Outras Síndromes Clínicas em Neonatologia Flashcards
Síndromes Gastrointestinais:
Diversas condições cirúrgicas que acometem
o trato gastrointestinal manifestam-se no período
neonatal e algumas delas estão presentes
desde o nascimento, como a atresia de
esôfago. Veremos a maioria dessas condições
em outro momento, no diagnóstico diferencial
das obstruções intestinais. Queremos aqui ver
uma das condições mais desafiadoras e potencialmente
graves do período neonatal, a
enterocolite necrosante. O tema é curto, mas
leia-o com cuidado.
Enterocolite Necrosante - Definição e Fisiopatologia:
A Enterocolite Necrosante (ECN) é uma das
condições mais graves que pode acometer um
RN durante sua internação na UTI neonatal.
Caracteriza-se pela necrose em graus variados
da mucosa intestinal ou mesmo de toda
a parede intestinal.
A ECN pode, eventualmente, acometer RN a
termo, mas é tipicamente um diagnóstico estabelecido
em prematuros. Nos RN a termo,
encontramos tipicamente a presença de fatores
de risco como asfixia. A prematuridade é
o principal fator de risco!
A incidência do quadro tem relação inversa
com a idade gestacional e o peso de nascimento.
Além disso, quanto menor o peso e a
idade gestacional, mais tardio pode ser o início
das manifestações. Desta forma, a doença
tende a se estabelecer mais tardiamente naqueles
nascidos com menos de 1.000 g.
A doença inicia-se pela necrose de um segmento
do intestino. Pode então ocorrer o acúmulo
de gás na submucosa da parede intestinal
(pneumatose intestinal), progressão
dessa necrose para perfuração, peritonite,
sepse e morte. O íleo distal e o cólon proximal
são envolvidos com maior frequência, mas,
dependendo da gravidade do processo, segmentos
mais extensos podem ser afetados,
desde o estômago até o reto.
A origem desse processo é multifatorial. A
tríade classicamente associada a essa condição
envolve a interação entre isquemia
intestinal, início de nutrição enteral (substrato
metabólico para a proliferação bacteriana)
e existência de flora bacteriana entérica patogênica
e potencialmente invasiva. A perda
da integridade mucosa desencadeada por
esses fatores associada à resposta do hospedeiro
a essa lesão provocam a necrose da
área afetada.
Embora não se saiba ao certo o papel de cada
um desses mecanismos, alguns pontos estão
bem estabelecidos: a ECN raramente se manifesta
antes do início da nutrição enteral; é
menos comum nos RN que recebem leite humano;
o aumento rápido no volume de dieta
oferecido associa-se a uma maior incidência
de doença.
Em relação aos agentes infecciosos, a ocorrência
de pequenos surtos de ECN parece
confirmar o papel de organismos patogênicos.
Diversas bactérias já foram isoladas em
hemoculturas obtidas em surtos ocasionais
de ECN, tais como Escherichia coli, Klebsiella,
Enterobacter, Pseudomonas, Salmonella,
Clostridium, Staphylococcus coagulase-negativo
e Enterococcus, bem como alguns
agentes virais, como rotavírus, coronavírus
e enterovírus.
Outros fatores de risco associados a uma
maior incidência incluem asfixia neonatal, cateterização
umbilical, persistência do canal
arterial, cardiopatia congênita, policitemia e
uso de indometacina e/ou metilxantinas.
Enterocolite Necrosante - Clínica:
Geralmente, as manifestações clínicas se instalam
nas primeiras duas semanas de vida,
mas lembre-se de que as crianças com muito
baixo peso ao nascer podem ter o início do
quadro retardado por várias semanas, vindo a
apresentar a doença somente aos três meses.
O quadro clínico varia conforme a gravidade
da doença. As manifestações iniciais incluem
distensão abdominal, aumento de resíduo
gástrico, presença de resíduo gástrico bilioso,
presença de muco e/ou sangue nas fezes
e piora clínica progressiva, com letargia, apneia
e acidose (FIGURA 43). Apesar de observarmos,
em alguns casos, manifestações
brandas, com apenas sangue oculto positivo
nas fezes, a evolução grave com peritonite,
perfuração intestinal e sepse pode sobrevir. A
maioria das questões que trazem esse diagnóstico
costuma relatar a presença de sangue
nas fezes: fique atento a essa manifestação.
Enterocolite Necrosante - Diagnóstico e Tratamento:
Estadiamento de Bell modificado. Em destaque os eventos que diferenciam os vários estágios.
O diagnóstico é estabelecido pelo quadro clínico
e é confirmado por exames de imagem,
achados cirúrgicos e/ou anatomopatológicos.
A presença da pneumatose intestinal, que corresponde
ao acúmulo de gás na parede intestinal,
confirma a suspeita clínica (FIGURA 44).
O achado de pneumoperitônio não é patognomônico
de ECN, mas esta é a principal causa
de pneumoperitônio no período neonatal. Porém,
mesmo sem a confirmação através desses
achados, estamos autorizados a estabelecer
o diagnóstico de ECN suspeita e dar início
a uma série de intervenções terapêuticas, com
o intuito de evitar a progressão da doença.
A doença pode ser classificada em estágios,
como mostrado na TABELA 13. Com base
no estágio, podemos definir a conduta. Essa
classificação é bem específica e só quem
lida com isso no seu dia a dia é, de fato, o
neonatologista. De tudo o que está descrito
nesta tabela, talvez o mais importante para
a prova seja o conceito de que a presença
do pneumoperitônio indica a necessidade de
intervenção cirúrgica.
Alguns pontos importantes relacionados ao
tratamento são:
• Diante da suspeita clínica de ECN, devemos
suspender imediatamente a nutrição por via
enteral, realizar sondagem orogástrica e
manter a sonda em drenagem para aliviar a
distensão abdominal. Usa-se a sonda mais
calibrosa possível, de acordo com o tamanho
da criança.
• O esquema antimicrobiano inicial pode ser
a associação de ampicilina com aminoglicosídeo.
As modificações no esquema devem
ser baseadas nos padrões de sensibilidade
e resistência bacteriana dos germes
isolados.
• A principal indicação para a intervenção
cirúrgica é a perfuração intestinal, identificada
pela presença de pneumoperitônio.
Outras possíveis indicações incluem a deterioração
clínica, apesar da terapia agressiva,
a presença de alça intestinal fixa nos
exames radiográficos seriados, evidência
de alterações no líquido peritoneal (presença
de fezes ou cultura positiva). O objetivo
da cirurgia é ressecar o segmento necrosado,
permitir a descompressão intestinal
e preservar a maior parte do intestino
possível. Grandes ressecções intestinais
podem levar à síndrome do intestino curto
(com má absorção, atraso do crescimento
e desnutrição). Estenoses desenvolvem-
-se em cerca de 10% dos casos no local
da lesão necrosante.
Recém-nascido do sexo masculino, Ballard
de 34 semanas. Apgar 8/9 e peso de nascimento
de 2,000 g. Já havia iniciado dieta e,
com 36 horas de vida apresentou hiperemia
de parede abdominal, abdômen tenso e doloroso,
hipotermia e hiperglicemia. Havia história
de infecção urinária materna no último trimestre
de gestação. O achado que indicaria
progressão para perfuração intestinal seria:
a) Sangue nas fezes.
b) Ausência de peristalse.
c) Peristalse audível no tórax.
d) Presença de gás na veia porta.
d) Presença de gás na veia porta.
Estamos diante de um RN prematuro que
vem evoluindo com várias alterações abdominais:
abdome doloroso… hiperemia da parede
abdominal… Mesmo sem a descrição de
sangramento retal, devemos pensar da possibilidade
de ECN sempre que um prematuro
apresentar tais manifestações e era nisso
que a banca queria que você pensasse. Veja
a tabela que traz o estadiamento da doença e
note que há uma progressão no surgimento/
gravidade do quadro. Assim, a alteração que
antecederia a perfuração (e que seria um dos
dados que transformaria uma ECN suspeita
em ECN evidente) seria a presença de gás
na veia porta. Na ocasião do concurso alguns indicaram que o sangue nas fezes poderia ser
o achado, mas note que a simples presença
de sangue nas fezes sequer é usada como
critério para ECN evidente. A ausência de
sons abdominais também é um achado clínico
de ECN evidente, mas a presença de gás
na veia porta é uma alteração que surge em
estágio mais avançado. Resposta: letra D.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2013
HOSPITAL NACIONAL DO CÂNCER – RJ
A pneumatose intestinal em neonatos, em
geral, está associada à:
a) Invaginação intestinal.
b) Vólvulo do intestino médio.
c) Enterocolite necrotizante.
d) Hidrocele comunicante.
c) Enterocolite necrotizante.
Questão objetiva sobre a emergência do
trato gastrointestinal que mais frequentemente
coloca a vida em risco no período neonatal:
ECN. O quadro de ECN é caracterizado por
graus variados de necrose de mucosa e/ou de
parede intestinal, levando a uma série de manifestações
clínicas, como: distensão abdominal,
dificuldade de progressão da dieta, presença
de resíduo gástrico com eventual drenagem
biliosa e sangramento gastrointestinal.
O recém-nascido apresenta-se letárgico, com
alteração da perfusão periférica e acidose
metabólica, dependendo dos níveis de comprometimento
intestinal. O segmento acometido
pode exibir acúmulo de gás na parede intestinal (pneumatose intestinal), podendo
evoluir para perfuração, peritonite e sepse.
Todos os quadros de obstrução intestinal podem
entrar no diagnóstico diferencial desta
condição, mas a evidenciação de pneumatose
intestinal na radiografia simples confirma o
diagnóstico, o que responde a nossa questão.
Resposta: letra C.
Hemorragia Intracraniana:
As hemorragias intracranianas englobam diversas
condições distintas e representam uma
das intercorrências neurológicas mais comuns
do período neonatal. O sangramento pode
estar localizado em sítios distintos, da seguinte
forma:
• Externamente ao cérebro, nos espaços extradural,
subdural ou subaracnóideo;
• No parênquima cerebral ou do cerebelo;
• No interior dos ventrículos, a partir da matriz
germinativa subependimária ou do plexo
coroide.
Pode haver mais de um compartimento
acometido.
Vamos dar ênfase ao estudo da hemorragia
da matriz germinativa, dada sua extrema importância
e frequência nos RN prematuros.
Hemorragia Peri-Ventricular - Definição e Fisiopatologia:
A Hemorragia Peri-Intraventricular (HPIV) tem
uma elevada incidência nos RN prematuros e
é uma importante causa de sequelas neurológicas
permanentes nessa população.
Levantamentos nacionais mostraram uma incidência
de 34% naqueles nascidos com menos
de 1.500 g entre os anos de 2006 e 2008
nos hospitais integrantes da Rede Brasileira
de Pesquisas Neonatais. Felizmente, vem se
observando uma diminuição na incidência
dessa condição, graças a uma melhoria da
atenção perinatal.
A HPIV é caracterizada pela presença de
sangramento que se origina mais comumente
na matriz germinativa, podendo também
originar-se do plexo coroide.
Você está lembrado no que consiste a matriz
germinativa? A matriz germinativa está
localizada na região periventricular, que é o
sítio de proliferação neuronal e de origem do
tecido de sustentação cerebral. O leito capilar
que irriga a matriz germinativa atinge sua
proliferação máxima em torno de 34 semanas
de idade gestacional e começa a involuir
conforme o termo se aproxima. Já dá para
começar a imaginar porque o quadro será
encontrado tipicamente em prematuros…
Diversos mecanismos contribuem para a incidência
tão elevada de sangramentos nesse
leito vascular. Esses mecanismos podem ser
divididos em mecanismos intravasculares,
vasculares ou extravasculares.
Os mecanismos intravasculares incluem a
lesão por isquemia/reperfusão (por correção
rápida de hipotensão); o aumento compensatório
do Fluxo Sanguíneo Cerebral (FSC)
em resposta a situações de pneumotórax,
convulsões, hipercapnia, anemia e hipoglicemia;
as flutuações no FSC, que podem estar
associadas à ventilação mecânica; o aumento
na pressão venosa cerebral por condições
que aumentam a pressão intratorácica (como
PEEP elevada, pneumotórax, aspiração traqueal).
Os RN prematuros apresentam uma
circulação cerebral que é passiva à pressão,
ou seja, possuem uma capacidade limitada de
regular o FSC em resposta às alterações na
pressão arterial. Assim, há propensão à ruptura
dos vasos quando ocorre o aumento na
pressão arterial e venosa cerebrais, principalmente
quando a isquemia precede o aumento
da pressão.
Além desses fatores, há também mecanismos
extravasculares e vasculares que contribuem
para o quadro. Os vasos em involução
encontrados na matriz são frágeis, pois carecem
de camada muscular na mucosa e a
adventícia é muito fina proporcionalmente ao
seu grande calibre, sendo mais suscetíveis à
ruptura. Além disso, os capilares aí encontrados
não têm um suporte estrutural adequado,
sendo mais frágeis e vulneráveis a qualquer
lesão endotelial. Não bastasse isso, os prematuros
possuem uma atividade fibrinolítica
mais intensa.
Uma das possíveis complicações da doença
é o desenvolvimento de hidrocefalia pós-hemorrágica,
que pode necessitar de intervenção
cirúrgica.
Hemorragia Peri-Ventricular - Clínica:
Os RN com HPIV podem ser assintomáticos e
o diagnóstico pode ser estabelecido pela USG
transfontanela de rotina. Algumas crianças
podem ter manifestações, que incluem hipotonia,
redução da movimentação espontânea,
movimentos e desvios oculares anormais,
mas nem sempre estas manifestações são de
fácil identificação. Há também a descrição de
quadros bem agudos, com deterioração clínica
em minutos ou horas, com a presença de
estupor/coma profundos, hipoventilação, apneia,
convulsão e pupilas arreativas.
O diagnóstico, de fato, é obtido através de
exames como USG transfontanela. Este exame
deve ser rotineiramente realizado no RN
com menos de 32 semanas ou 1.500 g ou com
mais de 32 semanas com fatores de risco. A
primeira USG é realizada ainda na primeira
semana, seguida pela realização de exames
seriados de acordo com os resultados encontrados
na avaliação inicial. A tomografia
computadorizada de crânio e a ressonância
magnética podem ser empregadas, mas não
costumam ser necessárias.
Existem dois sistemas de estadiamento
bastante aceitos e utilizados, descritos na
TABELA 14.
Figura 45 - Infarto Hemorrágico
Figura 45 - HIC Grau 1
Figura 45 - HIC Grau 2
Figura 45 - HIC Grau 3
Figura 45 - Dilatação do Sistema Ventricular
Hemorragia Peri-Ventricular - Tratamento e Prevenção:
A administração de corticoide antenatal parece
reduzir a incidência de sangramento
intracraniano nos RN prematuros. O uso
de indometacina em doses baixas também
reduz a incidência do evento. Além disso, também são consideradas medidas preventivas
a adoção de formas de evitar correções
rápidas da hipotensão e alterações de
fluxo sanguíneo cerebral durante a ventilação
mecânica, como o uso de bloqueadores
neuromusculares e sedativos. A presença
de dilatação progressiva do sistema ventricular
deve indicar a colocação de shunt do
tipo derivação ventriculoperitonal.