Jurisprudência STJ - 2021 Flashcards
Se o indivíduo for condenado por improbidade administrativa por ato praticado em mandato já experido, a suspensão dos direitos políticos pode ser aplicada para que ele perca o mandato atual?
Resumo (Pacificou!)
A pena de suspensão dos direitos políticos por ato de improbidade administrativa alcança qualquer mandato eletivo que esteja sendo ocupado à época do trânsito em julgado da condenação.
Uma vez que o pleno exercício dos direitos políticos é pressuposto para o exercício da atividade parlamentar, determinada a suspensão de tais direitos, é evidente que essa suspensão alcança qualquer mandato eletivo que esteja sendo ocupado à época do trânsito em julgado da sentença condenatória. É descabido restringir a aludida suspensão ao mandato que serviu de instrumento para a prática da conduta ilícita.
Diante do escopo da Lei de Improbidade Administrativa de extirpar da Administração Pública os condenados por atos ímprobos, a suspensão dos direitos políticos abrange qualquer atividade que o agente esteja exercendo ao tempo da condenação irrecorrível pelo tempo que imposta a pena. STJ. 2ª Turma. REsp 1.813.255-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 03/03/2020 (Info 678). STJ. EREsp 1701967/RS, Rel. para acórdão Min. Francisco Falcão, julgado em 09/09/2020.
Inteiro teor
O juiz é obrigado a aplicar todas as sanções previstas para o tipo?
NÃO. Não se exige que todas as sanções sejam aplicadas cumulativamente. É possível a incidência cumulativa ou isolada das sanções. Essa opção dependerá da gravidade do fato e da extensão do dano causado. É a conclusão que se extrai da redação do art. 12:
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:
(…) Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.
Esse é também o entendimento do STJ:
Cada inciso do art. 12 da Lei 8.429/1992 traz uma pluralidade de sanções, que podem ser aplicadas cumulativamente ou não. STJ. 2ª Turma. REsp 1280973/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 17/12/2013.
Assim, o magistrado não está obrigado a aplicar cumulativamente todas as penas previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92, podendo, mediante adequada fundamentação, fixá-las e dosá-las segundo a natureza, a gravidade e as consequências da infração (STJ. 2ª Turma. REsp 1134461/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 03/08/2010).
Perda da função pública
Conforme vimos acima, uma das sanções que podem ser cominadas ao sujeito condenado por ato de improbidade administrativa consiste na “perda da função pública”.
Extensão do termo “função pública”
Quando a Lei fala em “função pública”, isso deve ser interpretado de forma bem ampla, abrangendo servidores públicos estatutários, servidores ocupantes de cargo em comissão, empregados públicos, titulares de mandato eletivo etc.
O que acontece se, no momento do trânsito em julgado, o condenado ocupa cargo diferente daquele que exercia na prática do ato? Se o agente público tiver mudado de cargo, ele poderá perder aquele que atualmente ocupa? Ex: em 2012, João, na época policial federal, praticou um ato de improbidade administrativa; o MP ajuizou ação de improbidade contra ele; em 2018, a sentença transitou em julgado condenando João à perda da função pública; ocorre que João é atualmente Defensor Público; ele perderá o cargo de Defensor?
SIM.
O agente perde a função pública que estiver ocupando no momento do trânsito em julgado, ainda que seja diferente daquela que ocupava no momento da prática do ato de improbidade.
A penalidade de perda da função pública imposta em ação de improbidade administrativa atinge tanto o cargo que o infrator ocupava quando praticou a conduta ímproba quanto qualquer outro que esteja ocupando ao tempo do trânsito em julgado da sentença condenatória.
A sanção de perda da função pública visa a extirpar da Administração Pública aquele que exibiu inidoneidade (ou inabilitação) moral e desvio ético para o exercício da função pública, abrangendo qualquer atividade que o agente esteja exercendo no momento do trânsito em julgado da condenação. STJ. EREsp 1701967/RS, Rel. para acórdão Min. Francisco Falcão, julgado em 09/09/2020.
Se um servidor, ao ser ouvido como testemunha num PAD, confessa a prática de infração administrativa, ele poderá ser demitido com base nessa confissão? Não haveria violação ao direito ao silêncio?
Resumo
Caso concreto: foi instaurado PAD para apurar a conduta de João, servidor do INSS. Pedro, outro servidor da autarquia que trabalhava no mesmo setor do investigado, foi convocado para depor na condição de testemunha, tendo assinado termo de compromisso de dizer a verdade.
Ocorre que Pedro não apenas confirmou as imputações feitas contra João, mas também confessou que participou dos ilícitos em apuração. Ao final do PAD, João e Pedro foram demitidos.
Pedro alegou que que o PAD que originou sua demissão se encontraria eivado de ilicitude, considerando que foi obrigado a produzir provas contra si mesmo. Não houve nulidade.
Quando o servidor foi chamado, ele não era investigado. Ele prestou voluntariamente seu depoimento e, em nenhum momento, insurgiu-se contra isso, o que permite concluir que, também voluntariamente, ele dispensou o uso da faculdade de não incriminar a si próprio. Logo, ele não pode, posteriormente, invocar o direito ao silêncio considerando que, por sua própria vontade, apontou, durante sua oitiva, fatos que atraíram para si a responsabilidade solidária pelos ilícitos em apuração. STJ. 1ª Seção. MS 21.205-DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 14/10/2020 (Info 682).
Inteiro teor
Imagine a seguinte situação hipotética:
Foi instaurado processo administrativo disciplinar (PAD) para apurar a conduta de João, servidor do INSS. Pedro, outro servidor da autarquia que trabalhava no mesmo setor do investigado, foi convocado para depor na condição de testemunha, tendo assinado termo de compromisso de dizer a verdade.
Ocorre que, durante o depoimento, Pedro não apenas confirmou as imputações feitas contra João, mas também confessou que participou dos ilícitos que estavam sendo apurados.
Ao final do PAD, João e Pedro foram demitidos.
Em seguida, Pedro impetrou mandado de segurança alegando que o PAD que originou sua demissão se encontraria eivado de ilicitude, considerando que ele foi obrigado a produzir provas contra si mesmo. O STJ concordou com a alegação? Houve nulidade?
NÃO. Não houve nulidade.
Quando o servidor foi chamado, ele não era investigado. Ele prestou voluntariamente seu depoimento e, em nenhum momento, insurgiu-se contra isso, o que permite concluir que, também voluntariamente, ele dispensou o uso da faculdade de não incriminar a si próprio.
Quando o impetrante estava prestando o depoimento, ele poderia (e deveria) ter invocado o direito de não autoincriminação (nemo tenetur se detegere), a fim de se eximir de depor na condição de testemunha.
Logo, ele não pode, posteriormente, invocar o direito ao silêncio considerando que, por sua própria vontade, apontou, durante a oitiva, fatos que atraíram para si a responsabilidade solidária pelos ilícitos em apuração.
“É inconcebível que aquele que depõe na qualidade de testemunha, sem esgrimir previamente qualquer elemento de irresignação, e nessa qualidade narra sua participação no acontecimento, possa, depois de apuradas as lindes de seu atuar, querer dessa inércia se valer para afastar sua responsabilidade.” (STJ MS 20.693/DF).
O ente público pode estipular cláusula editalícia em licitação/pregão prevendo percentual mínimo de taxa de administração como forma de se resguardar de eventuais propostas inexequíveis?
Resumo
O edital de licitação não pode fixar um preço mínimo a ser oferecido pelos licitantes (art. 40, X, da Lei nº 8.666/93). Só um preço máximo. Essa vedação se justifica porque o objetivo da licitação é o de selecionar a proposta mais vantajosa.
Ocorre que algumas propostas apresentadas são claramente inexequíveis, ou seja, o licitante não conseguirá custear o bem ou prestar o serviço e ainda ter lucro. Isso significa que, mais a frente, haverá transtornos para a Administração Pública com a inexecução do contrato.
Diante disso, alguns entes públicos passaram a exigir algo que denominaram de “taxa de administração”. Essa taxa é o percentual de remuneração que a empresa irá obter com aquela venda ou serviço. Se a taxa for equivalente a zero ou mesmo negativa, a proposta é claramente inexequível considerando que não haverá lucro para a empresa.
Assim, alguns editais passaram a exigir um percentual mínimo de taxa de administração (ex: a empresa deverá demonstrar que, na planilha de custos que gerou o preço, está prevista a sua remuneração em, no mínimo, 1%). Essa prática é válida? O ente público pode estipular cláusula editalícia em licitação/pregão prevendo percentual mínimo de taxa de administração como forma de se resguardar de eventuais propostas inexequíveis?
Não. A fixação de percentual mínimo de taxa de administração em edital de licitação/pregão fere expressamente a norma contida no inciso X do art. 40 da Lei nº 8.666/93.
A taxa de administração é uma forma de remuneração do contratado pela Administração Pública, integrando, portanto, o conceito de preço. Logo, ao exigir um percentual mínimo de taxa de administração, o edital está fixando um preço mínimo. Sendo o objetivo da licitação selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração (art. 3º da Lei nº 8.666/93), a fixação de um preço mínimo atenta contra essa finalidade.
A Lei de Licitações prevê outros mecanismos de combate às propostas inexequíveis em certames licitatórios, permitindo que o licitante preste garantia adicional, tal como caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, seguro-garantia e fiança bancária. STJ. 1ª Seção. REsp 1.840.113-CE, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 23/09/2020 (Recurso Repetitivo – Tema 1038) (Info 683).
Qual é o atual entendimento do STJ sobre a aplicação de juros em ação de desapropriação?
O STF, no dia 17/05/2018, ao julgar a ADI 2332, modificou vários entendimentos jurisprudenciais consolidados envolvendo desapropriação.
Como o STJ vinha seguindo esses entendimentos consolidados, teve que acompanhar as alterações promovidas pela ADI 2332 e modificar suas teses.
Taxa dos juros compensatórios
Tese revisada no Tema Repetitivo n. 126/STJ
Tese original: Nas ações de desapropriação, os juros compensatórios incidentes após a Medida Provisória n. 1.577, de 11/06/1997, devem ser fixados em 6% ao ano até 13/09/2001 e, a partir de então, em 12% ao ano, na forma da Súmula n. 618 do Supremo Tribunal Federal.
Tese revisada: O índice de juros compensatórios na desapropriação direta ou indireta é de 12% até 11/06/1997, data anterior à vigência da MP 1577/97.
Foi cancelada a súmula 408 do STJ: A Súmula 408 do STJ tinha redação igual à tese 126/STJ original e, por isso, foi cancelada.
Súmula 408-STJ: Nas ações de desapropriação, os juros compensatórios incidentes após a Medida Provisória 1.577 de 11/06/1997 devem ser fixados em 6% ao ano até 13/09/2001 e a partir de então, em 12% ao ano, na forma da Súmula 618 do Supremo Tribunal Federal.
Imóvel improdutivo e não cabimento de juros compensatórios
Tese revisada no Tema Repetitivo n. 280/STJ
Tese original: A eventual improdutividade do imóvel não afasta o direito aos juros compensatórios, pois esses restituem não só o que o expropriado deixou de ganhar com a perda antecipada, mas também a expectativa de renda, considerando a possibilidade do imóvel ser aproveitado a qualquer momento de forma racional e adequada, ou até ser vendido com o recebimento do seu valor à vista.
Tese revisada: Até 26/9/1999, data anterior à edição da MP n. 1901-30/1999, são devidos juros compensatórios nas desapropriações de imóveis improdutivos.
Imóvel que não pode ser explorado economicamente e não cabimento de juros compensatórios
Tese revisada no Tema Repetitivo n. 281/STJ
Tese original: São indevidos juros compensatórios quando a propriedade se mostrar impassível de qualquer espécie de exploração econômica seja atual ou futura, em decorrência de limitações legais ou da situação geográfica ou topográfica do local onde se situa a propriedade.
Tese revisada: Mesmo antes da MP n. 1901-30/1999, são indevidos juros compensatórios quando a propriedade se mostrar impassível de qualquer espécie de exploração econômica atual ou futura, em decorrência de limitações legais ou fáticas.
Imóvel com índice de produtivo zero e não cabimento de juros compensatórios
Tese revisada no Tema Repetitivo n. 282/STJ
Tese original: Para aferir a incidência dos juros compensatórios em imóvel improdutivo, deve ser observado o princípio do tempus regit actum, assim como acontece na fixação do percentual desses juros. As restrições contidas nos §§ 1º e 2º do art. 15-A, inseridas pelas MP’s n. 1.901-30/99 e 2.027- 38/00 e reedições, as quais vedam a incidência de juros compensatórios em propriedade improdutiva, serão aplicáveis, tão somente, às situações ocorridas após a sua vigência.
Tese revisada:
i) A partir de 27/9/1999, data de edição da MP n. 1901-30/1999, exige-se a prova pelo expropriado da efetiva perda de renda para incidência de juros compensatórios (art. 15-A, § 1º, do Decreto-Lei n. 3365/1941); e
ii) Desde 5/5/2000, data de edição da MP 2027-38/2000, veda-se a incidência dos juros compensatórios em imóveis com índice de produtividade zero (art. 15-A, § 2º, do Decreto-Lei n. 3365/1941).
* Cancelada a tese fixada no Tema Repetitivo n. 283/STJ*
Cancelamento do Tema Repetitivo n. 283/STJ
Tese cancelada: Para aferir a incidência dos juros compensatórios em imóvel improdutivo, deve ser observado o princípio do tempus regit actum, assim como acontece na fixação do percentual desses juros. Publicada a medida liminar concedida na ADI 2.332/DF (DJU de 13.09.2001), deve ser suspensa a aplicabilidade dos §§ 1º e 2º do artigo 15-A do Decreto-lei n. 3.365/41 até que haja o julgamento de mérito da demanda.
Nova tese repetitiva afirmada no Tema Repetitivo 1072
Tese fixada no Tema Repetitivo 1072: Os juros compensatórios observam o percentual vigente no momento de sua incidência.
Não cabe ao STJ definir os efeitos da liminar que vigorou na ADI 2332
A discussão acerca da eficácia e efeitos da medida cautelar ou do julgamento de mérito da ADI 2332 não comporta revisão em recurso especial. STJ. 1ª Seção. Pet 12.344-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 28/10/2020 (Recurso Repetitivo – Tema 1071) (Info 684).
Limitação temporal das súmulas 12, 70 e 102 do STJ
Súmula 12-STJ: Em desapropriação, são cumuláveis juros compensatórios e moratórios.
Súmula 70-STJ: Os juros moratórios, na desapropriação direta ou indireta, contam-se desde o trânsito em julgado da sentença.
Súmula 102-STJ: A incidência dos juros moratórios sobre os compensatórios, nas ações expropriatórias, não constitui anatocismo vedado em lei.
As Súmulas n. 12, 70 e 102 somente se aplicam às situações ocorridas até 12/01/2000, data anterior à vigência da MP 1.997-34. STJ. 1ª Seção. Pet 12.344-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 28/10/2020 (Recurso Repetitivo) (Info 684).
Pessoa jurídica de direito público tem direito à indenização por danos morais?
Resumo (Atualize info 534)
Imagine que um particular profere palavras ofensivas contra a administração pública. A pessoa jurídica de direito público terá direito à indenização por danos morais sob a alegação de que sofreu violação da sua honra ou imagem?
NÃO. Em regra, pessoa jurídica de direito público não pode pleitear, contra particular, indenização por dano moral relacionado à violação da honra ou da imagem. Nesse sentido: REsp 1.258.389/PB, REsp 1.505.923/PR e AgInt no REsp 1.653.783/SP.
Suponha, contudo, que uma autarquia foi vítima de grande esquema criminoso que desviou vultosa quantia e gerou grande repercussão na imprensa, acarretando descrédito em sua credibilidade institucional. Neste caso, os particulares envolvidos poderiam ser condenados a pagar indenização por danos morais à autarquia?
SIM. Pessoa jurídica de direito público tem direito à indenização por danos morais relacionados à violação da honra ou da imagem, quando a credibilidade institucional for fortemente agredida e o dano reflexo sobre os demais jurisdicionados em geral for evidente.
Nos três julgados acima mencionados nos quais o STJ negou direito à indenização, o que estava em jogo era a livre manifestação do pensamento, a liberdade de crítica dos cidadãos ou o uso indevido de bem imaterial do ente público. No caso concreto é diferente. A indenização está sendo pleiteada em razão da violação à credibilidade institucional da autarquia que foi fortemente agredida em razão de crimes praticados contra ela. STJ. 2ª Turma. REsp 1.722.423-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 24/11/2020 (Info 684).
Inteiro teor
Imagine que um particular profere palavras ofensivas contra a administração pública. A pessoa jurídica de direito público terá direito à indenização por danos morais sob a alegação de que sofreu violação da sua honra ou imagem?
NÃO. Em regra, pessoa jurídica de direito público não pode pleitear, contra particular, indenização por dano moral relacionado à violação da honra ou da imagem. Pode-se mencionar três julgados emblemáticos nos quais o STJ negou a possibilidade de pessoa jurídica de direito público receber indenização por danos morais em razão de ofensas praticadas por particular:
• REsp 1.258.389/PB: o Município de João Pessoa ajuizou ação de indenização contra uma emissora em razão de programas radiofônicos e televisivos locais que faziam críticas ao Poder Executivo.
O reconhecimento da possibilidade teórica de o município pleitear indenização por dano moral contra o particular constitui a completa subversão da essência dos direitos fundamentais, não se mostrando presente nenhum elemento justificador do pleito, como aqueles apontados pela doutrina e relacionados à defesa de suas prerrogativas, competência ou alusivos a garantias constitucionais do processo. Antes, o caso é emblemático e revela todos os riscos de se franquear ao Estado a via da ação indenizatória.
Pretende-se a responsabilidade de rede de rádio e televisão local por informações veiculadas em sua programação que, como alega o autor, teriam atingido a honra e a imagem da própria Municipalidade.
Tal pretensão representa real ameaça a centros nervosos do Estado Democrático de Direito, como a imprensa livre e independente, ameaça que poderia voltar-se contra outros personagens igualmente essenciais à democracia. STJ. 4ª Turma. REsp 1258389/PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 17/12/2013.
• REsp 1.505.923/PR: o IBAMA pretendia indenização a ser paga por associação privada que afirmou que essa autarquia teria produzido uma cartilha com informações inverídicas.
É impossível à pessoa jurídica de Direito Público (Administração Pública direta, autarquias, fundações públicas), de índole não comercial ou lucrativa, ser vítima de dano moral por ofensa de particular, já que constituiria subversão da ordem natural dos direitos fundamentais. STJ. 2ª Turma. REsp 1505923/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 21/05/2015.
• AgInt no REsp 1.653.783/SP: discutiu-se o uso indevido de logotipo do IBAMA.
O presente recurso especial decorre de ação civil pública em que condenada empresa por uso indevido do logotipo do IBAMA em lote comercializado de quinhentas caixas de sucos. O acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte no sentido de que não cabe reparação por danos morais a pessoa jurídica de direito público, como é o caso do IBAMA. STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1653783/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 24/10/2017
Imagine agora o seguinte caso concreto (Caso Jorgina de Freitas):
Jorgina de Freitas era uma procuradora do INSS.
No final da década de 80 e início de 90, Jorgina de Freitas e outros inúmeros comparsas organizaram um esquema criminoso que desviou cerca de R$ 2 bilhões dos cofres da Previdência Social. Uma das formas delituosas empregadas pelo grupo era a utilização de pessoas mortas para o recebimento de benefícios previdenciários.
O esquema era formado por diversas pessoas, entre elas juízes, procuradores do INSS, advogados, contadores e peritos.
As fraudes começaram a ser descobertas em 1991 a partir de uma investigação interna do INSS.
Jorgina foi condenada em julho de 1992. Logo depois da condenação, ela fugiu para o exterior e, depois de passar por diversos paises, sediou-se na Costa Rica. Somente em 1997 ela foi presa e extraditada para o Brasil.
O INSS ajuizou ação contra Jorgina e outros integrantes do grupo requerendo o pagando de indenização por danos materiais e morais, em decorrência do esquema criminoso.
Quanto aos danos materiais, não há dúvidas de que são devidos.
No entanto, a dúvida ficou por conta dos danos morais.
É possível a condenação por danos morais no presente caso? O INSS (autarquia federal) tem direito de ser indenizado pelos danos sofridos em sua honra objetiva e imagem em decorrência desse esquema criminoso?
SIM.
Nos três julgados acima mencionados nos quais o STJ negou direito à indenização, o que estava em jogo era a livre manifestação do pensamento, a liberdade de crítica dos cidadãos ou o uso indevido de bem imaterial do ente público. No caso concreto é diferente.
A indenização está sendo pleiteada em razão da violação à credibilidade institucional da autarquia que foi fortemente agredida em razão de crimes praticados contra ela.
Vale ressaltar que o fato de o INSS não ser uma empresa não retira a possibilidade de ele sofrer danos morais. Isso porque os danos morais nem sempre estão ligados a “descrédito mercadológico” (prejuízos comerciais). A ideia de honra objetiva é mais abrangente do que a de credibilidade comercial.
Tratando de lesões extrapatrimoniais causadas a pessoas jurídicas sem fins lucrativos, a doutrina especializada alude à figura dos “danos institucionais”, que “atingem a pessoa jurídica em sua credibilidade ou reputação, a chamada honra objetiva” (TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.139).
Também há orientação defendendo a figura do “dano social”, no qual “a lesão, o dano-evento, é a uma pessoa, mas o ato repercute por ricochete em prejuízo de uma comunidade” (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In: Novos estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 602).
O TC possui prazo para julgar da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria?
Em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de cinco anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas. STF. Plenário. RE 636553/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 19/2/2020 (repercussão geral – Tema 445) (Info 967).
Os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas. STJ. 2ª Turma. REsp 1.506.932/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 02/03/2021 (Info 687).
O pagamento indevido feito ao servidor público e que decorreu de erro administrativo está sujeito à devolução?
Resumo (Atualize o Info 579-STJ)
Os pagamentos indevidos aos servidores públicos decorrentes de erro administrativo (operacional ou de cálculo), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, estão sujeitos à devolução, ressalvadas as hipóteses em que o servidor, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido. STJ. 1ª Seção. REsp 1.769.306/AL, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 10/03/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 1009) (Info 688).
Inteiro teor
SERVIDOR QUE RECEBE INDEVIDAMENTE VALORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM RAZÃO DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA DA LEI (TEMA 531): “ERRO DE DIREITO”
Servidor público recebe valores por força de decisão administrativa; posteriormente, essa decisão é revogada porque ela foi baseada em uma interpretação equivocada da lei; o servidor será obrigado a devolver as quantias recebidas?
NÃO.
É incabível a restituição ao erário dos valores recebidos de boa-fé pelo servidor público em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública.
Quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto, ante a boa-fé do servidor público.
Em virtude do princípio da legítima confiança, o servidor público, em regra, tem a justa expectativa de que são legais os valores pagos pela Administração Pública, porque jungida à legalidade estrita. Assim, diante da ausência da comprovação da má-fé no recebimento dos valores pagos indevidamente por erro de direito da Administração, não se pode efetuar qualquer desconto na remuneração do servidor público, a título de reposição ao erário. STJ. 1ª Seção. REsp 1.244.182-PB, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 10/10/2012 (Recurso Repetitivo – Tema 531).
Exemplo:
É aprovada uma lei criando gratificação para os servidores de determinado órgão público.
A Administração Pública passa a pagar a gratificação a todos os servidores daquele órgão.
Ocorre que, posteriormente, constata-se que a interpretação foi equivocada e que a gratificação só é devida aos servidores que estejam nas atividades de efetiva fiscalização (“atividades em campo”), não sendo aplicada aos servidores que estejam desempenhando funções meramente administrativas.
Diante disso, o poder público deverá suspender os novos pagamentos, mas não poderá cobrar dos servidores a devolução dos valores já pagos, considerando que o pagamento foi feito em razão de errônea interpretação da lei por parte da Administração Pública (erro de direito), não havendo má-fé dos servidores que receberam.
Posição da AGU e do TCU O Tema 531/STJ está em conformidade com a Súmula 34 da Advocacia Geral da União – AGU:
Súmula 34-AGU: Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública.
Vale a pena conhecer também o entendimento do TCU, que é parecido com o do STJ, apesar de um pouco mais rigoroso ao exigir que o erro seja escusável: Súmula 249 do TCU:
É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.
SERVIDOR QUE RECEBE INDEVIDAMENTE VALORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM RAZÃO DE ERRO ADMINISTRATIVO (TEMA 1009): “ERRO DE FATO”
Servidor público recebe valores da Administração Pública; posteriormente, constata-se que o pagamento foi indevido e que ocorreu em razão de um erro operacional da Administração; em regra, o servidor será obrigado a devolver as quantias recebidas?
O pagamento indevido feito ao servidor público e que decorreu de erro administrativo está sujeito à devolução, salvo se o servidor, no caso concreto, comprovar a sua boa-fé objetiva.
Os pagamentos indevidos aos servidores públicos decorrentes de erro administrativo (operacional ou de cálculo), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, estão sujeitos à devolução, ressalvadas as hipóteses em que o servidor, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido. STJ. 1ª Seção. REsp 1.769.306/AL, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 10/03/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 1009) (Info 688).
Possibilidade encontra-se prevista na lei
A possibilidade de exigir do servidor a devolução das quantias pagas encontra-se prevista no art. 46, caput, da Lei nº 8.112/90:
Art. 46. As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado ou ao pensionista, para pagamento, no prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado.
Trata-se de disposição legal expressa, plenamente válida, embora com interpretação dada pela jurisprudência com alguns temperamentos, especialmente em observância aos princípios gerais do direito, como boa-fé.
Diferença em relação à interpretação errônea
Diferentemente dos casos de errônea ou má aplicação de lei, em que o elemento objetivo é, por si, suficiente para levar à conclusão de que o beneficiário recebeu o valor de boa-fé, assegurando-lhe o direito da não devolução do valor recebido indevidamente, na hipótese de erro material ou operacional deve-se analisar caso a caso, de modo a averiguar se o servidor tinha condições de compreender a ilicitude no recebimento dos valores, de modo a se lhe exigir comportamento diverso, diante do seu dever de lealdade para com a Administração Pública.
Impossibilitar a devolução dos valores recebidos indevidamente por erro perceptível da Administração Pública, sem a análise do caso concreto da boa-fé objetiva, permitiria o enriquecimento sem causa por parte do servidor, em flagrante violação do art. 884 do Código Civil:
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Por tudo isso, não há que se confundir erro na interpretação de lei com erro operacional, de modo que àquele não se estende o entendimento fixado no Recurso Especial Repetitivo nº 1.244.182/PB (Tema 531), sem a observância da boa-fé objetiva do servidor público, o que possibilita a restituição ao Erário dos valores pagos indevidamente decorrentes de erro de cálculo ou operacional da Administração Pública.
- Interpretação errônea da lei (Tema 531): o elemento objetivo, ou seja, as circunstâncias fáticas já permitem concluir que o servidor público agiu de boa-fé. Existe, portanto, uma presunção de que o servidor estava de boa-fé. Se até a Administração Pública equivocou-se na intepretação da lei, não é razoável que esse erro de direito fosse questionado pelo servidor.
- Erro administrativo (Tema 1009): em princípio, a devolução é devida. Mas, o servidor pode demonstrar, no caso concreto, que não tinha condições de perceber a ilicitude no recebimento dos valores.
[…]
Posição do STF Vale ressaltar que o STF não distingue muito bem as duas situações na sua jurisprudência. Veja alguns julgados da Corte sobre o tema:
Servidor que recebe indevidamente valores da administração pública em razão de interpretação errônea da lei (julgados do STF)
As quantias percebidas pelos servidores em razão de decisão administrativa dispensam a restituição quando: a) auferidas de boa-fé;
b) há ocorrência de errônea interpretação da Lei pela Administração;
c) ínsito o caráter alimentício das parcelas percebidas, e
d) constatar-se o pagamento por iniciativa da Administração Pública, sem ingerência dos servidores beneficiados. STF. 1ª Turma. MS 31244 AgR-segundo, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 22/05/2020.
O STF firmou entendimento no sentido de que, atendidos os pressupostos estabelecidos pelo TCU e pela jurisprudência da Corte – boa-fé do servidor; ausência de influência, pelo servidor, na concessão da vantagem; existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma infringida; interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração – descabe a restituição de valores percebidos indevidamente. STF. 2ª Turma. MS 34243 AgR, Rel. Edson Fachin, julgado em 07/03/2017.
Servidor que recebe indevidamente valores da administração pública em razão de erro operacional (julgado do STF)
(…) 3. Servidor Público Estadual. Verba recebida a maior. Pagamento espontâneo do Ente Público decorrente de erro operacional. Servidor de boa-fé. Impossibilidade de restituição. Precedentes. 4. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. (…) STF. 2ª Turma. ARE 1203420 AgR, Rel. Gilmar Mendes, julgado em 16/08/2019
OBS:
Os herdeiros devem restituir os proventos que, por erro operacional da Administração Pública, continuaram sendo depositados em conta de servidor público após o seu falecimento. STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1.387.971-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 15/3/2016 (Info 579).
Vale ressaltar que, neste caso, nem se analisa se o herdeiro estava ou não de boa-fé. A boa-fé aqui não importa. Isso porque:
1) Os valores pagos já não mais possuem caráter alimentar
Os salários ou proventos do servidor possuem natureza alimentar somente em relação ao próprio servidor. Se ele já morreu, tais valores são considerados como herança e herança não é remuneração nem aposentadoria. Logo, não é uma verba alimentícia.
Pelo princípio da saisine, com a morte, houve a transferência imediata da titularidade da conta bancária da falecida aos seus herdeiros e os valores que foram nela depositados (por erro) não tinham mais qualquer destinação alimentar. Logo, por não se estar diante de verbas de natureza alimentar, não é nem mesmo necessário analisar se os herdeiros estavam ou não de boa-fé ao sacar o dinheiro.
2) O herdeiro não possui nenhum direito sobre as verbas
O herdeiro é obrigado a devolver porque ele não tem qualquer razão jurídica para ficar com aquele dinheiro em prejuízo da Administração Pública.
Não havia nenhuma relação jurídica entre o herdeiro e o Estado.
O fundamento aqui, para que ocorra a devolução, está baseado no princípio da proibição do enriquecimento sem causa, previsto no art. 884 do CC:
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
As ações de indenização por danos morais e materiais decorrentes de perseguição, tortura e prisão, por motivos políticos, ocorridas durante o regime militar, são imprescritíveis?
Súmula 647-STJ: São imprescritíveis as ações indenizatórias por danos morais e materiais decorrentes de atos de perseguição política com violação de direitos fundamentais ocorridos durante o regime militar. STJ. 1ª Seção. Aprovada em 10/03/2021, DJe 15/03/2021
Inteiro teor:
[…]
As ações de indenização por danos morais e materiais decorrentes de perseguição, tortura e prisão, por motivos políticos, ocorridas durante o regime militar, são imprescritíveis. Para esses casos, não se aplica o prazo prescricional de 5 anos previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932.
Tais demandas são imprescritíveis porque se referem a um período em que a ordem jurídica foi desconsiderada, com legislação de exceção, tendo havido incontáveis abusos e violações dos direitos fundamentais, especialmente do direito à dignidade da pessoa humana (STJ. 1ª Turma. AgRg no Ag 1391062/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 09/08/2011).
Nessa época, as vítimas não tinham a plena liberdade para exercer suas pretensões, razão pela qual não há que se falar em prescrição:
O prazo quinquenal previsto no Decreto n. 20.910/1932 é inaplicável às ações que objetivam reparação por danos morais ocasionados por torturas sofridas durante o período do regime militar, demandas que são imprescritíveis, tendo em vista as dificuldades enfrentadas pelas vítimas para deduzir suas pretensões em juízo. STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1569337/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 03/05/2018.
Conforme argumenta a Min. Regina Helena Costa, a Constituição Federal não prevê prazo prescricional para o exercício do direito de agir quando se trata de defender o direito inalienável à dignidade humana, sobretudo quando violados durante o período do regime de exceção (REsp 1.565.166-PR).
É certo que a prescrição é a regra no ordenamento jurídico. Assim, em regra, para uma pretensão ser considerada imprescritível deverá haver um comando expresso no texto constitucional, como é o caso do art. 37, § 5º da CF/88.
O STJ, no entanto, excepcionalmente, afirma que, mesmo sem uma previsão expressa, é possível considerar que as pretensões que buscam reparações decorrentes do regime militar de exceção são imprescritíveis, considerando que envolvem a concretização da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido:
(…) 1. A dignidade da pessoa humana, valor erigido como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, experimenta os mais expressivos atentados quando engendradas a tortura e a morte, máxime por delito de opinião.
(…) 4. À luz das cláusulas pétreas constitucionais, é juridicamente sustentável assentar que a proteção da dignidade da pessoa humana perdura enquanto subsiste a República Federativa, posto seu fundamento. 5. Consectariamente, não há falar em prescrição da ação que visa implementar um dos pilares da República, máxime porque a Constituição não estipulou lapso prescricional ao direito de agir, correspondente ao direito inalienável à dignidade. (…)
- A exigibilidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos direitos humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz, razão por que a Declaração Universal inaugura seu regramento superior estabelecendo no art. 1º que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.
- A Constituição federal funda-se na premissa de que a dignidade da pessoa humana é inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual. (…) STJ. 1ª Turma. REsp 1165986/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 16/11/2010.
União pode requisitar seringas e agulhas que já foram contratados pelo Estado-membro?
É incabível a requisição administrativa, pela União, de bens insumos contratados por unidade federativa e destinados à execução do plano local de imunização, cujos pagamentos já foram empenhados.
A requisição administrativa não pode se voltar contra bem ou serviço de outro ente federativo. Isso para que não haja indevida interferência na autonomia de um sobre outro. STF. Plenário. ACO 3463 MC-Ref/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 8/3/2021 (Info 1008).
A Petrobrás deve fazer licitação para contratar?
Resumo
A Petrobras, e demais sociedades de economia mista que explorem atividade econômica própria, são obrigadas a fazer licitação, mas as regras do procedimento licitatório não são as da Lei 8.666/93
O regime de licitação e contratação previsto na Lei nº 8.666/93 é inaplicável às sociedades de economia mista que explorem atividade econômica própria das empresas privadas, concorrendo, portanto, no mercado.
Não é possível conciliar o regime previsto na Lei nº 8.666/93 com a agilidade própria desse tipo de mercado que é movido por intensa concorrência entre as empresas que nele atuam. STF. Plenário. RE 441280/RS, Rel. Min. Dias Tofolli, julgado em 6/3/2021 (Info 1008).
Inteiro teor
[…]
A CF/88 entendeu que as empresas públicas e as sociedades de economia mista, por terem um grau maior de autonomia e por desempenharem atividades peculiares, deveriam seguir regras próprias de licitação, diferentes daquelas aplicáveis para a administração pública direta, autárquica e fundacional. Veja o que estabeleceu o art. 173, § 1º, III, do texto constitucional:
Art. 173. (…)
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (…)
III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;
Com base nessa previsão, o art. 67 da Lei nº 9.478/97 estabeleceu o seguinte:
Art. 67. Os contratos celebrados pela PETROBRAS, para aquisição de bens e serviços, serão precedidos de procedimento licitatório simplificado, a ser definido em decreto do Presidente da República. (Posteriormente revogado pela Lei nº 13.303/2016)
Logo em seguida, o Presidente da República editou o Decreto nº 2.745/98, que aprovou o Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado da Petróleo Brasileiro S.A. - PETROBRAS previsto no art. 67 da Lei nº 9.478/97.
Lei nº 13.303/2016
Mais alguns anos depois, foi aprovada a Lei nº 13.303/2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Essa Lei, atendendo ao que dispõe o art. 173, § 1º, III, da CF/88 trouxe regras específicas de licitação a serem aplicadas às empresas públicas e sociedades de economia mista.
Como a Lei nº 13.303/2016 passou a dispor sobre o tema, ela revogou o art. 67 da Lei nº 9.478/97 acima transcrito.
Lei estadual pode estabelecer prazo superior a 5 anos para analução de atos administrativos reputados inválidos?
Resumo (Atualização)
É inconstitucional lei estadual que estabeleça prazo decadencial de 10 (dez) anos para anulação de atos administrativos reputados inválidos pela Administração Pública estadual. STF. Plenário. ADI 6019/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 12/4/2021 (Info 1012).
Inteiro teor
[…]
Lei nº 9.784/99 e prazo decadencial para o exercício da autotutela
A Lei nº 9.784/99 regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Esta Lei prevê expressamente a possibilidade de o Poder Público exercer a autotutela:
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Logo em seguida, a Lei nº 9.784/99 estabelece um prazo decadencial para a revisão de atos administrativos no âmbito da Administração Pública federal, ou seja, um prazo para o exercício da autotutela.
Qual o prazo de que dispõe a Administração Pública federal para anular um ato administrativo ilegal?
Regra: 5 anos, contados da data em que o ato foi praticado.
Exceção 1: Em caso de má-fé. Se ficar comprovada a má-fé, não haverá prazo, ou seja, a Administração Pública poderá anular o ato administrativo mesmo que já tenha se passado mais de 5 anos.
Exceção 2: Em caso de afronta direta à Constituição Federal. O prazo decadencial de 5 anos do art. 54 da Lei nº 9.784/99 não se aplica quando o ato a ser anulado afronta diretamente a Constituição Federal. Trata-se de exceção construída pela jurisprudência do STF. Não há previsão na lei desta exceção 2. STF. Plenário. MS 26860/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 2/4/2014 (Info 741)
O prazo decadencial para a revisão dos atos administrativos no âmbito da Administração Pública federal está previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/99:
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
Inconstitucionalidade da Lei estadual que preveja prazo de 10 anos
A Lei estadual nº 10.177/98, do Estado de São Paulo, regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública estadual.
O art. 10, I, dessa Lei prevê que o prazo decadencial para a anulação dos atos administrativos no Estado de São Paulo é de 10 anos:
Art. 10. A Administração anulará seus atos inválidos, de ofício ou por provocação de pessoa interessada, salvo quando:
I - ultrapassado o prazo de 10 (dez) anos contado de sua produção; (…)
Foi proposta ADI contra essa previsão sob o argumento de que a norma violaria:
- a competência privativa da União para legislar sobre direito civil (art. 22, I, da CF/88) e sobre contratos administrativos (art. 22, XXVII);
- os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Essa lei estadual usurpou competência privativa da União?
NÃO. Essa lei, na verdade, está inserida na competência constitucional dos Estados-membros para legislar sobre direito administrativo (art. 25, § 1º, CF/88).
A forma federativa de Estado adotada pela Constituição não admite que seja editada uma lei nacional sobre processo administrativo. Isso afrontaria a autonomia dos entes federativos.
Cada ente possui autonomia para estruturar a sua organização e a sua forma de atuação (art. 25, CF/88).
Desse modo, Estados e Municípios podem editar leis dizendo como será o processo administrativo na Administração Pública estadual ou municipal.
Em outras palavras, assim como a União editou a Lei nº 9.784/99, Estados e Municípios também podem editar suas próprias leis de processo administrativo.
Logo, o art. 10, I, da lei paulista não invadiu competência privativa da União.
Essa previsão de 10 anos da lei paulista violou o princípio da segurança jurídica?
NÃO. O prazo decadencial de 10 anos não tem o potencial de causar, por si só, insegurança jurídica apta a invalidar a norma em controle de constitucionalidade. Trata-se de lapso temporal amplamente utilizado no direito brasileiro em outras hipóteses relevantes, tais como: (i) prazo prescricional geral do Código Civil (art. 205 do CC); (ii) prazo para revisão de benefícios previdenciários do Regime Geral de Previdência Social – RGPS (art. 103 da Lei nº 8.213/91); e (iii) prazo para ajuizamento de ações de indenização por desapropriação indireta na hipótese em que o Poder Público tenha realizado obras no local ou atribuído natureza de utilidade pública ou de interesse social ao imóvel (Tema 1019 do STJ).
Essa previsão de 10 anos da lei paulista violou os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade?
Também NÃO.
O prazo decadencial previsto no dispositivo contestado não é arbitrário ou desproporcional, sendo fruto de ponderação legislativa razoável, tendo em vista o potencial de dano ao interesse público pela convalidação de atos e contratos administrativos contrários à lei e à Constituição e a necessidade de se estipular um prazo legal para o exercício do poder de autotutela administrativa, sob pena de frustração das legítimas expectativas dos particulares na constância e estabilidade da atuação do Poder Público.
Isso significa que o prazo de 10 anos para autotutela previsto na lei paulista é constitucional?
NÃO. O STF afirmou que a previsão é inconstitucional, no entanto, com base em um outro argumento não invocado pela autora da ADI: violação ao princípio da igualdade.
O prazo de 5 anos, previsto na Lei nº 9.784/99 consolidou-se como marco temporal geral nas relações entre o Poder Público e particulares. Como exemplos, podemos citar o art. 1º do Decreto nº 20.910/1932 e o art. 173 do CTN.
A maioria dos Estados-membros aplica o prazo quinquenal para anulação de atos administrativos, seja por previsão em lei própria ou por aplicação analógica do art. 54 da Lei nº 9.784/99.
Logo, “não há fundamento constitucional que justifique a situação excepcional do Estado de São Paulo, justamente o mais rico e certamente um dos mais eficientes da Federação, impondo-se o tratamento igualitário nas relações Estado-cidadão”.
Somente são admitidas exceções ao princípio da isonomia quando houver fundamento razoável baseado na necessidade de remediar um desequilíbrio específico entre as partes.
[…]
E se o Estado ou o Município não estipular um prazo em sua legislação? Se não houver lei estadual ou municipal fixando um prazo para o exercício da autotutela, será possível aplicar, por analogia integrativa, o prazo de 5 anos do art. 54 da Lei nº 9.784/99?
SIM. É isso que preconiza a súmula 633 do STJ:
Súmula 633-STJ: A Lei nº 9.784/99, especialmente no que diz respeito ao prazo decadencial para a revisão de atos administrativos no âmbito da Administração Pública federal, pode ser aplicada, de forma subsidiária, aos estados e municípios, se inexistente norma local e específica que regule a matéria.
Qual é o fundamento para essa aplicação?
Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Se não houvesse a aplicação do prazo da Lei nº 9.784/99, a Administração Pública estadual ou municipal que não editasse a sua lei ficaria, em tese, completamente livre para exercer a autotutela a qualquer tempo. Isso, contudo, seria uma afronta à segurança jurídica. Confira:
Com vistas nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, este Superior Tribunal de Justiça tem admitido a aplicação, por analogia integrativa, da Lei Federal nº 9.784/1999, que disciplina a decadência quinquenal para revisão de atos administrativos no âmbito da administração pública federal, aos Estados e Municípios, quando ausente norma específica, não obstante a autonomia legislativa destes para regular a matéria em seus territórios. STJ. 2ª Turma. AgRg no AREsp 345831 PR, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 09/06/2016.
Ato regulamentar pode definir os atos de publicidade que caracterizam promoção pessoal nos termos do § 1º do art. 37 da CF/88?
§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
Resumo
O § 1º do art. 37 da CF/88 não admite flexibilização por norma infraconstitucional ou regulamentar
Está em desconformidade com a Constituição Federal a previsão contida na Lei Orgânica do Distrito Federal que autoriza que cada Poder defina, por norma interna, as hipóteses pelas quais a divulgação de ato, programa, obra ou serviço públicos não constituirá promoção pessoal. Essa delegação conferida viola o § 1º do art. 37 da CF/88, que não admite flexibilização por norma infraconstitucional ou regulamentar.
É de se conferir interpretação conforme à Constituição ao § 6º do art. 22 da Lei Orgânica do Distrito Federal para que a divulgação de atos e iniciativas de parlamentares seja tida como legítima apenas quando efetuada nos ambientes de divulgação do mandatário ou do partido político, não se havendo de confundi-la com a publicidade do órgão público ou entidade. STF. Plenário. ADI 6522/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 14/5/2021 (Info 1017).
Inteiro teor
Princípio da impessoalidade
O caput do art. 37 da Constituição Federal prevê a impessoalidade como sendo um dos princípios constitucionais expressos/explícitos:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)
Conforme explica Renério de Castro Júnior (Manual de Direito Administrativo. Salvador: Juspodivm, 2021), existem três aspectos do princípio da impessoalidade:
a) Dever de isonomia: a Administração Pública deve prestar tratamento impessoal e isonômico aos particulares, com o objetivo de atender a finalidade pública, sendo vedada a discriminação odiosa ou desproporcional. Assim, na atividade administrativa não deve haver favoritismos ou perseguições.
b) Conformidade ao interesse público: a impessoalidade veda que o agente público utilize seu cargo para a satisfação de interesses pessoais. Desse modo, o agente público não pode utilizar seu cargo para se promover pessoalmente, para beneficiar pessoa querida ou prejudicar um desafeto.
c) Imputação dos atos praticados pelo agente público diretamente ao órgão: quando o agente público realiza uma atividade administrativa, ele o faz em nome do Poder público, de forma que os atos e provimentos administrativos não são imputáveis ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade da Administração Pública. Logo, as realizações governamentais não são do servidor ou da autoridade, mas sim do órgão ou entidade. A Constituição traz uma regra relacionada com esse último aspecto do princípio da impessoalidade:
Art. 37 (…) § 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
Desse modo, o § 1º do art. 37 da CF/88 proíbe expressamente a promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
Feita essa breve revisão, vejamos a situação concreta enfrentada pelo STF:
A Lei Orgânica do Distrito Federal trouxe a seguinte previsão relacionada com o princípio da impessoalidade:
Art. 22. Os atos da administração pública de qualquer dos Poderes do Distrito Federal, além de obedecer aos princípios constitucionais aplicados à administração pública, devem observar também o seguinte: (…)
§ 5º A divulgação feita por autoridade de ato, programa, obra ou serviço públicos de sua iniciativa, incluídos os decorrentes de emendas à lei orçamentária anual, não caracteriza promoção pessoal, quando atenda os critérios previstos em norma interna de cada poder. (Inserido pela Emenda 114/2019)
§ 6º Também não caracteriza promoção pessoal a inclusão em material de divulgação parlamentar do nome do autor que teve a iniciativa do ato, programa, obra ou serviço públicos, incluídos os decorrentes de emendas à lei orçamentária anual. (Inserido pela Emenda 114/2019)
O Procurador-Geral da República ajuizou ADI contra os §§ 5º e 6º acima transcritos.
Vejamos abaixo o que decidiu o STF.
Quanto ao § 5º do art. 22
O STF julgou inconstitucional o § 5º do art. 22 da Lei Orgânica do Distrito Federal.
Na prática, o que esse dispositivo fez foi autorizar que cada Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) editasse ato interno dizendo que determinados atos de divulgação não caracterizariam promoção pessoal. Essa delegação, contudo, está em desacordo com o § 1º do art. 37 da CF/88.
O constituinte originário, atento aos princípios republicano e democrático, estabeleceu que nenhuma publicidade ou campanha do Poder Público pode ter como objetivo a promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos, razão pela qual, como posto no § 1º do art. 37, em divulgações ou campanhas não podem constar nomes, símbolos ou imagens com essa finalidade.
Pelo § 1º do art. 37 da Constituição, a divulgação de atos, programas, obras, serviços e campanhas da administração pública tem três objetivos precisos: educar, informar ou orientar a sociedade.
O princípio da supremacia do interesse público permeia a publicidade estatal.
O agente público não pode se valer do cargo que exerce ou dos recursos públicos que gere para a autopromoção política, sob pena de se ter por configurado o desvio de finalidade e contrariados os princípios da impessoalidade e da probidade.
A regra fixada no § 1º do art. 37 da Constituição não admite flexibilização por norma infraconstitucional ou regulamentar. Trata-se de preceito claro a ser reproduzido e observado por todos os entes da Federação.
O § 5º do art. 22 da Lei Orgânica do Distrito Federal abriu um espaço indevido para que cada Poder faça a regulamentação do § 1º do art. 37 da CF/88, tornando deficiente a proteção contra eventuais desvios de finalidade. Não cabe a órgão ou Poder fixar critérios, pressupostos ou requisitos para a incidência de uma norma autoaplicável da Constituição.
Quanto ao § 6º do art. 22
O STF atribuiu interpretação conforme à Constituição ao § 6º do art. 22 da LODF. Vamos entender.
O § 6º afirma que não caracteriza promoção pessoal o fato de o Deputado Distrital incluir no material de divulgação de um ato, programa, obra ou serviço público o nome do autor dessa iniciativa.
O STF disse o seguinte:
- a divulgação feita pelo parlamentar de seus atos e iniciativas pode não constituir promoção pessoal indevida por não se confundir com a publicidade estatal prevista no § 1º do art. 37 da Constituição.
- no entanto, para que não seja considerada publicidade pessoal, é necessário que essa divulgação se limite a fazer uma descrição informativa de sua conduta e com limites em sua atuação.
A divulgação relacionada especificamente à prestação de contas pelo parlamentar ao cidadão não constitui situação vedada pela Constituição desde que realizada nos espaços próprios do mandatário ou do partido político e seja assumida com os seus recursos, não se havendo de confundi-la com a publicidade do órgão público ou entidade.
Além disso, a propaganda relacionada especificamente à prestação de contas pelo parlamentar ao cidadão não constitui situação vedada pela Constituição, desde que realizada nos espaços próprios do mandatário ou do partido político e seja assumida com os seus recursos, não devendo ser confundida com a publicidade do órgão público ou entidade.
É necessário licitação para alienação de controle acionário de subsidiária de estatal?
Ponto
É dispensável a licitação no caso de venda do controle acionário de subsidiária. O mesmo, porém, não vale para venda do controle acionário da estatal.
Resumo
É desnecessária a autorização legislativa expressa para a criação de subsidiárias quando houver autorização legislativa da criação de empresa pública ou sociedade de economia mista e nesta constar permissão genérica da possibilidade de criação de subsidiárias. Assim, não se exige lei específica para autorizar a criação de subsidiária.
Com base no paralelismo das formas, como não é exigida lei específica para criar a subsidiária, também não é necessária lei específica para alienar o seu controle acionário.
Em palavras mais simples: como não se exige lei específica para criar, também não se exige lei específica para “vender”. STF. Plenário. ADPF 794/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 21/5/2021 (Info 1018).
Inteiro teor
[…]
Venda de empresa estatal (inciso XVIII do art. 29)
O inciso XVIII do art. 29 da Lei nº 13.303/2016 trouxe a seguinte hipótese de licitação dispensável:
Art. 29. É dispensável a realização de licitação por empresas públicas e sociedades de economia mista:
(…) XVIII - na compra e venda de ações, de títulos de crédito e de dívida e de bens que produzam ou comercializem.
Decreto nº 9.188/2017 (regime especial de desinvestimento das sociedades de economia mista)
Em 2017, o Presidente da República, com base na dispensa de licitação prevista neste art. 29, XVIII, da Lei nº 13.303/2016, editou o Decreto nº 9.188/2017 instituindo o regime especial de desinvestimento de ativos das sociedades de economia mista. Este regime teve como objetivo alienar ativos pertencentes às sociedades de economia mista federal. O que seriam esses ativos que o Governo pretendia alienar (vender) sem fazer licitação?
- unidades operacionais pertencentes às sociedades de economia mista (ou suas subsidiárias);
- estabelecimentos pertencentes às sociedades de economia mista (ou suas subsidiárias);
- direitos e participações da sociedade de economia mista em outras sociedades.
Considera-se alienação qualquer forma de transferência total ou parcial de ativos para terceiros.
ADIs
Foram propostas algumas ADIs contra esse art. 29, XVIII, da Lei nº 13.303/2016 e o Plenário do STF julgou a medida cautelar.
O STF concedeu parcialmente a medida cautelar para conferir ao art. 29, XVIII, da Lei nº 13.303/2016, interpretação conforme à Constituição Federal, assentando as seguintes conclusões sobre esse dispositivo:
1) a alienação do controle acionário de empresas públicas e sociedades de economia mista exige autorização legislativa e licitação;
2) a exigência de autorização legislativa, todavia, não se aplica à alienação do controle de suas subsidiárias e controladas. Nesse caso, a operação pode ser realizada sem a necessidade de licitação, desde que siga procedimentos que observem os princípios da administração pública inscritos no art. 37 da CF/88, respeitada, sempre, a exigência de necessária competitividade.
STF. Plenário. ADI 5624 MC-Ref/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 5 e 6/6/2019 (Info 943).
Alienação de participação societária é privatização
Para o Min. Ricardo Lewandowski, a alienação de participação societária, inclusive de controle acionário, é uma forma clássica de privatização. Isso porque se o Poder Público perde o controle acionário da entidade, ou seja, se o controle acionário da sociedade de economia mista passa para a iniciativa privada, essa entidade deixa de ser uma sociedade de economia mista. Na sociedade de economia mista, as ações com direito a voto devem pertencer, em sua maioria, ao Poder Público. É como explicou o ex-Min. Sepúlveda Pertence no julgamento da ADI 234/RJ:
“Alienar controle de sociedade de economia mista - se, como entendo eu, esse controle é essencial ao próprio conceito constitucional de sociedade de economia mista -, é uma forma de extingui-la enquanto sociedade de economia mista. Enquanto sociedade anônima, pode ela sobreviver sob controle privado, mas já não será mais sociedade de economia mista que, repita-se, segundo a Constituição constitui instrumento da política econômica do Estado, e pressupõe por isso, controle estatal permanente.”
Assim, como a perda do controle acionário é equiparado à extinção da sociedade de economia mista, essa operação precisa de autorização legislativa.
O STF possui, portanto, julgados afirmando ser imprescindível a autorização legislativa para que ocorra a transferência do poder de controle de sociedades de economia mista. Nesse sentido:
(…) 3. “No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 234/RJ, ao apreciar dispositivos da Constituição do Rio de Janeiro que vedavam a alienação de ações de sociedades de economia mista estaduais, o Supremo Tribunal Federal conferiu interpretação conforme à Constituição da República, no sentido de serem admitidas essas alienações, condicionando-as à autorização legislativa, por lei em sentido formal, tão-somente quando importarem em perda do controle acionário por parte do Estado. Naquela assentada, se decidiu também que o Chefe do Poder Executivo estadual não poderia ser privado da competência para dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual.” (ADI 1348/RJ, DJe 7/3/2008).
- A autorização legislativa exigida “há de fazer-se por lei formal, mas só será necessária, quando se cuide de alienar o controle acionário da sociedade de economia mista” e demais estatais. (ADI 234 QO/RJ, DJe de 9/5/1997). (…) STF. Plenário. ADI 1703, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 08/11/2017.
Acompanhe, mais uma vez, o raciocínio:
- o art. 37, XIX, da CF/88, afirma que somente por lei específica poderá ser autorizada a instituição de empresa pública ou de sociedade de economia mista;
- a alienação do controle acionário de empresas públicas ou de sociedades de economia mista é equiparada à extinção da empresa pública ou da sociedade de economia mista;
- por força do paralelismo das formas, somente por lei poderá ser autorizada a extinção de empresa pública ou de sociedade de economia mista;
- logo, somente por lei poderá ser autorizada a alienação do controle acionário de empresa pública ou de sociedade de economia mista.
O Estado não pode abrir mão da exploração de determinada atividade econômica, expressamente autorizada por lei, sem a necessária participação do Parlamento, porque a decisão não compete apenas ao chefe do Poder Executivo.
Modo de interpretar o art. 29, XVIII
Embora a redação do art. 29, XVIII, da Lei nº 13.303/2016 não trate expressamente sobre a necessidade ou não de autorização legislativa, o STF entendeu que esta lacuna poderia gerar interpretações equivocadas, expectativas ilegítimas e, consequentemente, insegurança jurídica.
Logo, é indispensável conferir interpretação conforme ao dispositivo para deixar claro que a venda de ações das empresas públicas ou de sociedades de economia mista exige prévia autorização legislativa, sempre que isso importar em perda do controle acionário (alienação do controle acionário).
Importante esclarecer que é plenamente possível a venda de parte das ações na Bolsa de Valores.
Contudo, a alienação do controle acionário precisa de lei autorizativa e de processo licitatório.
Entendi o motivo de se exigir autorização legislativa. Mas, e por que é necessária a licitação para a alienação do controle acionário? Por que não se aplica a dispensa do art. 29, VIII, da Lei nº 13.303/2016?
O art. 4º, I e § 3º, da Lei nº 9.491/97, ainda vigente, exige, nos procedimentos de desestatizações, que a alienação de participação societária, inclusive de controle acionário, seja feito por meio de licitação.
Essa disposição da Lei nº 9.491/97 é mais consentânea com a vontade do legislador constituinte.
“Nesse sentido, permitir a venda direta de ações, em montante suficiente a perder o controle societário de empresa estatal, de maneira a impossibilitar a concorrência pública, poderia atentar contra o texto constitucional, o qual consigna que as alienações serão realizadas ‘mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes’ (art. 37, XXI).” (Min. Ricardo Lewandowski).
Cumpre ressaltar, mais uma vez, que a licitação é dispensada quando a alienação das ações não importar a perda de seu controle acionário.
Decreto nº 9.188/2017 criou procedimento de licitação não previsto na lei
Ainda para o Min. Lewandowski, o Decreto nº 9.188/2017, alegadamente fundado na Lei nº 13.303/2016, dela desbordou ao criar procedimento de licitação não previsto na legislação, derrogando, ou pretendendo derrogar implicitamente, a Lei nº 9.491/97.
E as subsidiárias e controladas?
Quanto às subsidiárias e controladas, o STF não fez as mesmas exigências.
O STF decidiu que não se exige autorização legislativa para a alienação do controle das subsidiárias e das controladas pertencentes às empresas públicas ou sociedades de economia mista.
Além disso, a alienação do controle das subsidiárias e das controladas não precisa de prévia licitação, sendo indispensável, no entanto, que essa alienação cumpra procedimentos que observem os princípios da administração pública inscritos no art. 37 da CF/88, respeitada, sempre, a exigência de necessária competitividade.
É compatível com a CF/88 emenda à constituição estadual que institui, como limite remuneratório único dos servidores públicos estaduais, o valor do subsídio dos ministros do STF?
Resumo
A EC nº 47/2005 facultou aos Estados-membros e ao Distrito Federal, mediante Emenda à Constituição estadual ou à Lei Orgânica distrital (conforme o caso), fixar o teto remuneratório dos servidores públicos estaduais ou distritais, adotando, como limite único, o valor do subsídio mensal dos Desembargadores dos respectivos Tribunais de Justiça, limitado a 90,25% do subsídio mensal dos Ministros do STF.
Viola o art. 37, § 12, da Constituição Federal a norma estadual que, embora veiculada por meio de Emenda à Constituição, elege como parâmetro remuneratório máximo dos servidores públicos estaduais o valor integral do subsídio dos Ministros do STF. STF. Plenário. ADI 6746/RO, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 28/5/2021 (Info 1019
Inteiro teor
Subteto na União: Subsídio dos Ministros do STF
Subteto nos Estados/DF:
Existem duas opções:
Opção 1 (subtetos diferentes para cada um dos Poderes) (modelo geral):
Executivo: subsídio do Governador.
Legislativo: subsídio dos Deputados Estaduais.
Judiciário (inclui MP, Defensoria e Procuradoria): subsídio dos Desembargadores do TJ, limitado a 90,25% do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do STF.
Opção 2 (subteto único para todos os Poderes) (modelo facultativo): o valor máximo seria o subsídio dos Desembargadores do TJ, limitado a 90,25% do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do STF.
O subsídio dos Deputados Estaduais/Distritais seguirá regras próprias (§ 2º do art. 27), não estando sujeito ao subsídio dos Desembargadores, mesmo que se adote esta 2ª opção.
Vale ressaltar que quem define se o Estado-membro adotará subtetos diferentes ou único é a Constituição estadual.
Subteto nos Municípios:
Subsídio do Prefeito
É possível o ajuizamento de ACP alegando que o particular que recebeu a indenização na desapropriação não era o seu real proprietário mesmo que já tenham se passado 2 anos do trânsito em julgado da ação de desapropriação?
Resumo
I -O trânsito em julgado de sentença condenatória proferida em sede de ação desapropriatória não obsta a propositura de Ação Civil Pública em defesa do patrimônio público para discutir a dominialidade do bem expropriado, ainda que já se tenha expirado o prazo para a Ação Rescisória;
II - Em sede de Ação de Desapropriação, os honorários sucumbenciais só serão devidos caso haja devido pagamento da indenização aos expropriados. STF. Plenário. RE 1010819/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 26/5/2021 (Repercussão Geral – Tema 858) (Info 1019).
Inteiro teor
Imagine a seguinte situação hipotética:
O INCRA ajuizou ação de desapropriação contra João, que alegava ser proprietário de determinado imóvel rural.
No referido processo, a autarquia foi condenada a pagar a indenização ao particular pela desapropriação, além dos honorários advocatícios de sucumbência.
Três anos após o trânsito em julgado, ou seja, após o prazo para a ação rescisória, o Ministério Público federal ajuizou ação civil pública contra João alegando que o réu teria obtido irregularmente o título de propriedade do imóvel e que, portanto, não seria o real proprietário das terras.
Argumentou que a União seria a real proprietária do imóvel rural que foi objeto da desapropriação, de modo que não era devido o pagamento da indenização nem dos honorários advocatícios.
Logo, teria havido prejuízo ao patrimônio público federal.
Como os honorários advocatícios da ação de desapropriação ainda não haviam sido pagos, o MPF pediu para que a quantia ficasse depositada em juízo até que houvesse o julgamento da ACP. Se na ACP ficasse demonstrado que o particular não era proprietário do imóvel, os honorários advocatícios não seriam pagos.
O réu defendeu-se alegando que:
1) o MPF utilizou a ACP para desconstituir a coisa julgada, que somente deveria ser impugnada mediante ação rescisória proposta no prazo decadencial de 2 anos. Desse modo, a ACP não seria cabível.
2) o pagamento dos honorários advocatícios não deveria ser suspenso nem ficar aguardando a ACP. Isso porque os honorários sucumbenciais da ação de desapropriação seriam devidos pelo simples fato de o INCRA ter dado causa à instauração do processo.
A questão chegou até o STF. A ACP pode ser conhecida?
SIM.
Propositura da ACP não viola a coisa julgada da ação de desapropriação
O ajuizamento de ação civil pública para discussão da titularidade de imóvel não ofende a coisa julgada decorrente de ação de desapropriação, mesmo que já tenham se passado os dois anos para a propositura da ação rescisória.
Com efeito, diante da impossibilidade de discussão de matérias de alta indagação no âmbito das ações de desapropriação, o que inclui o debate a respeito da dominialidade do bem expropriado, eventual trânsito em julgado de decisão judicial proferida em ação de desapropriação, limitada à análise do decreto expropriatório e do valor de indenização, é incapaz de impedir a discussão jurídica dominial em ação civil pública.
Honorários só são devidos se ficar provado que o particular era proprietário realmente e que tinha direito à indenização
Os honorários advocatícios sucumbenciais fixados em sentença de ação de desapropriação, em razão de seu caráter acessório, somente serão devidos caso seja efetivamente paga a indenização aos desapropriados. Isso porque, conforme a jurisprudência do STF, por se tratar de verba acessória, os honorários sucumbenciais estão associados ao efetivo êxito da parte quanto ao pagamento da indenização dos bens desapropriados, devendo, portanto, ficarem depositados em juízo até que se resolva a questão prejudicial, o domínio das terras.