Jurisprudência 2019 Flashcards
O réu tem direito ao regime aberto se o juiz cogitar aplicar-lhe o princípio da insignificância?
A reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto. No entanto, com base no caso concreto, o juiz pode entender que a absolvição com base nesse princípio é penal ou socialmente indesejável. Nesta hipótese, o magistrado condena o réu, mas utiliza a circunstância de o bem furtado ser insignificante para fins de fixar o regime inicial aberto. Desse modo, o juiz não absolve o réu, mas utiliza a insignificância para criar uma exceção jurisprudencial à regra do art. 33, § 2º, “c”, do CP, com base no princípio da proporcionalidade STF. 1ª Turma. HC 135164/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 23/4/2019 (Info 938).
Na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, pár. 2, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade. (INFO 793)
§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.
Se o agente delito é reincidente, mas o valor do bem furto é bastante diminuto, o que deve fazer o juiz?
Em regra, o reconhecimento do princípio da insignificância gera a absolvição do réu pela atipicidade material. Em outras palavras, o agente não responde por nada.
Em um caso concreto, contudo, o STF reconheceu o princípio da insignificância, mas, como o réu era reincidente, em vez de absolvê-lo, o Tribunal utilizou esse reconhecimento para conceder a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, afastando o óbice do art. 44, II, do CP:
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (…) II – o réu não for reincidente em crime doloso;
STF. 1ª Turma. HC 137217/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 28/8/2018 (Info 913).
O princípio da insignificância pode ser reconhecido após o trânsito em julgado?
Sim (HC 95570).
Habeas corpus. Penal. Decisão transitada em julgado. Possibilidade de impetração de habeas corpus. Precedentes. Crime de descaminho. Princípio da insignificância. Possibilidade. Precedentes. Ordem concedida. 1. A jurisprudência desta Suprema Corte consolidou-se no sentido de que “a coisa julgada estabelecida no processo condenatório não é empecilho, por si só, à concessão de habeas corpus por órgão jurisdicional de gradação superior, de modo a desconstituir a decisão coberta pela preclusão máxima” (RHC nº 82.045/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 25/10/02). 2. Nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado no delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao montante mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) legalmente previsto no art. 20 da Lei n° 10.522/02, com a redação dada pela Lei nº 11.033/04. 3. Ordem concedida.
(HC 95570, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 01/06/2010, DJe-159 DIVULG 26-08-2010 PUBLIC 27-08-2010 EMENT VOL-02412-01 PP-00185)
O princípio da insignificância é aplicável para crimes contra a ordem tributária?
SIM.
No caso de descaminho (que também é um crime contra a ordem tributária, embora previsto no CP) também.
Limite: R$ 20.000,00 (Info 622).
Aplica-se o princípio da insignificância para o porde de munição de arma de fogo?
O atual entendimento do do STJ é no sentido de que a apreensão de pequena quantidade de munição, desacompanhada da arma de foto, permite a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela (HC 517.099).
Aplica-se o princípio da insignificância ao crime de contrabando?
Em regra, é inaplicável o princípio da insignificância ao crime de contrabando, uma vez que o bem juridicamente tutelado vai além do mero valor pecuniário do imposto elidido, alcançado também o interesse estatal de impedir a entrada e a comercialização de produtos proibidos em território nacional. Trata-se, assim, de um delito pluriofensivo. (AgRg no REsp 1744739).
Vale ressaltar, no etanto, que o STJ possui alguns precedentes admitindo, de forma excepcional, a aplicação deste princípio para o caso de contrabando de pequena quantidade de medicamento para uso próprio:
A importação de pequena quantidade de medicamento destinada a uso próprio denota a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada, tudo a autorizar a excepcional aplicação do princípio da insignificância (EDcl no AgRg no REsp 1708371).
Pode-se aplicar o princípio da insignificância ao crime de estilionato contra o INSS?
Não. Conduta reprovável, dado que pode agravar o déficit da previdência.
O princípio da insignificância é aplicável ao tráfico de drogas?
Resumo
- O entendimento que vinha prevalecendo na jurisprudência era pela não aplicação.
- Num placar apertado (3x2), a 2 Turma do STF, em caso relativo ao tráfico de 1 grama de maconha, resolveu aplicar o princípio.
- Ministro Gilmar Mendes afirmou que a jurisprudência deve avançar na criação de critérios objetivos para separar o traficante de grante pote do traficante de pequenas quantidades, que vende drogas apenas em razão de seu próprio vício.
CONJUR:
Não haverá crime quando o comportamento não for suficiente para causar um dano, ou um perigo efetivo de dano, ao bem jurídico. O entendimento foi fixado, por maioria, em julgamento virtual pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal.
No caso, uma mulher foi condenada à pena de 6 anos, 9 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicialmente fechado, pela posse de 1 grama de maconha, sem indícios de que a mulher teria anteriormente comercializado maior quantidade de droga.
Prevaleceu entendimento do relator, ministro Gilmar Mendes. Para ele, a jurisprudência deve avançar no sentido de criar critérios dogmáticos objetivos para separar o traficante de grande porte do traficante de pequenas quantidades, que vende drogas apenas para retroalimentar o seu vício.
“Nos parece que a adoção do princípio da insignificância nos crimes de tráfico de drogas se revela um passo importante nessa direção. No caso, não se pode dizer que o oferecimento da pena, por parte do Estado, se revele como uma resposta adequada, nem tampouco necessária, para repelir o tráfico de 1 g de maconha. Em um controle da proporcionalidade em sentido estrito, ainda, salta aos olhos a desproporcionalidade do oferecimento de tal pena”, disse.
Além disso, segundo Gilmar, o caso em análise é um exemplo “emblemático da flagrante desproporcionalidade da própria pena em abstrato prevista para o tipo penal do tráfico de drogas diante de casos em que a quantidade de entorpecentes é irrisória”.
“A solução aqui proposta, para tais casos de flagrante desproporcionalidade entre a lesividade da conduta e a reprimenda estatal oferecida, é a adoção do princípio da insignificância no âmbito dos crimes de tráfico de drogas”, afirmou.
Para o ministro, a doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, “deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada, mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade”.
Condenações anteriores podem ser utilizadas como fundamento para majorar a pena base com fundamento na “conduta social”? E quanto à personalidade?
Eventuais condenações criminais do réu transitadas em julgado e não utilizadas para caracterizar a reincidência somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização também para desvalorar a personalidade ou a conduta social do agente.
A conduta social e a personalidade do agente não se confundem com os antecedentes criminais, porquanto gozam de contornos próprios - referem-se ao modo de ser e agir do autor do delito -, os quais não podem ser deduzidos, de forma automática, da folha de antecedentes criminais do réu. Trata-se da atuação do réu na comunidade, no contexto familiar, no trabalho, na vizinhança (conduta social), do seu temperamento e das características do seu caráter, aos quais se agregam fatores hereditários e socioambientais, moldados pelas experiências vividas pelo agente (personalidade social).
Já a circunstância judicial dos antecedentes se presta eminentemente à análise da folha criminal do réu, momento em que eventual histórico de múltiplas condenações definitivas pode, a critério do julgador, ser valorado de forma mais enfática, o que, por si só, já demonstra a desnecessidade de se valorar negativamente outras condenações definitivas nos vetores personalidade e conduta social. STJ. 3ª Seção. EAREsp 1.311.636-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/04/2019 (Info 947).
Confessando o réu o consumo de drogas, mas não a traficância, pode ser reconhecida a atenuante da confissão espontânea caso ele seja condenado pelo delito de tráfico de drogas?
Resumo
Súmula 630-STJ: A incidência da atenuante da confissão espontânea no crime de tráfico ilícito de entorpecentes exige o reconhecimento da traficância pelo acusado, não bastando a mera admissão da posse ou propriedade para uso próprio.
Dizer o direito
Confissão parcial
A confissão parcial ocorre quando o réu confessa apenas parcialmente os fatos narrados na denúncia. Ex.: o réu foi denunciado por furto qualificado pelo rompimento de obstáculo (art. 155, § 4º, I, do CP). Ele confessa a subtração do bem, mas nega que tenha arrombado a casa.
Se a confissão foi parcial e o juiz a considerou no momento da condenação, este magistrado deverá fazer incidir a atenuante na fase da dosimetria da pena?
SIM. Se a confissão, ainda que parcial, serviu de suporte para a condenação, ela deverá ser utilizada como atenuante (art. 65, III, “d”, do CP) no momento de dosimetria da pena.
Incide a atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do CP, independe se a confissão foi integral ou parcial, quando o magistrado a utilizar para fundamentar a condenação.
Mesmo nas hipóteses de confissão qualificada ou parcial, deve incidir a atenuante prevista no art. 65. III, “d”, do Código Penal, se os fatos narrados pelo autor influenciaram a convicção do julgador.
Essa é a inteligência da Súmula 545 do STJ.
STJ. 5ª Turma. HC 450.201/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 21/03/2019.
Confissão qualificada
A confissão qualificada ocorre quando o réu admite a prática do fato, no entanto, alega em sua defesa um motivo que excluiria o crime ou o isentaria de pena. Ex: eu matei sim, mas foi em legítima defesa.
Obs: por serem muito próximos os conceitos, alguns autores apresentam a confissão parcial e a qualificada como sinônimas.
Se a confissão foi qualificada e o juiz a considerou no momento da condenação, este magistrado deverá fazer incidir a atenuante na fase da dosimetria da pena?
Para o STJ: SIM. Não é possível desmerecer a confissão daquele que efetivamente contribui para a elucidação dos fatos supostamente delituosos, ainda que agregando teses defensivas.
Nos casos em que a confissão do acusado servir como um dos fundamentos para a condenação, deve ser aplicada a atenuante em questão, pouco importando se a confissão foi espontânea ou não, se foi total ou parcial, ou mesmo se foi realizada só na fase policial, com posterior retratação em juízo.
Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal (Súmula 545/STJ), sendo indiferente que a admissão da autoria criminosa seja parcial, qualificada ou acompanhada de alguma causa excludente de ilicitude ou culpabilidade.
STJ. 5ª Turma. HC 450.201/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 21/03/2019.
STJ. 6ª Turma. AgInt no REsp 1775963/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 07/05/2019.
Obs: o STF possui julgados em sentido contrário. Veja: (…) A confissão qualificada não é suficiente para justificar a atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal (…) STF. 1ª Turma. HC 119671, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 05/11/2013.
Como o último julgado do STF sobre o tema é relativamente antigo (2013), em provas, é mais provável que seja cobrado o entendimento do STJ. Fique atenta(o), contudo, à redação do enunciado.
Confissão retratada
A chamada confissão retratada ocorre quando o agente confessa a prática do delito e, posteriormente, se retrata, negando a autoria. Ex: durante o inquérito policial, João confessa o crime, mas em juízo volta atrás e se retrata, negando a imputação e dizendo que foi torturado pelos policiais. O agente confessa na fase do inquérito policial e, em juízo, se retrata, negando a autoria. O juiz condena o réu fundamentando sua sentença, dentre outros argumentos e provas, na confissão extrajudicial.
Se a confissão foi retratada e o juiz a considerou no momento da condenação, este magistrado deverá fazer incidir a atenuante na fase da dosimetria da pena?
Para o STJ: SIM.
Se a confissão do réu foi utilizada para corroborar o acervo probatório e fundamentar a condenação, deve incidir a atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal, sendo irrelevante o fato de que tenha havido posterior retratação, ou seja, que o agente tenha voltado atrás e negado o crime. STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1712556/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/06/2019.
Obs: existem alguns julgados do STF em sentido contrário: a retratação em juízo da anterior confissão policial obsta a invocação e a aplicação obrigatória da circunstância atenuante referida no art. 65, inc. III, alínea ‘d’, do Código Penal (STF. 2ª Turma. HC 118375, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 08/04/2014.
Em suma, na sentença, o juiz poderá utilizar a confissão parcial, a confissão qualificada ou a confissão com retratação posterior para, em conjunto com outras provas, condenar o réu?
SIM.
Neste caso, o juiz deverá aplicar a atenuante do art. 65, III, “d”, do CP?
SIM. Para o STJ, é irrelevante que a confissão tenha sido parcial ou total, condicionada ou irrestrita, com ou sem retratação posterior. Se a confissão foi utilizada pelo juiz como fundamento para a condenação, deverá incidir a atenuante do art. 65, III, “d”, do Código Penal.
Entendimento sumulado
O STJ resumiu seus entendimentos sobre a confissão com a súmula 545:
Súmula 545-STJ: Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal.
CONFISSÃO, TRÁFICO DE DROGAS E POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO
João foi preso, em uma viagem de ônibus, com uma grande quantidade de cocaína em sua mochila.
O Ministério Público denunciou João pela prática do crime do art. 33 da Lei nº 11.343/2006.
No interrogatório, João admitiu que a droga era sua, mas alegou que ela seria utilizada exclusivamente para seu próprio consumo. Disse, em suma, que é usuário de drogas, afirmando ter adquirido o entorpecente em grande quantidade para evitar ter que ir várias vezes à “boca-de-fumo”. A defesa alegou que João deveria ser condenado pela prática do crime previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
O juiz, contudo, não acolheu o pedido e condenou o réu por tráfico de drogas, nos termos do art. 33:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
Suponhamos que, na sentença, havia um trecho dizendo o seguinte: “não há dúvidas de que a droga pertencia ao acusado, considerando que ele próprio confessa que a bolsa sua”. Neste caso, como o réu admitiu a propriedade da droga, ele terá direito à atenuante da confissão espontânea ao ser condenado por tráfico?
NÃO. Isso porque ele confessou a posse da droga para fins de consumo (e não para tráfico).
A atenuante da confissão espontânea pressupõe que o réu reconheça a autoria do fato típico que lhe é imputado. Ocorre que, no caso, o réu não admitiu a prática do tráfico, pois afirmou que a droga era exclusivamente para seu consumo próprio, numa clara tentativa de desclassificar a sua conduta para o crime do art. 28 da Lei nº 11.343/2006.
Nesse caso, em que se nega a prática do tipo penal apontado na peça acusatória, não é possível o reconhecimento da circunstância atenuante.
Para o STJ, não incide a atenuante da confissão espontânea quando o réu não admite a autoria do exato fato criminoso que lhe é imputado:
O reconhecimento da atenuante genérica prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal exige que o réu confesse os fatos pelos quais está sendo devidamente processado. STJ. 6ª Turma. HC 326.526/MS, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 04/04/2017.
Em se tratando do crime de tráfico de entorpecentes, a confissão espontânea do acusado que admite a propriedade da droga, no entanto afirma ser destinada a consumo próprio, sendo mero usuário, impossibilita o reconhecimento da atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal. STJ. 5ª Turma. HC 488.991/PR, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 26/03/2019.
[…]
Vale ressaltar que não se pode dizer que houve confissão parcial neste caso porque o réu admitiu a prática de um fato diferente:
(…) a incidência da atenuante da confissão espontânea, prevista no art. 65, III, alínea d, do Código Penal, no crime de tráfico ilícito de entorpecentes exige o reconhecimento da traficância pelo acusado, não sendo apta para atenuar a pena a mera admissão da propriedade para uso próprio. Nessa hipótese, inexiste, nem sequer parcialmente, o reconhecimento do crime de tráfico de drogas, mas apenas a prática de delito diverso. (…) STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1408971/TO, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 07/05/2019.
Não confundir:
Confissão parcial: Réu confessa apenas parcialmente os fatos narrados na denúncia.
Ex.: réu foi acusado de furto qualificado; confessa a prática do furto, mas nega a qualificadora do rompimento de obstáculo. Deverá incidir a atenuante da confissão espontânea (STJ HC 328.021-SC).
Réu confessa a prática de outro tipo penal diverso daquele narrado na denúncia:
Ex.: réu é acusado de tráfico de drogas (art. 33 da LD); ele confessa que a droga era sua, negando, porém, a traficância. Isso significa que ele confessou a prática de um outro crime, qual seja, o porte para consumo pessoal (art. 28 da LD). Não deverá incidir a atenuante da confissão espontânea, considerando que o réu não reconheceu a autoria do fato típico imputado.
[…]
O entendimento da súmula 630 do STJ não é aplicável para situações envolvendo roubo e furto
Ministério Público oferece denúncia contra o acusado imputando-lhe a prática de roubo.
O réu se defende admitindo a subtração, mas negando o emprego de violência ou grave ameaça.
Em outras palavras, o acusado admitiu a prática de um furto (e não de roubo).
Nesses casos, o STJ tem admitido a incidência da atenuante afirmando que se está diante de confissão parcial:
Embora a simples subtração configure crime diverso - furto -, também constitui uma das elementares do delito de roubo - crime complexo, consubstanciado na prática de furto, associado à prática de constrangimento, ameaça ou violência, daí a configuração de hipótese de confissão parcial. STJ. 5ª Turma. HC 299.516/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 21/06/2018. STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 452.897/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 07/08/2018.
No caso em que a sentença é confirmada por acordão, a redução do prazo prescricional prevista no art. 115 do CP pode ser aplicada se o atingimento de idade superior a 70 anos ocorreu depois da sentença?
Art. 115 - São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Por expressa previsão do art. 115 do CP, são reduzidos pela metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, na data da sentença, maior de 70 anos. O termo sentença deve ser compreendido como a primeira decisão condenatória, seja sentença ou acórdão proferido em apelação.
A redução do prazo prescricional prevista no art. 115 do CP não se relaciona com as causas interruptivas da prescrição previstas no art. 117 do mesmo diploma legal, tratando-se de fenômenos distintos e que repercutem de maneira diversa. STJ. 6ª Turma. HC 316.110-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 25/06/2019 (Info 652).
Obs: vale ressaltar que existem alguns poucos julgados da 6ª Turma do STJ admitindo a aplicação do art. 115 do CP caso o acórdão tenha confirmado a condenação, mas tenha também modificado substancialmente a sentença a ponto de ser considerado um novo édito condenatório. Confira: Havendo substancial modificação da sentença pelo acórdão, que não apenas aumentou o quantum de pena, mas também o próprio lapso prescricional, além de modificar a tipificação conferida ao fato, deve o acórdão ser considerado como novo marco interruptivo da prescrição, inclusive para fins de aplicação do benefício do art. 115 do Código Penal (STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1481022/RS, Rel. p/ Acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 18/09/2018).
Art. 117 - O curso da prescrição interrompe-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - pelo recebimento da denúncia ou da queixa; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - pela pronúncia; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III - pela decisão confirmatória da pronúncia; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
IV - pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis; (Redação dada pela Lei nº 11.596, de 2007).
V - pelo início ou continuação do cumprimento da pena; (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)
VI - pela reincidência. (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)
§ 1º - Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo, a interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2º - Interrompida a prescrição, salvo a hipótese do inciso V deste artigo, todo o prazo começa a correr, novamente, do dia da interrupção. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
O indulto atinge os efeitos secundários da sentença penal?
Súmula 631-STJ: O indulto extingue os efeitos primários da condenação (pretensão executória), mas não atinge os efeitos secundários, penais ou extrapenais. STJ. 3ª Seção. Aprovada em 24/04/2019, DJe 29/04/2019.
Indulto extingue apenas os efeitos principais da condenação
O indulto extingue apenas os efeitos primários da condenação (pretensão executória).
Dito de forma bem simples: o indulto extingue somente a pena ou a medida de segurança. O indulto não atinge os efeitos secundários (penais ou extrapenais):
A concessão do indulto afasta o efeito principal decorrente da condenação, qual seja, o próprio cumprimento da pena anteriormente fixada pela sentença condenatória. No entanto, os efeitos secundários da condenação, tais como aqueles elencados no art. 91 do Código Penal, mas não a eles restritos, não são afetados pela concessão do indulto, ante a inexistência de previsão legal neste sentido, restando mantidas, assim, as devidas anotações junto aos cartórios e ofícios distribuidores acerca da existência do feito. STJ. 5ª Turma. AgInt no RHC 66.190/PR, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 12/03/2019.
A extinção da punibilidade pelo indulto não afasta os efeitos da condenação, dentre eles a reincidência, uma vez que só atinge a pretensão executória. STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 409.588/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 12/12/2017.
Exemplos de situações que não serão afetadas mesmo tendo havido o indulto:
- as anotações do crime continuarão nos cartórios e ofícios distribuidores;
- nome do condenado continua incluído no “rol dos culpados”;
- a condenação que foi objeto de indulto continua tendo força para gerar reincidência (a reincidência não é afastada com a concessão do indulto);
- se o indivíduo havia sido condenado a perder bens e valores, o indulto não irá alterar isso;
- condenado continua com a obrigação de indenizar a vítima.
Não confundir:
ANISTIA
Extingue o efeito primário da condenação (pretensão executória
Extingue também os efeitos secundários penais da condenação (ex: reincidência).
Não extingue os efeitos secundários extrapenais da condenação (ex: tornar certa a obrigação de indenizar, perda da função pública). Os efeitos de natureza civil permanecem íntegros.
GRAÇA E INDULTO
Extingue o efeito primário da condenação (pretensão executória).
NÃO extingue os efeitos secundários penais da condenação.
NÃO extingue os efeitos secundários extrapenais da condenação (ex: tornar certa a obrigação de indenizar, perda da função pública). Os efeitos de natureza civil permanecem íntegros.
O pagamento do débito oriundo de furto de energia elétrica antes do recebimento da denúncia é causa de extinção da punibilidade?
Resumo
- No caso de furto de energia elétrica mediante fraude, o adimplemento do débito antes do recebimento da denúncia não extingue a punibilidade.
- Inaplicabilidade do art. 9 da Lei n. 10.684\2003 e do art. 83 da Lei n. 9.430\96, incluído pela Lei 12.382\2011.
Jurisprudência
O furto de energia elétrica não pode receber o mesmo tratamento dado ao inadimplemento tributário, de modo que o pagamento do débito antes do recebimento da denúncia não configura causa extintiva de punibilidade, mas causa de redução de pena relativa ao arrependimento posterior (art. 16 do CP). Isso porque nos crimes contra a ordem tributária, o legislador (Leis nº 9.249/1995 e nº 10.684/2003), ao consagrar a possibilidade da extinção da punibilidade pelo pagamento do débito, adota política que visa a garantir a higidez do patrimônio público, somente. A sanção penal é invocada pela norma tributária como forma de fortalecer a ideia de cumprimento da obrigação fiscal.
Já nos crimes patrimoniais, como o furto de energia elétrica, existe previsão legal específica de causa de diminuição da pena para os casos de pagamento da “dívida” antes do recebimento da denúncia. Em tais hipóteses, o Código Penal, em seu art. 16, prevê o instituto do arrependimento posterior, que em nada afeta a pretensão punitiva, apenas constitui causa de diminuição da pena.
Outrossim, a jurisprudência se consolidou no sentido de que a natureza jurídica da remuneração pela prestação de serviço público, no caso de fornecimento de energia elétrica, prestado por concessionária, é de tarifa ou preço público, não possuindo caráter tributário. Não há como se atribuir o efeito pretendido aos diversos institutos legais, considerando que o disposto no art. 34 da Lei nº 9.249/1995 e no art. 9º da Lei nº 10.684/2003 fazem referência expressa e, por isso, taxativa, aos tributos e contribuições sociais, não dizendo respeito às tarifas ou preços públicos. STJ. 5ª Turma. HC 412.208-SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 20/03/2018 (Info 622).
Que crime caracteriza a adulteração de sistema de medição de energia elétrica para pagar menos que o devido?
Resumo
- A alteração do sistema de medição, mediante fraude, para que aponte resultado menor do que o real consumo de energia elétrica configura estelionato.
Ex: as fases “A” e “B” do medidor foram isoladas por um material transparente, que permitia a alteração do relógio fazendo com que fosse registrada menos energia do que a consumida. STJ. 5ª Turma. AREsp 1.418.119-DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 07/05/2019 (Info 648).
- Cuidado para não confundir:
- agente desvia a energia elétrica por meio de ligação clandestina (“gato”):crime de FURTO (há subtração e inversão da posse do bem).
- agente altera o sistema de medição para que aponte resultado menor do que o real consumo: crime de ESTELIONATO.
“Gato”
O agente desvia a energia elétrica de sua fonte natural por meio de ligação clandestina, sem passar pelo medidor.
Trata-se de FURTO.
No furto, a fraude tem por objetivo diminuir a vigilância da vítima e possibilitar a subtração da coisa (inversão da posse). O bem é retirado sem que a vítima perceba que está sendo despojada de sua posse. A concessionária não sabe que está fornecendo energia elétrica para aquele indivíduo. Ele está desviando (subtraindo) a energia da rede.
Alteração do sistema de medição
O agente altera o sistema de medição, mediante fraude, para que aponte resultado menor do que o real consumo.
Trata-se de ESTELIONATO.
A fraude tem por finalidade fazer com que a vítima incida em erro e, voluntariamente, entregue o objeto ao agente criminoso, baseada em uma falsa percepção da realidade.
A concessionária sabe que está fornecendo energia elétrica para aquele consumidor, mas a fraude faz com que ela não perceba que ele está pagando menos do que deveria.
João pegou um táxi.
Ao final da corrida, ele saiu do carro e disse que não iria pagar a corrida.
O motorista também saiu do veículo e foi tentar segurá-lo para que ele não fugisse sem quitar o débito.
João puxou, então, uma faca e desferiu um golpe no taxista, que morreu no local.
Que crime João cometeu?
O Ministério Público denunciou João pela prática de roubo seguido do resultado morte, delito tipificado no art. 157, § 2º, II, do CP.
O STJ entendeu que não houve, no contexto delitivo, nenhuma subtração ou tentativa de subtração de coisa alheia móvel, o que afasta a conduta de roubo qualificado pelo resultado, composto pelo verbo “subtrair” e pelo complemento “coisa alheia móvel”.
O agente se negou a efetuar o pagamento da corrida de táxi e desferiu um golpe de faca no motorista, sem (tentar) subtrair objeto algum, de modo a excluir o animus furandi.
Não se pode equiparar “dívida de transporte” com a “coisa alheia móvel” prevista no tipo do art. 157 do Código Penal, sob pena de violação dos princípios da tipicidade e da legalidade estrita, que regem a aplicação da lei penal.
A doutrina conceitua “coisa” como “tudo aquilo que existe, podendo tratar-se de objetos inanimados ou de semoventes”, apontando como imprescindível, ainda, algum valor econômico” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016).
Assim, parece evidente que, embora a dívida do réu para com o motorista tenha, obviamente, valor econômico, não se trata de “coisa”, ao menos para fins de definição jurídica exigida para a correta tipificação da conduta.
O delito de assédio sexual pode ser pratico por professor contra aluna?
O crime de assédio sexual (art. 216-A do CP) é geralmente associado à superioridade hierárquica em relações de emprego, no entanto pode também ser caracterizado no caso de constrangimento cometido por professores contra alunos.
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Caso concreto: o réu, ao conversar com uma aluna adolescente em sala de aula sobre suas notas, teria afirmado que ela precisava de dois pontos para alcançar a média necessária e, nesse momento, teria se aproximado dela e tocado sua barriga e seus seios. STJ. 6ª Turma. REsp 1.759.135/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. p/ Acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/08/2019 (Info 658).
É óbvio que existe uma “ascendência” neste caso, em virtude da “função” desempenhada pelo professor considerando que o docente tem a atribuição e o poder de interferir diretamente na avaliação e no desempenho acadêmico do discente, contexto que lhe gera, inclusive, o receio da reprovação. Logo, a “ascendência” constante do tipo penal não deve se limitar à ideia de relação empregatícia entre as partes. É necessário fazer uma interpretação teleológica do texto legal.
A importação de arma de pressão configura crime?
Configura CONTRABANDO (e não descaminho) a conduta de importar, à margem da disciplina legal, arma de pressão por ação de gás comprimido ou por ação de mola.
A importação de arma de pressão está sujeita à autorização prévia da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército Brasileiro e só pode ser feita por colecionadores, atiradores e caçadores registrados no Exército. Além disso, deve se submeter às normas de desembaraço alfandegário previstas no Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados.
Logo, trata-se de mercadoria de proibição relativa, sendo a sua importação fiscalizada não apenas por questões de ordem tributária, mas outros interesses ligados à segurança pública.
Não é possível aplicar o princípio da insignificância mesmo que a arma de ar comprimido importada seja de calibre inferior a 6 mm, já que este postulado é incabível para contrabando.
STJ. 5ª Turma. REsp 1428628/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 28/04/2015. STJ. 6ª Turma. REsp 1.427.796-RS, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, julgado em 14/10/2014 (Info 551). STF. 2ª Turma. HC 131943/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 7/5/2019 (Info 939).
A importação de arma de ar comprimido constitui crime previsto no Estatuto do Desarmamento?
NÃO. As armas de ar comprimido não estão regidas pela Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) porque este diploma legal trata apenas de armas de fogo. As armas de pressão, por ação de mola ou gás comprimido, não são armas de fogo.
A importação e comercialização de armas de ar comprimido são regidas por qual legislação?
Pelo Decreto nº 9.493/2018 (que aprova o regulamento para a fiscalização de produtos controlados) e por regulamentações expedidas pelo Exército.
A causa de aumento do art. 327, parágrafo segundo, do CP se aplica a diretor de autarquia?
Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.
A causa de aumento prevista no § 2º do art. 327 do Código Penal não pode ser aplicada aos dirigentes de autarquias (ex: a maioria dos Detrans) porque esse dispositivo menciona apenas órgãos, sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações. STF. 2ª Turma. AO 2093/RN, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 3/9/2019 (Info 950).
A conduta de adulterar placa de veículo semirreboque é típica?
O Código Penal prevê o crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor: Art. 311. Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento: (…)
A conduta de adulterar placa de veículo reboque ou semirreboque é formalmente atípica.
O reboque e o semirreboque são veículos, no entanto, não são veículos automotores. Isso porque veículo automotor é aquele que pode circular por seus próprios meios. O reboque e o semirreboque não conseguem circular por seus próprios meios. Precisam ser “puxados” por um veículo automotor. STJ. 6ª Turma. RHC 98.058-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 24/09/2019 (Info 657).
A falta de informação ao Banco Central, por parte de determinada pessoa, de investimento feito no exterior constitui crime?
Resumo
A aplicação financeira não declarada à repartição federal competente no exterior se subsume ao tipo penal previsto na parte final do parágrafo único do art. 22 da Lei nº 7.492/86.
Art. 22. (…) Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.
Ex: indivíduo residente no Brasil subscreveu cotas de fundo de investimento sediado nas Ilhas Cayman e não informou a existência de tais valores na declaração de capitais brasileiros no exterior, que deveria ter sido entregue ao Bacen. STJ. 5ª Turma. AREsp 774.523-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 07/05/2019 (Info 648).
Informativo:
O que a legislação exige para a MANUTENÇÃO de valores no exterior depositados em conta bancária? REGRA: Se a pessoa física ou jurídica domiciliada no Brasil possuir recursos, bens ou valores em outro país, ela ficará obrigada a informar essa situação ao Banco Central. Isso está previsto no Decreto-Lei nº 1.060/69:
Art. 1º Sem prejuízo das obrigações previstas na legislação do imposto de renda, as pessoas físicas ou jurídicas ficam obrigadas, na forma, limites e condições estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, a declarar ao Banco Central do Brasil, os bens e valores que possuírem no exterior, podendo ser exigida a justificação dos recursos empregados na sua aquisição. Parágrafo único. A declaração deverá ser atualizada sempre que houver aumento ou diminuição dos bens, dinheiros ou valores, com a justificação do acréscimo ou da redução.
COMO É ESTA DECLARAÇÃO:
1) se a pessoa possui no exterior menos que 100 mil dólares no dia 31 de dezembro de cada ano: não precisa declarar ao Banco Central.
2) se a pessoa possui entre 100 mil e 100 milhões de dólares no dia 31 de dezembro de cada ano: precisará preencher declaração, destinada ao Banco Central, uma vez por ano, chamada “CBE Anual”.
3) se a pessoa possui 100 milhões de dólares ou mais: precisará apresentar declaração trimestral ao Banco Central. É a chamada “CBE Trimestral”.
Os prazos para entrega da declaração e outras informações estão previstas na Circular nº 3.624/2013 do Banco Central.
A Medida Provisória 2.224/2001 prevê o pagamento de uma multa para quem mantém dinheiro no exterior sem ter declarado ao Banco Central.
A pessoa que remete ou mantém valores no exterior sem observar as exigências legais comete crime?
SIM. Essa pessoa, em tese, pratica o crime do art. 22 da Lei nº 7.492/86, em especial nas figuras do parágrafo único:
Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.
Além disso, a depender do caso concreto, essa pessoa também poderá ser acusada de cometer outros delitos em concurso formal ou material com o referido art. 22. Exemplos:
- Falsificação de documento público (art. 297 do CP), particular (art. 298) ou falsidade ideológica (art. 299).
- Uso de documento falso (art. 304 do CP).
- Crimes contra a ordem tributária (Lei nº 8.137/90).
- Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/98).
Imagine agora a seguinte situação adaptada:
João, rico empresário, domiciliado no Brasil, subscreveu cotas do Opportunity Fund, sediado nas Ilhas Cayman, no valor de 500 mil dólares.
O Opportunity Fund é um fundo de investimento, ou seja, é uma forma de aplicação financeira. A pessoa investe um determinado valor no fundo, que é administrado por especialistas. Este fundo aplica o valor dos investidores e, depois, divide entre os participantes as receitas que conseguir, abatidas as despesas necessárias para o negócio.
Aplicar dinheiro em um fundo de investimento, em princípio, não é crime algum.
O problema foi que João não declarou ao Banco Central que possuía esse dinheiro investido.
Diante disso, o Ministério Público Federal denunciou João pela prática do crime previsto no art. 22, parágrafo único, parte final, da Lei nº 7.492/86: “mantiver [no exterior] depósitos não declarados à repartição federal competente”.
A defesa do réu recorreu ao STJ alegando que possuir cota em fundo de investimento no exterior não se equipara a manter depósito no exterior.
O que decidiu o STJ? Afinal de contas, possuir cota em fundo de investimento no exterior sem que isso seja declarado ao BACEN configura, em tese, crime contra o sistema financeiro nacional?
SIM.
A aplicação financeira não declarada à repartição federal competente no exterior se subsume ao tipo penal previsto na parte final do parágrafo único do art. 22 da Lei nº 7.492/86. STJ. 5ª Turma. AREsp 774.523-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 07/05/2019 (Info 648).
Como vimos acima, a parte final do parágrafo único do art. 22 diz que é crime manter “depósito” no exterior, sem que isso tenha sido declarado à repartição federal competente (Banco Central)
O que é “depósito”, para os fins do art. 22?
Deve-se interpretar o termo “depósito” de acordo com o fim a que se destina a norma, ou seja, tendo em vista a necessidade de proteção do Sistema Financeiro Nacional (SFN).
Como a lei não restringiu, não se pode restringir a palavra “depósito” apenas para conta bancária no exterior. Logo, deve-se considerar crime também a conduta de manter valores depositados em aplicação financeira no exterior, considerando que isso influencia na disponibilidade da moeda (política cambial) e o seu controle é importante para o Sistema Financeiro Nacional. Confira o que diz a doutrina especializada:
“A forma delitiva da segunda parte do parágrafo único igualmente visa à proteção da regular execução da política cambial, uma vez certo que depósitos titulados no exterior constituem-se como um passivo cambial. Ou seja, na expectativa de que um dia retornarão ao País, esses depósitos exigirão ser contraprestacionados em moeda nacional.
Mais especificamente, o controle exercido pelo BACEN sobre depósitos no exterior tem por objetivo mapear o quadro dos capitais brasileiros no exterior e conhecer a composição do passivo externo líquido do País, dados esses convenientes e necessários à boa formatação da política cambial brasileira, sendo essa a finalidade protetiva da norma.
O objeto material da conduta delituosa são os depósitos mantidos pelo agente no exterior, em moeda ou divisas, ao título que forem: como investimento direto, empréstimos, financiamentos etc.
Compreendem-se nessa conceituação, portanto, as disponibilidades financeiras (divisas ou moeda local depositada em conta bancária) ou títulos que lhe sejam correspondentes por uma relação de liquidez imediata (V. g., aplicações em poupança, fundos de investimentos, ações em bolsa de valores, certificados de depósito bancários etc).” (SCHMIDT, Andrei Zenkner; FELDENS, Luciano. O Crime de Evasão de Divisas: A Tutela Penal do Sistema Financeiro Nacional na Perspectiva da Política Cambial Brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 178-179).
“Deve-se incluir no conceito de depósito qualquer tipo de investimento no exterior aplicado no sistema financeiro, tais como, ações, fundos ou cotas de fundos de investimentos (incluindo previdência privada), haja vista o escopo da norma em tutelar o controle das divisas situadas no exterior, abrangendo os respectivos depósitos oriundos de quaisquer tipos de aplicações financeiras, com base na hermenêutica da interpretação sistemática e teleológica.” (NUNES, Leandro Bastos. Evasão de Divisas. 2ª ed., Salvador: Juspodivm, 2017, p. 141-142).
Desse modo, a aplicação financeira realizada por meio da aquisição de cotas do fundo de investimento localizado no exterior e não declarada à autoridade competente (BACEN) preenche a hipótese normativa do art. 22, parágrafo único, parte final, da Lei nº 7.492/86.
É possível a aplicação do benefício do parágrafo 4 do art. 33 da Lei n. 11.343\2006 para um indivíduo condenado por tráfico transnacional (“internacional”) de drogas (transporte de 4 kg de cocaína)?
A Lei de Drogas prevê, em seu art. 33, § 4º, a figura do “traficante privilegiado”, também chamada de “traficância menor” ou “traficância eventual”:
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
A habitualidade no crime e o pertencimento a organizações criminosas deverão ser comprovados pela acusação, não sendo possível que o benefício seja afastado por simples presunção.
Assim, se não houver prova nesse sentido, o condenado fará jus à redução da pena.
A quantidade e a natureza são circunstâncias que, apesar de configurarem elementos determinantes na definição do quanto haverá de diminuição, não são elementos que, por si sós, possam indicar o envolvimento com o crime organizado ou a dedicação a atividades criminosas.
Vale ressaltar, por fim, que é possível a aplicação deste benefício mesmo para condenados por tráfico transnacional de drogas. STF. 2ª Turma. HC 152001 AgR/MT, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgado em 29/10/2019 (Info 958).
Observação: votação aperda da 2 Turma do STF (2x2).
João, de dentro da unidade prisional onde cumpre pena, liderava uma organização criminosa. Com o uso de telefone celular, ele organizava a dinâmica do grupo e comandava o tráfico de drogas, dando ordens para seus comparsas que, de fora do presídio, executavam a comercialização do entorpecente. João foi condenado por tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006). Neste caso, ele deverá ter a sua pena aumentada com base no art. 40, III?
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: (…) III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;
SIM. Se o agente comanda o tráfico de drogas de dentro do presídio, deverá incidir a causa de aumento de pena do art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006, mesmo que os efeitos destes atos tenham se manifestado a quilômetros de distância.
Não é necessário que a droga passe por dentro do presídio para que incida a majorante prevista no art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006. Esse dispositivo não faz a exigência de que as drogas efetivamente passem por dentro dos locais que se busca dar maior proteção, mas apenas que o cometimento dos crimes tenha ocorrido em seu interior. STJ. 5ª Turma. HC 440.888-MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 15/10/2019 (Info 659).
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: (…) III - a infração tiver sido cometida <u><strong>nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais</strong></u>, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;
O delito de lavagem de dinheiro é absorvido pelo de corrupção passiva quando a proprina é recebida no exterior por meio de transação envolvendo offshore?
Resumo
Eduardo Cunha foi condenado pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, por ter solicitado e recebido dinheiro de uma empresa privada para interferir em um contrato com a Petrobrás.
A propina teria sido acertada entre o indivíduo chamado “IC”, proprietário da empresa beneficiada, e “JL”, ex-Diretor Internacional da Petrobrás. O pagamento foi realizado mediante transferências para contas secretas no exterior.
O STF entendeu que não se podia reconhecer a consunção entre a corrupção passiva e a lavagem, considerando que não houve simples pagamento da propina para interposta pessoa, mas sim pagamento mediante utilização de contas secretas no exterior em nome de uma offshore, de um lado, e de um trust, de outro, e da realização de transação por meio da qual a propina foi depositada e ocultada em local seguro. Logo, ficou demonstrada da autonomia entre os delitos. STF. 2ª Turma. HC 165036/PR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 9/4/2019 (Info 937).
Informativo
O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte:
O ex-Deputado Federal Eduardo Cunha foi condenado a 15 anos e 4 meses de reclusão pela prática dos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, por ter solicitado e recebido cerca de 1.311.700 francos suíços de uma empresa privada para interferir em um contrato com a Petrobrás.
A propina teria sido acertada entre o indivíduo chamado “IC”, proprietário da empresa beneficiada, e “JL”, ex-Diretor Internacional da Petrobrás.
O pagamento foi realizado mediante transferências para contas secretas no exterior. Eduardo Cunha impetrou habeas corpus no STF no qual sustenta:
a) a consunção entre os crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro; e
b) como pedido subsidiário, o reconhecimento da ocorrência de concurso formal de crimes entre os atos de corrupção passiva, de lavagem de dinheiro e de evasão de divisas.
O STF acolheu as teses defensivas?
NÃO.
Autonomia entre a corrupção passiva e a lavagem de dinheiro
O impetrante sustentava a consunção dos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, pois ambos os tipos teriam sido realizados por Eduardo Cunha por meio de uma única conduta, o recebimento das vantagens indevidas nas contas secretas sediadas no exterior.
A tese não foi acolhida.
No presente caso, foram realizadas sucessivas transações com a finalidade de possibilitar a ocultação e a dissimulação do resultado patrimonial da corrupção passiva. Assim, o cenário descrito não retrata apenas uma simples percepção de vantagem indevida por intermédio de terceira pessoa, mas a ocultação dos recursos e a dissimulação de sua titularidade, com aptidão da conduta de conferir aparência de licitude ao objeto material do delito de corrupção, propiciando-se fruição oportuna.
O Min. Edson Fachin destacou que o caso de Cunha não se confunde com o julgamento do ex-Deputado Federal João Paulo Cunha na Ação Penal 470 (“Mensalão”), quando o parlamentar foi condenado por corrupção passiva, mas absolvido do crime de lavagem de dinheiro em razão do fato de a propina ter sido sacada em espécie por sua esposa no banco. Conforme destacou o relator, no caso em questão, não se trata de mero pagamento a interposta pessoa, mas sim de pagamento mediante utilização de contas secretas no exterior em nome de uma offshore, de um lado, e de um trust, de outro, e da realização de transação por meio da qual a propina é depositada e ocultada em local seguro.
Inexistência de concurso formal
Quanto ao pedido subsidiário relativo ao reconhecimento do concurso formal de crimes ao invés de concurso material, o Ministro Relator afirmou que as instâncias ordinárias reconheceram a pluralidade de condutas e a autonomia de desígnios.
Para que haja concurso formal, é necessária a prática de uma só conduta, e não foi isso que ficou demonstrado.
No caso concreto, ficou reconhecida a pluralidade de condutas. Cada crime contou com uma ação ou omissão distinta.
Ademais, o crime de lavagem de dinheiro, quando praticado na modalidade típica de “ocultar”, é permanente, protraindo-se sua execução até que os objetos materiais do branqueamento se tornem conhecidos. No crime de corrupção passiva, por sua vez, a consumação é instantânea.
Vale ressaltar, ainda, que as condutas foram praticadas com desígnios próprios (autônomos). Logo, mesmo que reconhecida a ocorrência de concurso formal, haveria concurso formal impróprio, de forma que seria aplicado também o critério da cumulação de penas (mesmo parâmetro adotado no concurso material). Assim, para a defesa não haveria utilidade porque não se poderia aplicar o critério da exasperação, que só vale para o concurso formal próprio.
Configura delito de lavagem de dinheiro o fato de o agente esconder notas de dinheiro recebido como propina nos bolsos do paletó, na cintura e dentro das meias?
Resumo
Não configura o crime de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98) a conduta do agente que recebe propina decorrente de corrupção passiva e tenta viajar com ele, em voo doméstico, escondendo as notas de dinheiro nos bolsos do paletó, na cintura e dentro das meias.
Também não configura o crime de lavagem de dinheiro o fato de, após ter sido descoberto, dissimular (“mentir”) a natureza, a origem e a propriedade dos valores. STF. 1ª Turma. Inq 3515/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 8/10/2019 (Info 955)
Informativo
Segundo a denúncia do Ministério Público, os fatos teriam ocorrido da seguinte forma:
“FC”, Presidente de uma empresa pública federal, teria combinado de pagar dinheiro a “AL” (Deputado Federal e líder do seu partido) com o objetivo de que o parlamentar apoiasse a sua permanência na direção da estatal.
O dinheiro teria sido entregue, em São Paulo (SP), para “J”, assessor do Deputado.
“J” tentou embarcar em um voo de São Paulo com destino a Brasília utilizando passagens aéreas custeadas pelo Deputado Federal.
Durante os procedimentos de segurança no aeroporto, constatou-se que “J” carregava R$ 106 mil em espécie.
Ao ser detido para explicações, ele afirmou que a quantia pertencia ao parlamentar.
A PGR denunciou o Deputado Federal por corrupção passiva (art. 317 do CP) e por lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98):
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
O Ministério Público narrou que o Deputado, com a finalidade de ocultar a quantia ilícita, determinou que “J” camuflasse as notas de dinheiro na roupa (nos bolsos do paletó, na cintura e dentro das meias) e o orientou a dissimular a natureza, a origem e a propriedade dos valores, caso fosse surpreendido.
A 1ª Turma do STF recebeu a denúncia por corrupção passiva, mas rejeitou quanto ao delito de lavagem.
O crime de “branqueamento de capitais” (sinônimo de lavagem de dinheiro) corresponde a conduta delituosa adicional, a qual se caracteriza mediante nova ação dolosa, distinta daquela que é própria do exaurimento da infração antecedente. Entretanto, a procuradoria-geral da República limitou-se a expor, a título de conduta reveladora de lavagem de dinheiro, a obtenção da vantagem indevida proveniente do delito de corrupção passiva.
O ato de receber valores ilícitos integra o tipo previsto no art. 317 do CP, de modo que a conduta de esconder as notas pelo corpo, sob as vestes, nos bolsos do paletó, junto à cintura e dentro das meias, não se reveste da indispensável autonomia em relação ao crime antecedente, não se ajustando à infração versada no art. 1º da Lei nº 9.613/98.
Também se mostram atípicas as condutas apontadas como configuradoras do delito de lavagem de dinheiro na modalidade de dissimulação da origem de valores, visto que ausente ato voltado ao ciclo de branqueamento.
A falta de justificativa a respeito da origem da quantia ou a apresentação de motivação inverossímil estão inseridas no direito do investigado de não produzir prova contra si, sem implicar qualquer modificação na aparência de ilicitude do dinheiro.