Hemofilia/Doença De Von-willebrand: Flashcards
Hemofilia:
C-onjunto de doenças que promovem a coagulação ineficiente, ou mesmo, a ausência de coagulação. Elas podem ser decorrentes da deficiência de fator 8 (hemofilia tipo A), do fator 9 (hemofilia tipo B) e a mais rara do fator 11 (hemofilia tipo C).
-São doenças recessivas ligadas ao cromossomo X, portanto, possui uma prevalência em homens, pois eles só possuem uma unidade desse cromossomo.
Classificação de gravidade:
Grave:
-sangramentos espontâneos desde a infância.
-hemartroses e outras manifestações hemorrágicas espontâneas frequentes.
Moderadas:
-Hemorragia secundária a trauma pequeno ou cirurgia.
-hemartroses espontâneas.
Leves:
-hemorragias secundárias a traumatismos e cirurgias.
-raramente sangramento espontâneo.
Quadro clínico: período neonatal
- No período neonatal surgem sangramentos se o recém-nascido é submetido a traumatismos ou cirurgias.
- As manifestações hemorrágicas surgem quando começam a engatinhar.
- Nessa fase os sangramentos orais são frequentes, principalmente os originados da mordedura da língua e dos lábios, tendendo a ser intermitentes e podendo persistir por semanas.
- Quando a criança começa a andar, surgem as hemorragias articulares e musculares, além das equimoses pós-traumáticas.
Quadro clínico: Hemartroses
- As hemartroses constituem as manifestações hemorrágicas mais comuns dos hemofílicos, principalmente na forma grave. Surgem de forma espontânea e sem traumatismo evidente.
.Nos pacientes com hemofilia grave, as hemartroses usualmente começam aos 2 ou 3 anos de idade.
.Quando não tratadas adequadamente, evoluem para artropatias crônicas e incapacitantes. - As articulações mais acometidas são os joelhos, cotovelos, tornozelos, ombros, coxofemorais e punhos.
Quadro clínico: Hematomas
- Os hematomas musculares constituem a segunda causa mais comum de sangramento em pacientes hemofílicos graves, podendo ocorrer espontaneamente ou após pequenos traumatismos.
- Quando pequenos e superficiais, os hematomas são autolimitados e não apresentam maior significado clínico, exceto o desconforto local.
- Contudo, em pacientes com hemofilia grave eles podem aumentar progressivamente e dissecar em todas as direções, acarretando consequências muito sérias, devido à compressão de estruturas nobres.
Podem evoluir para compressão de nervos periféricos e até mesmo síndrome compartimental. - Um hematoma particularmente importante é o que ocorre no músculo íleo-psoas, o qual se delimita com a pelve e com a forte fáscia muscular, local por onde passa o nervo femoral.
O comprometimento do nervo femoral causa dor na face anterior da coxa e, com o aumento da pressão sobre o nervo, ocorre parestesia, hiperestesia, diminuição da força muscular do quadríceps e, eventualmente, paralisia dos músculos flexores da coxa.
A pressão sobre as fibras musculares pode levar à morte celular, com presença de leucócitos polimorfonucleares, células mononucleares fagocíticas e células imaturas do tecido conectivo, terminando com a ocorrência de fibrose.
Quadro clínico: Hematúria
- A hematúria é uma manifestação comum, ocorrendo em 2/3 dos hemofílicos, em geral após os 12 anos de idade.
Sua intensidade é variável, desde leve alteração da coloração urinária à hematúria franca, com eliminação de coágulos. - Usualmente a hematúria é autolimitada, podendo persistir por dias a semanas, independentemente do tratamento de substituição com concentrado de fator.
Quadro clínico: Sangramento gastrointestinal
- A presença de sangramento gastrintestinal, na forma de hematêmese e/ou melena, não é incomum.
- Na maioria dos casos em que o sangramento é persistente, ou recorrente, existe uma lesão anatômica, mais comumente gastrite ou úlcera péptica, que é dez vezes mais frequente na população hemofílica.
Quadro clínico: Sangramento do sistema nervoso central
- O sangramento intracraniano é o evento hemorrágico mais perigoso para o paciente hemofílico, ocorrendo após traumatismos ou espontaneamente.
.Pode ocorrer em qualquer faixa etária, no entanto a prevalência do sangramento intracraniano apresenta dois picos, na infância, sobretudo em recém-nascidos, e após os 50 anos de idade. - Todo hemofílico com cefaleia não habitual, especialmente se intensa ou com duração superior a 4 horas, deve ser investigado quanto à presença de sangramento intracraniano e, na sua suspeita, deve ser imediatamente tratado com reposição de fator seguido de avaliação com tomografia computadorizada.
Complicações associadas: Artropatia hemofílica crônica
- A artropatia hemofílica crônica é a sequela mais frequente e incapacitante em pacientes hemofílicos, e acomete principalmente os joelhos, tornozelos, cotovelos e coxofemorais.
.Ela resulta de hemartroses recorrentes, que provocam danos progressivos à membrana sinovial e à articulação. - O sangramento intra-articular tem origem nos vasos sinoviais e pode ocorrer espontaneamente ou após traumas mínimos. O acúmulo de sangue na articulação leva ao aumento da pressão intra-articular e espasmo muscular, perpetuando a lesão.
- Após um episódio de hemartrose, a articulação pode se recuperar, mas frequentemente ocorre acúmulo de sangue residual, desencadeando inflamação crônica da membrana sinovial. Isso leva a uma sinovite persistente, caracterizada por edema e dor prolongada, mesmo sem novos sangramentos.
.Com a repetição dos episódios hemorrágicos, a membrana sinovial se espessa e se torna mais vascularizada, formando dobras e vilosidades que aumentam a propensão a novos sangramentos. - Esse ciclo de sangramento → inflamação → dano sinovial agrava a destruição articular, levando a atrofia muscular periarticular, instabilidade e contraturas fixas.
.Nos estágios mais avançados, pode ocorrer anquilose, resultando em imobilização completa da articulação e perda da funcionalidade.
Complicações associadas: Pseudotumor Hemofílico ou Cistos Hemorrágicos
O pseudotumor hemofílico é uma complicação pouco frequente, porém grave.
- Ele ocorre quando o volume de sangue em um hematoma muscular é grande e a sua reabsorção é incompleta, de modo que o hematoma persiste como uma lesão cística encapsulada, contendo fluido serossanguíneo ou material viscoso.
- Nos adultos os pseudotumores, geralmente, localizam-se na pelve, fêmur e tíbia, enquanto nas crianças, embora sejam eventos mais raros, ocorrem, predominantemente, nos pequenos ossos das mãos e dos pés.
- Os pseudotumores são indolores e tendem a aumentar de tamanho durante um período de anos, causando compressão e destruição dos músculos adjacentes, nervos e ossos.
- Seu tratamento inicialmente se baseia na reposição intensa com o fator deficiente e, caso não regrida, deverá ser removido cirurgicamente.
Diagnóstico: Exames laboratoriais
- As hemofilias são marcadas por um prolongamento do Tempo de Tromboplastina Parcial ativado (TTPa), justamente o exame de coagulação que avalia as vias comum e intrínseca.
Como os fatores VIII e IX participam justamente dessa última via da cascata de coagulação, o TTPA está alterado, enquanto o TP estará normal, por avaliar as vias comum e extrínseca.
TTPA
Tempo de tromboplastina parcialmente ativada:
é um marcador/exame que avaliará em vitro a funcionalidade da via intrínseca e da comum. Portanto, é feito uma análise da atividade dos fatores XII–>XI–>IX–>VIII e X—>V—>II—>I.
TP ou TAP
Tempo de protrombina:
analisa os fatores presentes nas vias extrínsecas comum.
Dosagem específica de uma fator de coagulação:
- O diagnóstico confirmatório da hemofilia A e B baseia-se na quantificação da atividade coagulante dos fatores VIII e IX, respectivamente.
- A suspeita diagnóstica baseia-se na história clínica hemorrágica junto com TP normal e TTPa prolongado, e/ou antecedente familiar.
.Um diagnóstico diferencial importante da hemofilia é justamente a doença de von Willebrand, já que ambas podem cursar com TTPA alargado.
.No entanto, o quadro clínico será diferente, com predomínio de manifestações da hemostasia primária na DVW (sangramentos cutaneomucosos, como petéquias, equimoses, epistaxe). Já sangramentos pós-procedimentos dentários ou cirurgias podem ser vistos tanto nas hemofilias quanto na DVW.
Tratamento: indicações gerais
- Todos os pacientes devem ser encaminhados para centros de tratamento de hemofilia ou centros de atendimento abrangente de hemofilia para atendimento abrangente e multidisciplinar.
- O maior objetivo do tratamento da hemofilia é a prevenção das hemartroses, uma vez que a artropatia hemofílica é a maior causa de morbidade nesses pacientes.
Tratamento: terapia de substituição
- As manifestações hemorrágicas dos pacientes hemofílicos devem ser tratadas com a infusão do fator deficiente.
- Diferentes concentrados liofilizados comerciais de fator VIII ou IX são disponíveis na atualidade, obtidos a partir de plasma humano, os quais são submetidos a processos para inativação viral, ou obtido por tecnologia recombinante.
- Para Hemofilia A é feita administração de Fator VIII recombinante ou plasmático.
- Já para a Hemofilia B, é feita administração de Fator IX recombinante ou derivado do plasma.
- A dosagem e a frequência dependem da gravidade e do tipo de evento hemorrágico.
- O tratamento pode ser feito sob demanda ou de maneira profilática:
.Episódico (tratamento sob demanda): é administrado na presença das primeiras evidências de uma hemorragia.
.Profilaxia Primária: reposição contínua, regular e prolongada de fator, em crianças com menos de dois anos de idade, iniciada depois da primeira hemartrose ou mesmo antes de qualquer sangramento articular clinicamente evidente.
.Profilaxia Secundária:
Tratamento regular contínuo iniciado após ≥ 2 grandes sangramentos articulares antes do início da doença articular;
Geralmente ocorre em ≥ 3 anos de idade.
.Profilaxia Terciária:
Tratamento regular contínuo após o início da doença articular;
Geralmente se aplica à profilaxia iniciada na idade adulta.
Tratamento: outras
- A desmopressina (DDAVP) pode ser utilizada como modalidade terapêutica nos pacientes com hemofilia A leve e moderada, na dose de 0,3 g/kg de peso.
- As drogas antifibrinolíticas têm sido usadas como terapia adjuvante nos sangramentos de mucosas.
A dose usual do ácido tranexâmico é de 10 mg/kg/dose, por via intravenosa, e 20 mg/kg/dose, por via oral, três vezes ao dia.
O ácido épsilon aminocaproico é usado na dose inicial de 50 a 60 mg/kg, cada 4 horas por via intravenosa, seguida da mesma dosagem por via oral
Contudo, as drogas antifibrinolíticas estão contraindicadas na hematúria porque podem levar à formação de coágulos dentro dos ureteres, resultando em obstrução urinária e insuficiência renal aguda. - Como analgésico, pode ser empregado o paracetamol, em algumas ocasiões, associado à codeína.
- Para os adultos, com dor mais intensa, o dextropropoxifeno pode ser utilizado.
Tratamento: inibidores contra o fator VIII ou fator IX
- O desenvolvimento de inibidores (anticorpos contra os fatores administrados) constitui atualmente a principal complicação decorrente do tratamento da hemofilia.
O risco cumulativo de inibidores varia de 20 a 30% entre os pacientes com hemofilia A e de 1 a 5% entre pacientes com hemofilia B. - Fatores genéticos que foram relacionados a maior risco de desenvolvimento de inibidor incluem:
História familiar positiva para inibidor;
Defeito molecular de alto risco: inversões – em especial a do intron 22 do gene do fator VIII, mutações nonsense e grandes deleções;
Etnia: raça negra e;
Polimorfismos em genes do sistema imune: interleucina 10, fator de necrose tumoral α. - Os fatores ambientais relatados incluem tipo de concentrado de fator, idade à primeira exposição, intensidade do tratamento, dentre outros.
- O período de maior risco de desenvolvimento de inibidor encontra-se nos primeiros 50 dias de exposição ao fator, estando bastante reduzido após 150 dias de tratamento.
- Os pacientes são classificados de acordo com a resposta anamnéstica (nível do anticorpo após nova exposição ao fator):
Baixa resposta → Níveis < 5 UB (Unidade Bethesda)/mL, mesmo com infusões repetidas. Alguns podem ter remissão espontânea (inibidores transitórios).
Alta resposta → Níveis > 5 UB/mL, com rápido aumento dos anticorpos após nova exposição ao fator infundido.
➜ Como Tratar estes Casos?
- Os dois componentes do tratamento são o controle do sangramento e a erradicação do inibidor.
- Em situações de hemorragia, esses pacientes podem ser tratados com:
Concentrados de fator em altas doses: para pacientes com inibidores de baixo título ou;
Produtos bypass: como o concentrado de Complexo Protrombínico ativado (CPPa), e o fator VII ativado recombinante (FVIIa-r).
- A Terapia de Indução de Imunotolerância (ITI) é o único tratamento capaz de erradicar o inibidor e se baseia na administração regular, contínua e prolongada do fator deficiente a fim de induzir uma tolerância do sistema imunológico.
Altas taxas de sucesso (60-80%) foram relatadas utilizando diferentes regimes de tratamento.
Tratamento: terapia gênica
- A terapia gênica é uma abordagem inovadora para o tratamento da hemofilia A e B, visando a correção da deficiência genética que causa a doença.
- O objetivo é introduzir uma cópia funcional do gene do Fator VIII (FVIII) ou do Fator IX (FIX) no organismo, permitindo que o próprio paciente passe a produzir o fator deficiente, reduzindo ou eliminando a necessidade de reposição exógena.
- A maioria das terapias gênicas para hemofilia utiliza vetores virais adenoassociados (AAV), que são vírus geneticamente modificados para carregar o gene funcional, mas sem capacidade de causar doença.
O fígado é o principal alvo da terapia gênica, pois é o local onde os fatores de coagulação são naturalmente produzidos.
Uma vez dentro das células hepáticas, o novo gene é expresso, permitindo a produção sustentada do fator de coagulação ausente. - O Roctavian foi aprovado pela FDA para tratamento de hemofilia A grave (deficiência congênita do fator VIII com atividade do fator VIII < 1 unidade/dL) em adultos sem anticorpos preexistentes para o vírus adeno-associado sorotipo 5 (AAV5).
- O Hemgenix é aprovado pela FDA para tratamento de hemofilia B em adultos que estão atualmente fazendo terapia de profilaxia de fator IX, têm hemorragia atual ou histórica com risco de vida ou tiveram episódios repetidos, sérios e espontâneos de sangramento.