Jurisprudência STJ - 2021 Flashcards

1
Q

A tenra idade da vítima é fundamento idôneo para a majoração da pena-base do crime de homicídio pela valoração negativa das consequências do crime?

A

O homicídio perpetrado conta a vítima jovem ceifa uma vida repleta de possibilidades e perspectivas, que não guardam identidade ou semelhança com aquelas verificadas na vida adulta.

Há que se sopesar, ainda, as consequências do homicídio contra vítima de tenra idade no núcleo familiar respectivo: pais e demais familiares enlutados por um crime que subverte a ordem natural da vida. Não se pode olvidar, ademais, o aumento crescente do número de homicídios perpetrados contra adolescentes no Brasil, o que reclama uma resposta estatal.

Assim, deve prevalecer a orientação no sentido de que a tenra idade da vítima (menor de 18 anos de idade) é elemento concreto e transborda aqueles inerentes ao crime de homicídio, sendo apto, pois, a justificar o agravamento da pena-base, mediante valoração negativa das consequências do crime, ressalvada, para evitar bis in idem, a hipótese em que aplicada a causa de aumento prevista no art. 121, § 4º (parte final), do Código Penal. STJ. 3ª Seção. AgRg no REsp 1.851.435-PA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 12/08/2020 (Info 679).

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Q

A ausência de contumácia no não recolhimento do ICMS em operações próprias conduz ao reconhecimento da atipicidade da conduta?

A

Resumo

No caso dos autos, a conduta típica imputada ao réu restringe-se ao não recolhimento do ICMS relativo a 1 (um) mês. Portanto, nos termos do atual entendimento do STF, deve-se concluir que, embora a conduta do réu se se subsuma formalmente ao art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90, diante da ausência de contumácia, não há tipicidade na conduta, o que gera, por conseguinte, à absolvição do réu. STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1.867.109-SC, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 25/08/2020 (Info 679).

Inteiro teor

Imagine a seguinte situação hipotética:

João é sócio-gerente de uma loja de confecções.

Ele vendeu diversas roupas e, no preço, embutiu os custos que ele teria com o ICMS.

Em outras palavras, ele realizou operações que configuram fato gerador de ICMS.

O agente entregou a Guia de Informação e Apuração do ICMS (chamada de GIA) ao Fisco Estadual, mas não recolheu o tributo devido.

Sobre o tema, vale lembrar a Súmula 436 do STJ: A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.

Diante da ausência de pagamento, João foi cobrado pelo Fisco. Além disso, o Ministério Público denunciou o agente pela prática do crime previsto no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90.

A Lei nº 8.137/90 define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo.

Os arts. 1º e 2º da Lei trazem os crimes praticados por particulares contra a ordem tributária.

O art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90 é conhecido pela doutrina e jurisprudência como “apropriação indébita tributária”. Veja:

Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

(…) Art. 2º Constitui crime da mesma natureza:

(…) II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

(…) Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Vale ressaltar que João vem praticando essa mesma conduta há pelo menos dois anos.

A conduta de João, em tese, enquadra-se no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90?

SIM. O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço, incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90. STF. Plenário. RHC 163334/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 18/12/2019 (Info 964).

E se João tivesse feito isso apenas uma vez, ou seja, o débito com o Fisco se refere tão somente a 1 mês. Neste caso, mesmo assim, teria havido o crime?

NÃO. Segundo a tese fixada pelo STF no RHC 163334/SC, para que reste configurado o crime é indispensável que o não recolhimento do tributo tenha ocorrido de forma reiterada, ou seja, é indispensável a contumácia

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Q

É possível considerar, com base na teoria do domínio do fato, que a posição de gestor, diretor ou sócio administrador de uma empresa implica a presunção de que houve a participação no delito de sonegação fiscal?

A

Resumo

Caso concreto: a ré, sócia-proprietária da empresa, foi acusada de suprimir, dolosamente, ICMS, no montante de R$ 600 mil, fraudando a fiscalização tributária por meio de inserção de elementos inexatos e omissão de operação em documentos exigidos pela lei fiscal. A imputação foi baseada unicamente na teoria do domínio do fato. Afirmou-se que é autor do delito aquele que detém o domínio da conduta, ou seja, o domínio final da ação. Logo, é autor aquele que decide se o fato delituoso vai acontecer ou não, independentemente dessa pessoa ter ou não realizado a conduta material de inserir elemento inexato em documento exigido pela lei fiscal, por exemplo.

O STJ não concordou com a imputação.

A teoria do domínio do fato funciona como uma ratio, a qual é insuficiente, por si só, para aferir a existência do nexo de causalidade entre o crime e o agente. É equivocado afirmar que um indivíduo é autor porque detém o domínio do fato se, no plano intermediário ligado à realidade, não há nenhuma circunstância que estabeleça o nexo entre sua conduta e o resultado lesivo.

Não há como considerar, com base na teoria do domínio do fato, que a posição de gestor, diretor ou sócio administrador de uma empresa implica a presunção de que houve a participação no delito, se não houver, no plano fático-probatório, alguma circunstância que o vincule à prática delitiva.

Em decorrência disso, também não é correto, no âmbito da imputação da responsabilidade penal, partir da premissa ligada à forma societária, ao número de sócios ou ao porte apresentado pela empresa para se presumir a autoria, sobretudo porque nem sempre as decisões tomadas por gestor de uma sociedade empresária ou pelo empresário individual, - seja ela qual for e de que forma esteja constituída -implicam o absoluto conhecimento e aquiescência com os trâmites burocráticos subjacentes, os quais, não raro, são delegados a terceiros. STJ. 6ª Turma. REsp 1.854.893-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 08/09/2020 (Info 681).

Inteiro teor

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: Elisa, sócia-proprietária de uma empresa, foi acusada de suprimir, dolosamente, ICMS, no montante de R$ 600 mil, fraudando a fiscalização tributária por meio de inserção de elementos inexatos e omissão de operação em documentos exigidos pela lei fiscal.

Logo, foi denunciada pela suposta prática do crime previsto no art. 1º, II, da Lei nº 8.137/90. A imputação foi baseada unicamente na teoria do domínio do fato.

O Ministério Público afirmou que é autor do delito aquele que detém o domínio da conduta, ou seja, o domínio final da ação. Logo, é autor do crime aquele que decide se o fato delituoso vai acontecer ou não.

Assim, Elisa seria autora do crime porque mesmo não tendo realizado a conduta material de inserir elemento inexato em documento exigido pela lei fiscal, ela tinha domínio sobre a situação e tirou proveito econômico das infrações que beneficiaram a empresa.

O STJ concordou com a imputação?

NÃO. Vamos entender com calma.

Autoria

O Código Penal prevê que todo aquele que concorre para o crime é considerado autor (art. 29, caput), ainda que a sua participação seja de menor importância (art. 29, § 1º). No entanto, há situações nas quais o intérprete lança mão da teoria do domínio do fato com a finalidade de presumir autoria.

Não basta ser administrador para ser punido com base na teoria do domínio do fato

O conceito de “domínio do fato” ou “domínio final do fato” não se satisfaz com a simples referência à posição do indivíduo como administrador ou gestor (de fato ou previsto no contrato social da empresa). Em outras palavras, o fato de a pessoa ser administradora da empresa não é motivo, por si só, para que se possa atribuir a responsabilidade penal pela prática de crime tributário.

Considerações sobre a teoria do domínio do fato

Foi com Hans Welzel, em 1939, que surgiu uma teoria do domínio do fato como critério de delimitação de autoria e que dependeria de dois pressupostos:

a) os pessoais, decorrentes da estrutura do tipo, e o
b) fático, ligado ao domínio final do fato (o autor seria o senhor da decisão e da execução de sua vontade final).

O domínio do fato, em sua concepção, portanto, compunha as espécies de autoria ou coautoria (direta ou mediata).

Todavia, é com Claus Roxin que a teoria do domínio do fato ganhou sua expressão mais acabada. Mais do que um aperfeiçoamento, Roxin construiu uma nova teoria do domínio do fato.

Enquanto para Welzel a teoria do domínio do fato seria um pressuposto (requisito) material para determinação da autoria, para Roxin essa teoria consistiria em um critério para delimitação do papel do agente na prática delitiva (como autor ou partícipe). Assim, para Roxin, a teoria representou uma forma de distinguir autor de partícipe. Roxin não utilizou a teoria para encontrar responsabilidade penal onde ela não existe. Usou apenas para diferenciar o papel desempenhado por cada agente no delito. Para Roxin, a teoria do domínio do fato se manifestava de três maneiras:

a) domínio da ação: nas hipóteses em que o agente realiza, por sua própria pessoa, todos os elementos estruturais do crime (autoria imediata);
b) domínio da vontade: na qual um terceiro funciona como instrumento do crime (autoria mediata); e
c) domínio funcional do fato: que trata da ação coordenada, com divisão de tarefas, por pelo menos mais uma pessoa. Assim, cada pessoa tem uma “função” no plano criminoso.

Essa teoria é insuficiente para se aferir a existência de nexo de causalidade entre o crime o agente

Observa-se, portanto, que a teoria do domínio do fato funciona como uma ratio, a qual é insuficiente, por si só, para aferir a existência do nexo de causalidade entre o crime e o agente.

É equivocado afirmar que um indivíduo é autor porque detém o domínio do fato se, na prática, não há nenhuma circunstância que estabeleça o nexo entre sua conduta e o resultado lesivo.

É necessária a comprovação da existência de um plano delituoso comum ou de alguma contribuição que essa pessoa tenha dado para a ocorrência do fato criminoso.

Não há como considerar, com base na teoria do domínio do fato, que a posição de gestor, diretor ou sócio administrador de uma empresa implica a presunção de que houve a participação no delito, se não houver, no plano fático-probatório, alguma circunstância que o vincule à prática delitiva.

A teoria do domínio do fato, seja sob a concepção de Welzel, seja sob a de Roxin, não permite, isoladamente, que se faça uma acusação pela prática de crime tributário – aliás, de qualquer crime –, eis que a imputação deve ser acompanhada da devida descrição, no plano fático, do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado delituoso.

“A teoria do domínio do fato não tem lugar para colmatar a falta de substrato probatório da autoria delitiva” (STF. AP n. 987/MG, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 8/3/2019).

Em decorrência disso, também não é correto, no âmbito da imputação da responsabilidade penal, partir da premissa ligada à forma societária, ao número de sócios ou ao porte apresentado pela empresa para se presumir a autoria, sobretudo porque nem sempre as decisões tomadas por gestor de uma sociedade empresária ou pelo empresário individual, - seja ela qual for e de que forma esteja constituída - implicam o absoluto conhecimento e aquiescência com os trâmites burocráticos subjacentes, os quais, não raro, são delegados a terceiros.

Caso concreto

O fato de a ré ocupar a posição de administradora da empresa não significa, por si só, que haja concorrido para a prática do delito.

A teoria do domínio do fato não serve de fundamento para imputar a autoria se não houver, no plano fático-probatório, alguma circunstância que a vincule à prática delitiva.

Segundo os autos, a ré assumiu a propriedade da empresa em virtude do súbito falecimento de seu cônjuge. Norteada pela pouca experiência para a condução dos negócios, delegou as questões tributárias aos gerentes com conhecimento técnico especializado, bem como a empresas de consultoria.

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Q

É típica a conduta de importar pequena quantidade de sementes de maconha?

A

Resumo

É atípica a conduta de importar pequena quantidade de sementes de maconha. STJ. 3ª Seção. EREsp 1.624.564-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 14/10/2020 (Info 683). STF. 2ª Turma. HC 144161/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/9/2018 (Info 915).

Inteiro teor

O que é considerado “droga” para fins penais?

O parágrafo único do art. 1º da Lei nº 11.343/2006 prevê que, para uma substância ser considerada como “droga”, é necessário que possa causar dependência, sendo isso definido em uma lista a ser elencada em lei ou ato do Poder Executivo federal. Veja:

Art. 1º (…) Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.

O art. 66 da mesma Lei complementa esta regra:

Art. 66. Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1º desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998.

Assim, o conceito é técnico-jurídico e só será considerada droga o que a lei (em sentido amplo) assim reconhecer como tal. Mesmo que determinada substância cause dependência física ou psíquica, se ela não estiver prevista no rol das substâncias legalmente proibidas, ela não será tratada como droga para fins de incidência da Lei nº 11.343/2006 (ex: álcool).

Este rol existe? Onde ele está previsto?

O rol das substâncias que são consideradas como “droga”, para fins penais, continua previsto na Portaria SVS/MS nº 344/1998, considerando que ainda não foi editada uma nova lista.

Perceba, portanto, que estamos diante de uma norma penal em branco heterogênea (em sentido estrito ou heteróloga). Isso porque o complemento do que é considerado droga é fornecido por um ato normativo elaborado por órgão diverso daquele que editou a Lei. A Lei nº 11.343/2006 foi editada pelo Congresso Nacional e o seu complemento é dado por uma portaria, editada pela ANVISA, autarquia ligada ao Poder Executivo.

Tetrahidrocanabinol (THC)

Tetrahidrocanabinol, também conhecido como THC, é uma substância psicoativa encontrada na planta Cannabis Sativa, mais popularmente conhecida como maconha.

A quantidade de THC na maconha pode variar de acordo com uma série de fatores, como o tipo de solo, a estação do ano, a época em que foi colhida, o tempo de colheita e consumo etc.

A THC é prevista expressamente como droga na Portaria SVS/MS nº 344/1998, da ANVISA.

Sementes de maconha não têm THC

Os frutos aquênios da cannabis sativa linneu não apresentam na sua composição o THC.

A planta da cannabis sativa linneu está prevista na lista “E” da Portaria SVS/MS 344/1998.

Ocorre que essa Portaria prevê apenas a planta como sendo droga (e não a sua semente).

Assim, a semente de maconha não pode ser considerada droga.

O § 1º do art. 33 da LD prevê que também é crime a importação de “matéria-prima” ou “insumo” destinado à preparação de drogas. A semente de maconha poderia ser considerada como “matériaprima” ou “insumo” destinado à preparação de drogas?

Também não.

A semente de maconha não pode ser considerada matéria-prima ou insumo destinado à preparação de drogas. Isso porque ela não é um “ingrediente” para a confecção de drogas. Não se faz droga misturando a semente de maconha com qualquer coisa. Dito de outro modo: não se prepara droga com semente de maconha. Isso porque a semente de maconha não tem substância psicoativa (ela não tem nada em sua composição que atue no sistema nervoso central gerando euforia, mudança de humor, prazer etc.). Conforme já explicou o Ministro Gilmar Mendes:

“Na doutrina, afirma-se que a matéria-prima, conforme Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi, é a substância de que podem ser extraídos ou produzidos os entorpecentes que causem dependência física ou psíquica (GRECO FILHO, Vicente; RASSI, João Daniel. Lei de drogas anotada. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 99). Ou seja, a matéria-prima ou insumo devem ter condições e qualidades químicas para, mediante transformação ou adição, por exemplo, produzirem a droga ilícita, o que não é o caso das sementes da planta Cannabis sativa, que não possuem a substância psicoativa (THC)” (HC 144161/SP)

Desse modo, a semente da cannabis sativa não é, em si, droga (não está listada na Portaria) e também não pode ser considerada matéria-prima ou insumo destinado à preparação de droga ilícita.

Mas é possível que o indivíduo plante a semente de maconha e que daí nasça a planta da cannabis sativa linneu… A planta tem THC (substância psicoativa proibida)…

É verdade. Pode ser que o indivíduo germine a semente, que isso vire uma muda, que ele cultive a muda e que se torne a planta da maconha. No entanto, a mera importação da semente não é crime algum porque configuraria, no máximo, mero ato preparatório da figura típica prevista no § 1º do art. 28 da Lei nº 11.343/2006:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. (…)

Nem chega a ser, portanto, ato executório do § 1º do art. 28 porque o agente não iniciou a semeadura ou o cultivo.

A importação das sementes não poderia configurar a tentativa da prática do crime do art. 28, § 1º da Lei nº 11.343/2006?

Particularmente, penso que não. Isso porque, como já dito, o agente não iniciou nenhuma conduta executória dos verbos previstos no tipo penal (semear, cultivar ou colher).

No entanto, ainda que se considere que se iniciou a execução e que ele não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente, não há razão para a instauração de processo penal.

O preceito secundário do art. 28 da LD prevê como sanções penais:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Logo, como não é prevista pena privativa de liberdade para esta conduta, é inviável a aplicação da regra da tentativa do art. 14, II, do CP.

Em suma:

Não configura crime a importação de pequena quantidade de sementes de maconha. STF. 2ª Turma. HC 144161/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/9/2018 (Info 915).

As turmas do STJ divergiam sobre o tema, mas o tema lá também se encontra atualmente pacificado:

É atípica a conduta de importar pequena quantidade de sementes de maconha. STJ. 3ª Seção. EREsp 1.624.564-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 14/10/2020 (Info 683).

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5
Q

Depois da Lei nº 13.497/2017, é possível afirmar que o parágrafo único do art. 16 do Estatuto do Desarmamento também passou a ser equiparado a crime hediondo?

A

Resumo

5ª Turma do STJ: SIM. Tanto o caput como o parágrafo único do art. 16 da Lei nº 10.826/2003 são crimes equiparados a hediondo.

O art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 8.072/90 (com a redação dada pela Lei nº 13.497/2017) não restringe a sua aplicação apenas ao caput do art. 16 da Lei nº 10.826/2003. Portanto, é possível concluir que a alteração legislativa trazida pela Lei nº 13.497/2017 alcança todas as condutas descritas no art. 16 do Estatuto do Desarmamento, inclusive as figuras equiparadas, previstas no parágrafo único do mesmo dispositivo legal. STJ. 5ª Turma. HC 624.903/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 09/12/2020.

6ª Turma do STJ: NÃO

A 6ª Turma alterou seu entendimento anterior e instaurou divergência, passando a decidir que apenas o caput do art. 16 seria equiparado a hediondo.

A Lei nº 13.497/2017 equiparou a hediondo apenas o crime do caput do art. 16 da Lei nº 10.826/2003, não abrangendo as condutas equiparadas previstas no seu parágrafo único. Assim, o crime de posse ou porte de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado não integra o rol dos crimes hediondos. STJ. 6ª Turma. HC 525.249-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 15/12/2020 (Info 684)

  • Antes da Lei 13.497/2017: o art. 16 do Estatuto do Desarmamento não era equiparado a hediondo.
  • Depois da Lei 13.497/2017: divergência. 5ª Turma do STJ: tanto o caput como o parágrafo único do art. 16 são equiparados a hediondo. 6ª Turma do STJ: somente o caput do art. 16 é equiparado a hediondo.
  • Depois da Lei 13.964/2019: somente é equiparado a hediondo o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso PROIBIDO, previsto no § 2º do art. 16. Não abrange mais os crimes posse ou porte de arma de fogo de uso restrito.

Inteiro teor

Antes da Lei nº 13.497/2017

Art. 1º (…) Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, tentado ou consumado.

Depois da Lei nº 13.497/2017

Art. 1º (…) Parágrafo único. Consideram-se também hediondos o crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, e o de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, todos tentados ou consumados.

Vejamos o que dizia crime do art. 16 do Estatuto do Desarmamento:

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:

I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato;

II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz;

III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;

V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e

VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo.

Obs: redação anterior ao Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019)

Depois da Lei nº 13.497/2017, não houve dúvidas de que o caput do art. 16 do Estatuto do Desarmamento passou a ser equiparado a crime hediondo. Isso porque o art. 1º da Lei nº 8.072/90 passou a mencionar expressamente como equiparado a hediondo o delito de “posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003”. No entanto, permaneceu o questionamento quanto ao parágrafo único.

[…]

Mais um capítulo nesse enredo: Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime)

Como vimos acima, a redação pouco clara da Lei nº 13.497/2017 gerou toda essa polêmica. A situação foi novamente alterada pela Lei nº 13.964/2019, o chamado Pacote Anticrime, que promoveu mudanças tanto no Estatuto do Desarmamento como na Lei de Crimes Hediondos.

Estatuto do Desarmamento

A Lei nº 13.964/2019 promoveu alterações no art. 16 do Estatuto do Desarmamento, que trata sobre o crime de porte ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito.

Antes de verificar quais foram as mudanças, é necessário fazer a distinção entre arma de fogo de uso restrito e arma de fogo de uso proibido.

“Arma de fogo de uso restrito é aquela que só pode ser utilizada pelas Forças Armadas, por algumas instituições de segurança, e por pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Exército, de acordo com legislação específica.” (CABETTE, Eduardo; SANNINI, Francisco. Tratado de Legislação Especial Criminal. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 112)

Arma de fogo de uso proibido, por sua, vez, é aquela que não pode ser utilizada em hipótese alguma, nem mesmo pelas Forças Armadas.

Mudanças operadas pela Lei nº 13.964/2019:

 antes do Pacote Anticrime: o crime do caput do art. 16 abrangia arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito. Agora: o crime do caput do art. 16 somente envolve arma de fogo, acessório ou munição de uso RESTRITO;

 se o crime envolver arma de fogo de uso proibido (mais grave), será punido com pena maior com base na qualificadora do § 2º do art. 16;

 não houve alterações no rol do antigo parágrafo único (atual § 1º). Só ocorreu a remuneração de parágrafo único para § 1º.

[…]

Lei dos Crimes Hediondos

 antes do Pacote anticrime: era equiparado a hediondo a posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso RESTRITO;

 depois do Pacote Anticrime: passou a ser equiparado a hediondo a posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso PROIBIDO (expressão menos ampla que uso restrito).

 nesse ponto, a Lei nº 13.964/2019 foi novatio legis in mellius e, portanto, retroage. Isso significa que se a pessoa praticou, mesmo antes do Pacote Anticrime, o delito de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, esse fato delituoso deixou de ser considerado crime hediondo, de forma que, ainda que o indivíduo já esteja condenado, ele terá direito à progressão de regime como crime “comum” (não hediondo) já que a mudança retroage para lhe beneficiar.

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6
Q

Estupro de vulnerável pode se caracterizar sem contato físico?

A

Resumo

O estupro de vulnerável se consuma com a prática de qualquer ato de libidinagem ofensivo à dignidade sexual da vítima.

Para que se configure ato libidinoso, não se exige contato físico entre ofensor e vítima.

Assim, doutrina e jurisprudência sustentam a prescindibilidade do contato físico direto do réu com a vítima, a fim de priorizar o nexo causal entre o ato praticado pelo acusado, destinado à satisfação da sua lascívia, e o efetivo dano à dignidade sexual sofrido pela ofendida. STJ. 6ª Turma. HC 478.310, Rel. Min. Rogério Schietti, julgado em 09/02/2021 (Info 685).

Inteiro teor

Imagine a seguinte situação adaptada:

“A”, homem maior de idade, mantinha relacionamento com “O”, mulher maior de idade.

“O” era mãe de “H”, criança com poucos meses de vida.

“O” fazia o que “A” exigia para satisfazer sua lascívia.

Determinado dia, “A”, em conversa com “O”, por meio de aplicativo de mensagens, solicita que “O” tire fotos da genitália da criança “H”. “O” faz isso e envia as fotos para “A” pelo aplicativo.

O mais abominável ainda estava por vir.

“A” exige que “O” toque na genitália e faça sexo oral na criança. Mesmo “H” sendo sua filha, “O” faz o que que “A” pediu.

Nas exatas palavras da denúncia oferecida pelo Ministério Público:

“Durante vários momentos do dialogo mantido entre [O.] e [A], são enviadas fotos, pela mãe da menor para o denunciado, nas quais o órgão genital da criança [H.] é exibido.

Não obstante, a pedido de [A.], [O.] chega a fazer sexo oral na própria filha, filmando e enviando o arquivo a ele. (…)”

Houve ainda a prática de outras condutas repugnantes, que não influenciam diretamente na explicação e que, portanto, em respeito aos leitores, não serão detalhadas.

Condenação

“A” foi condenado pela prática do delito do art. 241-A do ECA e pelo crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP):

Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Estupro de vulnerável

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

O Tribunal de Justiça manteve a condenação.

HC

Em habeas corpus impetrado no STJ, a defesa de “A” alegou a atipicidade da conduta invocando, como principal argumento, o fato de não ter havido contato físico direto entre o autor e a criança, vítima do crime. Assim, o réu “A” argumentou que ele não praticou conjunção carnal nem qualquer outro ato libidinoso com “H”. Logo, não poderia ser condenado por esse delito.

A tese da defesa foi acolhida pelo STJ?

NÃO. Vamos entender com calma.

Qualquer ato libidinoso é suficiente para configurar o estupro de vulnerável

Inicialmente, importante ressaltar que o estupro de vulnerável se consuma com a prática de qualquer ato de libidinagem ofensivo à dignidade sexual da vítima.

Ato libidinoso pode ocorrer mesmo sem contato físico entre agente e vítima

O Código Penal não define o que seja ato libidinoso, cabendo este papel, portanto, à doutrina.

Segundo a maioria dos autores, para que se configure ato libidinoso, não se exige contato físico entre ofensor e vítima.

Assim, o simples fato de o agente ficar olhando a vítima nua com o objetivo de satisfazer sua lascívia (contemplação lasciva) já é suficiente para caracterizar ato libidinoso e, portanto, configurar o crime de estupro (art. 213) ou de estupro de vulnerável (art. 217-A). Essa é a posição, por exemplo, de Cleber Masson:

“Na prática de atos libidinosos, a vítima também pode desempenhar, simultaneamente, papeis ativo e passivo. Nessas duas últimas condutas - praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso é dispensável o contato físico de natureza erótica entre o estuprador e a vítima”. (MASSON, Cleber. Código Penal comentado. 2ª ed., São Paulo: Método, 2014, p. 825)

Rogério Sanches também explica que é desnecessário o contato físico:

“De acordo com a maioria da doutrina, não há necessidade de contato físico entre o autor e a vítima, cometendo o crime o agente que, para satisfazer a sua lascívia, ordena que a vítima explore seu próprio corpo (masturbando-se), somente para contemplação (tampouco há que se imaginar a vítima desnuda para a caracterização do crime- RT 429/380).” (Manual de direito penal: parte especial. 8ª ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 460).

Esse entendimento é acolhido pelo STJ:

Em situações excepcionais, tem-se que o crime de estupro pode se caracterizar, inclusive, em situações nas quais não há contato físico entre o agente e a vítima. STJ. 5ª Turma. HC 611.511/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 15/10/2020.

A conduta de contemplar lascivamente, sem contato físico, mediante pagamento, menor de 14 anos desnuda em motel pode permitir a deflagração da ação penal para a apuração do delito de estupro de vulnerável.

Segundo a posição majoritária na doutrina, a simples contemplação lasciva já configura o “ato libidinoso” descrito nos arts. 213 e 217-A do Código Penal, sendo irrelevante, para a consumação dos delitos, que haja contato físico entre ofensor e ofendido. STJ. 5ª Turma. RHC 70976-MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 2/8/2016 (Info 587).

Dignidade sexual não se ofende somente com lesões de natureza física

Vale ressaltar, ainda, que o delito imputado (estupro de vulnerável é uma espécie de crime contra a dignidade sexual. A dignidade sexual da vítima não se ofende somente com lesões de natureza física.

Voltando ao caso concreto:

No caso concreto, ficou devidamente comprovado que o paciente agiu mediante nítido poder de controle psicológico sobre a mãe da vítima, dado o vínculo afetivo entre eles estabelecido. Assim, a incitou à prática dos atos de estupro contra a infante (menor de 14 anos), com o envio das respectivas imagens via aplicativo virtual, as quais permitiram a referida contemplação lasciva e a consequente adequação da conduta ao tipo do art. 217-A do Código Penal.

Em se tratando de vítima menor de 14 anos, como no caso dos autos, a proteção integral à criança e ao adolescente, em especial no que se refere às agressões sexuais, é preocupação constante de nosso Estado (art. 227, caput e § 4º, da CF/88) e de instrumentos internacionais.

Partícipe também pode ser condenado pelo estupro

Importante registrar, por fim, que o STJ reconhece que o agente que concorre para a prática do estupro na qualidade de partícipe também responde pelo crime: STJ. 5ª Turma. RHC n. 110.301/PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 11/6/2019.

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Q

O crime de exercício arbitrário das próprias razões é formal ou material?

A

O crime do art. 345 do CP pune a conduta de “fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão”.

O tipo penal afirma que o sujeito age “para satisfazer”. Logo, conclui-se ser suficiente, para a consumação do delito, que os atos que buscaram fazer justiça com as próprias mãos tenham visado obter a pretensão, mas não é necessário que o agente tenha conseguido efetivamente satisfazê-la, por meio da conduta arbitrária. A satisfação, se ocorrer, constitui mero exaurimento da conduta.

vEx: o credor encontrou a devedora na rua e tentou tomar o seu aparelho de celular como forma de satisfazer o débito. Chegou a puxar seu braço e seu cabelo, mas a devedora conseguiu fugir levando o celular. O crime está consumado mesmo ele não tendo conseguido o resultado pretendido. STJ. 6ª Turma. REsp 1.860.791, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 09/02/2021 (Info 685)

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8
Q

A retratação da calúnia, feita antes da sentença, acarreta a extinção da punibilidade do agente independentemente da aceitação do ofendido?

A

Resumo

O art. 143 do CP autoriza que a pessoa acusada do crime de calúnia ou de difamação apresente retratação e, com isso, tenha extinta a punibilidade:

Art. 143. O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena.

Parágrafo único. Nos casos em que o querelado tenha praticado a calúnia ou a difamação utilizando-se de meios de comunicação, a retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa.

A retratação não é ato bilateral, ou seja, não pressupõe aceitação da parte ofendida para surtir seus efeitos na seara penal, porque a lei não exige isso.

O Código, quando quis condicionar o ato extintivo da punibilidade à aceitação da outra parte, o fez de forma expressa, como no caso do perdão ofertado pelo querelante depois de instaurada a ação privada.

O art. 143 do CP exige apenas que a retratação seja cabal, ou seja, deve ser clara, completa, definitiva e irrestrita, sem remanescer nenhuma dúvida ou ambiguidade quanto ao seu alcance, que é justamente o de desdizer as palavras ofensivas à honra, retratando-se o ofensor do malfeito. STJ. Corte Especial. APn 912/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 03/03/2021 (Info 687).

Inteiro teor

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Q

O delito previsto no art. 218-B, § 2°, inciso I, do Código Penal, na situação de exploração sexual, é verificado mesmo que não exista a figura do terceiro intermediador, ou seja, mesmo que não haja um proxeneta?

Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

(…) § 2º Incorre nas mesmas penas:

I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;

A

Resumo

O delito previsto no art. 218-B, § 2°, inciso I, do Código Penal, na situação de exploração sexual, não exige a figura do terceiro intermediador.

A configuração do crime do art. 218-B do CP não pressupõe a existência de terceira pessoa, bastando que o agente, por meio de pagamento, convença a vítima, maior de 14 e menor de 18 anos, a praticar com ele conjunção carnal ou outro ato libidinoso, de modo a satisfazer a sua própria lascívia. STJ. 3ª Seção. EREsp 1.530.637/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/03/2021 (Info 690).

Inteiro teor

Imagine a seguinte situação adaptada:

João (maior de idade) conheceu Pedro (16 anos) em uma praça e ofereceu R$ 50,00 e mais um lanche para que o adolescente fizesse sexo com ele no seu apartamento.

Pedro, garoto muito pobre, aceitou e João praticou ato libidinoso com o adolescente em troca de dinheiro.

Essa situação se repetiu por mais sete vezes, todas elas envolvendo sexo em troca de dinheiro. Os pais de Pedro descobriram o fato e o Ministério Público denunciou JoJoão pela prática do crime previsto no inciso I do § 2º art. 218-B, do CP em continuidade delitiva (art. 71):

[…]

A defesa argumentou que a conduta praticada por João seria atípica considerando que tipo penal somente puniria a terceira pessoa que insere o menor na prostituição. Assim, esse crime apenas puniria o “cafetão” e não o indivíduo que, sem intermediário, combina o sexo com o adolescente. Essa tese da defesa é acolhida pela jurisprudência?

NÃO.

O delito previsto no art. 218-B, § 2º, inciso I, do Código Penal, na situação de exploração sexual, não exige a figura do terceiro intermediador. STJ. 3ª Seção. EREsp 1.530.637/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/03/2021 (Info 690).

Nos termos do art. 218-B do Código Penal, são punidos tanto aquele que capta a vítima, inserindo-a na prostituição ou outra forma de exploração sexual (caput), como também o cliente do menor prostituído ou sexualmente explorado (§ 1º). STJ. 5ª Turma. HC 371.633/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 19/03/2019 (Info 645).

Crime hediondo

Vale ressaltar que o delito do art. 218-B do CP é classificado como crime hediondo, nos termos do art. 1º, VIII, da Lei nº 8.072/90:

Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados: (…)

VIII – favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º).

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Q

A mudança na ação penal do crime de estelionato, promovida pela Lei 13.964/2019, retroage para alcançar os processos penais que já estavam em curso?

A

Resumo (Atualize os Infos 674-STJ e 995-STF)

A exigência de representação da vítima no crime de estelionato não retroage aos processos cuja denúncia já foi oferecida. STJ. 3ª Seção. HC 610.201/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/03/2021 (Info 691).

Inteiro teor

Veja o § 5º inserido no art. 171 do CP pela Lei nº 13.964/2019: Art.171. (…)

§ 5º Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for:

I - a Administração Pública, direta ou indireta;

II - criança ou adolescente;

III - pessoa com deficiência mental; ou

IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.

[…]

A retroatividade da representação prevista no § 5º do art. 171 do CP deve se restringir à fase policial.

A exigência de representação no crime de estelionato, trazida pelo Pacote Anticrime, não afeta os processos que já estavam em curso quando entrou em vigor a Lei nº 13.964/2019.

Assim, se já havia denúncia oferecida quando entrou em vigor a nova Lei, não será necessária representação do ofendido.

O § 5º do art. 171 é uma condição de procedibilidade (e não de prosseguibilidade)

O novo comando normativo apresenta caráter híbrido, pois, além de incluir a representação do ofendido como condição de procedibilidade para a persecução penal, apresenta potencial extintivo da punibilidade, sendo tal alteração passível de aplicação retroativa por ser mais benéfica ao réu.

Contudo, além do silêncio do legislador sobre a aplicação do novo entendimento aos processos em curso, tem-se que seus efeitos não podem atingir o ato jurídico perfeito e acabado (oferecimento da denúncia), de modo que a retroatividade da representação no crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando o processo. Do contrário, estar-se-ia conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra, transformando-se a representação em condição de prosseguibilidade e não procedibilidade.

Assim, pode-se afirmar que a irretroatividade do art. 171, §5º, do CP decorre da própria mens legis, considerando que, mesmo podendo, o legislador previu apenas a condição de procedibilidade, nada dispondo sobre a condição de prosseguibilidade.

Segurança jurídica e ato jurídico perfeito

Ademais, é importante registrar que essa conclusão pela não-retroatividade resguarda a segurança jurídica e o ato jurídico perfeito (art. 25 do CPP), quando já oferecida a denúncia.

Prevalece, tanto neste STJ quanto no STF, o entendimento no sentido de que “a representação, nos crimes de ação penal pública condicionada, não exige maiores formalidades, sendo suficiente a demonstração inequívoca de que a vítima tem interesse na persecução penal. Dessa forma, não há necessidade da existência nos autos de peça processual com esse título, sendo suficiente que a vítima ou seu representante legal leve o fato ao conhecimento das autoridades” (STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 435.751/DF, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, DJe 04/09/2018).

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Q

O tempo que o réu ficou submetido à medida cautelar de recolhimento domiciliar com tornozeleira pode ser descontado da pena imposta na condenação?

A

Resumo (mudança de entendimento)

É possível considerar o tempo submetido à medida cautelar de recolhimento noturno, aos finais de semana e dias não úteis, supervisionados por monitoramento eletrônico, com o tempo de pena efetivamente cumprido, para detração da pena.

STJ. 3ª Seção. HC 455.097/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 14/04/2021 (Info 693).

Obs: O cálculo da detração deverá considerar a quantidade de horas efetivas de recolhimento domiciliar

Inteiro teor

[…]

Art. 42. Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.

Deve-se interpretar a legislação que regula a detração de forma que favoreça o sentenciado. Isso harmoniza-se com o Princípio da Humanidade, que impõe ao juízo da Execução Penal a especial percepção da pessoa presa como sujeito de direitos.

Se fosse proibida a detração nesse caso, estaríamos diante de excesso de execução. Isso porque a medida cautelar imposta com base no art. 319, V e IX, do CPP representou uma limitação objetiva à liberdade do réu, ainda que menos grave que a prisão.

A medida cautelar do art. 319, V e IX, impede o acautelado de sair de casa após o anoitecer e em dias não úteis e, dessa forma, assemelha-se ao cumprimento de pena em regime prisional semiaberto.

O cumprimento de pena em regime semiaberto gera direito à detração, razão pela qual a presente situação também deve garantir o mesmo direito.

Aplica-se aqui o brocardo latino Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, que significa, em uma tradução literal: onde existe a mesma razão fundamental, aplica-se a mesma regra jurídica.

O STJ, nos casos em que há a configuração dos requisitos do art. 312 do CPP, admite que a condenação em regime semiaberto produza efeitos antes do trânsito em julgado da sentença (prisão preventivacompatibilizada com o regime carcerário do título prisional). Nessa perspectiva, mostra-se incoerente impedir que a medida cautelar que pressuponha a saída do paciente de casa apenas para laborar, e durante o dia, seja descontada da reprimenda.

O STJ concluiu, portanto, que as hipóteses previstas no art. 42 do Código Penal (prisão provisória, prisão administrativa e internação) não representam um rol taxativo.

Desse modo, o período de recolhimento domiciliar, aplicado simultaneamente a monitoração eletrônica, para fiscalização de seu cumprimento, deve ser objeto de detração penal.

O cálculo da detração deverá considerar a quantidade de horas efetivas de recolhimento domiciliar

O recolhimento noturno, diferentemente da prisão preventiva, tem restrições pontuais ao direito de liberdade. Por essa razão, o STJ afirmou que o cálculo da detração considerará a soma da quantidade de horas efetivas de recolhimento domiciliar com monitoração eletrônica, as quais serão convertidas em dias para o desconto da pena.

Assim, o tempo a ser aferido para fins de detração é somente aquele em que o acautelado se encontra obrigatoriamente recolhido em casa, não sendo computado o período em que lhe é permitido sair.

No mesmo sentido:

Qualquer prisão processual deve ser detraída da pena final imposta, não importa o local de seu cumprimento - cadeia, domicílio ou hospital -, devendo, portanto, a decisão ser mantida por seus próprios fundamentos.

Assim, mesmo o tempo em que o indivíduo ficou em prisão domiciliar também deve ser detraído do tempo total de pena. STJ. 6ª Turma. AgRg no AgRg nos EDcl no HC 442.538/PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 05/03/2020.

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12
Q

Configura crime introduzir chip de aparelho celular em presídio?

A

Resumo

A conduta de ingressar em estabelecimento prisional com chip de celular não se subsome ao tipo penal previsto no art. 349-A do Código Penal. STJ. 5ª Turma. HC 619.776/DF, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 20/04/2021 (Info 693).

Cuidado para não confundir:

A posse de chip de telefone celular pelo preso, dentro de estabelecimento prisional, configura falta disciplinar de natureza grave, ainda que ele não esteja portando o aparelho (STJ. 5ª Turma. HC 260122-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 21/3/2013).

Inteiro teor

É permitido que o indivíduo que se encontra preso em estabelecimento prisional tenha acesso a telefone celular?

NÃO. O preso que for encontrado com aparelho celular dentro da unidade prisional comete falta disciplinar grave, nos termos do art. 50, VII, da Lei nº 7.210/86:

Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que: (…) VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. (Incluído pela Lei nº 11.466/2007)

O objetivo do legislador foi o de impedir que presos ordenem a prática de crimes de dentro dos presídios, comandando, com o auxílio do aparelho celular, organizações criminosas.

Repare que a redação do inciso VII do art. 50 fala apenas em “aparelho telefônico, de rádio ou similar”. Diante disso, indaga-se: se o condenado for encontrado portando apenas o chip do telefone celular, ele cometerá falta grave? SIM.

A posse de chip de telefone celular pelo preso, dentro de estabelecimento prisional, configura falta disciplinar de natureza grave, ainda que ele não esteja portando o aparelho.

Configura falta grave não apenas a posse de aparelho celular, mas também a de seus componentes essenciais, como é o caso do carregador, do chip ou da placa eletrônica, considerados indispensáveis ao funcionamento do aparelho. STJ. 5ª Turma. HC 260122-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 21/3/2013 (Info 517)

Crime de introdução de aparelho de comunicação, sem autorização legal, em estabelecimento prisional

A fim de tentar impedir a entrada dos celulares dentro dos presídios, o legislador inseriu o art. 349-A no Código Penal prevendo o seguinte delito:

Art. 349-A. Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional. Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. (Incluído pela Lei nº 12.012/2009)

Repare que a redação do art. 349-A fala apenas em “aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar”. Diante disso, indaga-se: se o condenado for encontrado portando apenas o chip do telefone celular, ele cometerá o crime?

NÃO.

A conduta de ingressar em estabelecimento prisional com chip de celular não se subsome ao tipo penal previsto no art. 349-A do Código Penal. STJ. 5ª Turma. HC 619.776/DF, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 20/04/2021 (Info 693).

Como se verifica, o legislador se limitou em punir o ingresso ou o auxílio na introdução de aparelho telefônico móvel ou similar em estabelecimento prisional, não fazendo referência a qualquer outro componente ou acessório utilizado para viabilizar o funcionamento desses equipamentos.

Portanto, em decorrência da principiologia básica do direito penal (princípio da legalidade), na falta de lei prévia que defina o ingresso de chip em estabelecimento prisional como comportamento típico (nullum crimen sine lege), não é possível considerar essa conduta como crime

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Q

O delito de causar dano em unidade de conservação (art. 40 da Lei nº 9.605/98) pode ser absorvido pelo delito de construir em solo que, por seu valor ecológico, não é edificável (art. 64 da Lei nº 9.605/98)?

A

Resumo

Absorção do delito do art. 40 pelo crime do art. 64 da Lei nº 9.605/98

O delito de causar dano em unidade de conservação (art. 40 da Lei nº 9.605/98) pode ser absorvido pelo delito de construir em solo que, por seu valor ecológico, não é edificável (art. 64 da Lei nº 9.605/98).

Para analisar a possibilidade de absorção do crime do art. 40 da Lei nº 9.605/98 pelo do art. 64, não é relevante a diversidade de bens jurídicos protegidos por cada tipo incriminador; tampouco impede a consunção o fato de que o crime absorvido tenha pena maior do que a do crime continente, como se vê na própria Súmula 17/STJ.

Absorção do delito do art. 48 pelo crime do art. 64 da Lei nº 9.605/98

A conduta do art. 48 da Lei nº 9.605/98 é mero pós-fato impunível do ato de construir em local não edificável.

Afinal, com a própria existência da construção desejada e executada pelo agente - e à qual, portanto, se dirigia seu dolo -, é inevitável que fique impedida a regeneração da flora antes existente no mesmo lugar. Por isso, o princípio da consunção obsta a punição autônoma dos dois delitos. STJ. 5ª Turma. REsp 1.925.717-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 25/05/2021 (Info 698).

Inteiro teor

Imagine a seguinte situação hipotética:

João construiu, dentro da área de uma estação ecológica (unidade de conservação), uma casa de alvenaria de 260m², sem autorização do ICMBio, autarquia federal responsável pela gestão do Sistema Nacional de Unidades de Conservação.

Ao tomar conhecimento desse fato, o Ministério Público federal denunciou João pela prática do crime previsto no art. 40 da Lei nº 9.605/98, em concurso material com o delito do art. 48 da mesma Lei:

Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização: Pena - reclusão, de um a cinco anos.

Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação: Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Segundo o entendimento do STJ, a imputação feita pelo MPF está correta?

NÃO.

Absorção do delito do art. 40 pelo crime do art. 64 da Lei nº 9.605/98

A construção em solo não edificável, ou seja, dentro de Unidade de Conservação, sem autorização da autoridade competente, amolda-se exatamente ao tipo penal previsto no art. 64 da Lei nº 9.605/98:

Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

O dano causado pela construção à estação ecológica se encontra, efetivamente, absorvido pela edificação irregular. Este dano pode, em tese, ser considerado concomitante à construção, enquanto ato integrante da fase de execução do iter do art. 64, caso em que se aplicaria o princípio da consunção em sua formulação genérica; ou, então, como consequência naturalística inafastável e necessária da construção, de maneira que seu tratamento jurídico seria o de pós-fato impunível. De todo modo, o dano à unidade de conservação se situa na escala causal da construção irregular (seja como ato executório ou como exaurimento), nela exaurindo toda sua potencialidade lesiva.

O MPF argumentava que não seria possível absorver o crime do art. 40 por duas razões:

1) os bens jurídicos protegidos pelos dois tipos penais são diferentes;
2) o crime do art. 40 possui pena maior que o do art. 64.

O STJ, contudo, refutou esses argumentos:

1) Para analisar a possibilidade de absorção do crime do art. 40 da Lei nº 9.605/98 pelo do art. 64, não é relevante a diversidade de bens jurídicos protegidos por cada tipo incriminador, conforme explica a doutrina:

“Não convence o argumento de que é impossível a absorção quando se tratar de bens jurídicos distintos. A prosperar tal argumento, jamais se poderia, por exemplo, falar em absorção nos crimes contra o sistema financeiro (Lei n. 7.492/86), na medida em que todos eles possuem uma objetividade jurídica específica. É conhecido, entretanto, o entendimento do TRF da 4ª Região, no sentido de que o art. 22 absorve o art. 6º da Lei nº 7.492/8612. Na verdade, a diversidade de bens jurídicos tutelados não é obstáculo para a configuração da consunção. Inegavelmente - exemplificando - são diferentes os bens jurídicos tutelados na invasão de domicílio para a prática de furto, e, no entanto, somente o crime-fim (furto) é punido, como ocorre também na falsificação de documento para a prática de estelionato, não se punindo aquele, mas somente este (Súmula 17/STJ)” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal (v. 1). 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 272).

2) Também é possível vislumbrar situações em que o estelionato, apenado com 1 a 5 anos de reclusão, absorve a falsidade de documento público, cuja sanção é mais grave (2 a 6 anos de reclusão). Nem por isso fica inviabilizada a consunção, nos exatos termos da Súmula 17 do STJ: Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.

Absorção do delito do art. 48 pelo crime do art. 64 da Lei nº 9.605/98

A conduta do art. 48 da Lei nº 9.605/98 é mero pós-fato impunível do ato de construir em local não edificável.

Afinal, com a própria existência da construção desejada e executada pelo agente - e à qual, portanto, se dirigia seu dolo -, é inevitável que fique impedida a regeneração da flora antes existente no mesmo lugar.

Por isso, o princípio da consunção obsta a punição autônoma dos dois delitos. STJ. 5ª Turma. REsp 1.925.717-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 25/05/2021 (Info 698)

Se é a própria existência da edificação irregular que impede a regeneração natural da vegetação, o delito do art. 48 da Lei nº 9.605/98 fica absorvido pelo crime do art. 64 da mesma Lei.

O delito de impedir a regeneração natural da flora se dá como mero gozo da construção, em evidente pósfato impunível. Aquele que constrói uma edificação, claramente não poderá permitir que dentro daquela venha a nascer uma floresta. É mero exaurimento do crime de construção indevida, pelo aproveitamento natural da coisa construída.

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É possível haver homicídio qualificado praticado com dolo eventual?

A

Resumo

É possível haver homicídio qualificado praticado com dolo eventual?

No caso das qualificadoras do motivo FÚTIL e/ou TORPE (art. 121, § 2º, I e II, do CP):

SIM. Não há dúvidas quanto a isso. Trata-se da posição do STJ e do STF.

O fato de o réu ter assumido o risco de produzir o resultado morte (dolo eventual), não exclui a possibilidade de o crime ter sido praticado por motivo fútil, uma vez que o dolo do agente, direto ou indireto, não se confunde com o motivo que ensejou a conduta. STJ. 6ª Turma. REsp 1601276/RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/06/2017.

No caso de qualificadoras de MEIO (art. 121, § 2º, III e IV, do CP):

1ª corrente: SIM

O dolo eventual no crime de homicídio é compatível com as qualificadoras objetivas previstas no art. 121, § 2º, III e IV, do Código Penal. As referidas qualificadoras serão devidas quando constatado que o autor delas se utilizou dolosamente como meio ou como modo específico mais reprovável para agir e alcançar outro resultado, mesmo sendo previsível e tendo admitido o resultado morte. STJ. 5ª Turma. REsp 1.836.556-PR, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 15/06/2021 (Info 701).

2ª corrente: NÃO

O dolo eventual não se compatibiliza com a qualificadora do art. 121, § 2º, IV (traição, emboscada dissimulação). Para que incida a qualificadora da surpresa é indispensável que fique provado que o agente teve a vontade de surpreender a vítima, impedindo ou dificultando que ela se defendesse. Ora, no caso do dolo eventual, o agente não tem essa intenção, considerando que não quer matar a vítima, mas apenas assume o risco de produzir esse resultado.

Como o agente não deseja a produção do resultado, ele não direcionou sua vontade para causar surpresa à vítima. Logo, não pode responder por essa circunstância (surpresa). STF. 2ª Turma. HC 111442/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 28/8/2012 (Info 677).

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Q

A Lei nº 12.850/2013 (Lei de Organização Criminosa), prevê o seguinte delito no § 1º do art. 2º:

Art. 2º (…) Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.

O crime do art. 2º, § 1º é formal ou material?

A

Resumo

Material.

O tipo penal possui dois núcleos (verbos): impedir e embaraçar.

No que tange ao núcleo “impedir”, nunca houve dúvida de que se trata de crime material.

A dúvida estava no verbo “embaraçar”. Alguns doutrinadores afirmavam que, neste ponto, o delito seria formal. Não foi esta, contudo, a conclusão do STJ.

Tanto no núcleo impedir como embaraçar, o crime do art. 2º, § 1º da Lei nº 12.850/2013 é material.

A adoção da corrente que classifica o delito como crime material se explica porque o verbo embaraçar atrai um resultado, ou seja, uma alteração do seu objeto. Na hipótese normativa, o objeto é a investigação, que pode se dar na fase de inquérito ou na instrução da ação penal. Em outras palavras, haverá embaraço à investigação se o agente conseguir produzir algum resultado, ainda que seja momentâneo e reversível. STJ. 5ª Turma. REsp 1.817.416-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 03/08/2021 (Info 703)

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Q

Para caracterização da reincidência específica tratada no art. 44, § 3º, do Código Penal basta que os crimes sejam da mesma espécie?

A

Resumo (Mudança de entendimento!)

REGRA: o condenado que for reincidente em crime doloso, não fará jus à pena restritiva de direitos (art. 44, II, do CP).

EXCEÇÃO: o juiz poderá conceder a pena restritiva de direitos ao condenado, mesmo ele sendo reincidente, desde que cumpridos dois requisitos previstos no § 3º do art. 44:

a) a medida (substituição) deve se mostrar socialmente recomendável;
b) a reincidência não pode ocorrer em virtude da prática do mesmo crime (não pode ser reincidente específico).

Art. 44 (…) § 3º Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.

O que se entende por reincidente específico para os fins do § 3º do art. 44?

É o indivíduo que cometeu um novo crime doloso idêntico.

  • se o condenado tiver praticado um novo crime doloso idêntico: não terá direito à substituição. Ex: João foi condenado por furto simples. Depois, foi novamente condenado por furto simples. Não terá direito à substituição porque a reincidência se operou em virtude da prática do mesmo crime.
  • se o condenado tiver praticado um novo crime doloso da mesma espécie (mas que não seja idêntico): pode ter direito à substituição. Ex: Pedro foi condenado por furto simples (art. 155, caput). Depois, foi novamente condenado, mas agora por furto qualificado (art. 155, § 4º). Em tese, o juiz poderia conceder a substituição porque o furto simples e o furto qualificado são crimes da “mesma espécie”, mas não são o “mesmo crime”.

STJ. 3ª Seção. AREsp 1.716.664-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 25/08/2021 (Info 706).

Inteiro teor

Analogia in malam partem

O § 3º do art. 44 afirma que, para o condenado reincidente ter direito à substituição, a reincidência não pode ter se operado em virtude da prática do “mesmo crime”. O conceito de “mesmo crime” não pode ser ampliado porque isso afrontaria o princípio que veda a analogia in malam partem.

Toda atividade interpretativa parte da linguagem adotada no texto normativo, a qual, apesar da ocasional fluidez ou vagueza de seus termos, tem limites semânticos intransponíveis.

Existe uma distinção entre “mesmo crime” e “crimes de mesma espécie”. Logo, não se pode dizer que são a mesma coisa. Se o legislador optou pela primeira expressão, sua escolha democrática deve ser respeitada.

Reincidência específica

Existem divergências na doutrina sobre o conceito de reincidência específica.

Alguns afirmam que a reincidência específica ocorre “se o crime anterior e o posterior forem os mesmos”.

Outros autores sustentam que a reincidência específica se dá “quando os dois crimes praticados pelo condenado são da mesma espécie”. Esta última definição está em sintonia com o art. 83, V, do CP, que proíbe o livramento condicional para o reincidente específico em crime hediondo - ou seja, quando a reincidência se operar entre delitos daquela espécie. Também no art. 112, VII, da LEP, com as recentes modificações da Lei nº 13.964/2019, o conceito de reincidência específica está atrelado à natureza (hedionda, no caso desse dispositivo) dos delitos, e não à identidade entre os tipos penais em que previstos.