Concurso de pessoas Flashcards
Domínio do fato
Caso concreto: a ré, sócia-proprietária da empresa, foi acusada de suprimir, dolosamente,
ICMS, no montante de R$ 600 mil, fraudando a fiscalização tributária por meio de inserção de
elementos inexatos e omissão de operação em documentos exigidos pela lei fiscal. A
imputação foi baseada unicamente na teoria do domínio do fato. Afirmou-se que é autor do
delito aquele que detém o domínio da conduta, ou seja, o domínio final da ação. Logo, é autor
aquele que decide se o fato delituoso vai acontecer ou não, independentemente dessa pessoa
ter ou não realizado a conduta material de inserir elemento inexato em documento exigido
pela lei fiscal, por exemplo.
O STJ não concordou com a imputação.
A teoria do domínio do fato funciona como uma ratio, a qual é insuficiente, por si só, para aferir
a existência do nexo de causalidade entre o crime e o agente. É equivocado afirmar que um
indivíduo é autor porque detém o domínio do fato se, no plano intermediário ligado à
realidade, não há nenhuma circunstância que estabeleça o nexo entre sua conduta e o
resultado lesivo.
Não há como considerar, com base na teoria do domínio do fato, que a posição de gestor,
diretor ou sócio administrador de uma empresa implica a presunção de que houve a
participação no delito, se não houver, no plano fático-probatório, alguma circunstância que o
vincule à prática delitiva.
Em decorrência disso, também não é correto, no âmbito da imputação da responsabilidade
penal, partir da premissa ligada à forma societária, ao número de sócios ou ao porte
apresentado pela empresa para se presumir a autoria, sobretudo porque nem sempre as
decisões tomadas por gestor de uma sociedade empresária ou pelo empresário individual, - seja
ela qual for e de que forma esteja constituída -implicam o absoluto conhecimento e aquiescência
com os trâmites burocráticos subjacentes, os quais, não raro, são delegados a terceiros.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.854.893-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 08/09/2020 (Info 681)
situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:
Elisa, sócia-proprietária de uma empresa, foi acusada de suprimir, dolosamente, ICMS, no montante de
R$ 600 mil, fraudando a fiscalização tributária por meio de inserção de elementos inexatos e omissão de
operação em documentos exigidos pela lei fiscal.
Logo, foi denunciada pela suposta prática do crime previsto no art. 1º, II, da Lei nº 8.137/90.
A imputação foi baseada unicamente na teoria do domínio do fato.
O Ministério Público afirmou que é autor do delito aquele que detém o domínio da conduta, ou seja, o
domínio final da ação. Logo, é autor do crime aquele que decide se o fato delituoso vai acontecer ou não.
Assim, Elisa seria autora do crime porque mesmo não tendo realizado a conduta material de inserir
elemento inexato em documento exigido pela lei fiscal, ela tinha domínio sobre a situação e tirou proveito
econômico das infrações que beneficiaram a empresa.
O STJ concordou com a imputação?
NÃO. Vamos entender com calma.
Autoria
O Código Penal prevê que todo aquele que concorre para o crime é considerado autor (art. 29, caput),
ainda que a sua participação seja de menor importância (art. 29, § 1º). No entanto, há situações nas quais
o intérprete lança mão da teoria do domínio do fato com a finalidade de presumir autoria.
Não basta ser administrador para ser punido com base na teoria do domínio do fato
O conceito de “domínio do fato” ou “domínio final do fato” não se satisfaz com a simples referência à
posição do indivíduo como administrador ou gestor (de fato ou previsto no contrato social da empresa).
Em outras palavras, o fato de a pessoa ser administradora da empresa não é motivo, por si só, para que
se possa atribuir a responsabilidade penal pela prática de crime tributário.
Considerações sobre a teoria do domínio do fato
Foi com Hans Welzel, em 1939, que surgiu uma teoria do domínio do fato como critério de delimitação de
autoria e que dependeria de dois pressupostos:
a) os pessoais, decorrentes da estrutura do tipo, e o
b) fático, ligado ao domínio final do fato (o autor seria o senhor da decisão e da execução de sua vontade
final).
O domínio do fato, em sua concepção, portanto, compunha as espécies de autoria ou coautoria (direta ou
mediata).
Todavia, é com Claus Roxin que a teoria do domínio do fato ganhou sua expressão mais acabada. Mais do
que um aperfeiçoamento, Roxin construiu uma nova teoria do domínio do fato.
Enquanto para Welzel a teoria do domínio do fato seria um pressuposto (requisito) material para
determinação da autoria, para Roxin essa teoria consistiria em um critério para delimitação do papel do
agente na prática delitiva (como autor ou partícipe). Assim, para Roxin, a teoria representou uma forma
de distinguir autor de partícipe. Roxin não utilizou a teoria para encontrar responsabilidade penal onde
ela não existe. Usou apenas para diferenciar o papel desempenhado por cada agente no delito.
Para Roxin, a teoria do domínio do fato se manifestava de três maneiras:
a) domínio da ação: nas hipóteses em que o agente realiza, por sua própria pessoa, todos os elementos
estruturais do crime (autoria imediata);
b) domínio da vontade: na qual um terceiro funciona como instrumento do crime (autoria mediata); e
c) domínio funcional do fato: que trata da ação coordenada, com divisão de tarefas, por pelo menos mais
uma pessoa. Assim, cada pessoa tem uma “função” no plano criminoso.
Essa teoria é insuficiente para se aferir a existência de nexo de causalidade entre o crime o agente
Observa-se, portanto, que a teoria do domínio do fato funciona como uma ratio, a qual é insuficiente, por
si só, para aferir a existência do nexo de causalidade entre o crime e o agente.
É equivocado afirmar que um indivíduo é autor porque detém o domínio do fato se, na prática, não há
nenhuma circunstância que estabeleça o nexo entre sua conduta e o resultado lesivo.
É necessária a comprovação da existência de um plano delituoso comum ou de alguma contribuição que
essa pessoa tenha dado para a ocorrência do fato criminoso.
Não há como considerar, com base na teoria do domínio do fato, que a posição de gestor, diretor ou sócio
administrador de uma empresa implica a presunção de que houve a participação no delito, se não houver,
no plano fático-probatório, alguma circunstância que o vincule à prática delitiva.
A teoria do domínio do fato, seja sob a concepção de Welzel, seja sob a de Roxin, não permite,
isoladamente, que se faça uma acusação pela prática de crime tributário – aliás, de qualquer crime –, eis
que a imputação deve ser acompanhada da devida descrição, no plano fático, do nexo de causalidade
entre a conduta e o resultado delituoso.
“A teoria do domínio do fato não tem lugar para colmatar a falta de substrato probatório da autoria
delitiva” (STF. AP n. 987/MG, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 8/3/2019).
Em decorrência disso, também não é correto, no âmbito da imputação da responsabilidade penal, partir
da premissa ligada à forma societária, ao número de sócios ou ao porte apresentado pela empresa para
se presumir a autoria, sobretudo porque nem sempre as decisões tomadas por gestor de uma sociedade
empresária ou pelo empresário individual, - seja ela qual for e de que forma esteja constituída - implicam
o absoluto conhecimento e aquiescência com os trâmites burocráticos subjacentes, os quais, não raro, são
delegados a terceiros.
Caso concreto
O fato de a ré ocupar a posição de administradora da empresa não significa, por si só, que haja concorrido
para a prática do delito.
A teoria do domínio do fato não serve de fundamento para imputar a autoria se não houver, no plano
fático-probatório, alguma circunstância que a vincule à prática delitiva.
Segundo os autos, a ré assumiu a propriedade da empresa em virtude do súbito falecimento de seu
cônjuge. Norteada pela pouca experiência para a condução dos negócios, delegou as questões tributárias
aos gerentes com conhecimento técnico especializado, bem como a empresas de consultoria.
Em suma:
A teoria do domínio do fato não permite, isoladamente, que se faça uma acusação pela prática de
qualquer crime, eis que a imputação deve ser acompanhada da devida descrição, no plano fático, do
nexo de causalidade entre a conduta e o resultado delituoso.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.854.893-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 08/09/2020 (Info 681).
Domínio do fato - STF
A teoria do domínio do fato não permite que a mera posição de um agente na escala
hierárquica sirva para demonstrar ou reforçar o dolo da conduta.
Do mesmo modo, também não permite a condenação de um agente com base em conjecturas.
Assim, não é porque houve irregularidade em uma licitação estadual que o Governador tenha
que ser condenado criminalmente por isso.
STF. 2ª Turma. AP 975/AL, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 3/10/2017 (Info 880).
Coautoria e inimputáveis
HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. CONCURSO DE PESSOAS. COAUTORIA COM INIMPUTÁVEL. MAJORANTE CONFIGURADA. PENAL. ART. 1º DA LEI N. 2.252/1954. CORRUPÇÃO DE MENORES. NATUREZA FORMAL DO DELITO. MENOR ANTERIORMENTE CORROMPIDO. IRRELEVÂNCIA.
1. O fato de o roubo ter sido praticado junto com agente inimputável não afasta a causa de aumento referente ao concurso de pessoas.
(…)
3. Ordem denegada” (HC 150849 DF, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, 16 de Agosto de 2011).
Motorista de carro e concurso de pessoas
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO PELO RESULTADO MORTE. EXAME MINUCIOSO DE PROVAS. CONFIGURAÇÃO TÍPICA. PARTICIPAÇÃO DE SOMENOS. COOPERAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA.I ? Na via do writ não é permitido o minucioso cotejo do material de conhecimento.II ? O roubo qualificado pelo resultado morte (art. 157 § 3º, in fine do C.P.) se configura tanto na forma integralmente dolosa (tipo congruente), como na forma preterdolosa (tipo incongruente por excesso objetivo).III ? A participação de somenos (§ 1º do art. 29 do C.P.) não se confunde com a mera participação menos importante (caput do art. 29 do C.P.). Não se trata, no § 1º, de “menos importante”, decorrente de simples comparação, mas, isto sim, de “menor importância” ou, como dizem, “apoucada relevância”. (Precedente do STJ).IV ? O motorista que, combinando a prática do roubo com arma de fogo contra caminhoneiro, leva os co-autores ao local do delito e, ali, os aguarda para fazer as vezes de batedor ou, então, para auxiliar na eventual fuga, realiza com a sua conduta o quadro que, na dicção da doutrina hodierna, se denomina de co-autoria funcional.Writ denegado.
STJ. HC 20819 / MS. RELATOR: Ministro FELIX FISCHER (1109). ÓRGÃO JULGADOR: T5 - QUINTA TURMA. DATA DO JULGAMENTO: 02/05/2002. DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTEDJ 03/06/2002.