciais pedindo a correção disso e o pagamento das diferenças. Além das ações individuais, também foram propostas ações coletivas ajuizadas por associações de defesa do consumidor e por associações de poupadores. Os juízes e Tribunais estavam todos decidindo em favor dos poupadores.

A fim de tentar reverter a situação, Confederação Nacional do Sistema Financeiro (CONSIF) ajuizou, no Supremo Tribunal Federal (STF), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 165, pedindo, com eficácia erga omnes (para todos) e efeito vinculante, a suspensão de qualquer decisão judicial que tivesse por objeto a reposição das perdas decorrentes dos planos econômicos.

Na ação, a CONSIF alegava a plena constitucionalidade dos referidos planos, de forma que os poupadores não teriam nada a receber.

Ao longo da tramitação da ADPF, as várias associações de defesa do consumidor e dos poupadores, que haviam ajuizado ações coletivas tratando do tema, pediram para intervir no processo na qualidade de amicus curiae (ex: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Associação Brasileira do Consumidor, entre outras), o que foi aceito pelo STF.

Depois de quase 9 anos tramitando no STF, houve um acordo entre a CONSIF (autora da ADPF) e as associações de defesa do consumidor/poupadores.

Vale ressaltar que a AGU atuou como mediadora desse ajuste (art. 4º da Lei nº 13.140/2015), por meio da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal.

Por meio desse acordo, os bancos aceitam pagar os poupadores segundo cronograma e condições que estão no ajuste e, em troca, os correntistas desistem das ações individuais que possuíam contra as instituições financeiras. Além disso, as associações de defesa do consumidor comprometeram-se a peticionar nas ações civis públicas que ingressaram requerendo a extinção do processo pela transação (art. 487, III, “b”, do CPC).

Os termos do acordo preveem o pagamento de mais de 12 bilhões de reais aos poupadores, que serão inscritos em plataforma digital preparada pelo CNJ. Os bancos irão analisar os requerimentos dos interessados.

Os pagamentos serão feitos nas contas correntes dos beneficiários, que receberão os respectivos valores à vista ou parceladamente, a depender do montante.

Terão direito à reparação todos que haviam ingressado com ações coletivas e individuais para cobrar das instituições financeiras os valores referentes às correções. No caso das ações individuais, poupadores ou herdeiros que ingressaram judicialmente dentro do prazo prescricional de 20 anos da edição de cada plano também poderão receber os valores. Igualmente poderão aderir os poupadores que, com base em ações civis públicas, requereram execução de sentença coletiva até 31/12/2016.

E o que a aconteceu com a ADPF?

Foi extinta, nos termos do art. 487, III, “b”, do CPC:

Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: (…)

III - homologar: (…)

b) a transação;

Apesar de a resolução da ADPF ter sido com resolução do mérito, ressalte-se, mais uma vez, que o STF, ao homologar o acordo, não concordou com nenhuma das teses jurídicas defendidas pelas partes no processo, ou seja, não disse que os poupadores ou que os bancos tinham razão. Isso não foi analisado na homologação do acordo.

Existe previsão legal de que as associações autoras de ações civis públicas possam fazer transação nessas ações?

NÃO.

A Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) prevê que os órgãos públicos podem fazer acordos nas ações civis públicas em curso, não mencionando as associações privadas. Confira:

Art. 5º (…) § 6º Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

Mesmo sem previsão legal as associações privadas podem transacionar em ações civis públicas

O STF afirmou que, mesmo sem previsão normativa expressa, as associações privadas também podem fazer acordos nas ações coletivas.

Assim, a ausência de disposição normativa expressa no que concerne a associações privadas não afasta a viabilidade do acordo. Isso porque a existência de previsão explícita unicamente quanto aos entes públicos diz respeito ao fato de que somente podem fazer o que a lei determina, ao passo que aos entes privados é dado fazer tudo que a lei não proíbe.

Para o Min. Ricardo Lewandoswki, “não faria sentido prever um modelo que autoriza a justiciabilidade privada de direitos e, simultaneamente, deixar de conferir aos entes privados as mais comezinhas faculdades processuais, tais como a de firmar acordos.”

60
Q

É possível conhecer de ADPF mesmo que a lei por ela atacada tenha sido revogada antes do julgamento?

A

Resumo

Possibilidade de conhecimento da ADPF mesmo que a lei atacada tenha sido revogada antes do julgamento, se persistir a utilidade em se proferir decisão com caráter erga omnes e vinculante.

Em Fortaleza, foi editada a Lei municipal nº 10.553/2016 proibindo o serviço de transporte em aplicativos. Foi ajuizada ADPF contra a lei. Antes que a ação fosse julgada, a referida Lei foi revogada.

Mesmo com a revogação, o STF conheceu da ADPF e julgou o mérito, declarando a Lei nº 10.553/2016 inconstitucional.

O Tribunal considerou que a revogação da Lei atacada na ADPF por outra lei local não retira o interesse de agir no feito. Isso porque persiste a utilidade da prestação jurisdicional com o intuito de estabelecer, com caráter erga omnes e vinculante, o regime aplicável às relações jurídicas estabelecidas durante a vigência da norma impugnada, bem como no que diz respeito a leis de idêntico teor aprovadas em outros Municípios.

Trata-se da solução mais consentânea com o princípio da eficiência processual e o imperativo aproveitamento dos atos já praticados de maneira socialmente proveitosa. STF. Plenário. ADPF 449/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 8 e 9/5/2019 (Info 939)

61
Q

O efeito repristinatória da declaração de inconstitucionalidade de lei em ADI pode ser afastado sem que haja pedido da parte nesse sentido?

A

Resumo

Declaração de inconstitucionalidade de lei sem a produção de efeito repristinatório em relação às leis anteriores de mesmo conteúdo

Foi proposta ADI contra a Lei nº 3.041/2005, do Estado do Mato Grosso do Sul, que tratava sobre assunto de competência da União. Ocorre que esta Lei havia revogado outras leis estaduais de mesmo conteúdo. Desse modo, se a Lei nº 3.041/2005 fosse, isoladamente, declarada inconstitucional, as demais leis revogadas “voltariam” a vigorar mesmo padecendo de idêntico vício.

A fim de evitar essa “eficácia repristinatória indesejada”, o PGR, que ajuizou a ação, impugnou não apenas a Lei nº 3.041/2005, mas também aquelas outras normas por ela revogadas.

O STF concordou com o PGR e, ao declarar inconstitucional a Lei nº 3.041/2005, afirmou que não deveria haver o efeito repristinatório em relação às leis anteriores de mesmo conteúdo.

O dispositivo do acórdão ficou, portanto, com a seguinte redação:

“O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 3.041/2005, do Estado de Mato Grosso do Sul, inexistindo efeito repristinatório em relação às leis anteriores de mesmo conteúdo, (…)” STF. Plenário. ADI 3.735/MS, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 8/9/2016 (Info 838).

OBSERVAÇÃO:

Vale ressaltar que existe um julgado recente do STF no qual o Tribunal afirmou que, mesmo que o autor da ADI não impugne também o ato normativo anterior revogado, o STF poderá, na decisão, afirmar que não haverá efeito repristinatório. Confira:

(…) 3. Não obsta a cognição da ação direta a falta de impugnação de ato jurídico revogado pela norma tida como inconstitucional, supostamente padecente do mesmo vício, que se teria por repristinada. Cabe à Corte, ao delimitar a eficácia da sua decisão, se o caso, excluir dos efeitos da decisão declaratória eventual efeito repristinatório quando constatada incompatibilidade com a ordem constitucional. (…).

62
Q

Qual a diferença entre eficácia normativa e eficácia executiva das ações objetivas?

A

Resumo

A decisão do STF que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das decisões proferidas em outros processos anteriores que tenham adotado entendimento diferente do que posteriormente decidiu o Supremo.

Para que haja essa reforma ou rescisão, será indispensável a interposição do recurso próprio ou, se for o caso, a propositura da ação rescisória própria, nos termos do art. 485, V, do CPC 1973 (art. 966, V do CPC 2015), observado o prazo decadencial de 2 anos (art. 495 do CPC 1973 / art. 975 do CPC 2015).

Segundo afirmou o STF, não se pode confundir a eficácia normativa de uma sentença que declara a inconstitucionalidade (que retira do plano jurídico a norma com efeito “ex tunc”) com a eficácia executiva, ou seja, o efeito vinculante dessa decisão. STF. Plenário. RE 730462/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 28/5/2015 (repercussão geral) (Info 787).

Inteiro teor:

Eficácia normativa

Quando o STF, no controle concentrado de constitucionalidade (ADI ou ADC), decide que determinada lei é constitucional ou inconstitucional, ele gera a consequência que se pode denominar de eficácia normativa, que significa manter ou excluir (declarar nula) a referida norma do ordenamento jurídico.

Eficácia executiva ou instrumental

Além da eficácia normativa, a sentença de mérito na ADI ou ADC provoca também um efeito vinculante, consistente em atribuir ao julgado uma força impositiva e obrigatória em relação aos atos administrativos ou judiciais supervenientes. Em outras palavras, os atos administrativos e judiciais que forem praticados depois do julgado do STF deverão respeitar aquilo que foi decidido. A isso o Min. Teori Zavascki chama de eficácia executiva ou instrumental (eficácia vinculante).

Em caso de descumprimento dessa eficácia executiva ou instrumental, a parte prejudicada poderá ajuizar no STF uma reclamação (art. 102, I, “l” da CF/88).

Eficácia normativa = efeitos ex tunc

A eficácia normativa (declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade) opera de forma “ex tunc” (retroativa).

Eficácia executiva = efeitos ex nunc

A eficácia executiva (efeito vinculante) produz efeitos “ex nunc”. Assim, o termo inicial da eficácia executiva é o dia de publicação do acórdão do STF no Diário Oficial (art. 28 da Lei 9.868/1999).

O efeito vinculante não nasce da inconstitucionalidade, mas do julgado que assim a declara. Em outras palavras, o dever de todos respeitarem aquilo que foi decidido só surge depois da decisão. O efeito vinculante não atinge os atos passados, sobretudo a coisa julgada.

Os atos passados, mesmo quando decididos com base em norma posteriormente declara inconstitucional, não estão submetidos ao efeito vinculante da sentença, nem podem ser atacados por simples via de reclamação. Somente poderão ser desfeitos ou rescindidos, se for o caso, em processo próprio.

63
Q

É possível que uma li, dias após ser editada, já seja objeto de ADC?

A

É possível que uma lei, dias após ser editada, já seja objeto de ADC? É possível preencher o requisito da “controvérsia judicial relevante” com poucos dias de vigência do ato normativo?

SIM.

Mesmo a lei ou ato normativo possuindo pouco tempo de vigência, já é possível preencher o requisito da controvérsia judicial relevante se houver decisões julgando essa lei ou ato normativo inconstitucional.

O STF decidiu que o requisito relativo à existência de controvérsia judicial relevante é qualitativo e não quantitativo. Em outras palavras, para verificar se existe a controvérsia não se examina apenas o número de decisões judiciais. Não é necessário que haja muitas decisões em sentido contrário à lei. Mesmo havendo ainda poucas decisões julgando inconstitucional a lei já pode ser possível o ajuizamento da ADC se o ato normativo impugnado for uma emenda constitucional (expressão mais elevada da vontade do parlamento brasileiro) ou mesmo em se tratando de lei se a matéria nela versada for relevante e houver risco de decisões contrárias à sua constitucionalidade se multiplicarem. STF. Plenário. ADI 5316 MC/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 21/5/2015 (Info 786).

64
Q

De quem é a iniciativa para a intervenção do amicus curiae no processo?

A
  • O juiz ou o relator pode convocar, de ofício, o amicus curiae;
  • As partes podem requerer ao juízo a convocação do amicus curiae;
  • A pessoa (natural ou jurídica), órgão ou entidade pode solicitar ao juízo sua participação no processo como amicus curiae.
65
Q

Quem pode ser amicus curiae?

A

Pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada.

Até mesmo um grupo de pesquisa (Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania - UNB) já foi admitido como amicus curiae: STF. Decisão monocrática. ADI 5826.

Enunciado n. 82 - Jornada CJF: Quando houver pluralidade de pedidos de admissão de amicus curiae, o relator deve observar, como critério para definição daqueles que serão admitidos, o equilíbrio na representatividade dos diversos interesses jurídicos contrapostos no litígio, velando, assim, pelo respeito à amplitude do contraditório, paridade de tratamento e isonomia entre todos os potencialmente atingidos pela decisão.

66
Q

É possível a intervenção de amicus curiae em processo de MS?

A

Há duas correntes sobre o tema.

1 corrente: Não. No processo de MS não é admitida a intervenção de terceiros nem mesmo no caso de assistência simples. Se fosse admitida a intervenção do amicus curiae, isso poderia comprometer a celeridade do MS (STF, 1 turma, MS 29192, Rel. Toffoli - Info 755).

2 corrente: SIM. A doutrina defende que, com o novo CPC, é possível a intervenção de amicus curiae em processo de MS (Enunciado n. 249 do FPPC). No mesmo sentido. STF, MS 3241, Rel. Fachin.

67
Q

Cabimento de amicus curiae em reclamação?

A

Sim (STF, Rcl 11949).

68
Q

Admite-se a intervenção do amicus curiae após o processo ser incluído em pauta para julgamento?

A

O amicus curiae não poderá intervir se o processo já foi liberado pelo Relator para que seja incluído na puta de julgamentos. (ADI 5104, Rel. Barroso - Info 747).

Em princípio, a manifestação dos amici curiae devem ocorrer antes da inclusão do processo em pauta para julgamento. No entanto, o STF admite algumas exceções se ficar demonstrado que:

a) existe grande relevância no caso;
b) ou que a manifestação do requerente poderá trazer notória contribuição para o julgamento da causa.

Em tais situações é possível admitir o ingresso do amicus curiae mesmo após a inclusão do processo em pauta.

69
Q

Cabe recurso contra a decisão do Relator que inadmite o ingresso do amicus curiae?

A

Resumo

É irrecorrível a decisão denegatória de ingresso no feito como amicus curiae.

Assim, tanto a decisão do Relator que ADMITE como a que INADMITE o ingresso do amicus curiae é irrecorrível. STF. Plenário. RE 602584 AgR/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgado em 17/10/2018 (repercussão geral) (Info 920)

Inteiro teor

Cabe recurso contra a decisão do Relator que ADMITE o ingresso do amicus curiae?

NÃO.

O art. 138 do CPC/2015 expressamente prevê que se trata de decisão irrecorrível:

Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.

Argumentos:

  • O art. 138 do CPC é explícito no sentido de conferir ao juiz competência discricionária para admitir ou não a participação, no processo, de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, e de não admitir recurso contra essa decisão.
  • O art. 7º da Lei nº 9.868/99, de igual modo, é no mesmo sentido.
  • O amicus curiae não é parte, mas agente colaborador. Portanto, sua intervenção é concedida como privilégio, e não como uma questão de direito. O privilégio acaba quando a sugestão é feita.
  • Assim, o amigo da Corte, como mero agente colaborador, não possui direito subjetivo de ser admitido pelo Tribunal.
  • Haveria inúmeros prejuízos ao andamento dos trabalhos do STF se fosse admitida a possibilidade de recurso, sobretudo em processos em que há um grande número de requerimentos de participação como amicus curiae.
70
Q

O amicus curiae pode opor embargos de declaração à decisão de ADI?

A

Em regra, o amicus curiae não pode recorrer.

Exceção 1: o amicus curiae pode opor embargos de declaração em qualquer processo que intervir (art. 138, pár. 1, do CPC)

Exceção 2: o amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 138, pár 3, do CPC).

Observação importante: mesmo com previsão expressa do art. 138, pár. 1, do CPC, o STF decidiu que “o amicus curiae não possui legitimidade para a oposição de embargos de declaração em sede de ações de controle concentrado de constitucionalidade”. (STF, 2 Turma, ARE 1056695).

71
Q

O que ocorre se coexistem ADI proposta perante TJ e ADI proposta perante o STF e a primeira é julgada procedente?

A

Coexistência de ADI no TJ e ADI no STF, sendo a ADI estadual julgada primeiro

Coexistindo duas ações diretas de inconstitucionalidade, uma ajuizada perante o tribunal de justiça local e outra perante o STF, o julgamento da primeira – estadual – somente prejudica o da segunda – do STF – se preenchidas duas condições cumulativas:

1) se a decisão do Tribunal de Justiça for pela procedência da ação; e
2) se a inconstitucionalidade for por incompatibilidade com preceito da Constituição do Estado sem correspondência na Constituição Federal. Caso o parâmetro do controle de constitucionalidade tenha correspondência na Constituição Federal, subsiste a jurisdição do STF para o controle abstrato de constitucionalidade.

72
Q

A cláusula de reserva de plenário é aplicada ao próprio STF? O art. 97 da CF destina-se também ao STF?

A

Existe um precedente da 2 Turma do STF afirmando que não:

O STF exerce, por excelência, o controle difuso de constitucionalidade quando do julgamento do recurso extraordinário, tendo os seus colegiados fracionários competência regimental para fazê-lo sem ofensa ao art. 97 da Constituição Federal.

73
Q

Se o órgão fracionário de um Tribunal (ex: uma das Turmas do TRT) julga ilegal a terceirização contratada por uma concessionária do serviço público, afastando a aplicação do art. 25, § 1º, da Lei nº 8.987/95, esta decisão viola a súmula vinculante 10?

A

Duas posições, a primeira é a mais recente.

  • SIM. O art. 25, § 1º, da Lei nº 8.987/95 permite a terceirização da atividade-fim das empresas concessionárias do serviço público. Logo, se um órgão fracionário do TRT afasta a aplicação deste dispositivo, haverá afronta à súmula vinculante 10 por violação à cláusula da reserva de plenário. STF. 1ª Turma. Rcl 27.068/MG, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o ac. Min. Luís Roberto, julgado em 5/3/2018 (Info 896).
  • NÃO. O ato reclamado, ao considerar ilegal a contratação de empregado, por empresa interposta, para prestar serviços essenciais à atividade fim da tomadora, nos termos da Súmula 331, I, do TST, não declarou expressamente, nem implicitamente, a inconstitucionalidade de qualquer norma especial de regência aplicável ao caso. É firme a jurisprudência do STF no sentido de que não se exige reserva de plenário para a mera interpretação e aplicação das normas jurídicas que emerge do próprio exercício da jurisdição, sendo necessário, para caracterizar violação à cláusula de reserva de plenário, que a decisão de órgão fracionário fundamente-se na incompatibilidade entre a norma legal e o Texto Constitucional. STF. 1ª Turma. Rcl 24284/SP, rel. Min. Edson Fachin, julgado em 22/11/2016 (Info 848). STF. 2ª Turma. Rcl 26408 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 07/11/2017.
74
Q

Se o STF não procedeu à modulação dos efeitos da decisão no julgamento da ADI, e foram opostos, em seguida, embargos de declaração postulando essa providência, mas de forma intempestiva, poderá a Corte Suprema modular os efeitos do decisum?

A

Resumo

Caso o STF, ao julgar uma ADI, ADC ou ADPF, declare a lei ou ato normativo inconstitucional, ele poderá, de ofício, fazer a modulação dos efeitos dessa decisão.

Ex: no julgamento de uma ADI, o STF decidiu que determinado artigo de lei é inconstitucional. Um dos legitimados do art. 103 da CF/88 opôs embargos de declaração pedindo a modulação dos efeitos. Ocorre que o STF considerou que esses embargos eram intempestivos. O STF, mesmo não conhecendo dos embargos, poderá decretar a modulação dos efeitos da decisão. STF. Plenário. ADI 5617 ED/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 2/10/2018 (Info 918)

OBSERVAÇÃO:

O caso de tratava de não conhecimento por prematuridade do recurso, que foi proposto antes mesmo da publicação do acordão. Sobre o tema, a Min. Rosa Weber, depois da manifestação do Min. Fux, assim colocou:

Compreendi perfeitamente não só a colocação, mas a preocupação do Ministro Luiz Fux. E nós aqui no Supremo alteramos a posição quando já eu aqui me encontrava. Num primeiro momento, compreendia-se que os recursos poderiam ser intempestivos por prematuridade quando interpostos antes do início da fluência do prazo recursal. Depois evoluímos na mesma linha agora noticiada no STJ pelo Ministro Fux no sentido de que a prematuridade do recurso não impediria o seu conhecimento. O que me pareceu da colocação do eminente Relator é que – e é uma posição que também eu conheço, embora necessariamente não a endosse – sequer acórdão que se pudesse acoimar de omisso, contraditório ou obscuro, que são as hipóteses de embargabilidade, existiria aqui. Por isso é que estaria sendo proposto o não conhecimento.

Ministro Alexandre de Moraes:

Presidente, eu gostaria de fazer uma complementação do que foi dito, só que sob outro aspecto.

Esses embargos de declaração, em verdade, podemos chamar de embargos de declaração impróprios aqui, porque não se busca afastar obscuridade, contradição e omissão. Esses embargos buscam uma modulação. Eles buscam uma modulação, porque foi o próprio Supremo Tribunal Federal que, alterando ou evoluindo no posicionamento, que, em regra, permitia já a modulação pleiteada da própria tribuna; nós, aqui mesmo, já admitimos a modulação da tribuna. A modulação pode ser feita de ofício pelo próprio Plenário. Aqui houve a necessidade de a Câmara dos Deputados utilizar esse instrumento, porque foi o próprio Supremo que disse que, em regra, agora a modulação deve ser pleiteada por embargos.

Então, parece-me que sairia dessa formalidade maior de se aguardar a publicação, porque não busca apontar uma contrariedade, uma omissão, porque, aí, sim, no acórdão publicado, poderia estar sanado. Busca algo que poderia ter buscado imediatamente, ao término do julgamento, aqui da tribuna.

Pela relevância do tema, pela proximidade das eleições, entendo que nós deveríamos superar esse não conhecimento, exatamente porque se utilizam embargos de declaração, mas, em verdade, poderia ser uma mera petição pedindo a modulação. Não é propriamente embargos de declaração.

Então, peço vênia ao eminente Ministro-Relator, conheço dos embargos.

75
Q

O que ocorre se a maioria dos Ministros votos pela procedência da ADI, mas não se obteve a maioria absoluta de votos, o que ocorrerá no julgamento?

A

Imagine a seguinte situação: é proposta uma ADI contra determinada lei. Cinco Ministros votam pela inconstitucionalidade da lei. Quatro Ministros votam pela constitucionalidade. Dois Ministros declaram-se impedidos de votar.

Qual deverá ser a proclamação do resultado? Pode-se dizer que esta lei foi declarada inconstitucional por maioria de votos?

NÃO. Não foi atingido o número mínimo de votos para a declaração de inconstitucionalidade da lei (6 votos). Assim, como não foi alcançado o quórum exigido pelo art. 97 da CF/88, entende-se que o STF não pronunciou juízo de constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei. Isso significa que o STF não declarou a lei nem constitucional nem inconstitucional. Além disso, esse julgamento não tem eficácia vinculante, ou seja, os juízes e Tribunais continuam livres para decidir que a lei é constitucional ou inconstitucional, sem estarem vinculados ao STF. STF. Plenário. ADI 4066/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 23 e 24/8/2017 (Info 874).

76
Q

É possível a discussão, no STF, da recepção, ou não, de determinada legislação sem a presença de ao menos 8 (oito) ministros?

A

No STF, para que seja iniciada a sessão de julgamento onde será votada a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo é necessário que estejam presentes no mínimo 8 Ministros. Se houver 7, por exemplo, a discussão não pode sequer ser iniciada (art. 143, parágrafo único, do art. 143 do RISTF). A isso chamamos de quórum de sessão (ou quórum para julgamento/votação).

Essa exigência de quórum para julgamento não se aplica caso o STF esteja analisando a recepção ou não de uma lei ou ato normativo. Isso porque não haverá, nesse caso, controle (juízo) de constitucionalidade. Trata-se apenas de discussão em torno de direito préconstitucional.

Assim, por exemplo, mesmo estando presentes apenas 7 Ministros, o STF poderá discutir se uma lei foi ou não recepcionada pela CF/88. STF. Plenário. RE 658312/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 27/11/2014 (Info 769).

Interior teor:

Quórum de sessão no controle de constitucionalidade é a quantidade mínima de Ministros presentes na sessão para que o STF inicie a discussão se uma lei ou ato normativo é inconstitucional. Qual é o quórum de sessão para que o STF possa examinar a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo?

8 votos. No STF, para que seja iniciada a sessão de julgamento onde será votada a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo é necessário que estejam presentes no mínimo 8 Ministros. Se houver 7, por exemplo, a discussão não pode sequer ser iniciada. O quórum de sessão está previsto no parágrafo único do art. 143 do RISTF (que fala de forma genérica, valendo tanto para controle difuso como concentrado) e no art. 22 da Lei n. 9.868/99 (que é específico para o controle concentrado).

77
Q

O STF aceita a teoria da transcendência dos motivos determinantes?

A

O STF não admite a “teoria da transcendência dos motivos determinantes”.

Segundo a teoria restritiva, adotada pelo STF, somente o dispositivo da decisão produz efeito vinculante. Os motivos invocados na decisão (fundamentação) não são vinculantes.

A reclamação no STF é uma ação na qual se alega que determinada decisão ou ato:

  • usurpou competência do STF; ou
  • desrespeitou decisão proferida pelo STF.

Não cabe reclamação sob o argumento de que a decisão impugnada violou os motivos (fundamentos) expostos no acórdão do STF, ainda que este tenha caráter vinculante. Isso porque apenas o dispositivo do acórdão é que é vinculante.

Assim, diz-se que a jurisprudência do STF é firme quanto ao não cabimento de reclamação fundada na transcendência dos motivos determinantes do acórdão com efeito vinculante. STF. Plenário. Rcl 8168/SC, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 19/11/2015 (Info 808).

78
Q

É constitucional lei estadual que, para hipótese específica (mútuo do SFH), proíbe a inscrição de consumidores em órgãos de proteção ao crédito?

A

Ementa: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSUMIDOR. LEI DISTRITAL QUE IMPÕE RESTRIÇÕES AO SISTEMA DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. OFENSA AO ART. 24, VIII, DA CARTA MAGNA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. I – É inconstitucional lei estadual, distrital ou municipal, que verse sobre normas gerais de defesa do consumidor, por ofender o art. 24, VIII e § 1°, do texto constitucional. II – A lei não pode estabelecer diferenças nos serviços de cadastro de dados de proteção ao crédito que não sejam compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor (norma geral). III – Ação direta de inconstitucionalidade que se julga procedente.

Comentários:

Não é razoável que uma lei do Distrito Federal ou d equalquer outro ente federativo estabeleça restrições sobre os débitos que não podem ser inscritos e crie privilégios ou situações não isonômicas em determinada região.

Os arts. 43 e 44 do CDC estabelecem apenas duas exceções para a inscrição de débitos: para dívidas prescritas e para negativas referentes a período superior a cinco anos. A norma distrital, ao restringir a inscrição de débitos de mutuários do SFH, transbordou os limites do poder de suplementação conferido aos demais entes da Federação.

(ADI 3623, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 11/10/2019, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-238 DIVULG 30-10-2019 PUBLIC 04-11-2019)

79
Q

Lei estadual pode criar prioridades na tramitação dos processo judiciais?

A

É INCONSTITUCIONAL lei estadual que prevê prioridade na tramitação para processos envolvendo mulher vítima de violência doméstica.

A fixação de prioridades na tramitação dos processo judiciais é matéria de Direito Processual, cuja competência é privativa da União (art. 22, I, CF\88). (Info 741).

80
Q

É constitucional lei estadual que obriga concessionária a fornecer um carro reserva a cliente que esteja aguardando conserto de veículo adquirido?

A

Resumo

É inconstitucional lei estadual que impõe às montadoras, concessionárias e importadoras de veículos a obrigação de fornecer veículo reserva a clientes cujo automóvel fique inabilitado por mais de quinze dias por falta de peças originais ou por impossibilidade de realização do serviço, durante o período de garantia contratual. STF. Plenário. ADI 5158/PE, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 6/12/2018 (Info 926).

Interior teor:

1) MATERIAL (NOMOESTÁTICA)

Ocorre quando o conteúdo da lei ou ato normativo está em desacordo com o conteúdo de uma regra ou princípio constitucional. Ex: é inconstitucional lei que estabeleça diferença de tratamento para filhos havidos fora do casamento. O conteúdo desta lei viola o conteúdo do art. 227, § 6º da CF/88.

2) FORMAL (NOMODINÂMICA) Dica para guardar o nome: dinâmica = relacionada com o processo (movimento) legislativo

Ocorre quando é desrespeitada alguma regra do processo legislativo. Há uma violação no processo de produção da norma. Descumprimento dos requisitos formais. A inconstitucionalidade formal pode ser subdividida em três espécies:

  1. 1) Inconstitucionalidade orgânica: Ocorre quando há inobservância das regras de competência para a edição do ato. Ex: uma lei estadual que trate sobre direito penal ou sobre direito civil.
  2. 2) Inconstitucionalidade formal propriamente dita: Ocorre quando é descumprido o devido processo legislativo previsto na CF/88. Esse descumprimento pode ser:
    a) Subjetivo: se houve um vício de iniciativa (vício no “sujeito” que iniciou o processo legislativo). Ex: lei de iniciativa parlamentar sobre um assunto do art. 61, § 1º (que são de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo).
    b) Objetiva: quando são violados outros aspectos do procedimento legislativo. Ex: uma lei complementar que é aprovada por maioria simples e não maioria absoluta (art. 69).
  3. 2) Inconstitucionalidade por violação aos pressupostos objetivos do ato: A CF/88 prevê pressupostos objetivos para a edição de determinados atos. Ex: o art. 62 exige que a medida provisória somente seja editada em caso de “relevância e urgência”.

Inconstitucionalidade orgânica

Desse modo, repetindo, houve, no presente caso, uma inconstitucionalidade formal orgânica, considerando que foi violada a regra de competência para a edição desta lei.

Por quê?

O Min. Roberto Barroso explicou que esta Lei do Estado de Pernambuco trata sobre direito do consumidor.

Em princípio, os Estados-membros podem legislar sobre “direito do consumidor”, considerando que se trata matéria de competência concorrente, prevista no art. 24, V, da CF/88:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…) V - produção e consumo;

A competência da União será para estabelecer normas gerais sobre os assuntos do art. 24. Ex: o Congresso Nacional editou o Código de Defesa do Consumidor, sendo estas as normas gerais.

A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. Isso significa que os Estados-membros podem complementar a legislação federal editada pela União. Obviamente, as normas estaduais não podem contrariar as normas gerais elaboradas pela União.

O Ministro Relator entendeu que, neste caso, o Estado de Pernambuco extrapolou a competência concorrente e não apenas complementou a legislação federal. Para o STF, foram ultrapassadas as balizas impostas ao legislador estadual para a elaboração de normas consumeristas.

O Min. Ricardo Lewandowski acompanhou o entendimento pela inconstitucionalidade formal e salientou que o Estado-membro estaria também, neste caso, legislando sobre “contratos”, ou seja, sobre Direito Civil, de modo que invadiu a esfera privativa da União.

Assim, o STF julgou procedente o pedido formulado na ação direta para declarar, por vício formal, a inconstitucionalidade da Lei nº 15.304/2014, do Estado de Pernambuco, em sua integralidade.

81
Q
A
82
Q

É constitucional lei estadual que determina que os supermecardos doem os alimentos próximo ao vencimento a instituições beneficentes?

A

Ação direta de inconstitucionalidade. Medida cautelar deferida ad referendum. Conversão do julgamento do referendum da cautelar em mérito. Precedentes. 2. Lei 5.694/2016 do Distrito Federal. Obrigatoriedade de doação de alimentos com prazo de validade próximo ao fim. 3. A competência legislativa dos Estados, ainda que exercida sobre matérias a eles atribuídas, não pode gerar grave interferência no âmbito normativo reservado à União, sob pena de caracterizar invasão de competência. 4. Norma que determina a destinação de bens particulares dispõe sobre direito de propriedade e tem natureza de direito civil, não podendo ser validamente emitida por ente federado. 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

Inteiro teor:

Mesmo se assim não fosse, ainda em juízo perfunctório, a ingerência na atividade privada prevista pela lei distrital, sem a devida contraprestação pelas perdas que determina, está em dissonância da jurisprudência desta Corte.

A doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade.

Essa nova orientação, que permitiu converter o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes), pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos (Geeignetheit ) e a necessidade de sua utilização (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit). Um juízo sobre a proporcionalidade ou razoabilidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade ou razoabilidade em sentido estrito) (PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Grundrechte – Staatsrecht II. Heidelberg: C. F. Muller, 2005, p. 64).

A Corte Constitucional alemã considera que o legislador dispõe de poder de conformação relativamente amplo na matéria de direito de propriedade. Não obstante, o Tribunal procura sistematizar a aplicação do princípio da proporcionalidade, enunciando as seguintes condições que hão de ser observadas:

‘a) o legislador deve considerar as peculiaridades do bem ou valor patrimonial objeto da proteção constitucional;

b) o legislador deve considerar o significado do bem para o proprietário;

c) <u><strong>o legislador deve assegurar uma compensação financeira ao proprietário em caso de grave restrição à própria substância do direito de propriedade;</strong></u> embora não se tenha uma expropriação propriamente dita, a observância do princípio da proporcionalidade recomenda que se assegure ao proprietário que sofreu graves prejuízos com a implementação de providência legislativa uma compensação financeira;

d) se possível, deve o legislador atenuar o impacto decorrente da mudança de sistemas mediante a utilização de disposições transitórias, evitando o surgimento de situações de difícil superação (Härtenfällen)’. (BVerfGE, 37, 132 (140).)

Entre nós, tem-se afirmado também a aplicação do princípio da proporcionalidade em relação às restrições estabelecidas ao direito de propriedade.

Mencione-se, a propósito, decisão proferida em sede de cautelar pelo Supremo Tribunal quanto à lei do Estado do Espírito Santo que vedava o plantio de eucalipto destinado à produção de celulose, na qual se afirmou:

‘1. Vedação de plantio de eucalipto no Estado do Espírito Santo, exclusivamente quando destinado à produção de celulose. Ausência de intenção de controle ambiental. Discriminação entre os produtores rurais apenas em face da destinação final do produto da cultura, sem qualquer razão de ordem lógica para tanto. Afronta ao princípio da isonomia. 2. Direito de propriedade. Garantia constitucional. Restrição sem justo motivo. Desvirtuamento dos reais objetivos da função legislativa. Caracterizada a violação ao postulado da proporcionalidade. 3. Norma que regula direito de propriedade. Direito civil. Competência privativa da União para legislar sobre o tema (CF, artigo 22, I). Precedentes. Presença dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora. Pedido cautelar deferido’. (ADI-MC 2.623, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 6.6.2002, DJ 14.11.2003).

Não há de se negar, pois, a relevância que assume o princípio da proporcionalidade no âmbito da conformação ou restrição do direito de propriedade. Desde uma análise preliminar, também pelo aspecto da proporcionalidade, a lei distrital ora impugnada parece estar em desacordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Para atingir o fim a que pretende, determina como proprietários deverão dispor de seus bens, sem nenhuma espécie de contraprestação. O ato normativo questionado não estabelece nenhuma espécie de ressarcimento pelos bens que deverão ser obrigatoriamente destinados a instituições de caridade.

(ADI 5838, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 20/11/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-270 DIVULG 06-12-2019 PUBLIC 09-12-2019)

83
Q

É constitucional lei estaual que estabelece a obrigatoriedade de que os rótulos ou embalagens de produtos alimentícios comercializados no Estado contenham informações sobre sua composição que não são exigidas pela legislação federal?

A

Resumo

É inconstitucional lei estadual que estabelece a obrigatoriedade de que os rótulos ou embalagens de todos os produtos alimentícios comercializados no Estado contenham uma série de informações sobre a sua composição, que não são exigidas pela legislação federal. STF. Plenário. ADI 750/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 3/8/2017 (Info 871).

Interior teor

No caso concreto, quando a lei do RJ foi editada já havia ampla legislação nacional sobre a matéria. Vale ressaltar que a lei estadual especifica exigências mais rígidas do que o previsto na legislação federal, de forma que existe um claro conflito normativo.

Assim, a lei federal estabelece algumas exigências para os rótulos dos produtos e a lei do RJ fixa outras, mais detalhadas. Dessa forma, se a lei do RJ fosse declarada válida um mesmo produto teria que ter dois rótulos ou embalagens, um nacional e outro para o Estado do RJ.

Além disso, outros Estados também poderiam editar leis semelhantes e assim cada produto teria que se adequar às exigências de cada ente federativo. Isso implicaria, em última análise, criar uma autorização para que houvesse tantos rótulos quantos são os Estados-membros.

Violação ao princípio da proporcionalidade

Além disso, a Lei impugnada viola o princípio da proporcionalidade.

Se admitido que os Estados-Membros possuem competência para legislar sobre informações contidas em embalagens de produtos que circulam em seu território, o fim de proteção ao consumidor é alcançado por meio excessivo, pois são criadas dificuldades a produtos provenientes de outros Estados-Membros. Isso significa ferir o denominado princípio da lealdade à Federação, que fomenta uma relação construtiva, amistosa e de colaboração entre os entes federados. Nesse sentido, os dispositivos impugnados também estão em desconformidade com o art. 22, VIII, CF/88:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (…) VIII - comércio exterior e interestadual;

Assim, justifica-se a necessidade de o tema ser tratado privativamente pela União, de modo a uniformizar o comércio interestadual e, consequentemente, evitar que os laços federativos sejam embaraçados. Há clara predominância de interesse federal a evitar limitações que possam dificultar o comércio interestadual.

Ainda que tenha havido casos em que o STF declarou a constitucionalidade de legislações estaduais que determinam o aumento do número de informações que devem ser fornecidas a consumidores locais, tratava-se de produtos específicos, e não de todos os produtos alimentícios comercializados no local, como nesse caso.

Ao estabelecer tal obrigatoriedade, o Estado dificulta a inserção de bens provenientes de outras localidades em seu mercado, bem como a livre circulação de mercadorias.

84
Q

Lei estadual pode determinar que postes de sustentação à rede elétrica que estejam causam transtorno ou impedimentos aos proprietários de terrenos sejam mudados de lugar, sem qualquer ônus para os interessados?

A

Resumo

É INCONSTITUCIONAL lei estadual que determine que os postes de sustentação à rede elétrica que estejam causando transtornos ou impedimentos aos proprietários de terrenos serão removidos, sem qualquer ônus para os interessados. Isso porque essa lei trata sobre energia elétrica, matéria de competência privativa da União (art. 22, IV, da CF/88), além de interferir nos termos da relação contratual estabelecida entre o poder federal e as concessionárias que exploram o serviço de fornecimento de energia elétrica no Estado-membro. STF. Plenário. ADI 4925/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 12/2/2015 (Info 774)

Livro

Lei dispondo sobre energia elétrica

Foi editada lei em São Paulo determinando que os postes de sustentação à rede elétrica que estejam causando transtornos ou impedimentos aos proprietários de terrenos serão removidos, sem qualquer ônus para os interessados.

Essa lei é constitucional?

NÃO. Essa lei é inconstitucional porque compete à União legislar sobre energia elétrica e definir como ocorrerá a exploração dos serviços de energia elétrica. Veja:

Art. 21. Compete à União:

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; (…)

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;

(…)

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

A referida lei, ao criar para a empresa concessionária de energia elétrica obrigação significativamente onerosa a ser prestada em hipóteses de conteúdo vago (“que estejam causando transtornos ou impedimentos”), para o proveito de interesses individuais dos proprietários de terrenos, teria se imiscuído nos termos da relação contratual estabelecida entre o poder federal e as concessionárias que exploram o serviço de fornecimento de energia elétrica no Estado-membro.

85
Q

Lei estadual pode fixar prazo para que empresa de planos de saúde autorizem exames médicos aos usuários?

A

É INCONSTITUCIONAL lei estadual que prevê prazos máximos para que as empresas de planos de saúde autorizem exames médicos aos usuários. Isso porque trata-se de lei que dispõe sobre direito civil, direito comercial e política de seguros, matérias que são de competência da União (art. 22, I e VII, da CF/88). STF. Plenário. ADI 4701/PE, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 13/8/2014 (Info 754).

Inteiro teor:

Essa Lei é constitucional?

NÃO. A referida Lei é INCONSTITUCIONAL em razão de dispor sobre direito civil, direito comercial e política de seguros, matérias que são de competência da União, nos termos do art. 22, I e VII, da CF/88:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

VII - política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores;

Para o STF, essa lei estadual, por mais que tenha também uma finalidade de proteger o consumidor, o que é de competência concorrente (art. 24, V e VIII), acaba impondo normas a serem observadas na relação contratual com os planos de saúde, matéria que é de competência da União.

86
Q

Lei estadual pode impor a seguradoras regras de regustro, desmonte e comercialização de veículos sinistrados?

A

Inconstitucionalidade de lei estadual que imponha obrigações contratuais para seguradoras É inconstitucional lei estadual que discipline as obrigações contratuais relativas a seguros de veículos e regras de registro, desmonte e comercialização de veículos sinistrados.

Esta lei estadual viola a competência privativa da União para legislar sobre direito civil, seguros, trânsito e transporte (art. 22, I, VII e XI, da CF/88). STF. Plenário. ADI 4704/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 21/3/2019 (Info 934).

87
Q

Os municípios podem editar lei regulamentando ou proibindo o transporte de passageiros mediante aplicativo?

A

Resumo

No exercício de sua competência para regulamentação e fiscalização do transporte privado individual de passageiros, os municípios e o Distrito Federal não podem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal. Isso porque compete à União legislar sobre “trânsito e transporte”, nos termos do art. 22, XI, da CF/88. STF. Plenário. ADPF 449/DF, Rel. Min. Luiz Fux; RE 1054110/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 8 e 9/5/2019 (repercussão geral) (Info 939).

São inconstitucionais leis municipais que proíbam o serviço de transporte de passageiros mediante aplicativo A proibição ou restrição da atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional, por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. STF. Plenário. ADPF 449/DF, Rel. Min. Luiz Fux; RE 1054110/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 8 e 9/5/2019 (repercussão geral) (Info 939).

Interior teor

Lei nº 13.640/2019

Em 2018, foi publicada a Lei federal nº 13.640/2018, que alterou a Lei nº 12.578/2012, com o objetivo de regulamentar o transporte remunerado privado individual de passageiros.

Em linhas gerais, o que fez a Lei nº 13.640/2018? Conferiu aos Municípios (e ao Distrito Federal) competência exclusiva para regulamentar e fiscalizar o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros.

Diretrizes impostas pela lei federal

A Lei nº 13.640/2018 afirmou que, quando os Municípios (ou DF) forem editar as suas leis regulamentando os serviços, eles deverão observar algumas diretrizes. Assim, a lei municipal (ou distrital) deverá exigir:

a) que tais serviços de transporte por aplicativos sejam prestados com eficiência, eficácia, segurança e efetividade;
b) a cobrança dos tributos municipais devidos pela prestação do serviço (ISS e taxas); c) a contratação de seguro de Acidentes Pessoais a Passageiros (APP) e do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT);
d) que o motorista seja inscrito como contribuinte individual do INSS (art. 11, V, “h”, da Lei nº 8.213/91).

Condições pessoais impostas aos motoristas

A Lei nº 13.640/2018 também trouxe algumas exigências pessoais ao motorista que trabalha com os serviços de transporte por aplicativo. Assim, os motoristas de Uber e similares deverão:

I - possuir Carteira Nacional de Habilitação na categoria B ou superior que contenha a informação de que exerce atividade remunerada;

II - conduzir veículo que atenda aos requisitos de idade máxima e às características exigidas pela autoridade de trânsito e pelo poder público municipal e do Distrito Federal. Exs: exigência de que o veículo tenha um limite máximo do ano de fabricação, que tenha adesivo ou uma placa removível do aplicativo no para-brisas etc.

III - emitir e manter o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV);

IV - apresentar certidão negativa de antecedentes criminais.

O que acontece se o serviço for prestado no Município (ou DF) em contrariedade com a regulamentação?

A exploração dos serviços remunerados de transporte privado individual de passageiros sem o cumprimento dos requisitos previstos na Lei nº 12.578/2012 e na regulamentação do poder público municipal (ou distrital) caracterizará transporte ilegal de passageiros.

A regulamentação é obrigatória? Os Municípios (DF) são obrigados a editar leis regulamentando a atividade?

NÃO. O Município (ou DF) poderá optar por não regulamentar tais serviços.

Enquanto os Municípios não editarem a regulamentação, o serviço está permitido?

SIM. Os serviços de transporte de passageiros mediante aplicativo não dependem de autorização prévia e podem continuar sendo prestados normalmente mesmo sem regulamentação municipal.

Os Municípios, ao editarem as leis locais regulamentando o transporte de passageiros mediante aplicativo, poderão contrariar a Lei nº 13.640/2018?

NÃO.

No exercício de sua competência para regulamentação e fiscalização do transporte privado individual de passageiros, os municípios e o Distrito Federal não podem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal. Isso porque compete à União legislar sobre “trânsito e transporte”, nos termos do art. 22, XI, da CF/88. STF. Plenário. ADPF 449/DF, Rel. Min. Luiz Fux; RE 1054110/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 8 e 9/5/2019 (repercussão geral) (Info 939).

Os Municípios podem proibir o transporte de passageiros mediante aplicativo? Podem proibir o serviço desempenhado pelo Uber e similares?

NÃO. Se uma lei municipal ou distrital proibir essa atividade, ela deve ser considerada inconstitucional.

A proibição ou restrição da atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional, por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. STF. Plenário. ADPF 449/DF, Rel. Min. Luiz Fux; RE 1054110/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 8 e 9/5/2019 (repercussão geral) (Info 939).

Exemplos:

Com base no entendimento acima, o STF julgou inconstitucional a Lei nº 10.553/2016, do Município de Fortaleza, que vedou a utilização de carros cadastrados ou não em aplicativos (ADPF 449/DF). Em outras palavras, essa lei municipal havia proibido os serviços de aplicativos de transporte, como Uber, 99 e outros. Além disso, o STF considerou inconstitucional a Lei nº 16.279/2015, do Município de São Paulo, que igualmente proibia o uso de veículos cadastrados em aplicativos (RE 1054110/SP).

Livre exercício da profissão

O Ministro Luiz Fux entendeu que o motorista particular, em sua atividade laboral, é protegido pela liberdade fundamental prevista no art. 5º, XIII, da CF/88 e se submete apenas à regulação proporcionalmente definida em lei federal:

Art. 5º (…) XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Compatibilidade com a legislação federal

Além da Lei nº 13.640/2018, o serviço de transporte por aplicativos está também de acordo com a Lei de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/2012) e com o art. 3º, VIII, do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014:

Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:

(…) VIII - liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei.

Livre iniciativa

A liberdade de iniciativa, garantida pelos arts. 1º, IV, e 170 da CF/88, consubstancia cláusula de proteção destacada, no ordenamento pátrio, como fundamento da República.

Por essa razão, é possível o controle judicial de atos normativos que afrontem as liberdades econômicas básicas.

Restrição da interferência do poder estatal sobre o funcionamento da economia

Segundo o constitucionalismo moderno, é necessário que haja uma restrição da interferência do poder estatal sobre o funcionamento da economia de mercado.

O “rule of law” deve se sobrepor a iniciativas estatais autoritárias que sejam destinadas a concentrar privilégios, a impor monopólios ou a estabelecer salários, preços e padrões arbitrários de qualidade. Tais iniciativas são arbitrárias e restringem a competição, a inovação, o progresso e a distribuição de riquezas. O processo político por meio do qual as regulações são editadas é frequentemente capturado por grupos de poder interessados em obter proveitos superiores aos que seriam possíveis em um ambiente de livre competição. Um recurso político comumente utilizado por esses grupos é o poder estatal de controle de entrada de novos competidores em um dado mercado, a fim de concentrar benefícios em prol de poucos e dispensar prejuízos por toda sociedade.

Assim, o exercício de atividades econômicas e profissionais por particulares deve ser protegido da coerção arbitrária por parte do Estado.

Compete ao Poder Judiciário, à luz do sistema de freios e contrapesos, invalidar atos normativos que estabeleçam restrições desproporcionais à livre iniciativa e à liberdade profissional, na linha do que decidido no RE 414.426:

Nem todos os ofícios ou profissões podem ser condicionadas ao cumprimento de condições legais para o seu exercício. A regra é a liberdade. Apenas quando houver potencial lesivo na atividade é que pode ser exigida inscrição em conselho de fiscalização profissional. A atividade de músico prescinde de controle. Constitui, ademais, manifestação artística protegida pela garantia da liberdade de expressão. STF. Plenário. RE 414426, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 01/08/2011.

Limitações aos aplicativos de transportes não são proporcionais

Eventuais restrições devem ser informadas por parâmetros constitucionalmente legítimos e adequar-se ao teste da proporcionalidade, com o ônus de justificação regulatória baseada em elementos empíricos que demonstrem os requisitos dessa intervenção estatal no domínio econômico.

As normas que proíbem o uso de carros particulares, cadastrados ou não em aplicativos, para o transporte remunerado individual de pessoas, configuram limitação desproporcional às liberdades de iniciativa e de profissão, o que provoca restrição oligopolista do mercado em benefício de certo grupo e em detrimento da coletividade.

Busca do pleno emprego

A proibição dos aplicativos de transporte afronta ainda o princípio da busca pelo pleno emprego, que está consagrado como princípio setorial no art. 170, VIII, da CF/88. Isso porque essa proibição impede a abertura do mercado a novos entrantes eventualmente interessados em migrar para a atividade:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(…)

VIII - busca do pleno emprego;

Leis de ordenação das cidades devem respeitar as liberdades fundamentais constitucionalmente previstas

A Constituição impõe ao legislador municipal que, ao editar lei de ordenação das cidades, adote medidas que não imponham restrições injustificáveis às liberdades fundamentais de iniciativa e de exercício profissional.

A necessidade de aperfeiçoar o uso das vias públicas não autoriza a criação de oligopólio prejudicial a consumidores e a potenciais prestadores de serviço do setor, notadamente quando há alternativas conhecidas para o atingimento da mesma finalidade.

Vale ressaltar, ainda, que os aplicativos de transporte garantem uma maior fluidez do trânsito, de modo que proibir essa atividade nega ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente.

Inovação disruptiva

O ministro Roberto Barroso asseverou que vivemos um ciclo próprio do desenvolvimento capitalista, em que há a substituição de velhas tecnologias e velhos modos de produção por novas formas de produção, num processo chamado de inovação disruptiva, por designar ideias capazes de enfraquecer ou substituir indústrias, empresas ou produtos estabelecidos no mercado.

Nesse cenário, é muito fácil perceber o tipo de conflito entre os detentores dessas novas tecnologias disruptivas e os agentes tradicionais do mercado: players já estabelecidos em seus mercados, por vezes monopolistas, são ameaçados por atores que se aproveitam das lacunas de regulamentação de novas atividades para a obtenção de vantagens competitivas, sejam elas regulatórias ou tributárias.

A melhor forma de o Estado lidar com essas inovações e, eventualmente, com a destruição criativa da velha ordem, não é impedir o progresso, mas sim tentar produzir as vias conciliatórias possíveis.

Três fundamentos invocados pelo Min. Barroso

O Ministro Roberto Barroso destacou os três fundamentos pelos quais considerou inconstitucionais as leis municipais impugnadas.

Em primeiro lugar, a Constituição estabelece, como princípio, a livre iniciativa. A lei não pode arbitrariamente retirar determinada atividade econômica da liberdade de empreender das pessoas, salvo se fundamento constitucional autorizar a restrição imposta. A edição de leis ou atos normativos proibitivos, pautada na exclusividade do modelo de exploração por táxis, não se amolda ao regime constitucional da livre iniciativa.

Em segundo lugar, a livre iniciativa significa livre concorrência. A opção pela economia de mercado baseiase na crença de que a competição entre os agentes econômicos e a liberdade de escolha dos consumidores produzirão os melhores resultados sociais.

Por fim, é legítima a intervenção do Estado, mesmo em um regime de livre iniciativa, para coibir falhas de mercado e para proteger o consumidor. Entretanto, são inconstitucionais a edição de regulamentos e o exercício de fiscalização que, na prática, inviabilizem determinada atividade. A competência autorizada por lei para os municípios regulamentarem e fiscalizarem essa atividade não pode ser uma competência para, de maneira sub-reptícia ou implícita, interditar, na prática, a prestação desse serviço.

88
Q

Lei estadual pode exigir nova certidão não prevista na Lei 8.666\93?

A

Resumo

É inconstitucional lei estadual que exija Certidão negativa de Violação aos Direitos do Consumidor dos interessados em participar de licitações e em celebrar contratos com órgãos e entidades estaduais.

Esta lei é inconstitucional porque compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratos (art. 22, XXVII, da CF/88). STF. Plenário. ADI 3.735/MS, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 8/9/2016 (Info 838)

Certidão de Violação aos Direitos do Consumidor (CVDC)

O Estado do Mato Grosso do Sul editou uma lei prevendo que para a pessoa (física ou jurídica) participar de licitações ou assinar contratos com a Administração Pública estadual acima de determinado valor, ela deveria apresentar uma certidão negativa de violação aos direitos do consumidor. De acordo com a lei, a pessoa ficaria impedida de tirar essa certidão negativa se já tivesse sido condenada, administrativa ou judicialmente, por ofensa a direitos do consumidor, nos últimos 5 anos.

Essa Lei estadual é constitucional? NÃO.

Estados, DF e Municípios podem suplementar normas gerais fixadas pela União

A Constituição previu que compete privativamente à União fixar as normas gerais sobre licitações e contratos:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (…)

XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;

Isso significa que os Estados, DF e os Municípios podem editar leis tratando sobre licitações e contratos, desde que sejam referentes a normas “não gerais”. Em outras palavras, tais entes podem suplementar as normas gerais fixadas pela União, conforme autorizam os arts. 24, § 2º, 25, §1º, e 30, II:

Art. 24 (…) § 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

Art. 25 (…) § 1º - São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.

Art. 30. Compete aos Municípios: II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

Assim, a ordem constitucional reconhece, em favor dos Estados-membros, autonomia para criar direito em matéria de licitações e contratos independentemente de autorização formal da União. Todavia, essa autonomia não é incondicionada, devendo ser exercida apenas para a suplementação das normas gerais expedidas pela União.

Requisitos para que a suplementação feita pelos Estados, DF e Municípios seja válida

Para se analisar se a suplementação feita pelos Estados, DF e Municípios foi válida ou não, deverá ser feito um exame em duas etapas:

1ª) identificar quais são as normas gerais fixadas pela União no caso concreto como modelo nacional;

2ª) verificar se as inovações feitas pelo legislador estadual, distrital ou municipal sobre o tema são compatíveis com as normas gerais impostas pela União.

Lei do Estado do MS afrontou as normas gerais fixadas pela União

O principal diploma que trata sobre licitações e contratos é a Lei nº 8.666/93. Nela, a União fixou as normas gerais sobre o tema.

A Lei nº 8.666/93 exige algumas certidões referentes à regularidade fiscal e trabalhista (art. 29), mas não faz qualquer exigência quanto à inexistência de condenações relacionadas com a violação de direitos do consumidor.

Assim, a lei editada pelo Estado do MS criou novas condições que somente lei federal poderia prever. Ao criar requisito de habilitação obrigatório para a maioria dos contratos estaduais, o Estado-membro se arvorou na condição de intérprete primeiro do direito constitucional de participar de licitações. Criou, ainda, uma presunção legal, de sentido e alcance amplíssimos, segundo a qual a existência de registros desabonadores nos cadastros públicos de proteção do consumidor seria motivo suficiente para justificar o impedimento à contratação de pessoas físicas e jurídicas pela Administração local.

A lei estadual impugnada introduziu um requisito genérico e inteiramente novo para habilitação em qualquer licitação. Ao assim prever, a legislação estadual afrontou as normas gerais do ordenamento nacional de licitações e contratos e se apropriou de competência da União.

89
Q

É constitucional lei estadual que regula procedimento para homologação judicial de acordo sobre prestação de alimentos firmada com a intervenção da Defensoria Pública?

A

Resumo

É constitucional lei estadual que regula procedimento para homologação judicial de acordo sobre a prestação de alimentos firmada com a intervenção da Defensoria Pública. Isso porque tal legislação está inserida na competência concorrente (art. 24, XI, da CF/88). STF. Plenário. ADI 2922/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 3/4/2014.

Inteiro teor

_ADI 2922/RJ_
O Procurador-Geral da República ajuizou uma ADI contra essa lei, alegando que ela conteria uma
inconstitucionalidade formal por violar a competência privativa da União para legislar sobre direito civil e
processual civil (art. 22, I, da CF/88).

O STF concordou com o pedido? A referida Lei é inconstitucional?
NÃO.
Para o STF, a Lei impugnada não dispõe sobre Direito Civil e Processual Civil. Na verdade, a Lei fluminense
trata sobre critérios procedimentais em matéria processual. A competência para editar normas sobre
procedimento é concorrente, conforme prevê o art. 24, XI:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

XI - procedimentos em matéria processual;

Dessa feita, em matéria de procedimento, cabe à União estabelecer as normas gerais (art. 24, § 1o) e os
Estados têm competência para suplementar, ou seja, complementar (detalhar) essas normas gerais.

Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para
atender a suas peculiaridades (art. 24, § 3o).

90
Q

É constitucional lei estadual que preveja a tramitação direta do inquérito policial entre a polícia e o Ministério Público?

A

É INCONSTITUCIONAL lei estadual que preveja a tramitação direta do inquérito policial entre a polícia e o Ministério Público.
É CONSTITUCIONAL lei estadual que preveja a possibilidade de o MP requisitar informações quando o inquérito policial não for encerrado em 30 dias, tratando-se de indiciado solto.
STF. Plenário. ADI 2886/RJ, red. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, julgado em 3/4/2014.

Interior teor:

Lei orgânica do MPRJ
A Lei Complementar n. 106/2003, do Estado do Rio de Janeiro, prevê o seguinte:
Art. 35. No exercício de suas funções, cabe ao Ministério Público:
(…)
IV - receber diretamente da Polícia Judiciária o inquérito policial, tratando-se de infração de ação penal
pública.
V - requisitar informações quando o inquérito policial não for encerrado em trinta dias, tratando-se de
indiciado solto mediante fiança ou sem ela.

ADI
A então Governadora do Estado ajuizou uma ADI alegando que esses dispositivos seriam inconstitucionais por violarem a competência privativa da União para legislar sobre direito processual (art. 22, I, da CF/88).

Esses dispositivos são realmente normais PROCESSUAIS penais?
NÃO. Tais incisos tratam sobre inquérito policial. O IP possui natureza de procedimento. Logo, o STF entendeu que elas são normas de procedimento (e não de processo).
A competência para legislar sobre processo é privativa da União (art. 22, I). No entanto, a competência para editar normas sobre procedimento é concorrente, conforme prevê o art. 24, XI:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
XI - procedimentos em matéria processual;

Dessa feita em matéria de procedimento, cabe à União estabelecer as normas gerais (art. 24, § 1o) e os Estados têm competência para suplementar, ou seja, complementar (detalhar) essas normas gerais.

A União editou normas gerais prevendo o procedimento do inquérito policial?
SIM. As normas procedimentais sobre o inquérito policial estão previstas principalmente no Código de Processo Penal. Logo, agora resta avaliarmos se os incisos IV e V do art. 35 da LC estadual n. 106/2003 estão de acordo com as normas gerais (CPP).

O inciso IV do art. 35 da LC 106/2003 é compatível com o CPP?
NÃO. O STF entendeu que esse inciso IV contraria a regra do § 1o do art. 10 do CPP:
Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante,<br></br>ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a<br></br>ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trinta) dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.<br></br>§ 1o A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente.

Logo, o Estado tinha competência para legislar sobre o tema, mas ao fazê-lo somente poderia complementar as normas gerais. Ocorre que esse inciso IV estabeleceu uma regra contrária a norma geral editada pela União. Assim, o inciso IV é inconstitucional por violar o § 1o do art. 24 da CF/88.

O inciso V do art. 35 da LC 106/2003 é compatível com o CPP?
SIM. O inciso V contraria nenhuma regra do CPP. Logo, não viola o § 1o do art. 24 nem qualquer outro dispositivo da CF/88.
Ao contrário, o inciso V está em harmonia com o art. 129, VII, da CF/88, que diz competir ao Ministério Público o controle externo da atividade policial.

Tramitação direta do inquérito policial entre a Polícia Federal e o MPF
No âmbito da Justiça Federal, ocorre a tramitação direta do inquérito policial entre a Polícia Federal e o MPF.

Assim, se o DPF pede a dilação do prazo para as investigações ou apresenta o relatório final, o IP não
precisa ir para o juiz federal e depois ser remetido ao MPF. O caminho é direto entre a PF e o MPF, sendo
o próprio membro do Parquet quem autoriza a dilação do prazo.
De igual modo, se o Procurador da República deseja a realização de outras diligências, ele não precisa, em
regra, pedir isso ao juiz, bastando que devolve à PF com essa requisição.
Essa regra da tramitação direta somente é excepcionada quando há pedidos que dependem do juiz federal, como é o caso de busca e apreensão, interceptação telefônica, quando se tratar de investigado preso etc.
Esse procedimento de tramitação direta no âmbito da Justiça Federal foi estabelecido e regulamentado pela Resolução n. 063/2009 do Conselho da Justiça Federal e é assim que ainda hoje ocorre na prática.
A referida Resolução foi impugnada no STF por meio da ADI n. 4305, ajuizada pela Associação Nacional dos
Delegados de Polícia Federal. O Relator é o Min. Ricardo Lewandowski e não há previsão de julgamento.
Diante desse precedente, a tendência é que a ADI 4305 seja julgada procedente.

91
Q

É constitucional lei estadual que obriga plano de saúde a justificar recusa de tratamento?

A

É constitucional lei estadual que obrigue os planos de saúde a fornecerem aos consumidores informações e documentos justificando as razões pelas quais houve recusa de algum procedimento, tratamento ou internação.

O Mato Grosso do Sul editou uma lei estadual prevendo que, se o plano de saúde recusar algum procedimento, tratamento ou internação, ele deverá fornecer, por escrito, ao usuário, um comprovante fundamentado expondo as razões da negativa.

O STF entendeu que essa norma não viola competência privativa da União, considerando que ela trata sobre proteção ao consumidor, matéria inserida na competência concorrente (art. 24, V, da CF/88). STF. Plenário. ADI 4512/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 7/2/2018 (Info 890).

Interior teor:

Assim, a lei impugnada não disciplinou assuntos de direito civil, comercial ou política securitária. O CDC é a norma geral editada pela União na defesa do consumidor e tal diploma reconhece como direito básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem (art. 6º, III). A lei estadual está, portanto, em harmonia com o CDC, respeitando assim as regras do art. 24 da CF/88. Além disso, essa lei atende ao comando do inciso XXXII do art. 5º da Constituição:

Art. 5º (…) XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Sem interferência nos contratos

A lei atacada cumpre a função estatal de proteção ao consumo, não havendo interferência nos contratos firmados entre as operadoras e os usuários nem representando equilíbrio atuarial das operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde. Conforme explicou a Min. Cármen Lúcia:

“A entrega do documento informativo expondo as razões pelo qual um determinado tratamento ou procedimento foi negado não amplia o rol de obrigações contratuais entre a operadora e o usuário. Pelo contrário, o que se tem é apenas uma transparência maior para cumprimento dos termos legislados” (Min. Cármen Lúcia).

Em outras palavras, as operadoras já tinham esse dever por força do próprio CDC e a lei estadual apenas explicitou o comando.

92
Q
A
93
Q

É constitucional lei estadual que veda o corte do fornecimento de água e luz, em determinados dias, pelas empresas concessionárias, por falta de pagamento?

A

É constitucional lei estadual que proíbe que as empresas concessionárias façam o corte do fornecimento de água e luz por falta de pagamento, em determinados dias.

Ex: lei do Estado do Paraná proíbe concessionárias de serviços públicos de água e luz de cortarem o fornecimento residencial de seus serviços por falta de pagamento de contas às sextas-feiras, sábados, domingos, feriados e no último dia útil anterior a feriado.

Também estabelece que o consumidor que tiver suspenso o fornecimento nesses dias passa a ter o direito de acionar juridicamente a concessionária por perdas e danos, além de ficar desobrigado do pagamento do débito que originou o corte. STF. Plenário. ADI 5961/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgado em 19/12/2018 (Info 928).

Interior teor:

ADI

A Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE) ajuizou ADI contra esta Lei afirmando que ela ofenderia o art. 22, IV, da CF/88, que estabelece que a competência para legislar sobre os serviços de energia elétrica é privativa da União:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (…) IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;

Assim, haveria um vício formal.

O STF concordou com o pedido?

NÃO. […]

Direito do Consumidor

O STF entendeu que a referida lei dispõe sobre Direito do Consumidor, de modo que não há vício formal. Isso porque Direito do Consumidor é matéria de competência concorrente, nos termos do art. 24, V e VIII, da CF/88:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…) V - produção e consumo; (…) VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

[…]

Lei do PR não impediu o corte de forma absoluta

Vale ressaltar que a Lei do Estado do Paraná não impediu, de forma absoluta, que a concessionária fizesse o corte dos serviços em caso de inadimplemento. Se a lei estadual tivesse feito isso, seria inconstitucional por afrontar o que prevê a lei federal a respeito do tema.

O que a lei estadual fez foi estabelecer que esse corte não pode ser realizado em determinados dias nos quais ficaria difícil para o consumidor regularizar a situação, o que agravaria ainda mais a sua situação.

94
Q

A obrigação de pagar conta de luz é propter rem?

A

2) A obrigação de pagar a conta de energia elétrica é de natureza pessoal (não é propter rem)

Ex: Carlos compra a casa de João. Ocorre que João vendeu a casa, mas deixou um débito de três meses da conta de energia. A concessionária ingressou com uma ação de cobrança contra Carlos alegando que, como comprou a casa, passou a ser o devedor, considerando tratar-se de obrigação propter rem. Para piorar o cenário, a concessionária suspendeu o fornecimento de “luz”.

A concessionária não agiu corretamente neste caso. Isso porque o débito de energia elétrica (assim como o de água) é de natureza pessoal, não se vinculando ao imóvel. Não se trata, portanto, de obrigação propter rem. Desse modo, o consumidor não pode ser responsabilizado pelo pagamento de serviço de fornecimento de energia elétrica utilizado por outra pessoa (em nosso exemplo, João).

A obrigação de pagar por serviço de natureza essencial, tal como água e energia, não é propter rem, mas pessoal, isto é, do usuário que efetivamente se utiliza do serviço. STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp 45.073/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 02/02/2017

95
Q

Lei estadual pode proibir que as concessionária de energia elétrica cobrem um valor do consumidor para a religação do serviço que havi sido suspenso por inadimplemento?

A

Resumo

É inconstitucional lei estadual que proíbe que as empresas concessionárias cobrem “taxa” de religação no caso de corte de fornecimento de energia por atraso no pagamento.

Essa lei estadual invadiu a competência privativa da União para dispor sobre energia, violando, assim, o art. 22, IV, da CF/88. Além disso, também interferiu na prestação de um serviço público federal, considerando que o serviço de energia elétrica é de competência da União, nos termos do art. 21, XII, “b”, da CF/88.

Ex: concessionária havia “cortado” (suspendido) o serviço de energia elétrica em razão de inadimplemento; o consumidor regularizou a situação, quitando os débitos; a concessionária pode exigir do cliente o pagamento de uma tarifa para efetuar o religamento do serviço; lei estadual não pode proibir que a concessionária cobre esse valor. STF. Plenário. ADI 5610/BA, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 8/8/2019 (Info 946).

Interior teor:

Direito do consumidor

O direito do consumidor, à mercê de abarcar competência concorrente dos Estados-membros, não pode conduzir à frustração da teleologia das normas que estabelecem as competências legislativa e administrativa privativas da União.

Em outras palavras, não se pode invocar a competência concorrente para legislar sobre direito do consumidor como forma de burlar ou contrariar as competências legislativa e administrativa privativas da União.

Os prazos e valores do fornecimento de energia elétrica estão normatizados em legislação própria e se submetem à homologação da ANEEL. Portanto, não há espaço para atuação do legislador estadual com o pretexto de conferir maior proteção ao consumidor.

Não confundir

Vale a pena relembrar outro julgado sobre competência legislativa e energia elétrica para você não confundir no momento da prova:

É constitucional lei estadual que proíbe que as empresas concessionárias façam o corte do fornecimento de água e luz por falta de pagamento, em determinados dias.

Ex: lei do Estado do Paraná proíbe concessionárias de serviços públicos de água e luz de cortarem o fornecimento residencial de seus serviços por falta de pagamento de contas às sextas-feiras, sábados, domingos, feriados e no último dia útil anterior a feriado. Também estabelece que o consumidor que tiver suspenso o fornecimento nesses dias passa a ter o direito de acionar juridicamente a concessionária por perdas e danos, além de ficar desobrigado do pagamento do débito que originou o corte. STF. Plenário. ADI 5961/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgado em 19/12/2018 (Info 928).

96
Q

É constitucional lei estadual que dispensa multa por quebra da fidelidade nos contratos com as empresas de telefonia em caso de desemprego superveniente do cliente?

A

Resumo

É constitucional lei estadual que obriga as empresas de telefonia fixa e móvel a cancelarem a multa contratual de fidelidade quando o usuário comprovar que perdeu o vínculo empregatício após a adesão do contrato. STF. Plenário. ADI 4908/RJ, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 11/4/2019 (Info 937)

Interior teor:

ADI

A Associação das Operadoras de Celulares (Acel) ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei alegando que ela seria formalmente inconstitucional por violar a competência privativa da União para legislar sobre os serviços de telecomunicações, prevista no art. 22, IV, da Constituição Federal:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (…) IV - águas, energia, informática telecomunicações e radiodifusão;

O STF concordou com o pedido?

NÃO

[…]

A referida lei dispõe sobre Direito do Consumidor, de modo que não há vício formal considerando que se trata de matéria de competência legislativa concorrente, nos termos do art. 24, V e VIII, da CF/88:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…)

V - produção e consumo;

(…) VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

O STF entendeu que esta norma não interfere na estrutura da prestação do serviço público nem no equilíbrio dos contratos administrativos, razão pela qual não há usurpação da competência legislativa privativa da União.

DOD PLUS

A discussão sobre até que ponto seria apenas defesa do consumidor ou isso avançaria na regulação dos “serviços de telecomunicações” é um tema sempre presente na jurisprudência do STF. Veja alguns casos já decididos pela Corte:

LEI ESTADUAL QUE… É constitucional? A três abaixo sim.

Proíbe que as empresas concessionárias façam o corte do fornecimento de água e luz por falta de pagamento, em determinados dias. STF. Plenário. ADI 5961/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgado em 19/12/2018 (Info 928).

Obriga as empresas de telefonia fixa e móvel a cancelarem a multa contratual de fidelidade quando o usuário comprovar que perdeu o vínculo empregatício após a adesão do contrato. STF. Plenário. ADI 4908/RJ, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 11/4/2019 (Info 937).

Obriga as empresas prestadoras de serviços no Estado (exs: empresas de telefonia, de TV por assinatura, de energia elétrica etc.) a informarem previamente a seus clientes os dados do empregado que realizará o serviço na residência do consumidor. STF. Plenário. ADI 5745/RJ, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 07/02/2019 (Info 929).

LEI ESTADUAL QUE… É constitucional? A duas abaixo não.

Obriga concessionárias a instalarem bloqueadores de celular em presídios. STF. Plenário. ADI 4861/SC, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 3/8/2016 (Info 833).

Obriga as empresas concessionárias de serviços de telecomunicações a manterem escritórios regionais e representantes legais para atendimento presencial de consumidores em cidades com população superior a 100 mil habitantes, bem como a divulgarem os correspondentes endereços físicos no site, no contrato de prestação de serviços e nas faturas enviadas aos usuários. STF. Plenário. ADI 4633/PR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 10/04/2018 .

97
Q

É constitucional lei estadual que impõe às agências bancárias que instalem divisórias individuais nos caixas de atendimento?

A

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL. LEI 14.364/2011 DO ESTADO DE SÃO PAULO. OBRIGAÇÃO DE INSTALAÇÃO DE DIVISÓRIAS INDIVIDUAIS ENTRE OS CAIXAS E O ESPAÇO RESERVADO PARA CLIENTES QUE AGUARDAM ATENDIMENTO NAS AGÊNCIAS E POSTOS DE SERVIÇOS BANCÁRIOS. NORMA SUPLEMENTAR DE PROTEÇÃO AOS CONSUMIDORES. HARMONIA COM AS NORMAS GERAIS PREVISTAS NA LEI FEDERAL 7.102/1983 – QUE DISPÕE SOBRE SEGURANÇA PARA ESTABELECIMENTOS FINANCEIROS – E NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (LEI FEDERAL 8.078/1990). DIRETO DO CONSUMIDOR. MATÉRIA AFETA À COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE DA UNIÃO E DOS ESTADOS-MEMBROS (ARTIGO 24, V E VIII, DA CONSTITUIÇÃO DA FEDERAL). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONHECIDA E JULGADO IMPROCEDENTE O PEDIDO. 1. As relações de consumo no âmbito bancário são reguladas à luz da competência concorrente da União e dos Estados-membros (artigo 24, V e VIII, da Constituição Federal). Precedentes: RE 610.221-RG, Rel. Min. Ellen Gracie, Plenário, DJe de 20/8/2010, Tema 272; ARE 1.013.975-AgR-segundo, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe de 22/11/2017; RE 830.133-ED-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 14/11/2014; RE 254.172-AgR, Rel. Min. Ayres Britto, Segunda Turma, DJe de 23/9/2011; AI 709.974-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe de 26/11/2009; AI 747.245-AgR, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJe de 6/8/2009; AC 1.124-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJ de 4/8/2006; AI 491.420-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, Primeira Turma, DJ de 24/3/2006; e AI 347.717-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ de 5/8/2005. 2. A obrigação para as agências e os postos de serviços bancários de instalar divisórias individuais entre os caixas e o espaço reservado para clientes que aguardam atendimento é norma suplementar de proteção aos consumidores dos serviços bancários no Estado de São Paulo, que se encontra em harmonia com as normas gerais previstas na Lei federal 7.102/1983, que dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros, e no Código de Defesa do Consumidor (Lei federal 8.078/1990). 3. A Lei 14.364/2011 do Estado de São Paulo instituiu obrigação para as agências e os postos de serviços bancários de instalar divisórias individuais entre os caixas e o espaço reservado para clientes que aguardam atendimento, sob pena de multa, de forma a proporcionar “privacidade às operações financeiras”. 4. Ação direta conhecida e julgado improcedente o pedido.

Interior teor:

O requerente, em síntese, argumentou que a competência legislativa para regular questões atinentes às instituições financeiras é privativa da União, por força do art. 48, inciso XIII da CF, que impõe ao Congresso Nacional dispor sobre todas as matérias de competência da União, dentre elas a matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações.

“Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: (…) XIII - matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações; ”

(ADI 4633, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 06/12/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-071 DIVULG 05-04-2019 PUBLIC 08-04-2019)

98
Q

Lei estadual pode fixar o número máximo de alunos por sala de aula?

A

Resumo

A competência para legislar sobre educação e ensino é concorrente (art. 24, IX, da CF/88).

No âmbito da legislação concorrente, a União tem competência apenas para estabelecer as normas gerais (§ 1º) e os Estados podem suplementar (complementar, detalhar) a legislação federal (§ 2º).

As normas gerais sobre educação foram editadas pela União na Lei 9.394/96 (LDB).

Determinado Estado-membro editou uma lei prevendo o número máximo de alunos que poderiam estudar nas salas de aula das escolas, públicas ou particulares, ali existentes.

O STF entendeu que essa lei é constitucional e que não usurpa a competência da União para legislar sobre normas gerais de educação. STF. Plenário. ADI 4060/SC, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/2/2015 (Info 775).

Interior teor:

ADI

A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenem), contudo, não concordou e propôs, no STF, uma ADI contra a lei.

Na ação, a Confenem argumentou que a União e os Estados são competentes para legislar sobre educação (art. 24, IX, da CF/88), mas as regras gerais instituídas pela União são de observância obrigatória e os Estados não podem tratar sobre o tema de forma contrária.

Segundo defendeu a autora da ADI, a Lei estadual teria violado o art. 25 da Lei federal n. 9.394/96 (LDB).

O STF concordou com a ADI proposta? A Lei estadual violou a CF/88?

NÃO. Lei editada por Estado-membro, que disponha sobre número máximo de alunos em sala de aula na educação infantil, fundamental e média, não usurpa a competência da União para legislar sobre normas gerais de educação (art. 24, IX, e § 3º, da CF/88).

A competência para legislar sobre educação e ensino é concorrente:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: IX - educação, cultura, ensino e desporto;

No âmbito da legislação concorrente, a União tem competência apenas para estabelecer as normas gerais (§ 1º) e os Estados podem suplementar (complementar, detalhar) a legislação federal (§ 2º).

As normas gerais sobre educação foram editadas pela União na Lei n. 9.394/96, chamada de LDB (Lei de diretrizes e bases da educação nacional).

A LDB trata sobre a quantidade de alunos em sala de aula em apenas um dispositivo. Confira:

Art. 25. Será objetivo permanente das autoridades responsáveis alcançar relação adequada entre o número de alunos e o professor, a carga horária e as condições materiais do estabelecimento. Parágrafo único. Cabe ao respectivo sistema de ensino, à vista das condições disponíveis e das características regionais e locais, estabelecer parâmetro para atendimento do disposto neste artigo.

Sistema de ensino é uma expressão utilizada pela LDB que significa a organização do ensino no respectivo Estado/DF ou Município. Assim, dizemos que existe o sistema de ensino estadual, distrital e municipal. É o próprio ente que, por meio de lei, estabelece as regras sobre seu sistema de ensino, desde que respeitadas as normas gerais da União. Veja o que diz a LDB:

Art. 8º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino.

(…)

§ 2º Os sistemas de ensino terão liberdade de organização nos termos desta Lei.

Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de: (…) V - baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;

Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de: III - baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;

Desse modo, o Estado-membro poderia legislar sobre seu sistema de ensino e essa regra de número máximo de alunos por sala de aula não violou nem a CF/88 nem o art. 25 da Lei n. 9.394/96. Ao contrário, a legislação estadual cumpriu o que determina o parágrafo único do referido art. 25.

Segundo entendeu o STF, limite máximo de alunos em sala de aula é um tema que não precisa ser tratado de forma idêntica em todo o Brasil (não precisa ter uma uniformidade nacional). Logo, não é matéria de normas gerais da União, pois envolve circunstâncias peculiares, tais como: número de escolas colocadas à disposição da população naquele Estado/Município, a oferta de vagas para o ensino fundamental e médio, quantitativo de crianças em idade escolar, o número de professores em oferta, entre outros.

Assim, considerou-se que a Lei do Estado de Santa Catarina, ao prever número máximo de alunos por sala de aula, apenas esmiuçou o art. 25 da LDB, não avançando sobre matéria de competência da União.

Durante os debates, os Ministros ressaltaram que o STF, em matéria de competência legislativa, deve prestigiar (e aceitar) as leis de iniciativas regionais e locais, a menos que ofendam norma expressa e inequívoca da Constituição. Essa diretriz se ajusta à noção de federalismo como sistema que visaria a promover o pluralismo nas formas de organização política.

99
Q

Lei estadual pode, em determinado trechos, determinar apenas que seja observado o regramento estabelecido em legislação federal?

A

Resumo

É inconstitucional lei estadual que, ao tratar sobre matéria de competência concorrente (art. 24 da CF/88), simplesmente determina que devem ser observadas as regras previstas na lei federal

A competência para legislar sobre as atividades que envolvam organismos geneticamente modificados (OGM) é concorrente (art. 24, V, VIII e XII, da CF/88).

No âmbito das competências concorrentes, cabe à União estabelecer normas gerais e aos Estados-membros editar leis para suplementar essas normas gerais (art. 24, §§ 1º e 2º).

Determinado Estado-membro editou lei estabelecendo que toda e qualquer atividade relacionada com os OGMs naquele Estado deveria observar “estritamente à legislação federal específica”.

O STF entendeu que essa lei estadual é inconstitucional porque significou uma verdadeira “renúncia” ao exercício da competência legislativa concorrente prevista no art. 24, V, VIII e XII, da CF/88. Em outras palavras, o Estado abriu mão de sua competência suplementar prevista no art. 24, § 2º da CF/88.

Essa norma estadual remissiva fragiliza a estrutura federativa descentralizada, e consagra o monopólio da União, sem atentar para nuances locais.

Assim, é inconstitucional lei estadual que remete o regramento do cultivo comercial e das atividades com organismos geneticamente modificados à regência da legislação federal. STF. Plenário. ADI 2303/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 5/9/2018 (Info 914)

Interior teor:

Por quê?

Em primeiro lugar, deve-se reiterar que o Estado-membro poderia legislar sobre esse tema. O “problema” está no conteúdo.

O STF entendeu que essa lei do Estado do Rio Grande do Sul significou uma verdadeira “renúncia” ao exercício da competência legislativa concorrente prevista no art. 24, V, VIII e XII, da CF/88. Em outras palavras, o Estado abriu mão de sua competência suplementar prevista no art. 24, § 2º da CF/88.

O ente federado não pode se recusar a implementar as providências impostas a ele pelo legislador constituinte.

Segundo o Min. Marco Aurélio,

“O descompasso da lei impugnada é ainda maior quando se considera o federalismo cooperativo. A lógica mostra-se intransponível e direciona ao estabelecimento de normas gerais pela União e à atuação dos Estados no atendimento das peculiaridades regionais. O Estado se exime de cumprir o dever constitucional de providenciar a implementação, harmoniosa e atenta aos interesses regionais, de valores consagrados na Lei Fundamental.”

O Brasil possui uma extensa dimensão territorial e, por essa razão, é indispensável que exista um tratamento particularizado para essa matéria, tendo em vista a diversidade biológica verificada no país. Assim, é necessário que sejam elaboradas políticas públicas específicas à realidade local.

O respeito às necessidades regionais é uma condição de viabilidade da Federação. Em outras palavras, só há Federação com a autonomia dos Estados-membros sendo exercida.

Essa Lei do RS foi uma lei remissiva, ou seja, ela falou o seguinte: a competência para tratar sobre esse assunto é minha também, mas façam aí tudo o que a legislação federal determinar.

Para o STF, “a banalização de normas estaduais remissivas fragiliza a estrutura federativa descentralizada, e consagra o monopólio da União, sem atentar para nuances locais.”

100
Q

Municípios podem tratar de direito do consumidor? É, por exemplo, constitucional lei municipal que proíbe a confer~encia de mercadorias realizada na saída de estabelecimentos comeciais?

A

Resumo

É constitucional lei municipal que proíbe a conferência de mercadorias realizada na saída de estabelecimentos comerciais localizados na cidade. A Lei prevê que, após o cliente efetuar o pagamento nas caixas registradoras da empresa instaladas, não é possível nova conferência na saída.

Os Municípios detêm competência para legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I, da CF/88), ainda que, de modo reflexo, tratem de direito comercial ou do consumidor. STF. 2ª Turma. RE 1.052.719 AgR/PB, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 25/9/2018 (Info 917).

Inteiro teor:

Prática de vistoriar as mercadorias adquiridas pelos consumidores na saída do estabelecimento

Existem alguns supermercados, normalmente atacadistas, que colocam um funcionário na porta de saída da loja e que fica responsável por conferir as mercadorias que a pessoa está levando em comparação com a nota fiscal. O Makro, por exemplo, faz isso. Nos EUA, a rede Costco também adota esse procedimento. Assim, após o cliente pagar as suas compras no caixa, ele ainda tem que apresentar a nota fiscal na saída do estabelecimento e o funcionário confere se os itens que estão no carrinho de compra constam na nota.

Posição de alguns Ministérios Públicos

Normalmente, o procedimento acima descrito é rápido e não gera nenhum constrangimento ao consumidor, sendo uma mera conferência.

Apesar disso, existem algumas ações civis públicas propostas pelo Ministério Público questionando a conduta. Alegam que se trata de ação intimidatória e desproporcional porque o comerciante detém meios menos gravosos para exercer vigilância, como é o caso da instalação de alarmes e câmeras, além da presença de fiscais no interior das lojas.

Esse entendimento é acolhido pelo STJ?

Em regra, NÃO. A realização de vistoria em mercadorias adquiridas pelo consumidor na saída do estabelecimento comercial, por si só, realizada de forma indistinta e desprovida de caráter acusatório, não configura conduta abusiva. Nesse sentido:

A prática da conferência indistinta de mercadorias pelos estabelecimentos comerciais, após a consumação da venda, é em princípio lícito e tem como base o exercício do direito de vigilância e proteção ao patrimônio, razão pela qual não constitui, por si só, prática abusiva.

Se a revista dos bens adquiridos é realizada em observância aos limites da urbanidade e civilidade, constitui mero desconforto, a que atualmente a grande maioria dos consumidores se submete, em nome da segurança. STJ. 3ª Turma. REsp 1120113/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/02/2011.

Mais recentemente: STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1660314/GO, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 07/11/2017.

Lei municipal

Alguns Municípios decidiram, no entanto, proibir essa prática. Foi o caso, por exemplo, da cidade de Campina Grande (PB), que editou uma lei municipal (Lei 4.845/2009) proibindo a conferência de mercadorias realizada na saída de estabelecimentos comerciais localizados na cidade.

A Lei prevê que, após o cliente efetuar o pagamento nas caixas registradoras da empresa instaladas, não é possível nova conferência na saída. O estabelecimento poderá receber sanções administrativas em caso de descumprimento da medida.

A constitucionalidade dessa lei foi questionada sob o argumento de que teria havido invasão de competência da União. O que decidiu o STF? Essa lei é inconstitucional?

NÃO. O STF decidiu que essa lei é constitucional

Competência dos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local

Compete ao município legislar sobre assuntos de interesse local, nos termos do art. 30, I, da CF/88:

Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local;

Assim, os Municípios podem legislar sobre proteção ao consumidor, desde que fiquem restritos ao interesse local. Nesse sentido:

Lei do Município de Campos do Jordão fixou tempo máximo de espera para atendimento em caixas de supermercado. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem reiteradamente afirmando a competência dos municípios para legislar sobre matéria consumerista quando sobreleva o interesse local, como ocorre no caso dos autos, em que a necessidade de um melhor atendimento aos consumidores nos supermercados e hipermercados é aferível em cada localidade, a partir da observação da realidade local. STF. 2ª Turma. RE 818550 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 06/10/2017.

Compete ao município legislar sobre medidas que propiciem segurança, conforto e rapidez aos usuários de serviços bancários, uma vez que tratam de assuntos de interesse local. STF. 2ª Turma. ARE 747757 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 24/06/2014.

Os Municípios detêm competência para legislar determinando a instalação de sanitários nas agências bancárias, uma vez que essa questão é de interesse local e diz respeito às normas de proteção das relações de consumo, posto que visa o maior conforto dos usuários daquele serviço, não se confundindo com a atividade-fim das instituições bancárias. STF. 1ª Turma. RE 266536 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17/04/2012.

Súmula Vinculante 38-STF: É competente o município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial.

Súmula 19-STJ: A fixação do horário bancário, para atendimento ao público, é da competência da União.

Proteção das relações de consumo

A lei atacada está dentro da competência legislativa municipal, porque diz respeito à proteção das relações de consumo dos seus munícipes. Ela tem por objetivo evitar o constrangimento dos particulares e de lhes proporcionar maior conforto, haja vista que impede a dupla conferência das mercadorias e evita o enfrentamento de várias filas.

Municípios podem legislar sobre direito do consumidor, desde que em assuntos de interesse local

Os Municípios detêm competência para legislar sobre assuntos de interesse local, ainda que, de modo reflexo, tratem de direito comercial ou do consumidor.

Ao se analisar leis municipais que tratem sobre assuntos de interesse local, o STF tem procurado conferir uma interpretação constitucional que seja mais favorável à autonomia legislativa dos municípios, haja vista ter sido essa a intenção do constituinte ao elevá-los ao status de entes federativos na CF/88.

Essa autonomia revela-se primordialmente quando o município exerce, de forma plena, sua competência legislativa em matéria de interesse da municipalidade, como previsto no art. 30, I, da CF/88.

Em outras palavras, uma das expressões da autonomia municipal é justamente a sua competência para legislar sobre assuntos de interesse local.

Por isso, toda interpretação que limite ou mesmo vede a atuação legislativa do Município deve considerar a primazia do interesse da matéria regulada, de modo a preservar a essencial autonomia desse ente político no sistema federativo pátrio.

Não houve violação ao art. 22, I, da CF/88

O STF ressaltou que a referida lei tratou sobre o bem-estar dos consumidores e, portanto, não houve qualquer relação com a atividade-fim das empresas, razão pela qual não se pode dizer que a lei disponha sobre direito civil ou direito comercial. Logo, não houve violação do art. 22, I, da CF/88.

Interesse local

Não existe um critério objetivo para definir, de maneira absolutamente segura, em que consiste interesse local e quando a legislação ultrapassa isso. Assim, deve-se prestigiar a vereança local, que bem conhece a realidade e as necessidades da comunidade.

101
Q

Para legislar sobre matéria urbanística, o Município com mais de 20 mil habitante tem de fazê-lo necessariamente por meio do plano diretor?

A

A disciplina sobre o ordenamento do espaço urbano pode ser feita por meio de outras leis municipais além do plano diretor, desde que sejam compatíveis com esta

Os Municípios com mais de 20 mil habitantes e o Distrito Federal podem legislar sobre programas e projetos específicos de ordenamento do espaço urbano por meio de leis que sejam compatíveis com as diretrizes fixadas no plano diretor.

Isso significa que nem sempre que o Município for legislar sobre matéria urbanística, ele precisará fazê-lo por meio do Plano Diretor. O Plano Diretor é o instrumento legal que dita a atuação do Município ou do Distrito Federal quanto ao ordenamento urbano, traçando suas linhas gerais, porém a sua execução pode se dar mediante a expedição de outras lei e decretos, desde que guardem conformidade com o Plano Diretor. STF. Plenário. RE 607940/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 29/10/2015 (Info 805).

102
Q

É constitucional lei municipal que estabelece que os supermercados ficam obrigados a colocar à disposição dos consumidores pessoa suficiente nos caixas, de forma que a espera na fila não seja superior a 15 minutos?

A

Resumo

É constitucional lei municipal que estabelece que os supermercados e hipermercados do Município ficam obrigados a colocar à disposição dos consumidores pessoal suficiente no setor de caixas, de forma que a espera na fila para o atendimento seja de, no máximo, 15 minutos. Isso porque compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local, notadamente sobre a definição do tempo máximo de espera de clientes em filas de estabelecimentos empresariais.

Vale ressaltar que essa lei municipal não obriga a contratação de pessoal, e sim sua colocação suficiente no setor de caixas para o atendimento aos consumidores. STF. 1ª Turma. ARE 809489 AgR/SP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 28/5/2019 (Info 942).

Não confundir com este outro julgado:

São inconstitucionais as leis que obrigam supermercados ou similares à prestação de serviços de acondicionamento ou embalagem das compras, por violação ao princípio da livre iniciativa (art. 1º, IV e art. 170 da CF/88).

STF. Plenário. ADI 907/RJ, Rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 1º/8/2017 (Info 871). STF. Plenário. RE 839950/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 24/10/2018 (repercussão geral) (Info 921)

103
Q

É constitucional norma de CE que determinar que autoridade de entidade pública estaduais deva comparecer anualmente à ALE para apresentar relatório de atividade, que poderão ou não ser referendado pelos Deputados?

A

A Assembleia Legislativa do Estado de Roraima editou emenda, de iniciativa parlamentar, à Constituição do Estado prevendo duas regras:

1) O Governador seria obrigado a submeter à análise da ALE os nomes que ele escolheu para serem nomeados como membros do TCE, Defensor Público-Geral, Procurador-Geral do Estado, diretores de fundações e autarquias e Presidentes de sociedade de economia mista e empresas públicas.
2) Os titulares da Universidade Estadual, da Companhia de Águas do Estado, da Companhia Energética do Estado e inúmeras outras autoridades deveriam para apresentar relatório de atividades, que seria referendado ou não pelos Deputados e, caso fosse rejeitado, isso implicaria o afastamento imediato do titular do cargo. Sob o ponto de vista formal, essa emenda é inconstitucional porque como trata sobre regime jurídico de servidores públicos não poderia ser de iniciativa parlamentar (art. 61, § 1º, “c”, da CF/88).

Sob o aspecto material, quanto à regra 1, o STF entendeu que a nomeação do Procurador-Geral do Estado e dos Presidentes de sociedade de economia mista e empresas públicas não podem ser submetidas ao crivo da ALE. O cargo de Procurador-Geral do Estado é de livre nomeação e exoneração, sendo um cargo de confiança do chefe do Poder Executivo. As empresas públicas e sociedades de economia mista submetem-se a regras de direito privado e não podem sofrer ingerência por parte do Legislativo.

Quanto à regra 2, esta também é materialmente inconstitucional porque institui um modelo de fiscalização exacerbado e, desse modo, viola o princípio da separação de Poderes. STF. Plenário. ADI 4284/RR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 9/4/2015 (Info 780)comparecer anualmente à ALE

ATUALIZAÇÃO

É inconstitucional norma de Constituição Estadual que exija prévia arguição e aprovação da Assembleia Legislativa para que o Governador do Estado nomeie os dirigentes das autarquias e fundações públicas, os presidentes das empresas de economia mista e assemelhados, os interventores de Municípios, bem como os titulares da Defensoria Pública e da ProcuradoriaGeral do Estado. STF. Plenário. ADI 2167/RR, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 3/6/2020 (Info 980).

104
Q

É constitucional norma de CR que preveja que o servidor em disponibilidade faz jus a remuneração INTEGRAL do cargo? É válido a estipulação de prazo para aproveitamento do servidor?

A

CE não pode prever, para o servidor público em disponibilidade, regras diferentes do modelo instituído pela CF/88

É incompatível com a CF/88 norma da Constituição estadual que afirme que o servidor público em disponibilidade ficará recebendo remuneração INTEGRAL. Isso porque o § 3o do art. 41 da
CF/88 estabelece que o servidor em disponibilidade terá remuneração PROPORCIONAL ao tempo de serviço.
É também incompatível com a CF/88 norma da Constituição estadual que afirme que o servidor público em disponibilidade deverá ser aproveitado em outro cargo NO PRAZO MÁXIMO de 1 ano. Isso porque a CF/88, ao tratar sobre o tema, não estipulou tal interregno.
STF. Plenário. ADI 239/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/2/2014.

Interior teor:

Além disso, na CF/88 não existe esse “prazo máximo de um ano”, que foi previsto na CE/RJ. Assim, ao impor tal interregno, o Poder Legislativo criou uma obrigação que não decorre direta ou indiretamente dos pressupostos do instituto da disponibilidade, definidos na Carta Magna. Além disso, essa imposição ao Governador do Estado de um prazo para que o servidor em disponibilidade seja aproveitado em outra função viola o postulado da independência dos Poderes.

105
Q

O Chefe Polícia Civil tem de ser necessariamente integrante dessa instituição?

A

A CF/88, em seu art. 144, § 4º, estabelece o requisito necessário para ocupar a direção da Polícia Civil (deverá ser um Delegado de Polícia de carreira).

As Constituições estaduais não poderão prever regras diferentes desse modelo (princípio da simetria).

Assim, é inconstitucional a CE que preveja que o chefe da Polícia Civil pode ser alguém que não integre a carreira.

De igual forma, é inconstitucional a CE que estabeleça que o chefe da Polícia Civil deverá ser um Delegado de Polícia integrante da classe final da carreira, considerando que a CF/88 não faz tal exigência. STF. Plenário. ADI 3038/SC, rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/12/2014 (Info 771).

106
Q

Norma de CE pode impor obrigações a servidores municipais? E pra sociedade de economia mista e empresas públicas?

A

É inconstitucional norma da Constituição estadual que impõe obrigações relacionadas com servidores municipais. Há, no caso, violação à autonomia municipal.
É inconstitucional norma da Constituição estadual que impõe obrigações de natureza civil, comercial ou trabalhista às empresas públicas e às sociedades de economia mista. Isso porque tais entidades estão sujeitas ao regime das empresas privadas (art. 173, § 1o da CF/88).
STF. Plenário. ADI 144/RN, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 19/2/2014.

107
Q

CE pode estabelecer regras para perda de mandato dos deputados de forma diferente da CF?

A

É inconstitucional norma da Constituição estadual que preveja que o Deputado Estadual perderá o mandato em caso de condenação criminal nos crimes apenados com reclusão, atentatórios ao decoro parlamentar. Isso porque a CE, ao tratar sobre perda de mandato do parlamentar estadual, deverá seguir as mesmas regras impostas pela CF/88 aos deputados federais.

Segundo o art. 55, VI, da CF/88, o Deputado Federal deverá perder o mandato sempre que sofrer condenação criminal transitada em julgado, independentemente da natureza da pena e do tipo de crime. Logo, a CE viola a CF/88 ao limitar a perda aos casos em que o parlamentar for condenado por crime apenado com reclusão e atentatório ao decoro parlamentar. STF. Plenário. ADI 3200/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 22/5/2014.

108
Q

É constitucional norma da CE que preve que os recursos recebidos pelo Estado, da União, a título de indenização ou pagamento de débito, serão destinados ao pagamento de precatórios decorrentes de condenações judicias da mesma origem da indeinzação ou do pagamento?

A

É inconstitucional norma da Constituição estadual que preveja que os recursos recebidos pelo Estado, da União, a título de indenização ou pagamento de débito, serão destinados ao pagamento de precatórios decorrentes de condenações judiciais da mesma origem da indenização ou do pagamento.
Tal previsão gera uma fila preferencial de precatórios, em detrimento da ordem cronológica, o que ofende o art. 100 da CF/88.
STF. Plenário. ADI 584/PR, rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/3/2014.

Interior teor:

[…] somente a própria CF/88 poderia estabelecer uma ordem de pagamento diversa da cronológica.
Além disso, o dispositivo da Constituição Estadual, ao efetuar vinculação de receita de caráter orçamentário, incorre em vício de natureza formal, uma vez que a Carta Política exige que a iniciativa legislativa de leis com esse conteúdo seja do chefe do Poder Executivo.

109
Q

CE pode prever que proibições e impedimentos dos Deputados Estaduais sejam também aplicados para Governador e Vice?

A

É constitucional norma da Constituição estadual que preveja que as proibições e os impedimentos estabelecidos para os Deputados Estaduais deverão ser aplicados também para o Governador e o Vice-Governador do Estado. STF. Plenário. ADI 253/MT, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 28/5/2015 (Info 787).

Interior teor:

Vamos relembrar o que é o princípio da simetria

Segundo o princípio ou regra da simetria, o legislador constituinte estadual, ao elaborar as normas da Constituição estadual sobre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e sobre as regras do pacto federativo, deverá observar, em linhas gerais, o mesmo modelo imposto pela Constituição Federal, a fim de manter a harmonia e independência entre eles.

Ex.: a CE não pode estabelecer que o projeto de lei para a criação de cargos na Administração Pública estadual seja de iniciativa parlamentar. Tal previsão violaria o princípio da simetria, já que iria de encontro ao modelo federal imposto pelo art. 61, § 1º, II, “a”, da CF/88.

O princípio da simetria não está previsto de forma expressa na CF/88. Foi uma criação pretoriana, ou seja, idealizado pela jurisprudência do STF.

Alguns Ministros invocam como fundamento normativo para a sua existência o art. 25 da CF e o art. 11 do ADCT, que determinam aos Estados-membros a observância dos princípios da Constituição da República. As regras de processo legislativo previstas na CF/88 são normas de reprodução obrigatória pelos Estadosmembros, ou seja, estão submetidas ao princípio da simetria.

A ADI foi julgada procedente? Esse dispositivo é inconstitucional? Houve violação ao princípio da simetria?

NÃO. Realmente, o princípio da simetria, que é baseado nos arts. 25 da CF/88 e 11 do ADCT determina que os Estados deverão observar os princípios da Constituição Federal com o objetivo de buscar uma harmonia e homogeneidade. Isso não significa, contudo, impor amarras absolutas às Constituições estaduais.

O princípio da simetria não significa que o constituinte estadual só pode copiar as normas federais e o que esteja fora disso seja inconstitucional.

O fato de o constituinte federal não ter expressamente previsto semelhantes vedações ao Presidente e ao Vice-Presidente da República não significa que o constituinte estadual não possa estabelecê-las para o Governador e Vice-Governador.

O estabelecimento de restrições a certas proibições ao Vice-Governador, com o objetivo de preservar a sua incolumidade política, é matéria que o Estado-membro pode desenvolver no exercício da sua autonomia constitucional. Não há na Constituição Federal princípio que o impeça.

110
Q

A CE pode determinar que Municípios reservem vagas para pessoas com deficiência em seus quadros?

A

É constitucional norma de Constituição Estadual que preveja que “o Estado e os Municípios reservarão vagas em seus respectivos quadros de pessoal para serem preenchidas por pessoas portadoras de deficiência.”

Apesar de, em tese, a Constituição Estadual não poder dispor sobre servidores municipais, sob pena de afronta à autonomia municipal, neste caso não há inconstitucionalidade, considerando que se trata de mera repetição de norma da CF/88: Art. 37 (…) VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão; STF. Plenário. ADI 825/AP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 25/10/2018 (Info 921).

111
Q

CE pode estabelecer que Procurador-Geral da ALE atue em ADI proposta perante o Tribunal de Justiça?

A

Resumo

Não é inconstitucional norma da Constituição do Estado que atribui ao Procurador da Assembleia Legislativa ou, alternativamente, ao Procurador-Geral do Estado, a incumbência de defender a constitucionalidade de ato normativo estadual questionado em controle abstrato de constitucionalidade na esfera de competência do Tribunal de Justiça.
Essa previsão não afronta o art. 103, § 3o da CF/88 já que não existe, quanto a isso, um dever de simetria para com o modelo federal.
Ademais, essa norma estadual não viola o art. 132 da CF/88 uma vez que a atuação do Procurador-Geral da ALE nos processos de controle de constitucionalidade não se confunde com o papel de representação judicial do Estado, esse sim de exclusividade da Procuradoria- Geral do Estado.

STF. Plenário. ADI 119/RO, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/2/2014.

Inteiro teor:

ADI
Foi proposta uma ADI contra esse dispositivo alegando se que a expressão “ou o Procurador-Geral da Assembleia Legislativa” seria inconstitucional.

Segundo a tese defendida, a CF/88 determina que a defesa do ato ou texto impugnado deve ser feita pelo Advogado-Geral da União (art. 103, § 3o).

Logo, aplicando-se o princípio da simetria, no âmbito estadual, essa defesa somente poderia ser realizada pelo Procurador-Geral do Estado (art. 132 da CF/88).

Assim, a CE/RO teria violado o art. 132 e o art. 103, § 3o, da CF/88, ao prever que essa atribuição pode ser desempenhada pelo Procurador-Geral da ALE.

A tese sustentada na ADI foi aceita pelo STF? O dispositivo atacado é inconstitucional?
NÃO. O STF entendeu que o art. 103, § 3o da CF/88 não era um dispositivo de reprodução obrigatória para as Constituições estaduais. Em outras palavras, não há o dever de simetria quanto a essa regra. Veja as palavras do Min. Dias Toffoli:
“Muito embora o constituinte originário tenha, no âmbito federal, colocado o advogado-geral da União para atuar no controle abstrato como defensor da lei ou do ato normativo impugnado, tal previsão não se estendeu literalmente aos estados, não se impondo que o procurador-geral do estado figure nessa posição.”
Vale ressaltar que não há violação ao art. 132 da CF/88, considerando que a defesa do ato normativo impugnado por ADI não é uma atividade de “representação judicial” do Estado-membro. Nos processos de natureza objetiva, como é o caso da ADI, não há sequer partes processuais propriamente ditas, inexistindo litígio na acepção técnica do termo.
Em suma, a atuação do Procurador-Geral da ALE, com base no art. 272 da Constituição de Rondônia, não se confunde com o papel de representação judicial do Estado, esse sim de exclusividade da Procuradoria- Geral do Estado.

112
Q

A CE pode ampliar as hipóteses de reserva de lei complementar?

A

A Constituição Estadual não pode ampliar as hipóteses de reserva de lei complementar, ou seja, não pode criar outras hipóteses em que é exigida lei complementar, além daquelas que já são previstas na Constituição Federal.

Se a Constituição Estadual amplia o rol de matérias que deve ser tratada por meio de lei complementar, isso restringe indevidamente o “arranjo democrático-representativo desenhado pela Constituição Federal”.

Caso concreto: STF declarou a inconstitucionalidade de dispositivo da CE/SC que exigia a edição de lei complementar para dispor sobre: a) regime jurídico único dos servidores estaduais; b) organização da Polícia Militar; c) organização do sistema estadual de educação e d) plebiscito e referendo. Esses dispositivos foram declarados inconstitucionais porque a CF/88 não exige lei complementar para disciplinar tais assuntos. STF. Plenário. ADI 5003/SC, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 5/12/2019 (Info 962).

A Constituição Estadual não pode ampliar as hipóteses de reserva de lei complementar, ou seja, não pode criar outras hipóteses em que é exigida lei complementar, além daquelas que já são previstas na Constituição Federal. Ao fazer isso, a Constituição Estadual restringiu indevidamente o “arranjo democrático-representativo desenhado pela Constituição Federal”.

A lei complementar não possui uma posição hierárquica superior à lei ordinária. Mesmo assim, a aprovação de uma lei complementar é mais difícil porque o quórum para a sua aprovação exige maioria absoluta.

Desse modo, para que o Poder Executivo consiga a aprovação de uma lei complementar no parlamento, isso dependerá de uma mobilização parlamentar mais intensa, além do dispêndio de capital político e institucional que propicie esta articulação. Esse processo nem sempre é factível ou mesmo desejável à atividade legislativa ordinária.

A criação de reserva de lei complementar decorre de juízo de ponderação específico realizado pelo texto constitucional, fruto do sopesamento entre o princípio democrático, de um lado, e a previsibilidade e confiabilidade necessárias à adequada normatização de questões de especial relevância econômica, social ou política, de outro.

Mudança de entendimento:

Vale ressaltar que o STF possui um julgado mais antigo em sentido contrário ao que foi explicado acima: Constituição estadual poderá prever que a Lei Orgânica da Polícia Civil daquele estado tenha status de lei complementar.

Não há nada na CF/88 que impeça o constituinte estadual de exigir quórum maior (lei complementar) para tratar sobre essa questão.

Seria uma demasia (um exagero) negar à Constituição estadual a possibilidade de escolher determinados temas como mais sensíveis, exigindo, para eles, uma aprovação legislativa mais qualificada por meio de lei complementar. STF. Plenário. ADI 2314/RJ, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, julgado em 17/6/2015 (Info 790).

113
Q

Cabe recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal de Justiça que defere pedido de intervenção estadual em município?

A

Não. É o que diz a Súmula 637 do STF: “Não cabe recurso exrtaordinário contra acórdão de Tribunal de Justiça que defere pedido de intervenção estadual em Município”.

114
Q

No caso de descumprimento de ordem judicial por Estado relativa a desocupação de área de fazenda invadida pelo MST, como se define a competência para apreciação de pedido de intervenção federal? Quanto ao mérito, o fato de ter passado muitos anos desde a decisão impede que se defira a intervenção federal?

A

Resumo

A União poderá intervir no Estado ou DF para prover (garantir) a execução de ordem ou decisão judicial que esteja sendo desrespeitada (art. 34, VI, da CF/88). Ocorrendo esse descumprimento, o STF, o STJ ou o TSE, a depender de qual ordem/decisão judicial esteja sendo desatendida, irá requisitar do Presidente da República a intervenção federal.

Se o Estado/DF estiver descumprindo uma decisão de juiz ou Tribunal de 2ª instância, o Tribunal local deverá fazer uma representação ao Tribunal Superior competente (STF, STJ ou TSE) solicitando a intervenção. Se o Tribunal Superior concordar, ele irá requisitar ao Presidente da República a intervenção.

Para saber qual o Tribunal Superior será competente, deverá ser analisada a matéria discutida e para quem seria dirigido o eventual recurso.

Compete ao STJ julgar pedido de intervenção federal baseado no descumprimento de ordem de reintegração de posse de imóvel rural ocupado pelo MST expedida por Juiz Estadual e fundada exclusivamente na aplicação da legislação infraconstitucional civil possessória. Isso porque a decisão descumprida analisou tema relacionado com direito civil privado, não tendo feito considerações sobre questões constitucionais. Logo, o eventual recurso contra a decisão, quando o processo superasse as instâncias ordinárias e chegasse aos Tribunais Superiores, seria apreciado pelo STJ em sede de recurso especial. Não caberia, no caso, recurso extraordinário ao STF, razão pela qual esta Corte não seria competente para julgar o pedido de intervenção relacionada com o desatendimento da decisão.

Quanto ao mérito, na situação concreta envolvendo ocupação de sítio pelo MST, tendo sido deferida decisão judicial para a retomada do imóvel há muitos anos, o que não foi cumprido, deverá ser deferida a intervenção federal?

O STJ possui precedentes em sentidos opostos:

 NÃO: STJ. IF 111-PR, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 1º/7/2014. Neste precedente, entendeu-se que, como já se passaram muitos anos desde que a decisão judicial foi descumprida, a remoção das diversas famílias que vivem no local, se fosse feita hoje, iria causar um enorme conflito social, até mesmo porque não existe lugar para acomodar de imediato, de forma digna, essas pessoas. Logo, apesar de tecnicamente, a situação se enquadrar em uma hipótese de intervenção federal, esta não deveria ser decretada, devendo se considerar que as fazendas ocupadas foram afetadas ao interesse público e que a questão deverá ser resolvida em reparação a ser buscada via ação de indenização (desapropriação indireta) promovida pelo interessado.

 SIM. IF 107-PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 15/10/2014. A Corte decidiu que deve ser deferido pedido de intervenção federal quando verificado o descumprimento pelo Estado, sem justificativa plausível e por prazo desarrazoado, de ordem judicial que tenha requisitado força policial para promover reintegração de posse em imóvel rural ocupado pelo MST, mesmo que, no caso, tenha se consolidado a invasão por um grande número de famílias e exista, sem previsão de conclusão, procedimento administrativo de aquisição da referida propriedade pelo Incra para fins de reforma agrária. É certo que a ocupação de grande número de famílias é sempre um fato que merece a consideração da autoridade encarregada da desocupação, mas não é em si impeditiva da intervenção. A inércia do Estado-executivo em dar cumprimento à decisão do Estado-juiz enfraquece o Estado de direito, que caracteriza a República brasileira.STJ. Corte Especial. IF 111-PR, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 1º/7/2014 (Info 545). STJ. Corte Especial. IF 107-PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 15/10/2014 (Info 550).

Interior teor:

A parte autora (no caso, o proprietário) poderia ter representado ao STJ pedindo a intervenção? Isso seria correto?

NÃO. A representação ou requisição de Intervenção Federal constituem providências que cabem aos Tribunais e não à parte interessada. Isso porque a intervenção federal, no caso de descumprimento de decisão judicial, não é um instrumento de realização do direito do particular vitorioso no caso. Trata-se de um mecanismo de afirmação da autoridade do órgão judiciário cuja ordem ou decisão esteja sendo descumprida. Em outras palavras, não é um instrumento de defesa do direito da parte, mas sim de garantia da independência do Poder Judiciário.

No caso concreto, a parte autora fez o correto. Provocou o Tribunal de Justiça e este representou ao STJ pedindo a intervenção federal. Vale ressaltar que o autor não cometeu nenhuma irregularidade ao formular o pedido ao TJ porque este Tribunal local poderia até mesmo de ofício pedir a intervenção ao STJ. Ora, se ele poderia fazê-lo de ofício, nada impede que a parte o provoque.

115
Q

É possível que o STF, ao julgar MS impetrado por parlamentar, exerça controle de constitucionalidade de projeto que tramita no Congresso Nacional e o declare inconstitucional, determinando seu arquivamento?

A

Em regra, não. Existem, contudo, duas exceções nas quais o STF pode determinar o arquivamente da propositura:

a) proposta de emenda constitucional que viole cláusula pétrea;
b) proposta de emenda constitucional ou projeto de lei cuja tramitação esteja ocorrendo com violação às regras constitucionais sobr eo processo legislativo.

116
Q

Associação que abranja apenas fração da catergoria profissional possui legitimidade para ADI de norma que envolva outros representados?

A

As associações que representam fração de categoria profissional não são legitimadas para instaurar controle concentrado de constitucionalidade de norma que extrapole o universo de seus representados.

Ex: a ANAMAGES, associação que representa apenas os juízes estaduais, não pode ajuizar ADPF questionando dispositivo da LOMAN, considerando que esta lei rege não apenas os juízes estaduais, mas sim os magistrados de todo o Poder Judiciário, seja ele federal ou estadual.

117
Q

Cabe ADI contra resolução do TSE?

A

A Resolução do TSE pode ser impugnada no STF por meio de ADI se, a pretexto de regulamentar dispositivos legais, assumir caráter autônomo e inovador. (STF, Info 747).

É cabível ADI contra Resolução do TSE que tenha, em seu conteúdo material, “norma de decisão” de caráter abstrato, geral e autônomo, apta a ser apreciada pelo STF em sede de controle abstrato de constitucionalidade. STF. Plenário. ADI 5122, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 3/5/2018 (Info 900)

118
Q

Cabe ADI contra Resolução do CNMP?

A

A Resolução do CNMP consiste em ato normativo de caráter geral e abstrato, editado pelo Conselho no exercício de sua competência constitucional, razão pela qual constitui ato normativo primário, sujeito a controle de constitucionalidade, por ação direta, no Supremo Tribunal Federal. STF. Plenário. ADI 4263/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 25/4/2018 (Info 899)

Obs.: também cabe contra Resolução do CNJ.

119
Q

Cabe ADI contra regimento interno de Assembleia Legislativa?

A

Dispositivo de Regimento Interno de uma Assembleia Legislativa pode ser impugnado no STF por meio de ADI, desde que possua caráter normativo e autônomo. É o caso, por exemplo, de um artigo do Regimento Interno que preveja o pagamento de remuneração aos Deputados Estaduais em virtude de convocação para sessão extraordinária. STF. Plenário. ADI 4587/GO, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 22/5/2014.

120
Q

O que acontece se a lei impugnada por meio de ADI é alterada antes do julgamento da ação?

A

Neste caso, o autor da ADI deverá aditar a petição inicial demonstrando que a nova redação do dispositivo impugnado apresenta o mesmo vício de inconstitucionalidade que existia na redação original.

A revogação, ou substancial alteração, do complexo normativo impõe ao autor o ônus de apresentar eventual pedido de aditamento, caso considere subsistir a inconstitucionalidade na norma que promoveu a alteração ou revogação.

Se o autor não fizer isso, o STF não irá conhecer da ADI, julgando prejudicado o pedido em razão da perda superveniente do objeto. STF. Plenário. ADI 1931/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 7/2/2018 (Info 890).

121
Q

O que acontece caso o ato normativo que estava sendo impugnado na ADI seja revogado antes do julgamento da ação?

A

Regra: haverá perda superveniente do objeto e a ADI não deverá ser conhecida (STF ADI 1203).

Exceção 1: não haverá perda do objeto e a ADI deverá ser conhecida e julgada caso fique demonstrado que houve “fraude processual”, ou seja, que a norma foi revogada de forma proposital a fim de evitar que o STF a declarasse inconstitucional e anulasse os efeitos por ela produzidos (STF ADI 3306).

Exceção 2: não haverá perda do objeto se ficar demonstrado que o conteúdo do ato impugnado foi repetido, em sua essência, em outro diploma normativo. Neste caso, como não houve desatualização significativa no conteúdo do instituto, não há obstáculo para o conhecimento da ação (STF ADI 2418/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 4/5/2016. Info 824).

Exceção 3: caso o STF tenha julgado o mérito da ação sem ter sido comunicado previamente que houve a revogação da norma atacada. Nesta hipótese, não será possível reconhecer, após o julgamento, a prejudicialidade da ADI já apreciada (STF. Plenário. ADI 951 ED/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 27/10/2016. Info 845).

122
Q

Se for editada MP revogando lei que está sendo questionada por meio de ADI, esta ação poderá ser julgada enquanto a MP não for votada (enquanto a MP não for votada, não há perda do objeto)?

A

Resumo

Determinada lei foi impugnada por meio de ação direta de inconstitucionalidade.

Foi editada medida provisória revogando essa lei.

Enquanto esta medida provisória não for aprovada, será possível julgar esta ADI.

Assim, se chegar o dia de julgamento da ADI, e a MP ainda não tiver sido votada, o STF poderá apreciar livremente a ação, não tendo havido perda do interesse de agir (perda do objeto). Isso, porque a edição de medida provisória não tem eficácia normativa imediata de revogação da legislação anterior com ela incompatível, mas apenas de suspensão, paralisação, das leis antecedentes até o término do prazo do processo legislativo de sua conversão.

Embora seja espécie normativa com força de lei, a medida provisória precisa ser confirmada.

A medida provisória é lei sob condição resolutiva. Se for aprovada, a lei de conversão resultará na revogação da norma.

Dessa maneira, enquanto não aprovada a MP, não se pode falar em perda de interesse (perda do objeto). STF. Plenário. ADI 5717/DF, ADI 5709/DF, ADI 5716/DF e ADI 5727/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgados em 27/3/2019 (Info 935).

123
Q

A alteração do parâmetro constitucional prejudica o conhecimento da ADI?

A

Resumo

A alteração do parâmetro constitucional, quando o processo ainda está em curso, não prejudica o conhecimento da ADI. Isso para evitar situações em que uma lei que nasceu claramente inconstitucional volte a produzir, em tese, seus efeitos. STF. Plenário. ADI 145/CE, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 20/6/2018 (Info 907).

Obs: o entendimento acima não é pacífico.

Interio teor:

O que acontece se, durante a tramitação de uma ADI, ocorre a alteração do parâmetro que havia sido invocado? Ex: em 1998, determinado Estado aprovou uma lei prevendo que os servidores aposentados deveriam pagar contribuição previdenciária; foi ajuizada uma ADI contra esta lei alegando que ela violou o art. 40 da CF/88; em 2003, antes que a ação fosse julgada, foi editada a EC 41 que alterou o art. 40 e passou a prever expressamente que os servidores inativos poderiam pagar contribuição previdenciária. Em outras palavras, o parâmetro invocado foi modificado. Diante disso, o julgamento da ADI ficará prejudicado?

NÃO. O conhecimento da ADI não fica prejudicado. Mesmo tendo havido a alteração do parâmetro, o STF terá que examinar o mérito da ADI e verificar se a lei impugnada violava ou não a redação do parâmetro antes da mudança efetuada. Em outras palavras, o STF terá que examinar se aquilo que o autor afirmou na ação estava correto, ou seja, se aquela lei violava a redação do parâmetro constitucional naquela época.

Por quê?

Porque a mudança da Constituição Federal não tem o condão (a força) de convalidar o vício da lei que era inconstitucional. Se a lei era inconstitucional na época em que foi editada, a alteração superveniente não poderá corrigi-la. Isso significa que o direito brasileiro não admite a figura da constitucionalidade superveniente. Nesse sentido:

(…) 1. Em nosso ordenamento jurídico, não se admite a figura da constitucionalidade superveniente. Mais relevante do que a atualidade do parâmetro de controle é a constatação de que a inconstitucionalidade persiste e é atual, ainda que se refira a dispositivos da Constituição Federal que não se encontram mais em vigor. Caso contrário, ficaria sensivelmente enfraquecida a própria regra que proíbe a convalidação.

2. A jurisdição constitucional brasileira não deve deixar às instâncias ordinárias a solução de problemas que podem, de maneira mais eficiente, eficaz e segura, ser resolvidos em sede de controle concentrado de normas.

3. A Lei estadual nº 12.398/98, que criou a contribuição dos inativos no Estado do Paraná, por ser inconstitucional ao tempo de sua edição, não poderia ser convalidada pela Emenda Constitucional nº 41/03. E, se a norma não foi convalidada, isso significa que a sua inconstitucionalidade persiste e é atual, ainda que se refira a dispositivos da Constituição Federal que não se encontram mais em vigor, alterados que foram pela Emenda Constitucional nº 41/03. (…) STF. Plenário. ADI 2158, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 15/09/2010

Constitucionalidade superveniente seria, portanto, a possibilidade de uma lei ou ato normativo inconstitucional ao tempo de sua edição se tornar constitucional a partir da promulgação de novo texto constitucional. Como já dito, a constitucionalidade superveniente não é aceita pelo STF. Isso porque a norma inconstitucional é nula desde o seu nascedouro, não podendo ser convalidada com a alteração do parâmetro constitucional. Adota-se o princípio da contemporaneidade para se analisar a constitucionalidade da norma.

Vale ressaltar que nos casos de alteração do parâmetro o STF deverá realizar dois juízos:

1) um juízo de constitucionalidade com relação ao parâmetro original, ou seja, verificar se a lei ou ato normativo impugnado era constitucional (compatível com o parâmetro impugnado);
2) um juízo de recepção ou não com o novo parâmetro, isto é, analisar se a lei ou ato normativo impugnado está de acordo com a redação atual da CF/88. Fala-se em recepção ou não nesta segunda hipótese porque o texto constitucional que se estará comparando é posterior à lei ou ato normativo impugnado.

124
Q

A Fazenda Pública goza de prazo em dobra no processo objetivo de controle abstrado de constitucionalidade?

A

Não se conta em dobro o prazo recursal para a Fazenda Pública em processo objetivo, mesmo que seja para interposição de recurso extraordinário em processo de fiscalização normativa abstrata.

Não há, nos processos de fiscalização normativa abstrata, a prerrogativa processual dos prazos em dobro.

Não se aplica ao processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade a norma que concede prazo em dobro à Fazenda Pública.

Assim, por exemplo, a Fazenda Pública não possui prazo recursal em dobro no processo de controle concentrado de constitucionalidade, mesmo que seja para a interposição de recurso extraordinário. STF. Plenário. ADI 5814 MC-AgR-AgR/RR, Rel. Min. Roberto Barroso; ARE 830727 AgR/SC, Rel. para acórdão Min. Cármen Lúcia, julgados em 06/02/2019 (Info 929).

Inteiro teor:

Alguns dos argumentos invocados pelos Ministros:

  • Min. Alexandre de Moraes: salientou que o tratamento diferenciado (prazo em dobro) está relacionado com a defesa dos interesses subjetivos da Fazenda Pública e, portanto, não se aplica ao processo objetivo. Assim, a natureza objetiva do processo afasta a prerrogativa da Fazenda Pública.
  • Min. Edson Fachin: enfatizou que o tratamento isonômico na matéria (todos terem prazo simples nos processos objetivos), além de ser consentâneo com a orientação jurisprudencial adotada pelo STF há muito tempo, decorre do princípio republicano.
  • Min. Luiz Fux: assinalou que a Fazenda Pública, no caso do recurso extraordinário, é representante da unidade federativa onde há a declaração de inconstitucionalidade da lei por ela editada; logo, tem contato direto com a questão, e não se justifica o prazo em dobro.
  • Min. Gilmar Mendes: afirmou que o próprio CPC, no § 2º do art. 188, faz menção à inaplicabilidade desses prazos aos procedimentos especiais: Art. 188 (…) § 2º Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o ente público.
  • Min. Celso de Mello: defendeu que o processo de fiscalização normativa abstrata possui, normalmente, uma autonomia em relação aos institutos peculiares aos processos de índole meramente subjetiva. Em outras palavras, existem várias regras aplicáveis aos processos subjetivos que não incidem em caso de processos objetivos. Assim, o direito processual constitucional* é autônomo, regido por princípios próprios, em que são afastados os interesses meramente subjetivos.
125
Q

ADPF pode ser usada para impugnar normas secundárias?

A

ADPF 210: “A ADPF é, via de regra, meio inidôneo para processar questões controvertidas derivadas de normas secundárias e de caráter tipicamente regulamentar”.

126
Q

É cabível ADPF para questionar interpretação judicial de norma constitucional?

A

Resumo

Determinada medida provisória foi editada criando a possibilidade de que empresas instalassem Centros Logísticos e Industriais Aduaneiros (CLIA), desde que autorizados pela Receita Federal.

Diversas empresas fizeram o requerimento pedindo a instalação desses Centros. Ocorre que, antes que a Receita examinasse todos os pedidos, a MP foi rejeitada pelo Senado.

O Congresso Nacional não editou decreto legislativo disciplinando as situações ocorridas durante o período em que a MP vigorou (§ 3º do art. 62 da CF/88).

Diante disso, as empresas defendiam a tese de que os requerimentos formulados deveriam ser apreciados pela Receita Federal com base no § 11 do art. 62:

“§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.”

O STF não concordou e afirmou que os pedidos formulados pelos interessados durante a vigência da MP 320/2006 não foram sequer examinados. Logo, não se pode dizer que havia ato jurídico perfeito.

O simples fato de ter sido feito o requerimento não significa “relação jurídica constituída”, de sorte que não se pode invocar o § 11 para justificar a aplicação da medida provisória rejeitada.

O mero protocolo do pedido não constitui uma “relação jurídica constituída” de que trata o § 11. STF. Plenário. ADPF 216/DF, Rel. Min. Cámen Lúcia, julgado em 14/3/2018 (Info 894)

Inteiro teor:

Primeira pergunta: cabe ADPF neste caso?

SIM.

É cabível ADPF para questionar interpretação judicial de norma constitucional. Em outras palavras, cabe ADPF para dizer que a interpretação que está sendo dada pelos juízes e Tribunais a respeito de determinado dispositivo constitucional está incorreta e, com isso, viola preceito fundamental. STF. Plenário. ADPF 216/DF, Rel. Min. Cámen Lúcia, julgado em 14/3/2018 (Info 894).

Vale ressaltar que, em outra oportunidade, o STF já havia decidido que:

Cabe ADPF para discutir a adequada interpretação do § 11 do art. 62 da CF/88, ou seja, se ela regularia apenas as relações no período de sua vigência ou também situações nas relações prospectivas. STF. ADPF 84 AgR/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 31/5/2006.

127
Q

ADI e ADPF são fungíveis entre si?

A

Resumo:

O STF reconhecer ser possível a conversão da ADPF em ADI quando imrópria a primeira, e vice-versa. No entando, essa fungibilidade não será possível quando a parte autora incorrer em erro grosseiro.

Julgado:

ADPF: fungibilidade e erro grosseiro O Plenário desproveu agravo regimental em arguição de descumprimento de preceito fundamental, na qual se discutia a inconstitucionalidade por omissão relativa à Lei 12.865/2013. O Tribunal, de início, reconheceu a possibilidade de conversão da arguição de descumprimento de preceito fundamental em ação direta quando imprópria a primeira, e vice-versa, se satisfeitos os requisitos para a formalização do instrumento substituto. Afirmou que dúvida razoável sobre o caráter autônomo de atos infralegais impugnados, como decretos, resoluções e portarias, e alteração superveniente da norma constitucional dita violada legitimariam a Corte a adotar a fungibilidade em uma direção ou em outra, a depender do quadro normativo envolvido. Ressaltou, porém, que essa excepcionalidade não estaria presente na espécie. O recorrente incorrera naquilo que a doutrina processual denominaria de erro grosseiro ao escolher o instrumento formalizado, ante a falta de elementos, considerados os preceitos legais impugnados, que pudessem viabilizar a arguição. No caso, ainda que a arguição de descumprimento de preceito fundamental tivesse sido objeto de dissenso no STF quanto à extensão da cláusula da subsidiariedade, nunca houvera dúvida no tocante à inadequação da medida quando o ato pudesse ser atacado mediante ação direta de inconstitucionalidade. Por se tratar de impugnação de lei ordinária federal pós-constitucional, propor a arguição em vez de ação direta, longe de envolver dúvida objetiva, encerraria incontestável erro grosseiro, por configurar atuação contrária ao disposto no § 1º do art. 4º da Lei 9.882/1999. Os Ministros Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia negaram provimento ao agravo por outro fundamento. Consideraram que o requerente, Sindicato Nacional das Empresas de Medicina de Grupo, por não ser uma confederação sindical, não preencheria o requisito da legitimação ativa “ad causam”. ADPF 314 AgR/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 11.12.2014. (ADPF-314)

128
Q

É possível a celebração de acordo em processo de índole objetiva?

A

SIM. É possível a celebração de acordo num processo de índole objetiva, como a ADPF, desde que fique demonstrado que há no feito um conflito intersubjetivo subjacente (implícito), que comporta solução por meio de autocomposição.

Vale ressaltar que, na homologação deste acordo, o STF não irá chancelar ou legitimar nenhuma das teses jurídicas defendidas pelas partes no processo.

O STF irá apenas homologar as disposições patrimoniais que forem combinadas e que estiverem dentro do âmbito da disponibilidade das partes.

A homologação estará apenas resolvendo um incidente processual, com vistas a conferir maior efetividade à prestação jurisdicional. STF. Plenário. ADPF 165/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 1º/3/2018 (Info 892).

Inteiro teor:

Exemplo:

As pessoas que tinham dinheiro em conta poupança nos anos de 1986 a 1991 foram prejudicadas pelos planos econômicos editados neste período (Planos Cruzado, Bresser, Verão e Collor II). Isso porque esses planos fizeram a conversão dos valores depositados de forma errada (os chamados “expurgos inflacionários”).

Em razão disso, tais poupadores ingressaram com ações judiciais pedindo a correção disso e o pagamento das diferenças. Além das ações individuais, também foram propostas ações coletivas ajuizadas por associações de defesa do consumidor e por associações de poupadores. Os juízes e Tribunais estavam todos decidindo em favor dos poupadores.

A fim de tentar reverter a situação, Confederação Nacional do Sistema Financeiro (CONSIF) ajuizou, no Supremo Tribunal Federal (STF), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 165, pedindo, com eficácia erga omnes (para todos) e efeito vinculante, a suspensão de qualquer decisão judicial que tivesse por objeto a reposição das perdas decorrentes dos planos econômicos.

Na ação, a CONSIF alegava a plena constitucionalidade dos referidos planos, de forma que os poupadores não teriam nada a receber.

Ao longo da tramitação da ADPF, as várias associações de defesa do consumidor e dos poupadores, que haviam ajuizado ações coletivas tratando do tema, pediram para intervir no processo na qualidade de amicus curiae (ex: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Associação Brasileira do Consumidor, entre outras), o que foi aceito pelo STF.

Depois de quase 9 anos tramitando no STF, houve um acordo entre a CONSIF (autora da ADPF) e as associações de defesa do consumidor/poupadores.

Vale ressaltar que a AGU atuou como mediadora desse ajuste (art. 4º da Lei nº 13.140/2015), por meio da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal.

Por meio desse acordo, os bancos aceitam pagar os poupadores segundo cronograma e condições que estão no ajuste e, em troca, os correntistas desistem das ações individuais que possuíam contra as instituições financeiras. Além disso, as associações de defesa do consumidor comprometeram-se a peticionar nas ações civis públicas que ingressaram requerendo a extinção do processo pela transação (art. 487, III, “b”, do CPC).

Os termos do acordo preveem o pagamento de mais de 12 bilhões de reais aos poupadores, que serão inscritos em plataforma digital preparada pelo CNJ. Os bancos irão analisar os requerimentos dos interessados.

Os pagamentos serão feitos nas contas correntes dos beneficiários, que receberão os respectivos valores à vista ou parceladamente, a depender do montante.

Terão direito à reparação todos que haviam ingressado com ações coletivas e individuais para cobrar das instituições financeiras os valores referentes às correções. No caso das ações individuais, poupadores ou herdeiros que ingressaram judicialmente dentro do prazo prescricional de 20 anos da edição de cada plano também poderão receber os valores. Igualmente poderão aderir os poupadores que, com base em ações civis públicas, requereram execução de sentença coletiva até 31/12/2016.

E o que a aconteceu com a ADPF?

Foi extinta, nos termos do art. 487, III, “b”, do CPC:

Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: (…)

III - homologar: (…)

b) a transação;

Apesar de a resolução da ADPF ter sido com resolução do mérito, ressalte-se, mais uma vez, que o STF, ao homologar o acordo, não concordou com nenhuma das teses jurídicas defendidas pelas partes no processo, ou seja, não disse que os poupadores ou que os bancos tinham razão. Isso não foi analisado na homologação do acordo.

Existe previsão legal de que as associações autoras de ações civis públicas possam fazer transação nessas ações?

NÃO.

A Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) prevê que os órgãos públicos podem fazer acordos nas ações civis públicas em curso, não mencionando as associações privadas. Confira:

Art. 5º (…) § 6º Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

Mesmo sem previsão legal as associações privadas podem transacionar em ações civis públicas

O STF afirmou que, mesmo sem previsão normativa expressa, as associações privadas também podem fazer acordos nas ações coletivas.

Assim, a ausência de disposição normativa expressa no que concerne a associações privadas não afasta a viabilidade do acordo. Isso porque a existência de previsão explícita unicamente quanto aos entes públicos diz respeito ao fato de que somente podem fazer o que a lei determina, ao passo que aos entes privados é dado fazer tudo que a lei não proíbe.

Para o Min. Ricardo Lewandoswki, “não faria sentido prever um modelo que autoriza a justiciabilidade privada de direitos e, simultaneamente, deixar de conferir aos entes privados as mais comezinhas faculdades processuais, tais como a de firmar acordos.”

129
Q

É possível conhecer de ADPF mesmo que a lei por ela atacada tenha sido revogada antes do julgamento?

A

Resumo

Possibilidade de conhecimento da ADPF mesmo que a lei atacada tenha sido revogada antes do julgamento, se persistir a utilidade em se proferir decisão com caráter erga omnes e vinculante.

Em Fortaleza, foi editada a Lei municipal nº 10.553/2016 proibindo o serviço de transporte em aplicativos. Foi ajuizada ADPF contra a lei. Antes que a ação fosse julgada, a referida Lei foi revogada.

Mesmo com a revogação, o STF conheceu da ADPF e julgou o mérito, declarando a Lei nº 10.553/2016 inconstitucional.

O Tribunal considerou que a revogação da Lei atacada na ADPF por outra lei local não retira o interesse de agir no feito. Isso porque persiste a utilidade da prestação jurisdicional com o intuito de estabelecer, com caráter erga omnes e vinculante, o regime aplicável às relações jurídicas estabelecidas durante a vigência da norma impugnada, bem como no que diz respeito a leis de idêntico teor aprovadas em outros Municípios.

Trata-se da solução mais consentânea com o princípio da eficiência processual e o imperativo aproveitamento dos atos já praticados de maneira socialmente proveitosa. STF. Plenário. ADPF 449/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 8 e 9/5/2019 (Info 939)

130
Q

O efeito repristinatória da declaração de inconstitucionalidade de lei em ADI pode ser afastado sem que haja pedido da parte nesse sentido?

A

Resumo

Declaração de inconstitucionalidade de lei sem a produção de efeito repristinatório em relação às leis anteriores de mesmo conteúdo

Foi proposta ADI contra a Lei nº 3.041/2005, do Estado do Mato Grosso do Sul, que tratava sobre assunto de competência da União. Ocorre que esta Lei havia revogado outras leis estaduais de mesmo conteúdo. Desse modo, se a Lei nº 3.041/2005 fosse, isoladamente, declarada inconstitucional, as demais leis revogadas “voltariam” a vigorar mesmo padecendo de idêntico vício.

A fim de evitar essa “eficácia repristinatória indesejada”, o PGR, que ajuizou a ação, impugnou não apenas a Lei nº 3.041/2005, mas também aquelas outras normas por ela revogadas.

O STF concordou com o PGR e, ao declarar inconstitucional a Lei nº 3.041/2005, afirmou que não deveria haver o efeito repristinatório em relação às leis anteriores de mesmo conteúdo.

O dispositivo do acórdão ficou, portanto, com a seguinte redação:

“O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 3.041/2005, do Estado de Mato Grosso do Sul, inexistindo efeito repristinatório em relação às leis anteriores de mesmo conteúdo, (…)” STF. Plenário. ADI 3.735/MS, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 8/9/2016 (Info 838).

OBSERVAÇÃO:

Vale ressaltar que existe um julgado recente do STF no qual o Tribunal afirmou que, mesmo que o autor da ADI não impugne também o ato normativo anterior revogado, o STF poderá, na decisão, afirmar que não haverá efeito repristinatório. Confira:

(…) 3. Não obsta a cognição da ação direta a falta de impugnação de ato jurídico revogado pela norma tida como inconstitucional, supostamente padecente do mesmo vício, que se teria por repristinada. Cabe à Corte, ao delimitar a eficácia da sua decisão, se o caso, excluir dos efeitos da decisão declaratória eventual efeito repristinatório quando constatada incompatibilidade com a ordem constitucional. (…).