DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS Flashcards
Sob quais perspectivas deve ser interpretado o princípio da inafastabilidade da jurisdição no processo coletivo?
a) Ampliação, ao máximo possível, do acesso ao processo, aí incluído o acesso aos necessitados econômicos, com a necessidade de não impor barreiras econômicas aos pobres (pois o processo individual é, muitas vezes, extremamente dispendioso para um cidadão sem posses, não apenas com relação a despesas processuais, mas também no investimento de tempo, de acompanhamento, de busca de profissionais habilitados etc.). Nesse contexto, pode-se inclusive falar das três ondas renovatórias do processo;
b) Respeito efetivo pelo devido processo legal, em especial pela efetivação do contraditório real e do princípio da cooperação, com ampla participação das partes e efetiva influência no convencimento do Juízo. Desse modo, consequentemente, tem-se maiores chances de obtenção de pacificação social e disponibilização ao juiz de mais elementos para valorar a situação e proferir uma decisão de melhor qualidade;
c) A prolação de “decisão com justiça”, ou seja, aquela que privilegie a interpretação mais justa diante de várias possíveis, aplicando-se a lei sempre em consideração aos princípios constitucionais de justiça e aos direitos fundamentais. Isso porque os efeitos de uma decisão injusta no processo coletivo são muito maiores do que no processo individual, haja vista que serão afetados toda a coletividade ou um grupo, classe ou categoria de pessoas;
d) A eficácia da decisão – de modo a espancar o famoso “ganhou, mas não levou”. Para tanto, é preciso se ter uma tutela de urgência ampla, de modo a afastar concretamente o perigo de ineficácia diante do tempo necessário à concessão da tutela definitiva; o aumento dos poderes do juiz para adotar medidas capazes de efetivar suas decisões (seja por mecanismos de execução indireta seja por meio de sanções processuais); e o respeito e a busca pela razoável duração do processo.
Tem relação com o princípio da inafastabilidade da jurisdição, a legitimação extraordinária, como padrão no processo coletivo (em contrapartida ao processo individual, que tem como regra a legitimidade ordinária), admitindo que determinadas pessoas ou entes compareçam em juízo, em nome próprio, para defender direito ou interesse alheio.
Dentro do contexto deste princípio, alguns autores incluem um segundo, o princípio da universalidade da jurisdição, cujo escopo seria ampliar o princípio do acesso à justiça a um número progressivamente maior de pessoas e causas.
No que consiste o princípio da participação?
- A participação no processo – é, em certa medida, o exercício do direito ao contraditório, assim como no processo individual.
- Já a participação pelo processo é a outorga aos corpos intermediários (sindicatos, associações etc.) de legitimidade para a defesa em juízo de grandes causas, de conflitos em massa, de gestão da coisa pública, do meio ambiente. Em regra, não são os titulares dos direitos materiais envolvidos que atuarão em Juízo (exceto em eventual atuação como litisconsortes ulteriores do autor da ação coletiva, nos termos do art. 94 do CDC).
Por meio desses organismos, garantir-se-á a uma quantidade razoável de sujeitos que compõem a coletividade ou a comunidade tutelada a repercussão da tutela do direito material proveniente do processo coletivo, de modo a serem beneficiados por seu resultado.
No que consiste o princípio da economia processual?
Ao se valer de um único processo para tutelar o direito material de toda uma coletividade, grupo ou categoria de pessoas, utiliza-se de forma mais racional dos recursos processuais, dos custos do processo e, ainda, evita-se a prolação de decisões pulverizadas e/ou contraditórias.
Com o processo coletivo, evita-se a disseminação de ações individuais (que, a depender da situação, poderiam ser centenas e até milhares de processos) e tem-se a potencialidade de beneficiar um número enorme de pessoas, de forma harmônica (sem decisões contraditórias), contribuindo ainda para a segurança jurídica e para a pacificação social.
No que consiste o princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito do processo coletivo?
Defende que o princípio da instrumentalidade das formas no processo coletivo deve ser potencializado, de modo a abandonar o formalismo excessivo, a fim de permitir que as grandes causas sociais (materializadas em processos coletivos) sejam efetivamente julgadas, cumprindo o Poder Judiciário sua missão de pacificação social.
Existem alguns mecanismos próprios do processo coletivo, exemplificados a seguir, que instrumentalizam essa finalidade:
- possibilidade de sucessão processual no polo ativo da demanda, de modo a evitar a extinção prematura do feito (art. 5º, par. 3º, da Lei de Ação Civil Pública e art. 9º da Lei de Ação
Popular):
“Art. 5º.
(…)
§ 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.
(…)
Art. 9º Se o autor desistir da ação ou der motiva à absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no art. 7º, inciso II, ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação.”.
- fungibilidade entre as ações coletivas;
- possibilidade de repropositura de uma ação coletiva fundada em prova nova (para os casos de coisa julgada secundum eventum probationis), mesmo tendo havido decisão anterior de improcedência por insuficiência de provas.
No que consiste a coisa julgada secundum eventum probationis?
É aquela que se produz a depender da cognição exauriente das provas sobre determinado caso. Aqui, faz fundamental diferença a improcedência por insuficiência de provas e a improcedência à vista de provas suficientes. Só haverá coisa julgada
em caso de improcedência se tiverem sido esgotados todos os meios de prova; a improcedência por insuficiência de provas, por outro lado, não gerará coisa julgada material.
É o caso da coisa julgada material nas ações coletivas para tutela de direitos difusos (erga omnes) e coletivos (ultra partes), conforme art. 103 do CDC.
“Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas,
hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;
II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81.”.
No que consiste o princípio da disponibilidade motivada?
Os bens jurídicos que podem ser tutelados pelas demandas coletivas possuem tal magnitude que, ao contrário do processo individual, não se pode desistir das ações coletivas sem um justo motivo. O abandono da ação, de igual forma, não produz efeitos terminativos.
Há mais de uma previsão legal, no microssistema do processo coletivo, que impede a extinção terminativa de uma ação coletiva por abandono ou por desistência injustificada, tanto na Lei de Ação Civil Pública como na Lei de Ação popular:
“Art. 5º.
(…)
§ 3° Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.
(…)
Art. 9º Se o autor desistir da ação ou der motiva à absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no art. 7º, inciso II, ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação.”.
Há quem defenda que o Ministério Público tem o dever de assumir o polo ativo da demanda em casos de desistência infundada ou de abandono, enquanto os demais legitimados ativos tem a faculdade de fazê-lo.
Observe-se que, aqui, como o legitimado ativo (legitimação, em regra, extraordinária), não é o titular do direito material, não pode renunciar aos direitos e interesses coletivos levados a Juízo.
No que consiste o princípio da não-taxatividade da tutela coletiva?
O referido princípio significa, em síntese, que os direitos e interesses coletivos a serem tutelados mediante ações coletivas não estão previstos taxativamente na lei. Assim, os bens jurídicos previstos expressamente nas normas integrantes do microprocesso coletivo não são numerus clausus, mas meramente enumerativos ou exemplificativos.
Assim é que passamos a ter expressa previsão dessa abertura na Lei n. 7.347/85, com a inclusão que lhe foi dada pelo CDC:
“Art. 1º LACP: Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
(…)
IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.”.
Embora não se tenha expressado no inciso acima os interesses individuais homogêneos, é certo que, pelo princípio da integração entre a LACP e o CDC, a tutela dos interesses ou direitos individuais homogêneos – sempre que se encaixem em sua definição legal– também está incluída.
No que consiste o princípio da obrigatoriedade da execução?
Ao contrário das execuções em demandas individuais, em que a parte interessada possui conveniência de executar ou não (disponibilidade), no processo coletivo, há mecanismos para que a sentença de procedência não reste inexecutada ou mesmo subexecutada.
Na verdade, essa obrigatoriedade recai sobre o Ministério Público, enquanto aos demais legitimados coletivos é facultada. Vejamos as previsões legislativas correspondentes na Lei de Ação Civil Pública (LACP), Lei de Ação Popular (LAP) e CDC:
“LACP, art. 15. Decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados.
LAP, art. 16. Caso decorridos 60 (sessenta) dias da publicação da sentença condenatória de segunda instância, sem que o autor ou terceiro promova a respectiva execução, o representante do Ministério Público a promoverá nos 30 (trinta) dias seguintes, sob pena de falta grave.
CDC, art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida.”.
No que tange aos preceitos da LACP e da LAP, a obrigatoriedade é para a execução de direitos transindividuais propriamente ditos (ou seja, direitos difusos e coletivos lato sensu). Quanto aos direitos individuais homogêneos, a regra é a execução por cada titular/vítima (até porque se tratam, essencialmente, de direitos individuais que receberam tratamento coletivo em virtude de sua origem comum). Mesmo nessa situação, o CDC prevê uma obrigação da execução coletiva na hipótese de não se habilitarem interessados em número compatível com a gravidade do delito (mecanismo do fluid recovery).
O que é o princípio do máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva comum?
Trata-se da utilidade das sentenças favoráveis proferidas em ações coletivas em relação às vítimas e seus sucessores, que podem (devem) ser beneficiadas com a existência de uma decisão de cunho coletivo (art. 103, par. 3º, do CDC - transporte ou extensão in utilibus da coisa jugada coletiva).
O que é o princípio da máxima prioridade jurisdicional da tutela coletiva?
É um comando para que às ações coletivas seja dada prioridade de processamento e julgamento, seja para evitar a pulverização de processos individuais e decisões potencialmente contraditórias, seja diante da natural prevalência do interesse social sobre os individuais.
No que consiste o transporte ou extensão da coisa julgada in utilibus?
A coisa julgada procedente (ou seja, favorável) proferida em ações coletivas pode ser aplicável a quem não foi parte no processo, desde que esse terceiro invoque o direito, proceda à liquidação e execução do respectivo crédito.
O CDC prevê expressamente a possibilidade do transporte in utilibus da sentença penal condenatória (art. 103, par. 4º).
No CDC, a coisa julgada criminal só serve para o cível quando for in utilibus (sentença condenatória).
Na liquidação, é necessário comprovar o montante do prejuízo sofrido bem como a condição de vítima.
No que consiste o princípio da máxima amplitude do processo coletivo?
Significa a possibilidade de utilização de todas as espécies de ações de conhecimento e execução, procedimentos, provimentos e tutelas provisórias em sede de processo coletivo. O art. 83 do CDC (aplicável ao microssistema de processo coletivo) preceitua que “para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”.
No que consiste o princípio da informação aos órgãos legitimados?
Trata-se do postulado segundo o qual qualquer pessoa pode e o servidor público deve
(obrigatoriedade) levar ao conhecimento dos órgãos legitimados para a propositura de ação coletiva a ocorrência de fatos e circunstanciais que possam ensejar a propositura de uma demanda transindividual.
Embora a LACP preveja essa comunicação textualmente somente ao Ministério Público, a interpretação que se deve dar é de que a informação pode ser dada a qualquer dos legitimados. Assim preveem os arts. 6º e 7º da LACP:
“LACP, art. 6º. Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção.
LACP, art. 7º. Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao Ministério Público para as providências cabíveis.”.
No que consiste o princípio da integração entre a lei de ação civil pública e o Código de Defesa do Consumidor?
É muito forte a tendência de se considerar todas as normas que dispõem sobre processos coletivos como integrantes de um único arcabouço, íntegro e harmônico, denominado microssistema de processo coletivo.
Dentre os diplomas mais importantes integrantes desse microssistema, estão justamente a LACP e o CDC, por serem aquelas leis que possuem mais previsões genéricas (podemos também dizer que o integram a Lei de Ação Popular, do Mandado de Segurança Coletivo, dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso, a Lei de Improbidade Administrativa etc.).
A ideia de microssistema é justamente de completude, a fim de que eventuais lacunas em uma norma sejam supridas por previsão de outra.
Especificamente em relação à LACP e ao CDC, há dispositivo específico na LACP – art. 21 - indicando a aplicação das normas do Título III do CDC (Da Defesa do Consumidor em Juízo) à
defesa em geral dos direitos coletivos, e há norma no CDC – art. 90 - prevendo a aplicação subsidiária da LACP às ações que envolvam a defesa do consumidor.
LACP, art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.
CDC, art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei n. 7.347/1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições.
No que consistem os interesses difusos, os interesses coletivos e os interesses individuais homogêneos?
“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”.