DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS Flashcards
Sob quais perspectivas deve ser interpretado o princípio da inafastabilidade da jurisdição no processo coletivo?
a) Ampliação, ao máximo possível, do acesso ao processo, aí incluído o acesso aos necessitados econômicos, com a necessidade de não impor barreiras econômicas aos pobres (pois o processo individual é, muitas vezes, extremamente dispendioso para um cidadão sem posses, não apenas com relação a despesas processuais, mas também no investimento de tempo, de acompanhamento, de busca de profissionais habilitados etc.). Nesse contexto, pode-se inclusive falar das três ondas renovatórias do processo;
b) Respeito efetivo pelo devido processo legal, em especial pela efetivação do contraditório real e do princípio da cooperação, com ampla participação das partes e efetiva influência no convencimento do Juízo. Desse modo, consequentemente, tem-se maiores chances de obtenção de pacificação social e disponibilização ao juiz de mais elementos para valorar a situação e proferir uma decisão de melhor qualidade;
c) A prolação de “decisão com justiça”, ou seja, aquela que privilegie a interpretação mais justa diante de várias possíveis, aplicando-se a lei sempre em consideração aos princípios constitucionais de justiça e aos direitos fundamentais. Isso porque os efeitos de uma decisão injusta no processo coletivo são muito maiores do que no processo individual, haja vista que serão afetados toda a coletividade ou um grupo, classe ou categoria de pessoas;
d) A eficácia da decisão – de modo a espancar o famoso “ganhou, mas não levou”. Para tanto, é preciso se ter uma tutela de urgência ampla, de modo a afastar concretamente o perigo de ineficácia diante do tempo necessário à concessão da tutela definitiva; o aumento dos poderes do juiz para adotar medidas capazes de efetivar suas decisões (seja por mecanismos de execução indireta seja por meio de sanções processuais); e o respeito e a busca pela razoável duração do processo.
Tem relação com o princípio da inafastabilidade da jurisdição, a legitimação extraordinária, como padrão no processo coletivo (em contrapartida ao processo individual, que tem como regra a legitimidade ordinária), admitindo que determinadas pessoas ou entes compareçam em juízo, em nome próprio, para defender direito ou interesse alheio.
Dentro do contexto deste princípio, alguns autores incluem um segundo, o princípio da universalidade da jurisdição, cujo escopo seria ampliar o princípio do acesso à justiça a um número progressivamente maior de pessoas e causas.
No que consiste o princípio da participação?
- A participação no processo – é, em certa medida, o exercício do direito ao contraditório, assim como no processo individual.
- Já a participação pelo processo é a outorga aos corpos intermediários (sindicatos, associações etc.) de legitimidade para a defesa em juízo de grandes causas, de conflitos em massa, de gestão da coisa pública, do meio ambiente. Em regra, não são os titulares dos direitos materiais envolvidos que atuarão em Juízo (exceto em eventual atuação como litisconsortes ulteriores do autor da ação coletiva, nos termos do art. 94 do CDC).
Por meio desses organismos, garantir-se-á a uma quantidade razoável de sujeitos que compõem a coletividade ou a comunidade tutelada a repercussão da tutela do direito material proveniente do processo coletivo, de modo a serem beneficiados por seu resultado.
No que consiste o princípio da economia processual?
Ao se valer de um único processo para tutelar o direito material de toda uma coletividade, grupo ou categoria de pessoas, utiliza-se de forma mais racional dos recursos processuais, dos custos do processo e, ainda, evita-se a prolação de decisões pulverizadas e/ou contraditórias.
Com o processo coletivo, evita-se a disseminação de ações individuais (que, a depender da situação, poderiam ser centenas e até milhares de processos) e tem-se a potencialidade de beneficiar um número enorme de pessoas, de forma harmônica (sem decisões contraditórias), contribuindo ainda para a segurança jurídica e para a pacificação social.
No que consiste o princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito do processo coletivo?
Defende que o princípio da instrumentalidade das formas no processo coletivo deve ser potencializado, de modo a abandonar o formalismo excessivo, a fim de permitir que as grandes causas sociais (materializadas em processos coletivos) sejam efetivamente julgadas, cumprindo o Poder Judiciário sua missão de pacificação social.
Existem alguns mecanismos próprios do processo coletivo, exemplificados a seguir, que instrumentalizam essa finalidade:
- possibilidade de sucessão processual no polo ativo da demanda, de modo a evitar a extinção prematura do feito (art. 5º, par. 3º, da Lei de Ação Civil Pública e art. 9º da Lei de Ação
Popular):
“Art. 5º.
(…)
§ 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.
(…)
Art. 9º Se o autor desistir da ação ou der motiva à absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no art. 7º, inciso II, ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação.”.
- fungibilidade entre as ações coletivas;
- possibilidade de repropositura de uma ação coletiva fundada em prova nova (para os casos de coisa julgada secundum eventum probationis), mesmo tendo havido decisão anterior de improcedência por insuficiência de provas.
No que consiste a coisa julgada secundum eventum probationis?
É aquela que se produz a depender da cognição exauriente das provas sobre determinado caso. Aqui, faz fundamental diferença a improcedência por insuficiência de provas e a improcedência à vista de provas suficientes. Só haverá coisa julgada
em caso de improcedência se tiverem sido esgotados todos os meios de prova; a improcedência por insuficiência de provas, por outro lado, não gerará coisa julgada material.
É o caso da coisa julgada material nas ações coletivas para tutela de direitos difusos (erga omnes) e coletivos (ultra partes), conforme art. 103 do CDC.
“Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas,
hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;
II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81.”.
No que consiste o princípio da disponibilidade motivada?
Os bens jurídicos que podem ser tutelados pelas demandas coletivas possuem tal magnitude que, ao contrário do processo individual, não se pode desistir das ações coletivas sem um justo motivo. O abandono da ação, de igual forma, não produz efeitos terminativos.
Há mais de uma previsão legal, no microssistema do processo coletivo, que impede a extinção terminativa de uma ação coletiva por abandono ou por desistência injustificada, tanto na Lei de Ação Civil Pública como na Lei de Ação popular:
“Art. 5º.
(…)
§ 3° Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.
(…)
Art. 9º Se o autor desistir da ação ou der motiva à absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no art. 7º, inciso II, ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação.”.
Há quem defenda que o Ministério Público tem o dever de assumir o polo ativo da demanda em casos de desistência infundada ou de abandono, enquanto os demais legitimados ativos tem a faculdade de fazê-lo.
Observe-se que, aqui, como o legitimado ativo (legitimação, em regra, extraordinária), não é o titular do direito material, não pode renunciar aos direitos e interesses coletivos levados a Juízo.
No que consiste o princípio da não-taxatividade da tutela coletiva?
O referido princípio significa, em síntese, que os direitos e interesses coletivos a serem tutelados mediante ações coletivas não estão previstos taxativamente na lei. Assim, os bens jurídicos previstos expressamente nas normas integrantes do microprocesso coletivo não são numerus clausus, mas meramente enumerativos ou exemplificativos.
Assim é que passamos a ter expressa previsão dessa abertura na Lei n. 7.347/85, com a inclusão que lhe foi dada pelo CDC:
“Art. 1º LACP: Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
(…)
IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.”.
Embora não se tenha expressado no inciso acima os interesses individuais homogêneos, é certo que, pelo princípio da integração entre a LACP e o CDC, a tutela dos interesses ou direitos individuais homogêneos – sempre que se encaixem em sua definição legal– também está incluída.
No que consiste o princípio da obrigatoriedade da execução?
Ao contrário das execuções em demandas individuais, em que a parte interessada possui conveniência de executar ou não (disponibilidade), no processo coletivo, há mecanismos para que a sentença de procedência não reste inexecutada ou mesmo subexecutada.
Na verdade, essa obrigatoriedade recai sobre o Ministério Público, enquanto aos demais legitimados coletivos é facultada. Vejamos as previsões legislativas correspondentes na Lei de Ação Civil Pública (LACP), Lei de Ação Popular (LAP) e CDC:
“LACP, art. 15. Decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados.
LAP, art. 16. Caso decorridos 60 (sessenta) dias da publicação da sentença condenatória de segunda instância, sem que o autor ou terceiro promova a respectiva execução, o representante do Ministério Público a promoverá nos 30 (trinta) dias seguintes, sob pena de falta grave.
CDC, art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida.”.
No que tange aos preceitos da LACP e da LAP, a obrigatoriedade é para a execução de direitos transindividuais propriamente ditos (ou seja, direitos difusos e coletivos lato sensu). Quanto aos direitos individuais homogêneos, a regra é a execução por cada titular/vítima (até porque se tratam, essencialmente, de direitos individuais que receberam tratamento coletivo em virtude de sua origem comum). Mesmo nessa situação, o CDC prevê uma obrigação da execução coletiva na hipótese de não se habilitarem interessados em número compatível com a gravidade do delito (mecanismo do fluid recovery).
O que é o princípio do máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva comum?
Trata-se da utilidade das sentenças favoráveis proferidas em ações coletivas em relação às vítimas e seus sucessores, que podem (devem) ser beneficiadas com a existência de uma decisão de cunho coletivo (art. 103, par. 3º, do CDC - transporte ou extensão in utilibus da coisa jugada coletiva).
O que é o princípio da máxima prioridade jurisdicional da tutela coletiva?
É um comando para que às ações coletivas seja dada prioridade de processamento e julgamento, seja para evitar a pulverização de processos individuais e decisões potencialmente contraditórias, seja diante da natural prevalência do interesse social sobre os individuais.
No que consiste o transporte ou extensão da coisa julgada in utilibus?
A coisa julgada procedente (ou seja, favorável) proferida em ações coletivas pode ser aplicável a quem não foi parte no processo, desde que esse terceiro invoque o direito, proceda à liquidação e execução do respectivo crédito.
O CDC prevê expressamente a possibilidade do transporte in utilibus da sentença penal condenatória (art. 103, par. 4º).
No CDC, a coisa julgada criminal só serve para o cível quando for in utilibus (sentença condenatória).
Na liquidação, é necessário comprovar o montante do prejuízo sofrido bem como a condição de vítima.
No que consiste o princípio da máxima amplitude do processo coletivo?
Significa a possibilidade de utilização de todas as espécies de ações de conhecimento e execução, procedimentos, provimentos e tutelas provisórias em sede de processo coletivo. O art. 83 do CDC (aplicável ao microssistema de processo coletivo) preceitua que “para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”.
No que consiste o princípio da informação aos órgãos legitimados?
Trata-se do postulado segundo o qual qualquer pessoa pode e o servidor público deve
(obrigatoriedade) levar ao conhecimento dos órgãos legitimados para a propositura de ação coletiva a ocorrência de fatos e circunstanciais que possam ensejar a propositura de uma demanda transindividual.
Embora a LACP preveja essa comunicação textualmente somente ao Ministério Público, a interpretação que se deve dar é de que a informação pode ser dada a qualquer dos legitimados. Assim preveem os arts. 6º e 7º da LACP:
“LACP, art. 6º. Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção.
LACP, art. 7º. Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao Ministério Público para as providências cabíveis.”.
No que consiste o princípio da integração entre a lei de ação civil pública e o Código de Defesa do Consumidor?
É muito forte a tendência de se considerar todas as normas que dispõem sobre processos coletivos como integrantes de um único arcabouço, íntegro e harmônico, denominado microssistema de processo coletivo.
Dentre os diplomas mais importantes integrantes desse microssistema, estão justamente a LACP e o CDC, por serem aquelas leis que possuem mais previsões genéricas (podemos também dizer que o integram a Lei de Ação Popular, do Mandado de Segurança Coletivo, dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso, a Lei de Improbidade Administrativa etc.).
A ideia de microssistema é justamente de completude, a fim de que eventuais lacunas em uma norma sejam supridas por previsão de outra.
Especificamente em relação à LACP e ao CDC, há dispositivo específico na LACP – art. 21 - indicando a aplicação das normas do Título III do CDC (Da Defesa do Consumidor em Juízo) à
defesa em geral dos direitos coletivos, e há norma no CDC – art. 90 - prevendo a aplicação subsidiária da LACP às ações que envolvam a defesa do consumidor.
LACP, art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.
CDC, art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei n. 7.347/1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições.
No que consistem os interesses difusos, os interesses coletivos e os interesses individuais homogêneos?
“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”.
Qual o rol de matérias e interesses que podem ser veiculados por ação civil pública?
De acordo com o art. 1º da LACP:
“Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
I – ao meio ambiente;
II – ao consumidor;
III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;
V – por infração da ordem econômica;
VI – à ordem urbanística;
VII – à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos;
VIII – ao patrimônio público e social.”.
O inciso mais importante, sem dúvida, é o IV, cuja redação foi dada pela Lei n. 8.078/90 (o CDC). Isso porque, antes dessa alterção legislativa, muito se debatia quanto à taxatividade ou não dos bens jurídicos que poderiam ser defendidos em sede de Ação Civil Pública. Com a atual redação do inciso IV deixou-se claro que o referido rol é meramente exemplificativo ou numerus apertus.
a despeito de a redação do mencionado inciso referir-se expressamente tão somente a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, deve-se incluir também os direitos individuais homogêneos, notadamente em razão do princípio da integração entre LACP e CDC.
Quais direitos e interesses não são tuteláveis por ação civil pública?
De acordo com o parágrafo único do art. 1º da LACP:
“Art. 1º. (…)
Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.”.
- Contribuições previdenciárias e questões tributárias: pode-se dizer que a vedação gira em torno de dois argumentos centrais: (i) O MP não era legitimado para agir em favor de contribuintes; (ii) eventual procedência da ação significaria verdadeira retirada de eficácia da norma tributária, com efeito erga omnes, substituindo, assim, uma ação direta de inconstitucionalidade e usurpando a competência dos tribunais competentes (ex. STF) para decidir sobre controle concentrado de constitucionalidade.
- Há uma situação diferente em que o STF admite a legitimidade do MP. Trata-se da situação em que se visa anular acordo que conceda benefício fiscal a determinada empresa. Aqui, a despeito de haver uma questão tributária de fundo, o Ministério Público não está a defender interesse direto de contribuintes, e, sim, o patrimônio público (arrecadação tributária) e a higidez da concessão de benefícios fiscais.
“(…)
III - O Parquet tem legitimidade para propor ação civil pública com o objetivo de anular Termo de Acordo de Regime Especial - TARE, em face da legitimação ad causam que o texto constitucional lhe confere para defender o erário.
IV - Não se aplica à hipótese o parágrafo único do artigo 1º da Lei 7.347/1985.
V - Recurso extraordinário provido para que o TJ/DF decida a questão de fundo proposta na ação civil pública conforme entender” (RE 576.155/DF, Pleno, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, j. em 12/08/2010).
- FGTS: a despeito da clareza do dispositivo legal, recentemente (ano de 2019), o STF, no RE 643.978, julgado pelo Tribunal Pleno sob o regime de repercussão geral, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, julgado em 09/10/2019, decidiu pela legitimidade ativa do MP para ajuizar ACP em face da Caixa Econômica Federal no tocante ao modelo organizacional dispensado ao FGTS (no que se refere à unificação das contas fundiárias dos trabalhadores).
Ressalte-se que não é que o STF tenha negado vigência ao aludido parágrafo único do art. 1º da LACP, e sim que adotou um temperamento, por entender que a questão concreta envolvia um direito com forte conotação social e expressiva envergadura social.
A tese de repercussão geral do julgado foi a seguinte: o Ministério Público tem legitimidade para a propositura de ação civil pública em defesa de direitos sociais relacionados ao FGTS. (RE 643.978, PLENO, Repercussão Geral, Rel. Ministro Alexandre de Moraes, j. em 09/10/2019, publicado em 25/10/2019).
Como é definida a competência na tutela dos interesses difusos e coletivos?
A competência de foro ou territorial é prevista tanto no art. 2º da LACP como no art. 93 do CDC. De acordo com a ideia de microssistema de processo coletivo e do princípio da integração LACP/CDC, sãos tranquilas a doutrina e a jurisprudência no sentido de que o art. 93 do CDC aplica-se às ações civis públicas e não somente àquelas para tutelar direitos individuais homogêneos, como também direitos difusos e coletivos.
“Art. 2º. As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.
Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.
Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:
I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;
II – no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.”.
Competência funcional: aqui, a LACP trouxe uma espécie de competência territorial (ratione loci) diferenciada, pois é funcional e, como tal, competência de natureza absoluta (e não relativa, como normalmente é a competência de foro). Tratando-se de competência absoluta, há algumas consequências práticas dignas de nota, como a possibilidade de ser declinada de ofício pelo magistrado e a impossibilidade de alteração por livre vontade das partes (improrrogabilidade).
STF e STJ têm chancelado a natureza de competência territorial e funcional da norma prevista no art. 2º da LACP, inclusive para a tutela de direitos individuais homogêneos.
Qual a natureza da legitimidade ativa nas ações coletivas?
Trata-se como regra de legitimação extraordinária por substituição processual, eis que o legitimado atua em nome próprio para a defesa de direito alheio e propõe a ação isoladamente, sem litisconsórcio com o suposto titular do direito material que se quer tutelar. Essa é a posição mais aceita na doutrina atual e na
jurisprudência.
A doutrina aponta as características da legitimidade ativa, em especial:
a) Exclusividade – os legitimados ativos são apenas aqueles previstos expressamente pela lei.
b) Concorrente (expressamente prevista no caput do art. 82 do CDC) – há uma concomitância de legitimados ativos e a atuação de um não exclui a dos demais.
Qualquer deles poderá propor ação coletiva, assim como poderá (caso não tenha proposto a ação) ingressar no feito como litisconsorte ativo ulterior.
c) Disjuntiva – cada colegitimado pode agir sozinho, caso queira. O litisconsórcio com qualquer outro colegitimado é facultativo (como permite a LACP), não sendo necessário o ajuizamento conjunto.
A legitimidade ativa para a propositura de ACP deve ser vista a partir da leitura integrada dos arts. 5º da LACP com o art. 82 do CDC, que assim estabelecem:
“Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I – o Ministério Público;
II – a Defensoria Pública;
III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
V – a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:
I - o Ministério Público;
II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;
IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.
§ 1º O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.
§ 2º (Vetado).
§ 3º (Vetado).”.
O Ministério Público, enquanto legitimado ativo, deve demonstrar a pertinência temática de sua atuação?
Não se exige do Ministério Público pertinência temática, ou seja, não há exigência de que só possa defender direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos relacionados a um determinado tema; está autorizado à defesa de direitos transindividuais de qualquer temática, incluída a consumerista.
O Ministério Público detém legitimidade ativa para a tutela de interesses individuais homogêneos?
- O STJ firmou o entendimento de que o MP tem legitimidade para propor ACP com o propósito de velar por direitos difusos e, também, direitos individuais dos consumidores, ainda que disponíveis. Nesse sentido, em 2018, foi editada a Súmula 601.
“Súmula 601 do STJ. O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviço público.”.
- O STJ, por sua Corte Especial, decidiu que o MP possui legitimidade ativa para postular em juízo a defesa de direitos transindividuais de consumidores que celebram contratos de compra e venda de imóveis com cláusulas pretensamente abusivas:
“Daí porque se firmou a compreensão de que, para haver legitimidade ativa do Ministério Público para a defesa de direitos transindividuais não é preciso que se trate de direitos indisponíveis, havendo de se verificar, isso sim, se há “interesse social” (expressão contida no art. 127 da Constituição) capaz de autorizar a legitimidade do Ministério Público. (Rel. Min. Benedito EREsp 1.378.938-SP Gonçalves, por unanimidade, julgado em 20/06/2018, DJe 27/06/2018 – Informativo 629).
O Ministério Público Federal possui legitimidade para propor ação civil pública a fim de debater a cobrança de encargos bancários supostamente abusivos praticados por instituições financeiras privadas. REsp 1.573.723-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 10/12/2019, DJe 13/12/2019, Informativo 662, 2020).
STF: No STF, no ano de 2018, há um Informativo da Suprema Corte que traz situação em que foi afirmada a legitimidade ativa do Ministério Público para a defesa de direitos individuais homogêneos:
O Ministério Público é parte legítima para ajuizamento de ação civil pública que vise o fornecimento de remédios a portadores de certa doença. (Info 911, Plenário, RE 605533/MG, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 15.8.2018).
A Defensoria Pública, como legitimada ativa na tutela dos interesses difusos e coletivos, deve demonstrar pertinência temática de sua atuação?
A doutrina majoritária entende que também não se exige demonstração de pertinência temática por parte da Defensoria Pública, ou seja, a sua atuação não está limitada à defesa de um ou alguns temas específicos. Destaque-se que há, todavia, uma limitação constitucional e legal à sua atuação, qual seja: a defesa dos necessitados.
Cumpre, então, saber qual o atual significado do termo “necessitados”, a fim de legitimar a atuação da Defensoria Pública. Mais especificamente, há de se saber se alcançam apenas os necessitados financeiramente (ou seja, os hipossuficientes de recursos financeiros), ou se o
termo abrange outros tipos de necessidade.
Após uma posição inicial restritiva, o STJ, por sua Corte Especial, reinterpretou o conceito de “necessitados”, não o limitando aos carentes de recursos econômicos, mas estendendo-o aos juridicamente necessitados (ou “hipervulneráveis”), isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras. No caso concreto, admitiu a legitimidade da Defensoria para: “promover ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores idosos que tiveram plano de saúde reajustado em razão da mudança de faixa etária, ainda que os titulares não sejam carentes de recursos econômicos” EREsp 1.192.577/RS, Corte Especial, rel. Min. Laurita Vaz, j. 21.10.2015, DJe 13.11.2015).
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios precisam demonstrar pertinência temática?
Os entes da Administração Direta não precisam demonstrar pertinência temática, de modo que eles não estão limitados à defesa, em ação coletiva, de um determinado tema. Neste sentido:
Informativo 626 do STJ. Município tem legitimidade ad causam para ajuizar Ação Civil Pública em defesa de direitos consumeristas questionando a cobrança de tarifas bancárias.
“(…) no que se refere especificamente à defesa de interesses individuais homogêneos dos consumidores, o Município é o ente político que terá maior contato com as eventuais lesões cometidas contra esses interesses, pois, conforme afirma a doutrina, “será no Município que esses fatos ensejadores da ação civil pública se farão sentir com maior intensidade […] em face da proximidade, da imediatidade entre ele e seus munícipes” REsp 1.509.586-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 15/05/2018, DJe 18/05/2018).
A autarquia, a empresa pública, a fundação ou a sociedade de economia mista precisam demonstrar pertinência temática?
Ao contrário dos entes federativos, os entes da Administração Indireta precisam demonstrar pertinência temática, ou seja, deverão demonstrar um interesse direto, relacionado às suas finalidades (até porque o princípio da especialidade rege essas entidades, conforme art. 37, XIX e XX, da Constituição Federal).