Apendicite Flashcards
“ … Os médicos devem ter em conta que, sob o ponto de vista prático, a tiflite*, a ____ e o abscesso _____ significam inflamação do apêndice vermiforme; que o principal perigo desta doença é a perfuração; que na grande maioria dos casos a perfuração produz uma peritonite perfurada circunscrita**, que tende a se generalizar***; que a luz dos nossos conhecimentos atuais, o tratamento cirúrgico desta lesão constitui a melhor garantia de vida e saúde futura do doente e que a evolução da doença requer ser observada com o bisturi na mão.” Reginald Fitz, (1886).
“ … Os médicos devem ter em conta que, sob o ponto de vista prático, a tiflite*, a peritiflite e o abscesso peritiflítico significam inflamação do apêndice vermiforme; que o principal perigo desta doença é a perfuração; que na grande maioria dos casos a perfuração produz uma peritonite perfurada circunscrita**, que tende a se generalizar***; que a luz dos nossos conhecimentos atuais, o tratamento cirúrgico desta lesão constitui a melhor garantia de vida e saúde futura do doente e que a evolução da doença requer ser observada com o bisturi na mão.” Reginald Fitz, (1886).
* Tifo significa ceco. Antigamente, os médicos acreditavam que a apendicite era uma inflamação do ceco. Esse médico supracitado mudou o paradigma de achar que a inflamação era do ceco, quando na verdade era no apêndice.
** A apêndice na maioria das vezes forma um plastrão na FID, o órgão chamado omento tem tropismo de ir até o apêndice e bloquear a necrose que está ocorrendo.
*** Único erro da frase. A apendicite não tende a se generalizar. Ou ela começa perfurada, gerando clínica de peritonite difusa ou produz uma peritonite circunscrita/local, gerando dor, defesa, contratura e DBD + no quadrante inferior direito e sinal de Blumberg +. A apendicite aguda circunscrita não tende a se generalizar, porque o processo inflamatório fica bloqueado pelo omento, o máximo que pode acontecer é um abscesso local.
Intro/EPD
A apendicite aguda tem uma incidência de 7%, sendo muito frequente.
Ocorre especialmente na faixa etária de 10 - 30 anos, correspondendo a 75% dos casos.
Responsável por 60% dos abdomes agudos, sem predileção por gênero.
Nos extremos de idades o diagnóstico é muito difícil, na criança porque ela não fala, só chora e nos idosos porque eles não fazem leucocitose, não fazem reação peritoneal, ou seja, eles têm dificuldade de apresentar dor, defesa, contratura e DBD +.
A mortalidade não é desprezível, no apêndice não perfurado atinge 0,5% e no apêndice perfurado 2,5%.
Diante disso, toda criança de 15 anos que começa com dor abdominal em cólica (dor visceral) e que 8-12horas depois essa dor adquire o caráter migratório para FID e se estabelecem sinais de dor (dor parietal), defesa, contratura e descompressão brusca e dolorosa positiva, se for homem é apendicite aguda.
Anatomia
A ponta do apêndice pode se situar em qualquer lugar da cavidade abdominal, tornando a doença pleomórfica.
Na grande maioria das vezes situa-se na fossa ilíaca direita (70-80% das vezes), mas pode situar-se na pelve e simular as doenças ginecológicas, como também pode ser subcecal, retrocecal, retroileal, sub-hepático e pode ser dentro de uma hérnia inguinal (nesse caso recebe o nome de hérnia de amyand).
Além disso, pode situar-se em cima da bexiga e simular sinais de cistite.
De acordo com a anatomia, a base do apêndice está sempre no mesmo lugar, situada na junção das três tênias colônicas e na bissetriz do ângulo formado entre o íleo terminal e o ceco está situado o apêndice.
Retrocecal - Pélvico - Retroileal - Sub-hepático - FIE - Hérnia Inguinall
A imagem acima ilustra um apêndice retrocecal, retroperitoneal e subseroso. Se essa apendicite de ponta começa a doer na região lombar, pode mudar a característica da clínica e simular uma doença renoureteral. Essa é a localização mais difícil para se fazer o diagnóstico.
ETLG
Antes de abordar a etiologia, é importante explicar que o apêndice tem uma funcionalidade.
Na criança, o apêndice é um órgão bursa-dependente ou timoindependente e tem função semelhante a amígdala no sistema adenoideano, ou seja, é produtor de imunoglobulinas.
No adulto, o apêndice funciona como depósito da flora intestinal normal, se por exemplo, o indivíduo toma antibiótico e esteriliza a flora intestinal, o apêndice recoloniza a microbiota, especialmente as bactérias saprófitas.
A causa de apendicite aguda na criança é diferente do adulto.
Na criança é secundária a hiperplasia linfoide (ocorreu um estímulo viral, por exemplo, IVAS → 1 semana depois a criança começa com dor periumbilical e sinais de irritação peritoneal → o que ocorreu foi que as placas de Peyer – órgãos linfoides da submucosa do apêndice – se hipertrofiaram em resposta a esse estímulo viral e causam uma semi-oclusão ou oclusão do apêndice vermiforme).
No adulto, não é a mesma etiologia, porque as placas de Peyer do apêndice atrofiam por volta dos 20 anos de idade. No adulto, a principal etiologia é fecalito ou apendicolito, fragmento de fezes espesso, extremamente endurecido, que simula uma pedra, adentra a luz apendicular e obstrui a luz apendicular.
Outras possíveis causas são: Tumores (por exemplo, tumor da vertente do ceco), sementes, vermes, Yersinia Enterocolitica.
Todas essas possibilidades possuem a mesma fisiopatologia, que é a obstrução do óstio apendicular.
FPat
Com a alimentação ocidental, as fezes se tornaram mais endurecidas, logo há fragmentos fecais endurecidos na luz cecal.
Por algum estímulo ainda não explicado, um fragmento fecal, chamado fecalito ou apendicolito, adentra a luz apendicular, que é muito estreita.
Com isso, passa a ter uma obstrução em alça fechada, porque a ponta do apêndice é fechada.
A obstrução em alça fechada é o fator de predição mais importante de que essa alça entrará em necrose.
O apêndice começará a contrair para tentar devolver ao ceco esse fragmento, se ele conseguir, a apendicite aguda será abortada; caso ele não consiga, gera dentro do apêndice um aumento da pressão intraluminal, não deixa mais o fluxo de muco ir para o ceco e as bactérias que habitam o apêndice se multiplicam e transformam o muco em pus.
Essas bactérias sequencialmente invadem as paredes do apêndice, até que o processo inflamatório atinge a serosa.
Então na primeira fase da apendicite aguda, a dor é intensa, mal localizada, que perdura por 6-12h, característica de dor visceral, periumbilical e simula uma cólica, é a fase em que o apêndice está contraindo para tentar devolver ao ceco os fecalitos.
Os fecalitos que não conseguiram ser devolvidos determinam um processo obstrutivo no apêndice e faz com que o processo de normória se transforme em disória**. Nesse momento, a dor que era visceral se localiza passando a ser dor parietal no momento em que o processo inflamatório chega na parede do apêndice, a dor se torna somática e se torna um ponto doloroso, produzindo uma peritonite circunscrita. Além disso, se associa os sinais comemorativos de um abdome agudo cirúrgico.
** O processo de normória é o fato do organismo produzir 12 litros de líquido e ter a capacidade de absorver completamente e só eliminar de 200 a 300 ml de água nas fezes. No processo de disória, como acontece numa enterocolite ou na apendicite, a lesão que ocorreu na microvilosidade intestinal faz com que o epitélio perca a capacidade de absorção dos 12 litros e além disso comece a secretar líquido, causando muita diarreia.
Na apendicite, o apêndice perde a capacidade de absorver líquido pela perda da integridade mucosa, produz mais muco, mais secreção, os espasmos aumentam a pressão, as bactérias se multiplicam e o que estava dentro invade a parede.
Obstrução em alça fechada, multiplicação bacteriana e disória são causados por uma série de eventos.
Primeiro ocorre distensão intraluminal, invasão da bactéria na parede e o aumento de pressão intraluminal compromete sequencialmente o retorno venoso.
Se ocorrer obstrução arterial, evolui para necrose, que evolui para perfuração.
Na maioria das vezes produz uma peritonite aguda circunscrita.
A partir da perfuração há dois caminhos: bloqueio pelo omento (peritonite localizada – Blumberg positivo e sinais de irritação peritoneal no QID) ou perfuração em cavidade livre (fezes dentro da cavidade abdominal → peritonite difusa → distensão abdominal, dor abdominal difusa e sinais de irritação peritoneal nos quatro quadrantes).
bloquei-abscesso
Clínica
Primeira fase: Dor visceral – epigástrica, periumbilical, difusa, não localizada, intensa, perdura 6 - 12h. Corresponde a fase de espasmo do apêndice.
Segunda fase: Dor parietal – dor somática carreada pelos últimos nervos intercostais, localizada, menos intensa, piora com movimentação “sinal do quebramolas”. Fase em que o processo inflamatório atingiu o peritôneo.
Em 60-70% dos casos, a clínica é típica, dor que começa na região periumbilical e assume caráter migratório para FID. Hipersensibilidade, contratura e defesa na FID, o restante dos quadrantes estão livres.
Sinais de reação peritoneal: Blumberg e Dunphy (colocar o paciente em decúbito dorsal e pedir para ele tossir forte, quando ele tosse, ele aponta o local da dor no ponto de McBurney), tumor inflamatório na FID.
O diagnóstico é mais simples em homens, porque na mulher pode ter doenças nos órgãos ginecológicos que simulam abdome agudo.
Além disso, outra clínica possível é o aparecimento de sinais de peritonite difusa, perfurou a cavidade abdominal e gerou uma peritonite fecal.
Também pode ocorrer sinais de obstrução intestinal quando o apêndice estrangula o íleo terminal, mas isso é raro.
Pode faltar: sinal do psoas, sinal do obiturador, Rovsing, vômitos, febre, leucocitose, bastonedose.
Pode faltar tudo, só não pode faltar dor, defesa, contratura e DBD +.
Obs: atualmente, nem todos as apendicites diagnosticadas são operadas, depende do grau.
DG e ExC
Laboratório: PCR (significa aumento do processo inflamatório), leucograma, ß-hcg quantitativo, piócitos (20)**, amilase, bilirrubina e procalcitonina (essas duas últimas são importantes para prognóstico).
** Apendicite Aguda dá piúria, mas existe um limite de 20 piócitos/campo, se tiver mais de 20 piócitos/campo, o médico está autorizado a tratar infecção urinária. Nesse último caso, deve-se monitorar o paciente e pedir que ele volte após 48 horas para ser reavaliado, nesse período a dor tem que acabar ou melhorar muito, se persistir tem que pensar em abdome agudo.
Se o quadro é típico, não há necessidade de pedir USG. O tratamento específico pode ser laparoscopia ou laparotomia e a escolha desses métodos depende da experiência do cirurgião e da disponibilidade dos métodos, contudo, a primeira opção atualmente é laparoscopia nas duas formas de apendicite aguda (complicada e não-complicada).
Se o diagnóstico gerou dúvida, é indicado fazer ecografia abdominal ou USG, especialmente em mulheres. Na mulher, o USG é imperativo pela complexidade da anatomia feminina.
Se ainda persistir a dúvida, pode ser solicitado uma tomografia, contudo se a mulher estiver grávida, opta-se pela ressonância.
Se esses últimos exames forem inconclusivos, faz a laparoscopia.
Se o USG, TC ou RNM forem normais, mas a dor persistir por mais de 48 horas, também é indicado realizar a laparoscopia.
Ultrassom: Sensibilidade de 85-90% e especificidade de 92-96% em centros de referência, esses valores não são encontrados em todos os locais. É operador-dependente, não invasivo, disponível em qualquer lugar. É melhor para pacientes magros (IMC menor); é positivo quando o apêndice está acima de 6 mm. A imagem da apendicite aguda é tubuliforme com apendicolito no interior.
Tomografia Computadorizada: melhor para pacientes com IMC maior e para os casos atípicos, especialmente quando tem complicação ou suspeita de complicação, como abscessos e perfuração. Quando tem plastrão na FID, é obrigatório fazer TC e nessa mostrará a forma flegmonosa da apendicite aguda (tumor inflamatório na FID - flegmão). No passado, todas os pacientes que apresentavam a forma flegmonosa eram operados e muitas vezes era necessário fazer uma ileocolectomia, tendo que retirar quase metade do intestino; hoje em dia sabe-se que esse caso é o mais indicado de tratamento não operatório, porque o organismo bloqueou a inflamação, a opção é antibioticoterapia e o processo inflamatório regride totalmente, exceto nos casos em que o paciente já tem disfunção orgânica. Se tiver pelo menos uma disfunção orgânica, já é indicado cirurgia.
Nos pacientes acima de 40 anos, é indicado fazer uma colonoscopia pela possibilidade de um tumor de ceco ter sido a causa da apendicite. A TC tem o risco do contraste, possui alta sensibilidade e especifidade. Raramente a TC gera dúvida na apendicite aguda.
TTO
• Tratamento não-operatório: ideal para fase de flegmão ou plastrão, em que o apêndice é classificado como tumor inflamatório.
• Tratamento operatório:
- Laparotomia: Incisões mais utilizadas: incisão de McCarthur (3), incisão de Davis (10) e laparotomia mediada (2), essa última utilizada para peritonite difusa. Às vezes, alguns cirurgiões fazem a incisão 9 para não deixar muita cicatriz, mas não é muito indicado, porque se for um apêndice retrocecal no QSD, o cirurgião não alcançará o apêndice.
- Laparoscopia: mais usada.
Não usa antibiótico, nem antiinflamatório na primeira fase da apendicite aguda, deve-se apenas acompanhar o paciente e tirar a dor dele.
Reexamina o paciente no outro dia, 3 coisas pode acontecer:
1) abortar o processo inflamatório;
2) diarreia a noite toda – tem que operar;
3) dor melhorou, mas quando tinha alguma trepidação, por exemplo, passava num buraco, a dor piorava – opera também.
O adiamento cirúrgico da apendicite aguda em 24 horas não altera o resultado, exceto quando tem peritonite difusa.
Graduação
Grau 0: apêndice com aparência normal
Grau 1: apêndice inflamado
Grau 2: Necrose, mas ainda não tem pus
a- Não atinge a base (fácil de tratar, só colocar um clipe)
b- Atinge a base (endogrampeador ou sutura laparoscópica)
Grau 3: Tumor Inflamatório
a- Flegmão (tratamento de eleição é não operatório)
b- Flegmão com abscesso < 4 cm (tratamento não-operatório desde que não tenha disfunção orgânica)
c- Abscesso > 4 cm (faz punção percutânea para drenar o abscesso e depois trata clinicamente. Se dentro de 48 horas o paciente não melhorar ou se advir disfunção orgânica, esse paciente deve ser operado).
Grau 4: Peritonite Difusa – responsável pela maior morbimortalidade da apendicite aguda.
Essa é uma estratificação proposta pelo professor Caxião para comparar laparotomia com laparoscopia em cada grau de apendicite. Ao final do estudo proposto por ele (ainda não concluído), se chegar a conclusão que em todos os graus a cirurgia de apendicite por laparoscopia é padrão-ouro, será validado tratamento da apendicite aguda no mundo.
Complicações cirurgicas
- Laparotomia: complicação mais comum é infecção sitio cirúrgico superficial. Outras complicações que podem ocorrer: abscesso residual, deiscência de aponeurose, sangramento, fístula estercoral (coto apendicular), obstrução intestinal, sepse (abscesso hepático - pileflebite).
- Laparoscopia: a complicação mais comum é infecção sitio cirúrgico intraabdominal.
Pontos importantes