Anemias Hemolíticas Flashcards
Como é a passagem das hemácias pelo baço?
O sangue penetra no parênquima esplênico pelas arteríolas centrais, quando entra em contato com a chamada “polpa branca” – uma verdadeira bainha de tecido linfoide, contendo linfócitos B e T. Os ramos da arteríola central desaguam diretamente no interstício (cordões esplênicos de Bilroth), na chamada “polpa vermelha”. Para retornar à circulação, as células hematológicas precisam passar através de “fendas” endoteliais nos sinusoides esplênicos. Os sinusoides então convergem para o sistema venoso do órgão. As fendas sinusoidais têm um diâmetro de apenas 2-3 micra, enquanto as hemácias possuem diâmetro médio de 8 micra. Ou seja, só poderão passar pela fenda as hemácias capazes de se deformar. Para isso, precisam manter suas propriedades viscoelásticas e o formato bicôncavo, o que garante uma área de superfície proporcionalmente maior do que o seu volume.
Como são destruídas as hemácias no baço?
Durante a passagem pelos cordões esplênicos,
as hemácias encontram um ambiente “hostil”, marcado pela hipóxia, acidez e grande quantidade de macrófagos capazes de reconhecer qualquer anormalidade na membrana eritrocítica.
Os macrófagos esplênicos podem fagocitar “pedacinhos” de hemácia, retirando resíduos nucleares (corpúsculos de Howell- -Jolly), hemoglobina desnaturada (corpúsculos de Heinz) e pigmentos férricos (corpúsculos de Peppenheimer). Ou então, fagocitam a hemácia “inteira”, removendo-a da circulação.
São removidas apenas as hemácias senescentes (com 120 dias) e patológicas. Essa função seletiva que o baço exerce durante a passagem de células hematológicas pelo seu interior é denominada hemocaterese.
Destruição normal dos eritrócitos
A destruição dos eritrócitos geralmente ocorre depois de uma sobrevida média de 120 dias, quando as células são removidas extravascularmente pelos macrófagos do sistema reticuloendotelial (RE), sobretudo na medula óssea, mas também no fígado e no baço. Como os eritrócitos não têm núcleo, seu metabolismo deteriora-se à medida que as enzimas são degradadas e não são repostas, tornando-os inviáveis.
O catabolismo da heme dos eritrócitos libera ferro para recirculação via transferrina plasmática, principalmente
para os eritroblastos da medula óssea, e protoporfirina, que é transformada em bilirrubina. Esta circula para o fígado, onde é conjugada com glicuronídios, excretados no duodeno via bile e convertidos em estercobilinogênio e em estercobilina (excretados nas fezes) . O estercobilinogênio e a estercobilina são parcialmente reabsorvidos e excretados na urina como urobilinogênio e urobilina. As cadeias de globina são quebradas em aminoácidos, que são reutilizados na síntese geral de proteínas no organismo.
Haptoglobinas são proteínas presentes no plasma normal, capazes de ligar hemoglobina. O complexo hemoglobina- haptoglobina é removido pelo sistema RE. A hemólise intravascular (destruição de eritrócitos dentro dos vasos sanguíneos) desempenha um pequeno ou nenhum papel nadestruição normal dos eritrócitos.
Definição de Hemólise
Definimos hemólise como a destruição prematura das hemácias na periferia, seja no espaço intravascular, seja no interior dos órgãos do sistema reticuloendotelial. Isso provoca uma queda importante de sua meia-vida.
São ditas hemolíticas as anemias resultantes de aumento do ritmo de destruição dos eritrócitos. Devido à hiperplasia eritropoética e à expansão anatômica da medula óssea, a destruição de eritrócitos pode aumentar muitas vezes antes que o paciente fique anêmico, situação definida como doença hemolítica compensada. A medula óssea normal do adulto, depois de expansão total, é capaz de produzir eritrócitos em ritmo até 6 a 8 vezes maior do que o normal, desde que seja “eficaz”. Isso causa acentuada reticulocitose. Esta hiperregeneração reacional faz a anemia decorrente de hemólise só vir a ser notada quando a sobrevida eritrocitária for inferior a 30 dias.
O que é a hemólise compensada?
Se a eritropoiese medular estiver normal, com estoques de ferro, ácido fólico e B12 preservados, a meia-vida das hemácias pode se reduzir para até 20 25 dias, sem que se desenvolva anemia. Isso pode ser explicado pela grande capacidade da medula em aumentar a produção de hemácias (em até 8 vezes). Quando a meia-vida eritrocítica chega a um valor
inferior a 20 dias, instala-se a anemia. Quando a meia-vida está reduzida, mas não a ponto de causar anemia, dizemos que há “hemólise compensada”. Perceba que um estado de hemólise compensada pode evoluir rapidamente para anemia hemolítica se houver qualquer problema que afete a eritropoiese, tal como a redução dos estoques de ferro, ácido fólico ou B12, ou uma infecção dos eritroblastos pelo parvovírus B19
Classificação
As anemias hereditárias resultam de defeitos “intrínsecos” dos eritrócitos, ao passo que as adquiridas geralmente resultam de uma alteração “extracorpuscular” ou “ambiental”. A hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) é uma exceção, porque, embora seja um distúrbio adquirido, os eritrócitos têm um defeito intrínseco.
Hemólises Extravascular vs Intravascular
características laboratoriais da hemólise intravascular
Na hemólise extravascular (o tipo mais comum), as hemácias são destruídas no tecido reticuloendotelial, especialmente no baço, pelos macrófagos dos cordões esplênicos de Bilroth. Diversos são os mecanismos… Alterações hereditárias ou adquiridas que afetam o citoesqueleto, a membrana ou a forma dos eritrócitos dificultam sua passagem pelas fendas sinusoidais e, portanto, aumentam o contato das hemácias com os macrófagos. O revestimento da membrana eritrocítica por anticorpos IgG ou componentes do complemento (C3b) permite o pronto reconhecimento pelos receptores macrofágicos, determinando uma destruição precoce.
Na hemólise intravascular, as hemácias são destruídas na própria circulação e seu conteúdo é liberado no plasma. Na maioria das vezes, esta forma de hemólise resulta de anormalidades adquiridas, podendo ser induzida por trauma mecânico, destruição imunológica pelo sistema complemento ou exposição a fatores tóxicos.
Na hemólise intravascular é liberada hemoglobina, que rapidamente satura as haptoglobinas plasmáticas, e o excesso é filtrado pelos glomérulos. Se o ritmo de hemólise saturar a capacidade de reabsorção tubular renal, o excesso de hemoglobina livre é excretado na urina. O ferro liberado da hemoglobina nos túbulos renais é visto como hemossiderina no sedimento urinário. A metemalbumina também se forma no processo de hemólise intravascular.
As principais características laboratoriais da hemólise intravascular são as seguintes
1 hemoglobinemia e hemoglobinúria;
2 hemossiderinúria;
3 metemalbuminemia (detectada por espectrofotometria).
Consequências da Hemólise (4)
- Resposta Medular
- Produção de Bilirrubina Indireta
- Formação de Cálculos Biliares
- Contagem de Reticulócitos
Consequências da Hemólise
Resposta Medular
A destruição de hemácias (hemólise), ao provocar uma tendência à anemia, estimula a liberação de eritropoietina pelo parênquima renal. Esse hormônio atua na medula óssea, estimulando a maturação dos eritroblastos, que passam a lançar novas células vermelhas no sangue. Quem são essas células? São os reticulócitos ou “hemácias jovens”. As anemias que cursam com maior produção medular de reticulócitos são as anemias hiperproliferativas.
O reticulócito é uma célula um pouco maior que a hemácia madura, apresentando um volume corpuscular em torno de 108 fL, contendo no citoplasma fragmentos de RNA ribossomal, que dá o aspecto característico encontrado no sangue periférico pelo corante supravital azul de metileno novo ou azul brilhante de cresil. Os reticulócitos, após serem lançados na circulação, normalmente se tornam hemácias maduras após um dia; esse é o tempo normal de maturação reticulocitária. Contudo, sob um forte estímulo de maturação, a medula lança no sangue reticulócitos mais imaturos, denominados “shift cells”, que se caracterizam por ser ainda maiores (> 108 fL) e por ter um tempo de maturação maior (1,5- 2,5 dias). As “shift cells” podem ser identificadas no esfregaço do sangue periférico como grandes hemácias azuladas. A presença dessas células confere o aspecto chamado policromatofilia ou policromasia.
A resposta medular também pode ser observada no mielograma: há intensa hiperplasia eritroide, característica das anemias hemolíticas.
Consequências da Hemólise
Produção de Bilirrubina Indireta
Assim que é destruída, a hemácia libera o seu conteúdo, rico em hemoglobina. Os macrófagos do sistema reticuloendotelial metabolizam essa hemoglobina… Pela ação da heme-oxigenase, os componentes do heme – ferro e protoporfirina – são separados. A protoporfirina é transformada em biliverdina que, por sua vez, é convertida em bilirrubina indireta. Esta é lançada no plasma e transportada ao fígado, ligada à albumina.
O ferro é transportado pela transferrina de volta à medula óssea para ser incorporado a um novo eritroblasto (ciclo do ferro).
Consequências da Hemólise
Formação de Cálculos Biliares
Toda hemólise crônica predispõe à formação de cálculos biliares. Os principais exemplos são as anemias hemolíticas hereditárias (esferocitose hereditária, anemia falciforme, talassemias).
O aumento da produção de bilirrubina pela hemólise é o fator predisponente. Com maior concentração de bilirrubina na bile, podem se formar, na vesícula biliar, os cálculos de bilirrubinato de cálcio. Por conterem cálcio, a maioria dos cálculos de bilirrubina são radiopacos (aparecem na radiografia simples de abdome), ao contrário dos cálculos de colesterol.
A litíase biliar pode acarretar complicações, como colecistite aguda e colangite, manifestando-se com icterícia acentuada, à custa de bilirrubina direta (colestase). Diante de uma criança com episódio de crise biliar, principalmente na presença de cálculos radiopacos, até prova em contrário, o diagnóstico é de anemia hemolítica hereditária!
Consequências da Hemólise
Contagem de Reticulócitos
(Índices Corrigidos)
1ª correcção
Em pessoas normais, os reticulócitos constituem menos de 2,5% do total de eritrócitos, o que corresponde a um valor absoluto menor do que 100.000 células/mm3. O termo “reticulocitose” não indica simplesmente um aumento no percentual de reticulócitos na periferia, nem mesmo, unicamente, o seu número absoluto por mm3. Na verdade, “reticulocitose” refere-se a um aumento na produção medular de reticulócitos!
Para que a contagem reticulocitária (em percentual) possa refletir fielmente a produção medular de reticulócitos, precisa ser corrigida para dois fatores:
(1) grau de anemia; e
(2) tempo de maturação reticulocitária.
A primeira correção espelha o número absoluto de reticulócitos, determinando-se o chamado de Índice de Reticulócitos Corrigido (IRC).
Veja o cálculo…
Pelo hematócrito: IRC = % retic. x Ht/40
Pela hemoglobina: IRC = % retic. x Hb/15
Os números 40 e 15 são os valores médios normais para hematócrito e hemoglobina, respectivamente. Para entender o IRC, vamos dar um exemplo: um paciente anêmico possui Hb = 7,5 g/dl, hematimetria = 2 milhões/mm3 e reticulócitos = 4%. A primeira impressão é que ele tem reticulocitose… Mas isso não é verdade, pois o número absoluto de reticulócitos encontra-se normal: 4% de 2 milhões = 80.000/ mm3,um número inferior ao limite de 100.000/mm3. Utilizando-se o IRC, o percentual de reticulócitos será corrigido de 4% para 2% (4% x 7,5/15), ou seja, na faixa normal!
Consequências da Hemólise
Contagem de Reticulócitos
(Índices Corrigidos)
2ª correcção
A segunda correção é necessária porque, na anemia, a eritropoietina estimula a medula a lançar no sangue as “shift cells”: reticulócitos ainda mais imaturos cujo tempo de maturação no sangue é de mais ou menos dois dias, o dobro do normal… Perceba então que os reticulócitos produzidos durante um dia correspondem à metade do número absoluto de reticulócitos presente no sangue. Logo, para estimar a produção medular reticulocitária, temos que dividir a contagem de reticulócitos (ou o IRC) por 2.
Consequências da Hemólise
Contagem de Reticulócitos
(Índices Corrigidos)
Quando é que se considera hemólise?
Surge assim um novo índice, no qual estão embutidas as duas correções (o IRC e a correção para o tempo de maturação dos reticulócitos).
É o chamado Índice de Produção Reticulocitária (IPR). Veja o cálculo…
Pelo hematócrito: IPR = % retic. x Ht/40: 2
Pela hemoglobina: IPR = % retic. x Hb/15: 2
Dizemos que há reticulocitose propriamente dita quando o IPR está acima de 2 (algumas fontes citam > 2,5). Isto significa que a produção reticulocitária está mais do que duas vezes aumentada.
Reticulocitose = IPR > 2
Só as anemias hemolíticas cursam com reticulocitose?
Não. A reticulocitose também acontece em outra forma de anemia: anemia pós-hemorragia aguda… A perda de hemácias para o meio externo é seguida de uma resposta medular de hiperprodução reticulocitária! Outra situação em que se espera a ocorrência de reticulocitose é no tratamento das anemias carenciais. Quando repomos ferro, folato ou vitamina B12 em pacientes que tinham deficiência desses fatores, a medula responde aumentando a produção de reticulócitos até que a anemia seja corrigida.