Jurisprudência até 2019 Flashcards
A Lei 12.990\2014, referente às cotas raciais em concursos públicos, se aplica ao âmbito estadual e municial?
A reserva de vagas tratada pela Lei nº 12.990/2014 vale para todos os três Poderes da União (Executivo, Legislativo e Judiciário), além do MPU e DPU.
A Lei nº 12.990/2014 não se aplica para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. No entanto, caso estes entes editem leis semelhantes, elas também são consideradas constitucionais.
Não ficou definido, neste julgamento, se as cotas valem também para concursos de remoção e promoção. Isso porque este tema não constou do pedido nem foi discutido em memoriais.
A Lei 12.990\2014, referente às cotas raciais em concursos públicos, se aplica ao âmbito estadual e municial?
A reserva de vagas tratada pela Lei nº 12.990/2014 vale para todos os três Poderes da União (Executivo, Legislativo e Judiciário), além do MPU e DPU.
A Lei nº 12.990/2014 não se aplica para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. No entanto, caso estes entes editem leis semelhantes, elas também são consideradas constitucionais.
Não ficou definido, neste julgamento, se as cotas valem também para concursos de remoção e promoção. Isso porque este tema não constou do pedido nem foi discutido em memoriais.
O Estado pode restringir a apresentação de programa de TV em determinado horário para proteger o direito de criança e adolescentes?
É inconstitucional a expressão “em horário diverso do autorizado” contida no art. 254 do ECA.
“Art. 254. Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação: Pena - multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em caso de reincidência a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias.”
O Estado não pode determinar que os programas somente possam ser exibidos em determinados horários. Isso seria uma imposição, o que é vedado pelo texto constitucional por configurar censura. O Poder Público pode apenas recomendar os horários adequados. A classificação dos programas é indicativa (e não obrigatória). STF. Plenário. ADI 2404/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 31/8/2016 (Info 837).
Informativo:
O tema é tratado em alguns dispositivos da CF/88. Confira:
Art. 21. Compete à União: XVI - exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão;
Art. 220 (…) § 3º Compete à lei federal: I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
Liberdade de programação é uma forma de liberdade de expressão
A Constituição Federal garante a liberdade de expressão (art. 5º, IX, da CF/88) e a liberdade de comunicação social, prevista no art. 220 da CF/88:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
Como consectário dessa garantia, as emissoras de rádio e TV gozam de “liberdade de programação”, sendo esta uma das dimensões da liberdade de expressão em sentido amplo. Assim, a programação das emissoras deve permanecer como sendo uma tarefa autônoma e livre de interferências do Poder Público.
O proselitismo religioso pode caracterizar crime de racismo?
Resumo
- Só haverá racismo se o discurso da religião supostamente superior for de dominação, opressão, restrição de direitos ou violação da dignidade humana das pessoas integrantes dos demais grupos.
- A incitação ao ódio pode caracterizar racismo.
Informativo n. 849
Determinado padre escreveu um livro, voltado ao público da Igreja Católica, no qual ele faz críticas ao espiritismo e a religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé.
O Ministério Público da Bahia ofereceu denúncia contra ele pela prática do art. 20, § 2º da Lei nº 7.716/89 (Lei do racismo).
No caso concreto, o STF entendeu que não houve o crime.
A CF/88 garante o direito à liberdade religiosa. Um dos aspectos da liberdade religiosa é o direito que o indivíduo possui de não apenas escolher qual religião irá seguir, mas também o de fazer proselitismo religioso.
Proselitismo religioso significa empreender esforços para convencer outras pessoas a também se converterem à sua religião.
Desse modo, a prática do proselitismo, ainda que feita por meio de comparações entre as religiões (dizendo que uma é melhor que a outra) não configura, por si só, crime de racismo.
Só haverá racismo se o discurso dessa religião supostamente superior for de dominação, opressão, restrição de direitos ou violação da dignidade humana das pessoas integrantes dos demais grupos. Por outro lado, se essa religião supostamente superior pregar que tem o dever de ajudar os “inferiores” para que estes alcancem um nível mais alto de bem-estar e de salvação espiritual e, neste caso não haverá conduta criminosa.
Na situação concreta, o STF entendeu que o réu apenas fez comparações entre as religiões, procurando demonstrar que a sua deveria prevalecer e que não houve tentativa de subjugar os adeptos do espiritismo.
Pregar um discurso de que as religiões são desiguais e de que uma é inferior à outra não configura, por si, o elemento típico do art. 20 da Lei nº 7.716/89. Para haver o crime, seria indispensável que tivesse ficado demonstrado o especial fim de supressão ou redução da dignidade do diferente, elemento que confere sentido à discriminação que atua como verbo núcleo do tipo. STF. 1ª Turma. RHC 134682/BA, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 29/11/2016 (Info 849)
Informativo n. 893
A incitação ao ódio público contra quaisquer denominações religiosas e seus seguidores não está protegida pela cláusula constitucional que assegura a liberdade de expressão. Assim, é possível, a depender do caso concreto, que um líder religioso seja condenado pelo crime de racismo (art. 20, §2º, da Lei nº 7.716/81) por ter proferido discursos de ódio público contra outras denominações religiosas e seus seguidores. STF. 2ª Turma. RHC 146303/RJ, rel. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Dias Toffoli, julgado em 6/3/2018 (Info 893).
Teor:
Conforme explicou o Min. Dias Toffoli, o Brasil, social e historicamente, orgulha-se de ser um país de tolerância religiosa, valor que faz parte da construção de nosso estado democrático de direito. De acordo com o Ministro, existem diversos trechos no discurso do condenado que alimentam o ódio e a intolerância. Assim, se o Estado não exercer seu papel de pacificar a sociedade, vai se chegar a uma guerra de religiões. “Ao invés de sermos instrumento de pacificação, vamos aprofundar o que acontece no mundo”, afirmou o Ministro.
O preâmbulo da Constituição Federal fala na construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social. A ação do condenado atua, portanto, contra um importante valor escolhido como fundamento da República Federativa do Brasil, que é a solidariedade.
A despeito da importância conferida à liberdade de expressão, o próprio texto constitucional determina que sejam respeitados determinados limites. O art. 220, § 1º, da Constituição diz que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observados determinados incisos do art. 5º, onde estão contidas as limitações.
O direto de pensar, falar e escrever sem censuras ou restrições é o mais precioso privilégio dos cidadãos, mas esse direito não é absoluto e sofre limitações de natureza ética e jurídica.
Caso Ellwanger
Os Ministros relembraram ainda o célebre julgamento do “caso Ellwanger” (HC 82424), em setembro de 2003, quando o STF manteve a condenação imposta ao escritor gaúcho Siegfried Ellwanger por crime de racismo contra os judeus. Veja trechos da ementa:
(…) 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros “fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias” contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). (…)
- Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, “negrofobia”, “islamafobia” e o anti-semitismo.
(…) 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal.
- As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o “direito à incitação ao racismo”, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade juríddica. (…) STF. Plenário. HC 82424, Relator p/ Acórdão Min. Maurício Corrêa, julgado em 17/09/2003.
Hate speech (discurso de ódio)
O tema acima exposto está ligado ao que a doutrina chama de hate speech (discurso de ódio).
Discurso de ódio (hate speech) são “manifestações de pensamento que ofendam, ameacem ou insultem determinado grupo de pessoas com base na raça, cor, religião, nacionalidade, orientação sexual, ancestralidade, deficiência ou outras características próprias.
(…)
No direito norte-americano, prevalece o entendimento de que até o discurso de ódio (hate speech) incluise no âmbito de proteção da liberdade de expressão.” (BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Direito Constitucional. Tomo II. 7ª ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 128).
No Brasil, ao contrário dos EUA, prevalece que o hate speech não é protegido pela ordem constitucional. Isso porque o direito à liberdade de expressão não é absoluto, podendo a pessoa que proferiu o discurso de ódio ser punida, inclusive criminalmente, em caso de abuso.
A ADPF 130\DF pode ser utilizada como parâmetro para ajuizamento de reclamação que verse sobre conflito entre a liberdade de expressão e de informação e a tutela das garantias individuais?
Sim, pode (STF. 1ª Turma. Rcl 28747/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ ac. Min. Luiz Fux, julgado em 5/6/2018 - Info 905)
Teor do info 893:
Cabimento de reclamação quando há afronta à liberdade de imprensa Em regra, o STF é muito restritivo em aceitar reclamações propostas contra decisões que teriam desrespeitado acórdãos da Corte.
Essa posição do STF está dentro daquilo que se chama de “jurisprudência defensiva”, ou seja, uma postura interpretativa dos Tribunais Superiores de restringir o cabimento de recursos e de ações autônomas (como é o caso da reclamação), com o objetivo de reduzir a quantidade de processos que chegam aos Tribunais.
Assim, os Ministros do STF e do STJ adotam um “rigor” maior na análise dos aspectos formais a fim de limitar os casos que chegam para análise dos Tribunais.
Um exemplo de “jurisprudência defensiva” é a interpretação consolidada no STF no sentido de que não se deve adotar a teoria da transcendência dos motivos determinantes. Pela teoria da transcendência dos motivos determinantes (efeitos irradiantes dos motivos determinantes), a ratio decidendi, ou seja, os fundamentos determinantes da decisão do STF também teriam efeito vinculante.
Ocorre que, como já dito, o Supremo não acolhe esta posição e entende que, em regra, as decisões proferidas pelo STF em controle abstrato de constitucionalidade devem ter eficácia vinculante apenas quanto à parte dispositiva do julgado. Assim, em regra, não se admite reclamação sob a alegação de que houve violação dos fundamentos da decisão do STF. Nesse sentido:
(…) a exegese jurisprudencial conferida ao art. 102, I, “l”, da Magna Carta rechaça o cabimento de reclamação fundada na tese da transcendência dos motivos determinantes. (…) STF. 1ª Turma. Rcl 22470 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 24/11/2017.
Como explica o Min. Roberto Barroso, essa recusa em se admitir a transcendência dos motivos determinantes representa “uma jurisprudência defensiva, destinada a conter a multiplicação de reclamações, em número que ultrapassaria a capacidade física de julgamento dos ministros”. Essa linha restritiva, no entanto, tem sido excepcionada em processos relacionados com a liberdade de expressão ou liberdade de imprensa. Nesses casos, o STF tem proferido inúmeras decisões admitido reclamações mesmo que a decisão reclamada não esteja baseada no mesmo ato declarado inconstitucional em sede concentrada.
A justificativa para essa postura mais ampla está no fato de que “a liberdade de expressão ainda não se tornou uma ideia suficientemente enraizada na cultura do Poder Judiciário de uma maneira geral. Não sem sobressalto, assiste-se à rotineira providência de juízes e tribunais no sentido de proibirem ou suspenderem a divulgação de notícias e opiniões, num “ativismo antiliberal” que precisa ser contido.” (Min. Roberto Barroso).
Em suma, o STF possui uma posição menos rigorosa ao analisar reclamações envolvendo decisões que violem a liberdade de expressão. Por essa razão, é cabível reclamação contra decisão judicial que determina a retirada de matéria jornalística da página eletrônica do meio de comunicação mesmo que esta decisão esteja supostamente baseada no art. 20 do Código Civil, e não na Lei de Imprensa.
É possível a retirada de matéria jornalística de site por decisão judicial? Isso configura censura?
Resumo
A retirada de matéria de circulação configura censura em qualquer hipótese, o que se admite apenas em situações extremas.
Informativo:
O STF tem sido mais flexível na admissão de reclamação em matéria de liberdade de expressão, em razão da persistente vulneração desse direito na cultura brasileira, inclusive por via judicial.
No julgamento da ADPF 130, o STF proibiu enfaticamente a censura de publicações jornalísticas, bem como tornou excepcional qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões.
A liberdade de expressão desfruta de uma posição preferencial no Estado democrático brasileiro, por ser uma pré-condição para o exercício esclarecido dos demais direitos e liberdades.
A retirada de matéria de circulação configura censura em qualquer hipótese, o que se admite apenas em situações extremas.
Assim, em regra, a colisão da liberdade de expressão com os direitos da personalidade deve ser resolvida pela retificação, pelo direito de resposta ou pela reparação civil.
Diante disso, se uma decisão judicial determina que se retire do site de uma revista determinada matéria jornalística, esta decisão viola a orientação do STF, cabendo reclamação. STF. 1ª Turma. Rcl 22328/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 6/3/2018 (Info 893).
Teor:
A solução de conflitos entre liberdade de imprensa e direitos da personalidade
A censura consiste na possibilidade de o Estado interferir no conteúdo da manifestação do pensamento.
A censura é proibida pela CF/88 em diversos dispositivos (art. 5º, IV, IX e XIV, bem como art. 220, §§ 1º e 2º).
Diante da existência de diversos dispositivos assegurando a liberdade de expressão, podemos dizer que a Carta de 88 conferiu uma espécie de “prioridade” para essa garantia. Assim, embora não haja hierarquia entre direitos fundamentais, a liberdade de expressão (aqui entendida em sentindo amplo) possui uma posição preferencial (preferred position) em relação aos demais direitos. Isso significa que o afastamento da liberdade de expressão é excepcional, e o ônus argumentativo é de quem sustenta o direito oposto.
Como consequência disso, deve-se fazer uma análise muito rigorosa, criteriosa e excepcional de toda e qualquer medida que tenha por objetivo restringir a liberdade de expressão.
Razões pelas quais a liberdade de expressão ocupa lugar privilegiado
O Min. Roberto Barroso cita 5 motivos principais pelos quais a liberdade de expressão ocupa um lugar privilegiado tanto no ordenamento jurídico interno como nos documentos internacionais. São eles:
a) a liberdade de expressão desempenha uma função essencial para a democracia, ao assegurar um livre fluxo de informações e a formação de um debate público robusto e irrestrito, condições essenciais para a tomada de decisões da coletividade e para o autogoverno democrático;
b) a proteção da liberdade de expressão está relacionada com a própria dignidade humana, ao permitir que indivíduos possam exprimir de forma desinibida suas ideias, preferências e visões de mundo, bem como terem acesso às dos demais indivíduos, fatores essenciais ao desenvolvimento da personalidade, à autonomia e à realização existencial;
c) este direito está diretamente ligado à busca da verdade. Isso porque as ideias só possam ser consideradas ruins ou incorretas após o confronto com outras ideias;
d) a liberdade de expressão possui uma função instrumental indispensável ao gozo de outros direitos fundamentais, como o de participar do debate público, o de reunir-se, de associar-se, e o de exercer direitos políticos, dentre outros; e
e) a liberdade de expressão é garantia essencial para a preservação da cultura e da história da sociedade, por se tratar de condição para a criação e o avanço do conhecimento e para a formação e preservação do patrimônio cultural de uma nação.
Critérios para a ponderação entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade
O Min. Roberto Barroso defende a aplicação de 8 critérios ou elementos a serem considerados na ponderação entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade. São eles:
a) veracidade do fato: a notícia divulgada dever ser verdadeira. Isso porque a informação que goza de proteção constitucional é a verdadeira. A divulgação deliberada de uma notícia falsa, em detrimento de outrem, não constitui direito fundamental do emissor. Os veículos de comunicação têm o dever de apurar, com boa-fé e dentro de critérios de razoabilidade, a correção do fato ao qual darão publicidade. É bem de ver, no entanto, que não se trata de uma verdade objetiva, mas subjetiva, subordinada a um juízo de plausibilidade e ao ponto de observação de quem a divulga. Para haver responsabilidade, é necessário haver clara negligência na apuração do fato ou dolo na difusão da falsidade.
b) licitude do meio empregado na obtenção da informação: o conhecimento acerca do fato que se pretende divulgar tem de ter sido obtido por meios admitidos pelo direito. A Constituição, da mesma forma que veda a utilização, em juízo, de provas obtidas por meios ilícitos, também proíbe a divulgação de notícias às quais se teve acesso mediante cometimento de um crime. Se o jornalista ou alguém empreitado pelo veículo de comunicação realizou, por exemplo, uma interceptação telefônica clandestina, invadiu domicílio, violou o segredo de justiça em um processo de família ou obteve uma informação mediante tortura ou grave ameaça, sua divulgação, em princípio, não será legítima. Note-se ainda que a circunstância de a informação estar disponível em arquivos públicos ou poder ser obtida por meios regulares e lícitos torna-a pública e, portanto, presume-se que a divulgação desse tipo de informação não afeta a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem dos envolvidos.
c) personalidade pública ou privada da pessoa objeto da notícia: a depender se a pessoa for uma personalidade pública ou privada, o grau de exposição é maior ou menor.
d) local do fato: deve-se analisar também se os locais dos fatos narrados são reservados ou protegidos pelo direito à intimidade.
e) natureza do fato: deve-se analisar se os fatos divulgados possuem caráter sigiloso ou se estão relacionados com a intimidade da pessoa.
f) existência de interesse público na divulgação em tese: presume-se, como regra geral, o interesse público na divulgação de qualquer fato verdadeiro.
g) existência de interesse público na divulgação de fatos relacionados com a atuação de órgãos públicos.
h) preferência por sanções a posteriori, que não envolvam a proibição prévia da divulgação: o uso abusivo da liberdade de expressão pode ser reparado por mecanismos diversos, que incluem a retificação, a retratação, o direito de resposta, a responsabilização civil ou penal e a proibição da divulgação. Somente em hipóteses extremas se deverá utilizar a última possibilidade. Nas questões envolvendo honra e imagem, por exemplo, como regra geral será possível obter reparação satisfatória após a divulgação, pelo desmentido – por retificação, retratação ou direito de resposta – e por eventual reparação do dano, quando seja o caso.
Em caso de ofensa a honra em veículo de comunicação, o ofensor pode ser condenado, como forma de reparação do dano, a publicar no mesmo veículo a sentença condenatória que reconheceu a ilicitude do ato?
Resumo
O direito à retratação e ao esclarecimento da verdade possui previsão na Constituição da República e na Lei Civil, não tendo sido afastado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 130/DF.
O princípio da reparação integral (arts. 927 e 944 do CC) possibilita o pagamento da indenização em pecúnia e in natura, a fim de se dar efetividade ao instituto da responsabilidade civil.
Dessa forma, é possível que o magistrado condene o autor da ofensa a divulgar a sentença condenatória nos mesmos veículos de comunicação em que foi cometida a ofensa à honra, desde que fundamentada em dispositivos legais diversos da Lei de Imprensa. STJ. 3ª Turma. REsp 1.771.866-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/02/2019 (Info 642).
Teor:
Liberdade de expressão não é absoluta
A regra geral é a liberdade de informação. Entretanto, não se trata de liberdade absoluta. Seu exercício encontra limites no dever de respeito aos demais direitos e garantias fundamentais também protegidos:
(…) 3. Os direitos à informação e à livre manifestação do pensamento não possuem caráter absoluto, encontrando limites em outros direitos e garantias constitucionais que visam à concretização da dignidade da pessoa humana. 4. No desempenho da função jornalística, as empresas de comunicação não podem descurar de seu compromisso com a veracidade dos fatos ou assumir uma postura injuriosa ou difamatória ao divulgar fatos que possam macular a integridade moral do indivíduo. (…) STJ. 3ª Turma. REsp 1.567.988/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/11/2018.
Narrativa de fatos verídicos ou verossímeis
Em princípio, não configuram ato ilícito as publicações que narrem fatos verídicos ou verossímeis, mesmo que tais opiniões sejam severas, irônicas ou impiedosas.
Essa conclusão se mostra ainda mais forte em se tratando notícias ou críticas envolvendo a atividade profissional de figuras públicas que exerçam cargos estatais, gerindo interesses da coletividade.
Portanto, a assunção de cargos públicos, como a presidência de um Tribunal, torna o sujeito uma pessoa pública, cujos atos estão sujeitos a maior exposição e mais suscetíveis à mitigação dos direitos de personalidade.
No entanto, mesmo em tais hipóteses, a liberdade também não será absoluta.
Assim, se ficar demonstrado, no caso concreto, que o autor da obra não teve compromisso ético com a informação verdadeira, violou direitos da personalidade e fez críticas com nítido propósito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa atingida, estará plenamente configurado o ato ilícito capaz de ensejar a condenação ao pagamento de indenização por danos morais.
Publicação da decisão judicial e da petição inicial
Conforme já vimos, a Lei de Imprensa não mais subsiste em nosso ordenamento jurídico, não tendo sido recepcionada pela CF/88. Por consequência, de fato, não é mais válida a previsão do art. 75 da Lei nº 5.250/67, que possibilitava a publicação da sentença cível ou criminal, transitada em julgado, na íntegra, a pedido da parte prejudicada, em jornal, periódico ou através de órgão de radiodifusão de real circulação, ou expressão, às expensas da parte vencida ou condenada.
Contudo, apesar disso, ainda existe fundamento constitucional e legal para que o juiz determine ao jornal, revista ou editora a divulgação da íntegra da sentença que o condenar em danos morais. A isso se chama “direito de retratação e de esclarecimento da verdade”.
Fundamentos do direito de retração e de esclarecimento da verdade
Os direitos ao esclarecimento da verdade, à retificação da informação inverídica ou à retratação não foram banidos do ordenamento jurídico brasileiro com a declaração de não recepção da Lei de Imprensa.
Tais direitos continuaram existindo com amparo em outros dispositivos da legislação civil vigente.
Desse modo, ainda existem dispositivos que autorizam esses direitos. E quais seriam eles? Que dispositivos o magistrado pode utilizar para fundamentar essa imposição? Arts. 927 e 944 do Código Civil:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
O art. 927 do Código Civil impõe àquele que, cometendo ato ilícito, causar dano a outrem, a obrigação de repará-lo, ao passo que o art. 944 do mesmo diploma legal determina que a indenização seja medida pela extensão do dano. Isso significa que a principal função da indenização é promover a reparação da vítima, anulando, ao máximo, os efeitos do dano.
Especificamente sobre o dano moral, oportuno relembrar que ele decorre de um dever jurídico geral de abstenção assumido por toda a coletividade perante o seu titular: o dever de não violar os direitos inerentes à sua personalidade. Trata-se, pois, de regra primacial e elementar do convívio em sociedade, cuja violação sujeita o agente às sanções jurídicas, dentre as quais a reparação.
Assim, violado esse dever de abstenção, ocasionando a ofensa à honra e à imagem do recorrente, cabe a ele a pretensão de restaurar o seu direito. Por sua vez, a jurisdição deve dispor de meios para garantir a pacificação social, o que inclui afastar ou mitigar os efeitos nefastos do dano.
Por isso, a reparação deve ser buscada de forma ampla, admitindo não só a pecúnia, mas também a reparação in natura, nos casos em que ela se mostrar proporcional, possível e adequada.
Nessa linha de raciocínio, tal entendimento foi cristalizado no Enunciado 589 da VII Jornada de Direito Civil: “a compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação in natura, na forma de retratação pública ou outro meio.”
O CC/2002 determina que a pessoa que causar dano a outrem fica obrigada a repará-lo.
Quando o juiz condena o jornal/revista a publicar em suas páginas, na íntegra, a sentença condenatória, isso configura uma forma de reparação específica da honra do autor.
A reparação dos danos morais com pagamento de dinheiro é apenas uma compensação pelo sofrimento causado à vítima. No entanto, a publicação da sentença que condena o jornal/revista é um modo de divulgar, para a coletividade, que a honra daquela pessoa deve ser respeitada e que o órgão de imprensa praticou um ato ilícito.
Em suma, a divulgação da sentença condenatória é considerada como uma forma de reparação específica do dano moral.
Desse modo, é possível que sentença condenatória determine a sua divulgação nos mesmos veículos de comunicação em que foi cometida a ofensa à honra, desde que fundamentada em dispositivos legais diversos da Lei de Imprensa.
Não é censura
Vale ressaltar, por fim, que não se trata de censura ou controle prévio dos meios de comunicação social e da liberdade de expressão, pois não se está impondo nenhuma proibição de comercialização da obra literária, nem mesmo se determinando que as edições até então produzidas sejam recolhidas ou destruídas, o que seria de todo contrário ao ordenamento jurídico.
Direito de retração x direito de resposta
Oportuno ressaltar, ainda, que o direito de publicação da sentença não pode ser confundido com o direito de resposta.
A divulgação de imagem de cadáver morto em via pública por veículo jornalístico gera direito à indenização aos familiares da vítima?
Resumo
Jornal divulgou a foto do cadáver de um indivíduo morto em tiroteio ocorrido em via pública.
Os familiares do morto ajuizaram ação de indenização por danos morais contra o jornal alegando que houve violação aos direitos de imagem.
O STF julgou a ação improcedente argumentando que condenar o jornal seria uma forma de censura, o que afronta a liberdade de informação jornalística. STF. 2ª Turma. ARE 892127 AgR/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 23/10/2018 (Info 921).
Teor:
O STF entendeu que o juiz assumiu o papel do jornalista e do jornal de escolher o conteúdo da reportagem e ele próprio decidiu o que seria necessário ou não mostrar na matéria jornalística, realizando, assim, restrição censória (censura) ao agir da imprensa.
O fato noticiado existiu (é verídico) e o juiz condenou o jornal unicamente por não ter feito o “sombreamento” da imagem divulgada e que, na sua visão, seria necessária para não expor o cadáver. Assim, para a Min. Cármen Lúcia, não houve exercício irregular ou abusivo da liberdade de imprensa, que é assegurada pela Constituição Federal.
A decisão das instâncias inferiores condenando o jornal vai contra a jurisprudência do STF que garante a liberdade de informação jornalística e proíbe a censura. Isso foi assentado pelo STF no julgamento que declarou a não-recepção da Lei de Imprensa (ADPF 130).
É possível que o Fisco requisite das instituições financeira informações bancárias sobre os contribuintes sem intervenção do Poder Judiciário?
Resumo
As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios podem requisitar diretamente das instituições financeiras informações sobre as movimentações bancárias dos contribuintes. Esta possibilidade encontra-se prevista no art. 6º da LC 105/2001, que foi considerada constitucional pelo STF. Isso porque esta previsão não se caracteriza como “quebra” de sigilo bancário, ocorrendo apenas a “transferência de sigilo” dos bancos ao Fisco.
Vale ressaltar que os Estados-Membros e os Municípios somente podem obter as informações previstas no art. 6º da LC 105/2001, uma vez regulamentada a matéria de forma análoga ao Decreto Federal nº 3.724/2001, observados os seguintes parâmetros:
a) pertinência temática entre a obtenção das informações bancárias e o tributo objeto de cobrança no procedimento administrativo instaurado;
b) prévia notificação do contribuinte quanto à instauração do processo e a todos os demais atos, garantido o mais amplo acesso do contribuinte aos autos, permitindo-lhe tirar cópias, não apenas de documentos, mas também de decisões;
c) sujeição do pedido de acesso a um superior hierárquico;
d) existência de sistemas eletrônicos de segurança que fossem certificados e com o registro de acesso; e, finalmente,
e) estabelecimento de mecanismos efetivos de apuração e correção de desvios. A Receita Federal, atualmente, já pode requisitar tais informações bancárias porque possui esse regulamento. Trata-se justamente do Decreto 3.724/2001 acima mencionada, que regulamenta o art. 6º da LC 105/2001. O art. 5º da LC 105/2001, que permite obriga as instituições financeiras a informarem periodicamente à Receita Federal as operações financeiras realizadas acima de determinado valor, também é considerado constitucional.
STF. Plenário. ADI 2390/DF, ADI 2386/DF, ADI 2397/DF e ADI 2859/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgados em 24/2/2016 (Info 815).
STF. Plenário. RE 601314/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 24/2/2016 (repercussão geral) (Info 815).
Teor:
Mas o art. 6º não representa uma “quebra de sigilo bancário” sem autorização judicial?
NÃO. O STF entendeu que esse repasse das informações dos bancos para o Fisco não pode ser chamado de “quebra de sigilo bancário”. Isso porque as informações são passadas para o Fisco (ex: Receita Federal) em caráter sigiloso e permanecem de forma sigilosa na Administração Tributária. Logo, é uma tramitação sigilosa entre os bancos e o Fisco e, por não ser acessível a terceiros, não pode ser considerado violação (quebra) do sigilo.
Assim, repito, na visão do STF, o que o art. 6º da LC 105/2001 faz não é quebra de sigilo bancário, mas somente a “transferência de sigilo” dos bancos ao Fisco. Os dados, até então protegidos pelo sigilo bancário, prosseguem protegidos pelo sigilo fiscal. Pode parecer um eufemismo, no entanto, é importante ficar atento porque isso pode ser exigido nas provas de concurso.
Para o STF, o simples fato de o Fisco ter acesso aos dados bancários do contribuinte não viola a garantia do sigilo bancário. Só haverá violação se esses dados “vazarem” para pessoas estranhas ao órgão fazendário. Aí sim haveria quebra do sigilo bancário por ter sido exposta a intimidade do contribuinte para terceiros.
Em casos de vazamento, a LC 105/2001 prevê punições ao responsável, que estará sujeito à pena de reclusão, de 1 a 4 anos, mais multa, além de responsabilização civil, culminando com a perda do cargo (art. 10).
Outros argumentos levantados pelos Ministros para considerarem o art. 6º constitucional:
O sigilo bancário não é absoluto e deve ceder espaço ao princípio da moralidade nas hipóteses em que transações bancárias indiquem ilicitudes.
A LC 100/2001 é um instrumento para fiscalizar o dever fundamental do contribuinte de pagar tributos. O dever fundamental de pagar tributos está alicerçado na ideia de solidariedade social. Assim, dado que o pagamento de tributos, no Brasil, seria um dever fundamental — por representar o contributo de cada cidadão para a manutenção e o desenvolvimento de um Estado que promove direitos fundamentais —, é preciso que sejam adotados mecanismos efetivos de combate à sonegação fiscal.
A prática prevista na LC 105/2001 é comum em vários países desenvolvidos e a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo questionado seria um retrocesso diante dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil para combater ilícitos como a lavagem de dinheiro e evasão de divisas e para coibir práticas de organizações criminosas.
A identificação de patrimônio, rendimentos e atividades econômicas do contribuinte pela administração tributária dá efetividade ao princípio da capacidade contributiva, que, por sua vez, sofre riscos quando se restringem as hipóteses que autorizam seu acesso às transações bancárias dos contribuintes.
A LC 105/2001 não viola a CF/88. Isso porque o legislador não estabeleceu requisitos objetivos para requisição de informação pela administração tributária às instituições financeiras e exigiu que, quando essas informações chegassem ao Fisco, ali mantivessem o dever de sigilo. Com efeito, o parágrafo único do art. 6º preconiza que o resultado dos exames, as informações e os documentos deverão ser conservados em sigilo, observada a legislação tributária. Assim, não há ofensa a intimidade ou qualquer outro direito fundamental, pois a LC 105/2001 não permite a “quebra de sigilo bancário”, mas sim a transferência desse sigilo dos bancos ao Fisco.
O art. 6º da LC 105/2001 é taxativo e razoável ao facultar o exame de documentos, livros e registros de instituições financeiras somente se houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.
A decisão acima do STF foi proferida no julgamento das ADIs 2390, 2386, 2397 e 2859 e do RE 601.314 (repercussão geral).
O MP pode requisitar informações bancárias de particulares para descobrir o destino de recursos públicos advindo de conta bancária do Administração Pública?
Não são nulas as provas obtidas por meio de requisição do Ministério Público de informações bancárias de titularidade de Prefeitura para fins de apurar supostos crimes praticados por agentes públicos contra a Administração Pública.
É lícita a requisição pelo Ministério Público de informações bancárias de contas de titularidade da Prefeitura, com o fim de proteger o patrimônio público, não se podendo falar em quebra ilegal de sigilo bancário.
O sigilo de informações necessário à preservação da intimidade é relativizado quando há interesse da sociedade em conhecer o destino dos recursos públicos.
Diante da existência de indícios da prática de ilícitos penais envolvendo verbas públicas, cabe ao MP, no exercício de seus poderes investigatórios (art. 129, VIII, da CF/88), requisitar os registros de operações financeiras relativos aos recursos movimentados a partir de contacorrente de titularidade da Prefeitura. Essa requisição compreende, por extensão, o acesso aos registros das operações bancárias sucessivas, ainda que realizadas por particulares, e objetiva garantir o acesso ao real destino desses recursos públicos. STJ. 5ª Turma. HC 308.493-CE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 20/10/2015 (Info 572). STF. 2ª Turma. RHC 133118/CE, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 26/9/2017 (Info 879).
Teor:
MP pode requisitar os registros de operações financeiras feitas com recursos públicos, ainda que isso acabe atingindo indiretamente terceiros beneficiários dos valores
O poder do Ministério Público de requisitar informações bancárias de conta corrente de titularidade do Município abrange, por extensão, o direito de acesso aos registros das operações bancárias realizadas por particulares, a partir das verbas públicas creditadas naquela conta. Em outras palavras, o Ministério Público pode, por exemplo, requisitar, sem autorização judicial, os valores que o Município transferiu para contas de particulares.
Ora, de nada adiantaria permitir ao Ministério Público requisitar diretamente os registros das operações feitas na conta bancária da Municipalidade e negar-lhe o principal: o acesso ao real destino dos recursos públicos, a partir do exame de operações bancárias sucessivas (v.g., desconto de cheque emitido pela Municipalidade na boca do caixa, seguido de transferência a particular do valor sacado).
Decidir em sentido contrário implicaria o esvaziamento da própria finalidade do princípio da publicidade, que é permitir o controle da atuação do administrador público e do emprego de verbas públicas.
Quais órgão podem requerer informações bancárias diretamente das instituições financeiras?
1) Polícia - NÃO.
2) MP - NÃO. Exceção: É lícita a requisição pelo MP de informações bancárias de contas de titularidade de órgão e entidade públicas, com o fim de proteger o patrimônio público, não se podendo falar em quebra ilegal de sigilo bancário.
3) TCU - NÃO. Exceção: O envio de informação ao TCU relativas a operações de crédito originárias de recursos públicos não é coberto pelo sigilo bancário.
4) Receita Federal - Sim, com base no art. 6 do LC 105\2001. O repasse das informações dos bancos para o Fisco não pode ser definido como sendo “quebra de sigilo bancário”.
5) Fisco estadual, distrital, municipal - SIM, desde que regulamentem, no âmbito de suas esferas de competência, o art. 6 da LC 105\2001, de forma análogo ao Decreto Federal 3.724\2001.
6) CPI - SIM (Seja ela federal ou estadual\distrital) (art. 4, pár. 1 da LC 105\2001). Prevalece que CPI municipal não pode.
Normas que tratem de regime monetário, quando forem inseridas em contratos particulares, serão atingidas por leis posteriores que disponham de maneira diversa?
É constitucional o art. 38 da Lei 8.880/94, não importando a aplicação imediata desse dispositivo em violação ao art. 5º, XXXVI, da CF/88
O art. 38 da Lei nº 8.880/94 previu que a URV deveria ser utilizada como parâmetro de cálculo dos índices de correção monetária nos dois primeiros meses de implantação do Plano Real.
As pessoas que tinham contratos em vigor e que haviam sido celebrados antes da Lei nº 8.880/94 começaram a questionar a aplicação imediata deste dispositivo. Alegaram que a sua aplicação aos contratos em vigor seria inconstitucional por violar o direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88).
O STF não concordou com essa tese e decidiu que:
É constitucional o art. 38 da Lei nº 8.880/94 e que a sua aplicação imediata para os contratos em vigor não violou a garantia do “direito adquirido”, prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal.
Não é possível opor a cláusula de proteção ao direito adquirido ou ato jurídico perfeito em face da aplicação imediata de normas que tratam de regime monetário, as quais possuem natureza estatutária e institucional, como é a situação daquelas responsáveis por substituir uma moeda por outra.
As normas que tratam do regime monetário - inclusive, portanto, as de correção monetária -, têm natureza institucional e estatutária, insuscetíveis de disposição por ato de vontade, razão pela qual sua incidência é imediata, alcançando as situações jurídicas em curso de formação ou de execução. STF. Plenário. ADPF 77/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 16/5/2019 (Info 940). STF. 1ª Turma. RE 307108/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 12/11/2019 (Info 959).
Teor:
Quanto ao mérito, o STF concordou com a autora? Este dispositivo é constitucional e podia ser aplicado aos contratos em curso?
SIM.
É constitucional o art. 38 da Lei nº 8.880/94 (URV como forma de cálculo da correção monetária na implementação do Plano Real). A aplicação imediata desse dispositivo para os contratos em vigor não violou a garantia do “direito adquirido”, prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal. STF. Plenário. ADPF 77/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 16/5/2019 (Info 940) STF. 1ª Turma. RE 307108/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 12/11/2019 (Info 959).
A correção monetária visa recompor a perda do poder aquisitivo da moeda, em razão do ambiente inflacionário.
Quando esta Lei foi editada, o Brasil vivia a experiência da inflação galopante. Para seu controle, surgiu o Plano Real. Na época, o plano para a implantação do real foi dividido, basicamente, em três etapas:
a) estabelecimento, em bases permanentes, do equilíbrio das contas do governo;
b) criação da Unidade Real de Valor (URV); e
c) emissão da nova moeda.
O STF entendeu que é constitucional a aplicação imediata do art. 38 às obrigações em curso, firmadas antes de seu advento. Isso porque esse art. 38 tem natureza institucional estatutária. Isso quer dizer que ele é parte integrante e inseparável das leis e medidas provisórias responsáveis pela introdução do “Plano Real”, um programa governamental para combate à inflação.
Não é possível opor a cláusula de proteção ao direito adquirido ou ato jurídico perfeito em face da aplicação imediata de normas que tratam de regime monetário, as quais possuem natureza estatutária e institucional, como é a situação daquelas responsáveis por substituir uma moeda por outra. Esse entendimento já era consolidado no STF:
(…) 1. A aplicação da cláusula constitucional que assegura, em face da lei nova, a preservação do direito adquirido e do ato jurídico perfeito (CF, art. 5º, XXXVI) impõe distinguir duas diferentes espécies de situações jurídicas: (a) as situações jurídicas individuais, que são formadas por ato de vontade (especialmente os contratos), cuja celebração, quando legítima, já lhes outorga a condição de ato jurídico perfeito, inibindo, desde então, a incidência de modificações legislativas supervenientes; e (b) as situações jurídicas institucionais ou estatutárias, que são formadas segundo normas gerais e abstratas, de natureza cogente, em cujo âmbito os direitos somente podem ser considerados adquiridos quando inteiramente formado o suporte fático previsto na lei como necessário à sua incidência. Nessas situações, as normas supervenientes, embora não comportem aplicação retroativa, podem ter aplicação imediata.
- Segundo reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, as normas que tratam do regime monetário - inclusive, portanto, as de correção monetária -, têm natureza institucional e estatutária, insuscetíveis de disposição por ato de vontade, razão pela qual sua incidência é imediata, alcançando as situações jurídicas em curso de formação ou de execução. É irrelevante, para esse efeito, que a cláusula estatutária esteja reproduzida em ato negocial (contrato), eis que essa não é circunstância juridicamente apta a modificar a sua natureza.
- As disposições do art. 21 da Lei 9.069/95, resultante da conversão da MP 542/94, formam um dos mais importantes conjuntos de preceitos normativos do Plano REAL, um dos seus pilares essenciais, justamente o que fixa os critérios para a transposição das obrigações monetárias, inclusive contratuais, do antigo para o novo sistema monetário. São, portanto, preceitos de ordem pública e seu conteúdo, por não ser suscetível de disposição por atos de vontade, têm natureza estatutária, vinculando de forma necessariamente semelhante a todos os destinatários. Dada essa natureza institucional (estatutária), não há inconstitucionalidade na sua aplicação imediata (que não se confunde com aplicação retroativa) para disciplinar as cláusulas de correção monetária de contratos em curso.
- Recurso extraordinário a que se nega provimento. STF. Plenário. RE 212609, Rel. Min. Carlos Velloso, Rel. p/ Acórdão Min. Teori Zavascki, julgado em 29/04/2015.
O Habeas Data pode ser impetrado independetemente da (in)existência de recusa da autoridade administrativa?
Súmula 2 do STJ: “Não cabe o habeas data (CF/88, art. 5º, LXXII, ‘a’) se não houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa.”
Admite-se a diferenciação entre o prazo da licença-maternidade e da licença-adotante? Quanto à licença-adotante, pode-se estabelecer prazo superior para o caso de a criança adotada possuir menos de 1 ano?
O art. 210 da Lei nº 8.112/90, assim como outras leis estaduais e municipais, prevê que o prazo para a servidora que adotar uma criança é inferior à licença que ela teria caso tivesse tido um filho biológico. De igual forma, este dispositivo estabelece que, se a criança adotada for maior que 1 ano de idade, o prazo será menor do que seria se ela tivesse até 1 ano. Segundo o STF, tal previsão é inconstitucional. Foi fixada, portanto, a seguinte tese:
Os prazos da licença-adotante não podem ser inferiores ao prazo da licença-gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações. Em relação à licença-adotante, não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada. STF. Plenário. RE 778889/PE, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 10/3/2016 (repercussão geral) (Info 817).
Interior teor:
Proibição constitucional de discriminação entre filhos conforme a sua origem
Outra mudança importante no conceito tradicional de família diz respeito à igualdade entre os filhos. Na visão antiga, os filhos poderiam ter um tratamento diferenciado a depender de suas origens. Existia a ideia de filho legítimo (decorrente do nascimento biológico em um casamento), de filho ilegítimo (fruto de uma relação extraconjugal) e de filho adotivo.
O primeiro grupo (filhos legítimos) recebia uma maior proteção do ordenamento jurídico e as demais espécies eram discriminadas.
Tal distinção foi expressamente proibida pela CF/88, que assegurou o princípio da igualdade entre os filhos, não importando a sua origem. Veja:
Art. 227 (…) § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Desse modo, o art. 210 da Lei nº 8.112/90, ao estabelecer um tratamento diferenciado entre os filhos (os biológicos terão mais tempo de cuidado com a mãe do que os adotivos), viola frontalmente o art. 227, § 6º, da CF/88.
Crianças adotadas apresentam dificuldades ainda maiores que os filhos biológicos
O STF pontuou, ainda, que as crianças adotadas apresentam dificuldades inexistentes para filhos biológicos: histórico de cuidados inadequados, carência, abuso físico, moral e sexual, traumas, entre outros. Tudo isso faz com que se exija da mãe um cuidado ainda maior, o que será garantido por meio da licença no mesmo prazo concedida para a licença-maternidade decorrente da concepção de filhos biológicos.
Ademais, a previsão da Lei nº 8.112/90 de um prazo menor para as crianças adotadas com mais de 1 ano de idade também não se revela razoável. Nada indica que crianças mais velhas demandam menos cuidados se comparadas a bebês. Ao contrário, quanto maior a idade da criança, maior o tempo em que ela ficou submetida a esse quadro de abandono e sofrimento, e maior será a dificuldade para que se adapte à família adotiva.
Por isso, quanto mais a mãe puder estar disponível para a criança adotiva, especialmente nesse período inicial, maior a probabilidade de recuperação emocional da criança em adaptação.
Além disso, crianças adotadas apresentam mais problemas de saúde, se comparadas com filhos biológicos, e quanto mais avançada a idade da criança, menor a probabilidade de ser escolhida para adoção. Ademais, é necessário criar estímulos para a adoção de crianças mais velhas.
Portanto, o tratamento mais gravoso dado ao adotado de mais idade viola o princípio da proporcionalidade, e implica proteção deficiente.
É constitucional a autorização de trabalho de gestantes em trabalhos insalubres quando apresentado atestado médico?
É inconstitucional a expressão “quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento”, contida nos incisos II e III do art. 394-A da CLT, inseridos pelo art. 1º da Lei nº 13.467/2017.
Essa expressão, inserida no art. 394-A da CLT, tinha como objetivo autorizar que empregadas grávidas ou lactantes pudessem trabalhar em atividades insalubres.
Ocorre que o STF entendeu que o trabalho de gestantes e de lactantes em atividades insalubres viola a Constituição Federal.
O art. 6º da CF/88 proclama importantes direitos, entre eles a proteção à maternidade, a proteção do mercado de trabalho da mulher e redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
A proteção para que a gestante e a lactante não sejam expostas a atividades insalubres caracteriza-se como importante direito social instrumental que protege não apenas a mulher como também a criança (art. 227 da CF/88).
A proteção à maternidade e a integral proteção à criança são direitos irrenunciáveis e não podem ser afastados pelo desconhecimento, impossibilidade ou a própria negligência da gestante ou lactante em apresentar um atestado médico, sob pena de prejudicá-la e prejudicaro recém-nascido.
Em suma, é proibido o trabalho da gestante ou da lactante em atividades insalubres.
STF. Plenário. ADI 5938/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 29/5/2019 (Info 942).
Havendo suspeitas de que existe droga em determinada casa, será possível que os policiais invadam a residência mesmo sem ordem judicial e ainda que contra o consentimento do morador?
SIM.
No entanto, no caso concreto, devem existir fundadas razões que indiquem que ali está sendo cometido um crime (flagrante delito). Essas razões que motivaram a invasão forçada deverão ser posteriormente expostas pela autoridade, sob pena de ela responder nos âmbitos disciplinar, civil e penal. Além disso, os atos praticados poderão ser anulados.
A tese fixada pelo STF em sede de recurso extraordinário sob repercussão geral foi a seguinte:
A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas “a posteriori”, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticadosSTF. Plenário. RE 603616/RO, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4 e 5/11/2015 (repercussão geral) (Info 806).
OBSERVAÇÃO:
A mera intuição acerca de eventual traficância praticada pelo agente, embora pudesse autorizar abordagem policial, em via pública, para averigação, não configura, por si só, justa causa a autorizar o ingresso em seu domicílio, sem o seu consentimento e sem determinação judicial (REsp n. 1.574.681 - Info 606)
OUTRO JULGADO
Imagine agora a seguinte situação hipotética:
Os policiais se deslocaram para o bairro Bom Jesus para verificar “denúncias anônimas”, recebidas pelo “disque denúncia”, de que estaria sendo praticado tráfico de drogas.
Ao chegarem no local, encontraram João na frente de uma casa.
Os policiais fizeram busca pessoal em João, mas não encontraram substância entorpecente.
Em seguida, os policiais perguntaram onde ficava a casa de João, tendo ele indicado.
Os policiais alegaram que João autorizou a entrada na residência para fins de busca e apreensão e que, ao revistarem o local, encontram grande quantidade de drogas escondida no armário.
João foi preso em flagrante e denunciado por tráfico de drogas.
Em seu interrogatório judicial, o réu negou veementemente que tenha autorizado a entrada dos policiais.
Essa apreensão foi lícita?
NÃO. O STJ entendeu que a busca foi ilícita, assim como todas as provas dela derivadas. Isso porque não houve comprovação de consentimento válido para o ingresso no domicílio do réu.
Na hipótese de suspeita de flagrância delitiva, qual a exigência, em termos de standard probatório*, para que policiais ingressem no domicílio do suspeito sem mandado judicial?
Para garantir a devida proteção da garantia constitucional à inviolabilidade do domicílio, os policiais deverão adotar as seguintes providências:
1) Autorização assinada pelo morador e por testemunhas
Os policiais deverão obter a autorização assinada pelo morador afirmando que permite a entrada, indicando, ainda, o nome de testemunhas que atestem que o morador consentiu com a entrada e que acompanhem a busca realizada. Isso deve ser registrado em auto circunstanciado.
Tal providência, aliás, já é determinada pelo art. 245, § 7º, do CPP, que prevê:
Art. 245. As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta.
(…)
§ 7º Finda a diligência, os executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com duas testemunhas presenciais, sem prejuízo do disposto no § 4º.
Embora esse dispositivo se refira ao cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar, por óbvio ele também deve se aplicar para qualquer forma de busca e apreensão efetuada pelo Estado em domicílios de suspeitos, com ou sem mandado judicial.
2) A diligência deverá ser integralmente registrada em vídeo e áudio
Além disso, será de fundamental importância que se registre, em vídeo e áudio, toda a diligência, especialmente nas situações em que, por ausência justificada do formulário ou por impossibilidade qualquer de sua assinatura, seja indispensável comprovar o livre consentimento do morador para o ingresso domiciliar.
A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada a prova enquanto durar o processo.
STJ. 6ª Turma. HC 598.051/SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 02/03/2021 (Info 687).
A empregada gestante tem direito à estabilidade caso tenha sido demitido por empregador que não sabia de sua gravidez?
A incidência da estabilidade prevista no art. 10, II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa.
Art. 10. (…) II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: (…) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
O único requisito exigido é de natureza biológica. Exige-se apenas a comprovação de que a gravidez tenha ocorrido antes da dispensa arbitrária, não sendo necessários quaisquer outros requisitos, como o prévio conhecimento do empregador ou da própria gestante.
Assim, é possível assegurar a estabilidade à gestante mesmo que no momento em que ela tenha sido demitida pelo empregador ele não soubesse de sua gravidez. STF. Plenário. RE 629053/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 10/10/2018 (repercussão geral) (Info 919).
LC 146/2014
Vale relembrar que a estabilidade vai até 5 meses após o parto. Se a criança nascer e a mãe falecer enquanto ainda estava no período de estabilidade (ex: a mãe faleceu logo depois do parto), a pessoa que ficar na guarda do seu filho terá direito ao restante do período de estabilidade. É o que prevê o art. 1º da LC 146/2014.
Ex: Maria faleceu logo após o parto. João, seu marido, ficou com a guarda da criança. Ele terá 5 meses de estabilidade em seu emprego.
O Poder Judiciário pode obrigar a Administração Pública a manter quantidade mínima de determinado medicamento em estoque?
Resumo
A Administração Pública pode ser obrigada, por decisão do Poder Judiciário, a manter estoque mínimo de determinado medicamento utilizado no combate a certa doença grave, de modo a evitar novas interrupções no tratamento.
Não há violação ao princípio da separação dos poderes no caso. Isso porque com essa decisão o Poder Judiciário não está determinando metas nem prioridades do Estado, nem tampouco interferindo na gestão de suas verbas. O que se está fazendo é controlar os atos e serviços da Administração Pública que, neste caso, se mostraram ilegais ou abusivos já que, mesmo o Poder Público se comprometendo a adquirir os medicamentos, há falta em seu estoque, ocasionando graves prejuízos aos pacientes.
Assim, não tendo a Administração adquirido o medicamento em tempo hábil a dar continuidade ao tratamento dos pacientes, atuou de forma ilegítima, violando o direito à saúde daqueles pacientes, o que autoriza a ingerência do Poder Judiciário. STJ. 1ª Turma. RE 429903/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 25/6/2014 (Info 752).
O Judiciário pode determinar reforma de cadeia ou construção de nova unidade prisional se houve alegação de restrição orçamentária por parte do Estado?
Resumo
Constatando-se inúmeras irregularidades em cadeia pública – superlotação, celas sem condições mínimas de salubridade para a permanência de presos, notadamente em razão de defeitos estruturais, de ausência de ventilação, de iluminação e de instalações sanitárias adequadas, desrespeito à integridade física e moral dos detentos, havendo, inclusive, relato de que as visitas íntimas seriam realizadas dentro das próprias celas e em grupos, e que existiriam detentas acomodadas improvisadamente –, a alegação de ausência de previsão orçamentária não impede que seja julgada procedente ação civil publica que, entre outras medidas, objetive obrigar o Estado a adotar providências administrativas e respectiva previsão orçamentária para reformar a referida cadeia pública ou construir nova unidade, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. STJ. 2ª Turma. REsp 1.389.952-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 3/6/2014 (Info 543).
Inteiro teor:
Inexistência de ofensa à separação dos poderes
Não há ofensa ao princípio da separação dos poderes. Isso porque a concretização dos direitos sociais não pode ficar condicionada à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa.
Seria distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente importantes.
Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, não existe empecilho jurídico para que o Judiciário determine a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal.
Inexistência de ofensa à previa previsão orçamentária
Não há que se falar em ofensa aos arts. 4º, 6º e 60 da Lei n. 4.320/64 (que preveem a necessidade de previsão orçamentária para a realização das obras em apreço), na medida em que o MP pediu, na ação civil pública, que o Estado incluísse previsão orçamentária para as obras solicitadas. Logo, não se desrespeitou a regra que determina a previsão orçamentária das obras.
Não aplicação da teoria da reserva do possível
Não se pode invocar a teoria da reserva do possível, importada do Direito alemão, como escudo para o Estado se escusar do cumprimento de suas obrigações prioritárias.
Realmente as limitações orçamentárias são um entrave para a efetivação dos direitos sociais. No entanto, é preciso ter em mente que o princípio da reserva do possível não pode ser utilizado de forma indiscriminada.
Na verdade, o direito alemão construiu essa teoria no sentido de que o indivíduo só pode requerer do Estado uma prestação que se dê nos limites do razoável, ou seja, na qual o peticionante atenda aos requisitos objetivos para sua fruição.
De acordo com a jurisprudência da Corte Constitucional alemã, os direitos sociais prestacionais estão sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade. Ocorre que não se podem importar preceitos do direito comparado sem atentar para Estado brasileiro. Na Alemanha, os cidadãos já dispõem de um mínimo de prestações materiais capazes de assegurar existência digna. Por esse motivo, o indivíduo não pode exigir do Estado prestações supérfluas, pois isso escaparia do limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado pela jurisprudência germânica.
Todavia, a situação é completamente diversa nos países menos desenvolvidos, como é o caso do Brasil, onde ainda não foram asseguradas, para a maioria dos cidadãos, condições mínimas para uma vida digna. Nesse caso, qualquer pleito que vise a fomentar uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem razão (supérfluo), pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado brasileiro.
É por isso que o princípio da reserva do possível não pode ser oposto a um outro princípio, conhecido como princípio do mínimo existencial. Somente depois de atingido esse mínimo existencial é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em quais outros projetos se deve investir.
Por esse motivo, não havendo comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário determine a inclusão de determinada políticapública nos planos orçamentários do ente político.
IMPORTANTE:
Em provas práticas do MP ou da Defensoria Pública, o candidato, ao preparar uma ação civil pública requerendo a implementação de alguma política pública, deverá pedir que a verba necessária para essa medida seja incluída no orçamento estatal a fim de evitar a alegação de violação aos arts. 4º, 6º e 60 da Lei n. 4.320/64 (que preveem a necessidade de previsão orçamentária para a realização das obras em apreço).
Imagina a seguinte situação. De 2010 a 2012, o prefeito da cidade era Auricélo. Era o primeiro madnato dele. Seis meses antes das eleições, auricélio renunciou ao cargo. Em 2012, Hélio (cunhado de Auricélo) vence a eleição para Prefeito da mesma cida. de 2013 a 2016, Hélio cumpre o mandato de prefeito.
Pergunta: em 2016, Hélio poderá se candidatar à reeleição ao cargo de prefeito?
Resumo
Ao se fazer uma interpretação conjugada dos §§ 5º e 7º do art. 14 da CF/88 chega-se à conclusão de que a intenção do poder constituinte foi a de proibir que pessoas do mesmo núcleo familiar ocupem três mandatos consecutivos para o mesmo cargo no Poder Executivo.
Em outras palavras, a CF/88 quis proibir que o mesmo núcleo familiar ocupasse três mandatos consecutivos de Prefeito, de Governador ou de Presidente. A vedação ao exercício de três mandatos consecutivos de prefeito pelo mesmo núcleo familiar aplica-se também na hipótese em que tenha havido a convocação do segundo colocado nas eleições para o exercício de mandato-tampão.
Ex: de 2010 a 2012, o Prefeito da cidade era Auricélio. Era o primeiro mandato de Auricélio. Seis meses antes das eleições, Auricélio renunciou ao cargo. Em 2012, Hélio (cunhado de Auricélio) vence a eleição para Prefeito da mesma cidade. De 2013 a 2016, Hélio cumpre o mandato de Prefeito. Em 2016, Hélio não poderá se candidatar à reeleição ao cargo de Prefeito porque seria o terceiro mandato consecutivo deste núcleo familiar. STF. 2ª Turma. RE 1128439/RN, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 23/10/2018 (Info 921).
Interior teor:
Art. 14 (…)
§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente. (…)
§ 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.
A jurisprudência, ao interpretar esses dois parágrafos, afirma que o cônjuge ou parente do chefe do Poder Executivo (ex: cônjuge ou parente do Prefeito) só poderá concorrer para o mesmo cargo de chefe do Executivo (ex: só poderá concorrer ao cargo de Prefeito) se forem cumpridos dois requisitos:
1) o cônjuge ou parente só pode se candidatar a sucessão do titular quando este for reelegível. Ex: o parente do Prefeito quer concorrer à Prefeitura; esse parente só poderá concorrer se não houver nenhum impedimento para que o próprio Prefeito concorra; em outras palavras, o Prefeito poderá se candidatar à reeleição, mas escolheu não fazer isso; neste caso, seu parente poderá concorrer. Assim, se já era o segundo mandato consecutivo do Prefeito, por exemplo, seu parente não poderá concorrer; isso porque o próprio Prefeito não poderia participar novamente da eleição.
2) o titular deverá se afastar do mandato seis meses antes das eleições. Ex: Auricélio era Prefeito e renunciou ao cargo seis meses antes das eleições a fim de permitir que seu cunhado Hélio (que é parente por afinidade em segundo grau) fosse candidato ao mesmo cargo.
Terceiro mandato no mesmo núcleo familiar
O TSE considerou que, se fosse permitido que Hélio continuasse no cargo de Prefeito e exercesse o mandato de 2017 a 2020, isso significaria o terceiro mandato consecutivo do mesmo núcleo familiar para o mesmo cargo.
Para o TSE, ao se fazer uma interpretação conjugada dos §§ 5º e 7º do art. 14 da CF/88 chega-se à conclusão sobre qual foi a intenção do legislador constituinte: proibir que pessoas do mesmo núcleo familiar ocupem três mandatos consecutivos para o mesmo cargo no Poder Executivo.
Em outros termos, a CF/88 quis proibir que o mesmo núcleo familiar ocupasse três mandatos consecutivos de Prefeito, de Governador ou de Presidente.
Quando Hélio foi eleito em 2012 e passou a exercer o mandato em 2013, este foi o segundo mandato consecutivo de Prefeito daquele grupo familiar. Mesmo sendo uma outra pessoa, é como se fosse a reeleição de Auricélio. O mandato de 2013-2016 desempenhado por Hélio é como se fosse o segundo mandato de Auricélio. Logo, já chega. Não pode um terceiro consecutivo.
Obs1: quando falamos em “núcleo familiar” aqui estamos nos referindo ao cônjuge e aos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção (art. 14, § 7º).
Obs2: a causa de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º da CF/88 abrange o cunhado/cunhada do chefe do Poder Executivo (STF. Plenário. RE 171061, Rel. Min. Francisco Rezek, julgado em 02/03/1994)
Veja as palavras do Min. Celso de Mello:
O Poder Constituinte se revelou hostil a práticas ilegítimas que denotem o abuso de poder econômico ou que caracterizem o exercício distorcido do poder político-administrativo.
Com o objetivo de proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função pública, foram definidas situações de inelegibilidade destinadas a obstar, entre outras hipóteses, a formação de grupos hegemônicos que, ao monopolizarem o acesso aos mandatos eletivos, virtualmente patrimonializam o poder governamental, convertendo-o em verdadeira res (coisa) doméstica.
As formações oligárquicas constituem grave deformação do processo democrático. Nessa medida, a busca do poder não pode limitar-se à esfera reservada de grupos privados, sob pena de frustrarse o princípio do acesso universal às instâncias governamentais. Legitimar o controle monopolístico do poder por núcleos de pessoas unidas por vínculos de ordem familiar equivale a ensejar, em última análise, o domínio do próprio Estado por grupos privados.
A patrimonialização do poder revela inquestionável anomalia a que o STF não pode permanecer indiferente, pois a consagração de práticas hegemônicas na esfera institucional do poder político conduzirá o processo de governo a verdadeiro retrocesso histórico, o que constituirá situação inaceitável.
O que é o voto híbrido? Ele é aceito pelo ordenamento jurídico?
Resumo
É inconstitucional a lei que determina que, na votação eletrônica, o registro de cada voto deverá ser impresso e depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado (art. 59-A da Lei 9.504/97, incluído pela Lei 13.165/2015).
Essa previsão acaba permitindo a identificação de quem votou, ou seja, permite a quebra do sigilo, e, consequentemente, a diminuição da liberdade do voto, violando o art. 14 e o § 4º do art. 60 da Constituição Federal.
Cabe ao legislador fazer a opção pelo voto impresso, eletrônico ou híbrido, visto que a CF/88 nada dispõe a esse respeito, observadas, entretanto, as características do voto nela previstas.
O modelo híbrido trazido pelo art. 59-A constitui efetivo retrocesso aos avanços democráticos conquistados pelo Brasil para garantir eleições realmente livres, em que as pessoas possam escolher os candidatos que preferirem. STF. Plenário. ADI 5889/DF, rel. orig. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 6/6/2018 (Info 905).
Inteiro teor:
ADI
A Procuradoria-Geral da República ajuizou ADI contra essa previsão.
Para a PGR, a reintrodução do voto impresso como forma de controle do processo eletrônico de votação “caminha na contramão da proteção da garantia do anonimato do voto e significa verdadeiro retrocesso”.
Ao determinar a impressão do voto no processo de votação eletrônica, a norma legal coloca em risco o direito fundamental do cidadão ao sigilo de seu voto, previsto no art. 14 da Constituição Federal.
Além disso, segundo a procuradora, a adoção do modelo impresso provoca risco à confiabilidade do sistema eleitoral, fragilizando o nível de segurança e eficácia da expressão da soberania nacional por meio do sufrágio universal.
Na petição inicial argumenta-se também a respeito da situação das pessoas com deficiência visual e das analfabetas, que não terão condições de conferir o voto impresso sem o auxílio de terceiros, o que, mais uma vez, importará quebra do sigilo de voto.
O que foi decidido?
O STF deferiu liminar na ADI para suspender o art. 59-A na Lei nº 9.504/97, incluído pela Lei nº 13.165/2015.
Este dispositivo viola a regra constitucional que garante o voto livre e secreto.
Os Ministros entenderam que a sistemática prevista no art. 59-A permite a identificação de quem votou, ou seja, a quebra do sigilo, e, consequentemente, a diminuição da liberdade do voto.
Outros argumentos apresentados pelos Ministros sustentaram a falta de proporcionalidade e razoabilidade da medida, uma vez que impõe altos custos de implantação – estimados em mais de R$ 2 bilhões – e traz riscos para a segurança das votações, sem haver garantia de que aumenta a segurança do sistema. Isso em um contexto em que faltam indícios de fraude generalizada no sistema de voto eletrônico, existente desde 1996. Foi ressaltada a confiança da população no sistema, tido como referência internacional, e no fato de que a alteração poderia, pelo contrário, minar essa confiança.
Retrocesso
Cabe ao legislador fazer a opção pelo voto impresso, eletrônico ou híbrido, visto que a CF nada dispõe a esse respeito, observadas, entretanto, as características do voto nela previstas.
No entanto, o modelo híbrido trazido pelo dispositivo impugnado constitui efetivo retrocesso aos avanços democráticos conquistados pelo Brasil para garantir eleições realmente livres, em que as pessoas possam escolher os candidatos que preferirem.
A suspensão de direito políticos prevista no art. 15, III, da CF, aplica-se no caso de pena restritiva de direitos?
A suspensão de direitos políticos prevista no art. 15, III, da Constituição Federal, aplica-se no caso de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos.
Havendo condenação criminal transitada em julgado, a pessoa condenada fica com seus direitos políticos suspensos tanto no caso de pena privativa de liberdade como na hipótese de substituição por pena restritiva de direitos. Veja o dispositivo constitucional:
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; STF. Plenário. RE 601182/MG, Rel. Min. Marco Au
Quais são os requisitos exigidos para concessão judicial d medicamentos não previstos pelo SUS?
Resumo
A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:
(I) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
(II) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; e
(III) existência de registro na ANVISA do medicamento. [observados os usos autorizados pela agência, segundo julgamento do ED] STJ. 1ª Seção. REsp 1.657.156-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 25/04/2018 (recurso repetitivo) (Info 625).
Inteiro teor:
Inexistência de violação ao princípio da separação dos Poderes
O entendimento acima não viola o princípio da separação dos Poderes. Isso porque uma das tarefas primordiais do Poder Judiciário é atuar para a efetivação dos direitos fundamentais, especialmente aqueles que se encontram previstos na Constituição Federal.
Assim, não há que se falar em violação ao princípio da separação dos Poderes, quando o Poder Judiciário intervém no intuito de garantir a implementação de políticas públicas, notadamente, como no caso em análise, em que se busca a tutela do direito à saúde.
“Seria distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente relevantes.” (STJ. 2ª Turma. REsp 1.488.639/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 16/12/2014).
Fundamento constitucional
O direito à saúde foi consagrado pela Constituição Federal de 1988 como direito fundamental do cidadão, corolário do direito à vida, bem maior do ser humano.
O art. 196 do Texto Constitucional estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
A propósito do tema, o STF, ao interpretar os arts. 5º, caput, e 196 da CF/88, consagrou o direito à saúde como consequência indissociável do direito à vida, assegurado a todas as pessoas (STF. 2ª Turma. ARE 685.230 AgR/MS, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 25/03/2013).
Para alcançar esse objetivo, a Carta Constitucional determinou a criação de um sistema único de saúde (SUS), que tenha como uma de suas diretrizes o “atendimento integral” da população (art. 198, II, da CF/88).
Fundamento infraconstitucional
A fim de dar concretude ao SUS, foi editada a Lei nº 8.080/90, que prevê que o Poder Público deverá fornecer assistência integral, inclusive farmacêutica:
Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
(…) Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).
(…) Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I - a execução de ações:
(…) d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;
Em 2011, foi editada a Lei nº 12.401/2011 que incluiu diversos dispositivos na Lei nº 8.080/90 tratando sobre a assistência terapêutica e prevendo o fornecimento de medicamentos. Veja o que diz o art. 19-M, um dos dispositivos acrescentados:
Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6º consiste em: I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P; (…)
O art. 19-P afirma que a dispensação (fornecimento) de medicamentos será feita com base no protocolo clínico ou de diretriz terapêutica e, na falta disso, com base nas relações de medicamentos do SUS:
Art. 19-P. Na falta de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, a dispensação será realizada:
I - com base nas relações de medicamentos instituídas pelo gestor federal do SUS, observadas as competências estabelecidas nesta Lei, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite;
II - no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores estaduais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Bipartite;
III - no âmbito de cada Município, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores municipais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada no Conselho Municipal de Saúde.
O art. 19-Q trata sobre o procedimento para incorporação, exclusão ou alteração, pelo SUS, de novos medicamentos:
Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. (…)
O STJ entende que o fato de o medicamento não integrar a lista básica do SUS não tem o condão de eximir os entes federados do dever imposto pela ordem constitucional, porquanto não se pode admitir que regras burocráticas, previstas em portarias ou normas de inferior hierarquia, prevaleçam sobre direitos fundamentais (STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 405.126/DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 26/10/2016).
PRIMEIRO requisito
O primeiro requisito exigido pelo STJ foi o seguinte:
“Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;”
Sobre esse primeiro requisito, é importante que sejam feitas três observações:
Primeira observação. Na I Jornada de Direito da Saúde, organizada pelo CNJ, foi aprovado o enunciado 15 dizendo como deve ser este laudo médico. O STJ acolhe esse enunciado. Veja a sua redação:
Enunciado 15: As prescrições médicas devem consignar o tratamento necessário ou o medicamento indicado, contendo a sua Denominação Comum Brasileira (DCB) ou, na sua falta, a Denominação Comum Internacional (DCI), o seu princípio ativo, seguido, quando pertinente, do nome de referência da substância, posologia, modo de administração e período de tempo do tratamento e, em caso de prescrição diversa daquela expressamente informada por seu fabricante, a justificativa técnica.
Desse modo, a parte, quando for fazer o pedido do medicamento junto ao Poder Judiciário, deverá ficar atenta a isso.
Segunda observação. Este laudo médico não precisa ser assinado por médico vinculado ao SUS: “(…) Ressalte-se, ainda, que não há no ordenamento, jurídico brasileiro qualquer exigência que condicione o fornecimento de medicamento à prescrição exclusivamente por médico da rede pública. (…)” (STJ. AgInt no REsp 1.309.793/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 07/04/2017).
Assim, o laudo deve ser emitido pelo médico que assiste o paciente, seja ele público ou privado.
Terceira observação. O laudo médico deverá comprovar duas circunstâncias:
1ª) Imprescindibilidade ou necessidade do medicamento pleiteado para o tratamento da doença; e
2ª) Ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS.
Em outras palavras, o remédio pedido judicialmente deve ser imprescindível ou necessário e aqueles que existem no SUS não podem substitui-lo
. (…) O Supremo Tribunal Federal tem se orientado no sentido de ser possível ao Judiciário a determinação de fornecimento de medicamento não incluído na lista padronizada fornecida pelo SUS, desde que reste comprovação de que não haja nela opção de tratamento eficaz para a enfermidade. (…) STF. 1ª Turma. RE 831.385 AgR/RS, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 06/04/2015.
Terceira observação. O laudo médico deverá comprovar duas circunstâncias: 1ª) Imprescindibilidade ou necessidade do medicamento pleiteado para o tratamento da doença; e 2ª) Ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS. Em outras palavras, o remédio pedido judicialmente deve ser imprescindível ou necessário e aqueles que existem no SUS não podem substitui-lo. (…) O Supremo Tribunal Federal tem se orientado no sentido de ser possível ao Judiciário a determinação de fornecimento de medicamento não incluído na lista padronizada fornecida pelo SUS, desde que reste comprovação de que não haja nela opção de tratamento eficaz para a enfermidade. (…) STF. 1ª Turma. RE 831.385 AgR/RS, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 06/04/2015.
No mesmo sentido é o enunciado 14 da I Jornada de Direito da Saúde do CNJ: Não comprovada a inefetividade ou impropriedade dos medicamentos e tratamentos fornecidos pela rede pública de saúde, deve ser indeferido o pedido não constante das políticas públicas do Sistema Único de Saúde.
SEGUNDO requisito
Vamos relembrar o segundo requisito exigido pelo STJ: “incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito”.
Desse modo, o segundo requisito consiste na devida comprovação da hipossuficiência daquele que requer o medicamento, ou seja, que a sua aquisição implique o comprometimento da sua própria subsistência e/ou de seu grupo familiar.
Atenção! Não se exige comprovação de pobreza ou miserabilidade, mas, tão somente, a demonstração da incapacidade de arcar com os custos referentes à aquisição do medicamento prescrito.
Ex: a pessoa pode ser servidora pública, concursada, recebendo R$ 5 mil por mês; neste caso, não se trata de pessoa pobre; o remédio, contudo, custa R$ 100 mil cada dose. Ela não terá condições de adquiri-lo, preenchendo, portanto, o presente requisito.
TERCEIRO requisito
O terceiro requisito exigido pelo STJ diz respeito à “existência de registro na ANVISA do medicamento”. Assim, exige-se que o medicamento pretendido já tenha sido aprovado pela ANVISA. Esta exigência decorre de imposição legal, tendo em vista o disposto no artigo 19-T, II, da Lei nº 8.080/90:
Art. 19-T. São vedados, em todas as esferas de gestão do SUS:
I - o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico experimental, ou de uso não autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA;
II - a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na Anvisa.
Fazendo uma interpretação teleológica do art. 19-T, verifica-se que a intenção do legislador foi a de proteger o cidadão dos medicamentos experimentais, sem comprovação científica sobre a eficácia, a efetividade e a segurança do medicamento, a fim de assegurar o direito à saúde e à vida das pessoas.
ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a
ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trinta) dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.
§ 1o A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente. Logo, o Estado tinha competência para legislar sobre o tema, mas ao fazê-lo somente poderia complementar as normas gerais. Ocorre que esse inciso IV estabeleceu uma regra contrária a norma geral editada pela União. Assim, o inciso IV é inconstitucional por violar o § 1o do art. 24 da CF/88. _O inciso V do art. 35 da LC 106/2003 é compatível com o CPP?_ SIM. O inciso V contraria nenhuma regra do CPP. Logo, não viola o § 1o do art. 24 nem qualquer outro dispositivo da CF/88. Ao contrário, o inciso V está em harmonia com o art. 129, VII, da CF/88, que diz competir ao Ministério Público o controle externo da atividade policial. **_Tramitação direta do inquérito policial entre a Polícia Federal e o MPF_** No âmbito da Justiça Federal, ocorre a tramitação direta do inquérito policial entre a Polícia Federal e o MPF. Assim, se o DPF pede a dilação do prazo para as investigações ou apresenta o relatório final, o IP não precisa ir para o juiz federal e depois ser remetido ao MPF. O caminho é direto entre a PF e o MPF, sendo o próprio membro do Parquet quem autoriza a dilação do prazo. De igual modo, se o Procurador da República deseja a realização de outras diligências, ele não precisa, em regra, pedir isso ao juiz, bastando que devolve à PF com essa requisição. Essa regra da tramitação direta somente é excepcionada quando há pedidos que dependem do juiz federal, como é o caso de busca e apreensão, interceptação telefônica, quando se tratar de investigado preso etc. Esse procedimento de tramitação direta no âmbito da Justiça Federal foi estabelecido e regulamentado pela Resolução n. 063/2009 do Conselho da Justiça Federal e é assim que ainda hoje ocorre na prática. A referida Resolução foi impugnada no STF por meio da ADI n. 4305, ajuizada pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal. O Relator é o Min. Ricardo Lewandowski e não há previsão de julgamento. Diante desse precedente, a tendência é que a ADI 4305 seja julgada procedente.